terça-feira, 23 de junho de 2020

Uma Saída de Mestre


Estrelado por Michael Caine no fim da década de 1960, Um Golpe à Italiana divertia com seu charme e bom humor, sendo um heist movie (subgênero em que um grupo de personagens se reúne para realizar algum tipo de assalto) que mantinha o espectador envolvido com a execução engenhosa do plano de seu protagonista. E esses são quesitos que foram mantidos quando resolveram realizar um remake. Mas é curioso notar como o diretor F. Gary Gray ainda consegue criar em Uma Saída de Mestre algo muito diferente do material original. E perdi a conta de quantas vezes já assisti ao filme, tamanha diversão que ele proporciona.

Assumindo o papel que no original era de Caine, Mark Wahlberg interpreta Charlie Croker, líder de um grupo de ladrões que é traído por um de seus integrantes, Steve (Edward Norton), após um serviço. Charlie então chama Stella Bridger (Charlize Theron), especialista em cofres e filha de seu mentor John Bridger (Donald Sutherland), para que a gangue possa se vingar de Steve, recuperando no processo os milhões de dólares em barras de ouro que foram roubados naquele trabalho.

Em termos de trama e estrutura, o filme pouco tem de semelhante a Um Golpe à Italiana, preferindo remodelar o material para algo mais atualizado. Se antes Michael Caine praticamente carregava sozinho a narrativa, aqui a dinâmica do elenco diverte desde o princípio, sendo que Mark Wahlberg, Charlize Theron e companhia não só exalam carisma, mas também tem a oportunidade de criar personagens com personalidade, que não ficam definidos por suas funções na equipe. Mas Uma Saída de Mestre mantém-se fiel ao espírito de sua obra original, não desapontando quando parte para a ação e para o desenvolvimento da história, empolgando nas sequências de perseguição de carro e entretendo o público com uma narrativa ágil e inteligente. Tudo isso é conduzido com segurança por F. Gary Gray, que cria um instigante jogo de gato e rato entre Charlie e Steve.

Uma continuação para Uma Saída de Mestre foi especulada por um bom tempo, por conta do sucesso que o filme fez quando lançado em 2003. Mas a ideia acabou não indo pra frente. E até lamento por isso considerando o quão bacana é o filme e seus personagens.

O filme está disponível para streaming na Netflix.

domingo, 21 de junho de 2020

You Should Have Left

Há cerca de 20 anos, Kevin Bacon e o diretor-roteirista David Koepp fizeram Ecos do Além, um terror sobrenatural que trazia o ator no papel de um homem que, após ser hipnotizado, passa a ter visões de uma jovem que desapareceu de sua vizinhança meses antes. Mesmo ficando longe de ser uma obra de destaque no gênero, o filme provocava sua parcela de arrepios, além de contar com o talento de Bacon para carregar a narrativa. Pois bem, agora o ator volta a trabalhar com Koepp neste You Should Have Left, que não consegue nem ser minimamente satisfatório como a parceria anterior da dupla.

Baseado no livro de Daniel Kelhmann (que não li), You Should Have Left coloca Kevin Bacon no papel de Theo Conroy, sujeito de passado obscuro e casado com a jovem atriz Susanna (Amanda Seyfried), com quem tem a pequena Ella (Avery Essex). Com o objetivo de fugir um pouco de suas rotinas, eles resolvem passar alguns dias em uma bela e isolada mansão no País de Gales. Mas o que deveria ser uma experiência relaxante acaba sendo exatamente o contrário.

No início, quando começa a apresentar elementos sobrenaturais, o roteiro escrito pelo próprio David Koepp até consegue deixar o espectador curioso quanto a natureza do que ocorre por ali. Mas You Should Have Left mostra ser uma bomba cuja explosão fica maior à medida que avançamos na história, já que esta, eventualmente, recompensa a curiosidade do público com respostas tolas e previsíveis. E como se não bastasse, Koepp se agarra em uma série de clichês para construir a tensão da narrativa, sendo difícil não revirar os olhos a cada vez que ele utiliza a trilha sonora para nos fazer pular na cadeira.

You Should Have Left até merece alguns créditos pelo design de produção, que concebe a mansão que situa a trama como um local intimidante por sua imponência. Mas no fim o longa acaba servindo mais para desperdiçar o talento de seus atores (especialmente Kevin Bacon, um dos melhores intérpretes de sua geração) com um material vazio.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Quatro Irmãos e Sua Referência ao Faroeste



Uma das coisas bacanas da Arte é a possibilidade de interpretar as intenções por trás das obras. Falando de Cinema, nem todos os filmes são interessantes chamam atenção até nos detalhes mínimos, mas uma grande parte deles é, mesmo aqueles dos quais poderíamos não esperar nada além de um entretenimento eficaz. E sentimos uma sensação gostosa quando percebemos coisas pequenas, mas que são capazes de enriquecer ainda mais a narrativa. Hoje, vou usar Quatro Irmãos, thriller de ação de 2005 e dirigido por John Singleton, como exemplo disso.

No filme, Mark Wahlberg vive Bobby Mercer, cuja mãe adotiva Evelyn (Fionnula Flanagan) é assassinada durante um assalto, o que faz ele retornar à cidade onde cresceu. Se deixando levar pelo instinto de vingança, ele investiga o crime ao lado de seus irmãos Angel, Jeremiah e Jack (Tyrese Gibson, André Benjamin e Garrett Hedlund, respectivamente), e os quatro veem que a morte da mãe pode ter tido motivações maiores do que se imaginava inicialmente.

Pra quem não sabe, o longa é uma refilmagem de Os Filhos de Katie Elder, faroeste de 1965 dirigido por Henry Hathaway e estrelado por John Wayne e Dean Martin. Mas apesar de pegar a mesma premissa, Quatro Irmãos segue caminhos muito diferentes daqueles da obra original. Ao adaptar a trama para os dias atuais e em meio ao inverno da cidade de Detroit, o longa se afasta da estética árida e clássica do faroeste. John Singleton, porém, não ignora as raízes do gênero por completo. Afinal, uma das convenções que se estabeleceram rapidamente no faroeste foi a maneira de identificar os heróis e os vilões. Enquanto os primeiros ganharam o costume de usar chapéus brancos, sinalizando seu bom mocismo e moral inabalável, os últimos usavam chapéus pretos, em um alerta do perigo que representavam (abaixo, Alan Ladd e Jack Palance como Shane e Jack Wilson, respectivamente o herói e o vilão do clássico Os Brutos Também Amam).



Em Quatro Irmãos, os chapéus não ganham destaque, mas isso ocorre porque John Singleton, obviamente, preferiu usar a contraparte invernal do acessório: toucas. É algo que podemos ver com mais força no terceiro ato, durante o embate entre Bobby e o vilão Victor Sweet (Chiwetel Ejiofor). No entanto, Singleton aproveita para mudar um pouco a famosa convenção. Aqui, Sweet é quem utiliza a touca branca, enquanto Bobby surge com a touca preta.

É uma sacada simples, pequena, que não muda nada na trama. Mas acredito que ela revele muito sobre os personagens e como eles veem a si mesmos. Bobby, por exemplo, é um sujeito para quem torcemos ao longo da história, mas que age de maneira brutal diversas vezes, chegando a matar a sangue frio figuras que já deixaram de representar uma ameaça. É um anti-herói clássico, e o fato de ele usar a touca preta não só ajuda a sinalizar isso, mas também mostra que ele próprio não se vê como um exemplo de integridade, sendo capaz de absolutamente qualquer coisa para vingar a mãe.



Enquanto isso, Victor Sweet é um homem tão brutal quanto o protagonista. Ameaçador desde a primeira cena em que aparece, Sweet faz o possível para ter a cidade inteira nas mãos, não hesitando em pegar em armas se o contrário ocorrer. O sujeito gosta tanto do poder que isso lhe traz que não perde uma oportunidade de humilhar seus capangas. Ele estar com a touca branca no embate final, portanto, poderia ser um sinal de pura hipocrisia... A menos que Sweet não se veja como vilão. Na verdade, ele parece alguém que pensa ser um grande salvador da pátria, que encontra justificativa para seus atos no fato de quase todo mundo ao seu redor dever alguma coisa a ele (como os Mercer não estão nessa lista, o embate entre ele e os quatro irmãos é até natural). Mas se ignorarmos tudo isso, talvez Victor Sweet ainda acredite ser, no mínimo, o herói de sua própria vida, alguém que se rebelou contra o tio violento para assumir seu poder, como é mencionado em determinado momento do filme.

Tudo isso, claro, é apenas uma interpretação de minha parte. Pode ser uma grande viagem e John Singleton usou aquelas toucas só porque elas estavam disponíveis no momento. Mas ainda que haja essa possibilidade, é legal quando um filme cativa o espectador e o faz pensar além do que apresenta na superfície.

sábado, 4 de abril de 2020

A Criatividade Inesgotável dos Zumbis



As edições de DVD’s, produzidas por empresas como a Versátil Home Video e a Obras-Primas do Cinema, são alguns dos itens colecionáveis que mais têm me encantado, dando atenção a filmes que são difíceis de encontrar em mídia física no Brasil (isso quando eles não são inéditos). Recentemente, em uma oportunidade que precisei aproveitar (amigos colecionadores certamente conhecem essa sensação), adquiri um dos volumes da coleção de Zumbis, da Versátil, focada em clássicos e pérolas desse subgênero de terror. Sendo mais específico, comprei o terceiro volume, que inclui Zumbi 2: A Volta dos Mortos (1979), Cidade Maldita (1980), Sonho de Morte (1974) e Os Zumbis de Sugar Hill (1974). E eu até poderia ficar exaltando o belo trabalho por trás desses DVD’s, mas no momento prefiro me concentrar na criatividade de como o conceito de zumbis é tratado.

A natureza monstruosa dos zumbis já foi utilizada das mais diversas formas, possibilitando até mesmo metáforas sócio-políticas. Por exemplo, é curioso ver o conceito de mortos-vivos, famintos por humanos, ser usado para trabalhar o estresse pós-traumático de quem retorna de uma guerra, como Bob Clark fez em Sonho de Morte. Ou então ver uma realidade familiar em Cidade Maldita, onde Umberto Lenzi mostra um avião chegar a uma pequena cidade, trazendo um grupo de pessoas infectadas por um vírus e que passam a contaminar a população através de ataques que o governo, inicialmente, tenta abafar a fim de não causar pânico. Relacionar isso ao que certos líderes ao redor do mundo fizeram/fazem diante da atual pandemia de coronavírus foi inevitável e, considerando que o filme é de 1980, parece tratar-se de um modus operandi mais comum do que se imagina.


Indo para o lado do blaxploitation (famoso movimento de filmes focados na comunidade afro-americana, com obras protagonizadas e muitas vezes realizadas por negros), Os Zumbis de Sugar Hill faz um resgate histórico interessante ao “zumbificar” os antigos escravos americanos, que passam a auxiliar a protagonista em sua vingança contra os assassinos de seu namorado, como se ela buscasse apoio em seus antepassados. E claro, às vezes as criaturas podem apenas servir de ponto de partida para que acompanhemos uma série de situações tensas, pontuadas por pura violência, como o lendário Lucio Fulci fez de maneira tão fantástica em Zumbi 2, que deve entrar em listas de grandes filmes do subgênero.

Só entre os citados temos longas feitos em países diferentes, com histórias que nada têm a ver umas com as outras, refletindo culturas diferentes e que contam com forças criativas completamente distintas. E ainda temos o bônus de serem filmes eficazes em suas respectivas propostas. Claro que o que estou dizendo aqui não deixa de ser óbvio. Mas é sempre bom ver que um conceito relativamente simples, como o dos zumbis, já rendeu (e ainda rende) projetos tão variados.



domingo, 5 de janeiro de 2020

Os Melhores e os Piores Filmes de 2019



Dez anos. Em 2019, esse foi o tempo que completei me dedicando a crítica cinematográfica e a este blog. Até por conta disso, lamento e peço desculpas a quem me acompanha neste espaço, já que este acabou sendo o ano menos prolífico que o Linguagem Cinéfila já teve. Compromissos de trabalho foram prioridade ao longo do ano e não tive o tempo que gostaria para me dedicar ao blog. Também acabou sendo o ano em que menos assisti a filmes desde que comecei a contar quantas obras confiro anualmente (para ver a lista completa com os 137 longas-metragens, deixo aqui o link para o meu perfil no Letterboxd).

Por conta disso tudo, pela primeira vez estou publicando depois da virada do ano a lista de melhores e piores filmes. Preferi fazer dessa forma para que eu pudesse assistir a obras que julguei serem essenciais para montar listas relativamente mais justas.

Sem mais delongas, vamos ao que interessa.

Os dez piores filmes lançados no Brasil em 2019:


10) Green Book: O Guia (Green Book), de Peter Farrelly



9) Star Wars: A Ascensão Skywalker (Star Wars: The Rise of Skywalker), de J.J. Abrams



8) X-Men: Fênix Negra (Dark Phoenix), de Simon Kinberg



7) Vidro (Glass), de M. Night Shyamalan


6) Godzilla: Rei dos Monstros (Godzilla: King of the Monsters), de Michael Dougherty



5) Calmaria (Serenity), de Steven Knight



4) Cats, de Tom Hooper



3) Sai de Baixo: O Filme, de Cris D’Amato



2) Rambo: Até o Fim (Rambo: Last Blood), de Adrian Grunberg



1) Hellboy, de Neil Marshall

Outros 6 filmes que merecem menção desonrosa (em ordem alfabética):

Esquadrão 6 (6 Undergroud), de Michael Bay
Homens de Preto: Internacional (Men In Black: International), de F. Gary Gray
Invasão ao Serviço Secreto (Angel Has Fallen), de Ric Roman Waugh
A Mula (The Mule), de Clint Eastwood
Projeto Gemini (Gemini Man), de Ang Lee
Shaft, de Tim Story

Os dez melhores filmes lançados no Brasil em 2019:


10) A Vida Invisível, de Karim Aïnouz






8) Fora de Série (Booksmart), de Olivia Wilde



7) Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles



6) Era Uma Vez... Em Hollywood (Once Upon a Time… in Hollywood), de Quentin Tarantino









3) Cafarnaum (Capharnäum), de Nadine Labaki



2) Parasita (Gisaengchung), de Bong Joon-ho



1) O Irlandês (The Irishman), de Martin Scorsese

Outros 17 filmes que merecem menção honrosa (em ordem alfabética):

Clímax (Climax), de Gaspar Noé
Coringa (Joker), de Todd Phillips
Creed II, de Steven Caple Jr.
Democracia em Vertigem, de Petra Costa
Dois Papas (The Two Popes), de Fernando Meirelles
Dor e Glória (Dolor y Gloria), de Pedro Almodóvar
Doutor Sono (Doctor Sleep), de Mike Flanagan
El Camino: Um Filme de Breaking Bad (El Camino: A Breaking Bad Movie), de Vince Gilligan
A Favorita (The Favourite), de Yorgos Lanthimos
Ford vs. Ferrari (Ford v Ferrari), de James Mangold
História de um Casamento (Marriage Story), de Noah Baumbach
John Wick 3: Parabellum (John Wick: Chapter 3 – Parabellum), de Chad Stahelski
Nós (Us), de Jordan Peele
A Odisseia dos Tontos (La Odisea de los Giles), de Sebastián Borensztein
Toy Story 4, de Josh Cooley
Turma da Mônica: Laços, de Daniel Rezende
Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame), de Anthony Russo e Joe Russo

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Entre Facas e Segredos


Harlan Thrombey (Christopher Plummer), um renomado escritor de livros policiais, é encontrado morto no dia seguinte a sua festa de aniversário. Mesmo que tudo aponte para um suicídio, o FBI representado pelo detetive Elliott (Lakeith Stanfield) interroga os membros da família Thrombey para esclarecer as coisas. Isso até o detetive particular Benoit Blanc (Daniel Craig) entrar em cena, com suas investigações apontando para um possível homicídio no qual todos passam a ser suspeitos, incluindo a jovem Marta (Ana de Armas), enfermeira do falecido.

Escrito e dirigido pelo excelente Rian Johnson (de filmaços como A Ponta de Um Crime, Looper e Star Wars: Os Últimos Jedi), este Entre Facas e Segredos é uma clássica trama de “whodunnit” (ou “quem matou?”) no estilo daquelas tornadas tão famosas principalmente pela grande Agatha Christie. E Johnson a desenvolve com uma precisão admirável, inserindo gradualmente elementos aparentemente triviais, mas que ganham importância mais adiante (o velho recurso de “pista e recompensa”). Isso ocorre com frequência ao longo da projeção, sendo que o diretor merece créditos por sua sutileza, nunca sentindo necessidade de chamar atenção para o que está fazendo. E se esses truques já ajudam a manter o espectador instigado quanto ao desenrolar da história e sua resolução, o cineasta e o montador Bob Duncsay ainda concebem uma narrativa ágil, que não perde seu ritmo envolvente mesmo quando o roteiro retorna a determinados pontos da trama a fim de deixar claro todo o quebra-cabeça de seu mistério.


Mas além de contar uma história de detetive que segue bem a fórmula do gênero (o que jamais torna o filme previsível), Rian Johnson usa as peças de seu tabuleiro para fazer comentários sociais relevantes. Nisso, é interessante ver ele apontar seu dedo para a ganância infinita da elite, representada pelos Thrombey, mostrando como aquelas pessoas parecem nunca estar satisfeitas com a riqueza que têm. Além disso, Johnson também faz questão de mostrar a hipocrisia dessa elite para com os mais pobres, representados pela figura humilde de Marta, personagem bem tratada por todos, mas apenas enquanto isso convêm a eles, não sendo à toa que ela seja estabelecida não só como a protagonista do filme, mas também como a bússola moral da história.


Marta que, aliás, é vivida com carisma pela ótima Ana de Armas, uma atriz cujo talento tem ficado evidente desde seu belo trabalho em Blade Runner 2049. E o destaque que ela consegue ter aqui é ainda mais notável quando vemos o elenco absolutamente fantástico do qual ela faz parte. Daniel Craig, por exemplo, faz de Benoit Blanc um detetive cuja inteligência e atenção aos detalhes fazem jus a Hercule Poirot e Sherlock Holmes, sendo bom ver que o ator tem cuidado para criar um personagem que tem sua própria personalidade, desde seus trejeitos até seu modo de falar. Já Christopher Plummer aproveita suas cenas como Harlan para encher a tela de calor humano, ao passo que intérpretes como Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Michael Shannon, Toni Collette e Chris Evans encarnam a ambiguidade moral dos outros membros da família Thrombey com um brilhantismo ímpar.


O que Entre Facas e Segredos tem de intrigante ele também tem de divertido. E por se tratar de um filme tão bem construído por seu realizador, é possível que suas qualidades sejam potencializadas caso o espectador decida assisti-lo novamente.

Agatha Christie ficaria orgulhosa de Rian Johnson.

Nota:


quinta-feira, 17 de outubro de 2019

El Camino: A Breaking Bad Movie


(Obs.: O texto a seguir contém spoilers tanto de Breaking Bad quanto de El Camino)

Após se livrar de seus captores graças a ajuda de seu velho sócio Walter White (Bryan Cranston), Jesse Pinkman (Aaron Paul) desbrava pela estrada em um veículo El Camino, vibrando e acelerando loucamente em meio a escuridão da noite, partindo rumo a um futuro que, apesar de não ser bem definido, imaginamos que será melhor para ele. Tratava-se de um final digno para o personagem, que chegava ao último episódio da fantástica Breaking Bad (melhor série que já tive o prazer de assistir) como a maior vítima de Walter (ou melhor, Heisenberg). E mesmo que Jesse estivesse longe de ser um santo, ainda era um personagem que víamos como essencialmente bom.

Pois bem, eis que agora estamos diante de El Camino, filme escrito e dirigido pelo próprio criador de Breaking Bad, Vince Gilligan, e que dá continuidade a história de Jesse, contando o que aconteceu com ele logo depois de sua fuga. É então que passamos a acompanhar o rapaz em um plano para recomeçar sua vida, o que não é nada fácil quando se é um foragido.


El Camino traz basicamente tudo o que fazia de Breaking Bad uma série tão fascinante. Sendo assim, a lógica visual empregada por Vince Gilligan continua àquela que havia sido estabelecida na série, desde o uso de cores até os raccords (cortes que mantêm a continuidade entre um plano e outro) inseridos pontualmente na excelente montagem de Skip Macdonald. É bacana, por exemplo, ver que o local para onde Jesse deseja ir é banhado por uma fotografia mais propensa ao azul, cor que Gilligan nos acostumou a conectar automaticamente a uma certa pureza, e que tanto surgia nas roupas usadas por Skyler White (então interpretada por Anna Gunn). Além disso, Gilligan é hábil ao conceber cenas angustiantes e que colocam à prova a torcida do público pelo protagonista, como quando ele se vê tendo que se esconder de alguma ameaça, o que ocorre com certa frequência ao longo do filme. Mas é impossível não destacar em meio a isso o duelo que ocorre no terceiro ato, que encanta por sua tensão e pela linguagem de faroeste imposta pelo diretor.


Enquanto isso, Aaron Paul volta ao papel de Jesse com o imenso talento que já exibia em Breaking Bad. Quando o personagem surge em um flashback ao lado de Heisenberg, podemos ver o quanto ele mudou ao longo da série até chegar em El Camino, algo muito bem ilustrado pelo ator. O jovem irresponsável e cheio de vida deu lugar a uma figura comedida e traumatizada, cujas cicatrizes físicas refletem também as cicatrizes emocionais que acumulou ao longo do tempo. Trata-se de um trabalho primoroso de um intérprete que, obviamente, conhece seu personagem como a palma de sua mão.

El Camino não deixa de ser uma produção desnecessária, considerando que dá continuidade a algo que já havia sido muito bem finalizado. Mas fico feliz que Vince Gilligan tenha levado o projeto adiante, dando um final ainda mais belo e redentor a um personagem merecedor de algo assim.

Nota: