quarta-feira, 8 de abril de 2020

Quatro Irmãos e Sua Referência ao Faroeste



Uma das coisas bacanas da Arte é a possibilidade de interpretar as intenções por trás das obras. Falando de Cinema, nem todos os filmes são interessantes chamam atenção até nos detalhes mínimos, mas uma grande parte deles é, mesmo aqueles dos quais poderíamos não esperar nada além de um entretenimento eficaz. E sentimos uma sensação gostosa quando percebemos coisas pequenas, mas que são capazes de enriquecer ainda mais a narrativa. Hoje, vou usar Quatro Irmãos, thriller de ação de 2005 e dirigido por John Singleton, como exemplo disso.

No filme, Mark Wahlberg vive Bobby Mercer, cuja mãe adotiva Evelyn (Fionnula Flanagan) é assassinada durante um assalto, o que faz ele retornar à cidade onde cresceu. Se deixando levar pelo instinto de vingança, ele investiga o crime ao lado de seus irmãos Angel, Jeremiah e Jack (Tyrese Gibson, André Benjamin e Garrett Hedlund, respectivamente), e os quatro veem que a morte da mãe pode ter tido motivações maiores do que se imaginava inicialmente.

Pra quem não sabe, o longa é uma refilmagem de Os Filhos de Katie Elder, faroeste de 1965 dirigido por Henry Hathaway e estrelado por John Wayne e Dean Martin. Mas apesar de pegar a mesma premissa, Quatro Irmãos segue caminhos muito diferentes daqueles da obra original. Ao adaptar a trama para os dias atuais e em meio ao inverno da cidade de Detroit, o longa se afasta da estética árida e clássica do faroeste. John Singleton, porém, não ignora as raízes do gênero por completo. Afinal, uma das convenções que se estabeleceram rapidamente no faroeste foi a maneira de identificar os heróis e os vilões. Enquanto os primeiros ganharam o costume de usar chapéus brancos, sinalizando seu bom mocismo e moral inabalável, os últimos usavam chapéus pretos, em um alerta do perigo que representavam (abaixo, Alan Ladd e Jack Palance como Shane e Jack Wilson, respectivamente o herói e o vilão do clássico Os Brutos Também Amam).



Em Quatro Irmãos, os chapéus não ganham destaque, mas isso ocorre porque John Singleton, obviamente, preferiu usar a contraparte invernal do acessório: toucas. É algo que podemos ver com mais força no terceiro ato, durante o embate entre Bobby e o vilão Victor Sweet (Chiwetel Ejiofor). No entanto, Singleton aproveita para mudar um pouco a famosa convenção. Aqui, Sweet é quem utiliza a touca branca, enquanto Bobby surge com a touca preta.

É uma sacada simples, pequena, que não muda nada na trama. Mas acredito que ela revele muito sobre os personagens e como eles veem a si mesmos. Bobby, por exemplo, é um sujeito para quem torcemos ao longo da história, mas que age de maneira brutal diversas vezes, chegando a matar a sangue frio figuras que já deixaram de representar uma ameaça. É um anti-herói clássico, e o fato de ele usar a touca preta não só ajuda a sinalizar isso, mas também mostra que ele próprio não se vê como um exemplo de integridade, sendo capaz de absolutamente qualquer coisa para vingar a mãe.



Enquanto isso, Victor Sweet é um homem tão brutal quanto o protagonista. Ameaçador desde a primeira cena em que aparece, Sweet faz o possível para ter a cidade inteira nas mãos, não hesitando em pegar em armas se o contrário ocorrer. O sujeito gosta tanto do poder que isso lhe traz que não perde uma oportunidade de humilhar seus capangas. Ele estar com a touca branca no embate final, portanto, poderia ser um sinal de pura hipocrisia... A menos que Sweet não se veja como vilão. Na verdade, ele parece alguém que pensa ser um grande salvador da pátria, que encontra justificativa para seus atos no fato de quase todo mundo ao seu redor dever alguma coisa a ele (como os Mercer não estão nessa lista, o embate entre ele e os quatro irmãos é até natural). Mas se ignorarmos tudo isso, talvez Victor Sweet ainda acredite ser, no mínimo, o herói de sua própria vida, alguém que se rebelou contra o tio violento para assumir seu poder, como é mencionado em determinado momento do filme.

Tudo isso, claro, é apenas uma interpretação de minha parte. Pode ser uma grande viagem e John Singleton usou aquelas toucas só porque elas estavam disponíveis no momento. Mas ainda que haja essa possibilidade, é legal quando um filme cativa o espectador e o faz pensar além do que apresenta na superfície.

Nenhum comentário: