quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Ponte dos Espiões

Situado entre o final da década de 1950 e início da de 1960, em plena Guerra Fria, Ponte dos Espiões traz, em seus primeiros minutos, agentes do FBI seguindo Rudolph Abel (Mark Rylance), suspeito de ser um espião da União Soviética. É uma sequência gradualmente tensa e conduzida com calma por Steven Spielberg, de forma que é fácil ter a impressão de que o diretor voltou em ótima forma. E é bom poder dizer que o restante da projeção confirma isso, ainda que o cineasta não deixe certos vícios de lado.

O filme foca sua história em James B. Donovan (Tom Hanks), advogado que recebe a tarefa de defender Abel, algo que ele faz de maneira justa mesmo com todos ao seu redor querendo ver o sujeito na cadeira elétrica. Após salvar o espião desse destino, mas não de algumas décadas na prisão, Donovan é chamado para negociar a soltura de um piloto americano que foi preso pelos soviéticos, fazendo o advogado levar adiante a possibilidade de os países apenas fazerem uma troca de prisioneiros, sem maiores desavenças.

O aspecto mais admirável de Ponte dos Espiões é sua humanidade, que não deixa de ser um reflexo do próprio protagonista. Vivido brilhantemente por Tom Hanks, James Donovan é um homem inteligente e que não vê vitória alguma em vidas perdidas, e é interessante vê-lo se manter a essa visão mesmo quando seus superiores parecem não lhe dar saída. Enquanto isso, Spielberg conduz a trama de maneira instigante e retratando com propriedade a tensão política da Guerra Fria. Ocasionalmente ele se entrega ao sentimentalismo que tem surgido com ênfase em seus trabalhos, mas ao menos aqui isso ocorre de maneira mais contida, não chegando a atrapalhar a grande história que ele está contando e cuja força se mantém do início ao fim, tornando o filme um belo destaque.


Nota:


Goosebumps: Monstros e Arrepios

Depois de render uma série de TV de sucesso na década de 1990 (e que tinha a pessoa que vos fala como um espectador frequente), os livros de Goosebumps agora ganham um filme pelas mãos de Rob Letterman, que retoma a parceria com Jack Black. Poderíamos até esperar um desastre considerando que o crédito anterior da dupla é As Viagens de Gulliver, mas dessa vez eles conseguem fazer algo interessante.

Goosebumps não adapta uma história específica dos livros originais, preferindo desenvolver uma que aborde o máximo possível do material que tem em mãos. Com isso em mente, o filme acompanha o jovem Zach (Dylan Minnette), que se muda com a mãe, Gale (Amy Ryan) para a cidade de Madison. Logo ele fica amigo de sua vizinha, Hannah (Odeya Rush), cujo pai, Sr. Shivers (Black), não é uma pessoa das mais agradáveis. Ao investigarem a casa da garota para provar a natureza maldosa do sujeito, Zach e o amigo Champ (Ryan Lee) acabam libertando as criaturas dos livros dele, mostrando que Shivers é, na verdade, R.L. Stine, o próprio criador de Goosebumps. É então que todos passam a tentar capturar os monstros antes que eles causem um desastre na cidade.

Lembrando Gremlins e Jumanji, Goosebumps diverte com boa parte de suas sacadas, que até ganham toques de metalinguagem em determinados momentos, além de se mostrar ágil ao se concentrar na correria dos personagens para pegar todos os monstros. Personagens estes que ganham um bem-vindo carisma do elenco, que é liderado por um Jack Black excêntrico e cativante em sua caracterização fictícia de R.L. Stine. Goosebumps propõe ser um entretenimento leve e divertido, e mesmo não sendo particularmente inspirado e não fugindo muito da obviedade, o filme cumpre esse objetivo eficientemente.


Nota:


quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sicario: Terra de Ninguém

Denis Villeneuve é um cineasta que não cansa de fascinar. Produções como Polytechnique, Incêndios, Os Suspeitos e O Homem Duplicado provam que ele é um realizador que consegue impor com propriedade a força, por vezes descomunal, de suas histórias, conduzindo narrativas instigantes e que trazem atmosferas de tensão absolutamente impressionantes. Se juntando aos filmes citados agora vem este Sicario, onde Villeneuve encara a guerra contra as drogas e os conflitos morais de seus envolvidos, abraçando sem pudores esse material e acrescentando mais um título poderoso em sua filmografia.

Escrito por Taylor Sheridan, Sicario mostra como o combate às drogas está longe de ter um fim, sendo algo tão grande que nenhum esforço para contê-lo parece ter muito impacto. É o que a agente do FBI Kate Macer (Emily Blunt) percebe após uma missão envolvendo um cartel mexicano, na qual encontra cadáveres escondidos em uma casa e vê companheiros serem mortos. Querendo justiça, ela não pensa duas vezes antes de aceitar o convite para fazer parte da força-tarefa liderada por Matt Graver (Josh Brolin) e Alejandro Gillick (Benicio Del Toro), que promete ir atrás dos responsáveis e realmente incomodar os carteis. Mas os métodos deles vão contra aquilo que Kate acredita ser o certo, levantando uma série de dúvidas quanto ao que está sendo realizado na missão.

A guerra vista em Sicario tratou de construir um universo onde a desumanidade aparece por toda parte, e encontrar alguém aqui que seja plenamente bom ou mal não é comum, com quase todos sendo capazes de agir da melhor ou pior forma possível enquanto visam seus objetivos, contribuindo para a complexidade moral dessas pessoas e para a imprevisibilidade quanto ao que encontraremos na trama. Indivíduos como Matt e Alejandro, homens já calejados nessa área, adquiriram uma visão em que ignorar leis e responder com a mesma desumanidade às atrocidades desse universo pode ser o melhor jeito de obter resultados (em resumo, é a velha história de “os fins justificam os meios”). E se digo “pode” é porque não há certeza com relação a isso, detalhe que o roteiro deixa claro quando Matt fica um pouco aliviado pela legitimidade de uma informação conseguida através de tortura, já que, no fim das contas, isso é um verdadeiro golpe de sorte.

A maneira como vemos tais princípios se chocarem com o idealismo seguido por Kate é um dos aspectos mais ricos de Sicario, e isso se deve principalmente ao modo como os personagens são desenvolvidos, mostrando como o conflito no qual eles estão inseridos acaba afetando-os. Vivida brilhantemente por Emily Blunt, a protagonista não demora muito para perceber onde se meteu, e mesmo assim usa suas forças para manter seus ideais, por mais que as circunstâncias supliquem para que ela os deixe de lado, algo que seus líderes fizeram há muito tempo. Falando neles, Matt é um personagem que não ganha muita profundidade, mas mais do que compensa isso com seu jeito manipulador e influente, que Josh Brolin encarna com grande talento. Aliás, a forma como Denis Villeneuve apresenta o sujeito, focando suas roupas casuais e chinelos num ambiente onde a elegância dos ternos parece obrigatória, é perfeita para estabelecer não só a personalidade dele, mas também o poder de sua posição. Já Alejandro é gradualmente estabelecido pelo fantástico Benicio Del Toro como um homem frio e perturbado, dando indícios de que conhece a violência de seu meio de trabalho melhor do que ninguém. Com uma atuação minimalista e magnética, Del Toro rouba quase todas as cenas do filme, dominando principalmente a reta final da trama e merecendo atenção especial na temporada de premiações.

Enquanto isso, Denis Villeneuve comanda uma narrativa onde tranquilidade é um detalhe a ser visto com estranheza, tamanho espaço consumido pelo universo corrompido mostrado na história. Com o auxílio precioso e sutil da trilha de suspense de Jóhann Jóhannsson, da montagem arrebatadora de Joe Walker e da fotografia claustrofóbica do mestre Roger Deakins, Villeneuve mais uma vez se vê criando uma atmosfera de tensão absurdamente intensa ao redor dos personagens. Dando tamanho peso à narrativa, o cineasta praticamente afunda o espectador na cadeira do cinema, nos mantendo quase sem respirar em determinados momentos, como na sequência que se passa em uma rodovia, na breve luta que ocorre em um apartamento ou no pequeno jantar de família no terceiro ato.

Sicario não é um filme particularmente fácil de digerir. Ao retratar de maneira complexa e profundamente inquietante um aspecto da realidade que vivemos, Denis Villeneuve faz um longa exaustivo e que fica regurgitando na cabeça do espectador mesmo após a sessão, causando um impacto difícil de ignorar ou de esquecer. Impacto este que só grandes filmes alcançam, e sem dúvida estamos falando de um dos melhores do ano.

Nota:


sábado, 17 de outubro de 2015

The Final Girls

(Crítica originalmente publicada no Papo de Cinema)
The Final Girls é um daqueles filmes que busca fazer graça a partir do próprio cinema, pegando um gênero específico e homenageando-o ao brincar com suas convenções, e aqui os slasher movies (longas que colocam um assassino insano matando várias pessoas, especialmente adolescentes) novamente ganham atenção. Não é uma proposta original, claro, mas pode proporcionar uma experiência interessante se aproveitada com inteligência, e produções como Pânico O Segredo da Cabana são provas disso. Em The Final Girls a situação não é diferente, ao revelar um ótimo nível de criatividade na forma como aborda seu material.
Escrito por M.A. Fortin e Joshua John Miller, The Final Girls nos apresenta a jovem Max Cartwright (Taissa Farmiga, irmã de Vera), cuja mãe, Amanda (Malin Akerman), foi uma das estrelas de Camp Bloodbath, um cultuado slasher movie da década de 1980, feito nos moldes de Sexta-Feira 13. Três anos depois da morte da mãe, Max vai a uma sessão especial do longa, mas um incêndio transforma a exibição em caos. A garota tenta fugir com os amigos Chris (Alexander Ludwig), Gertie (Alia Shawkat), Vicki (Nina Dobrev) e Duncan (Thomas Middleditch), mas o grupo acaba entrando no filme – numa possível referência ao lado escapista do cinema – e tendo que enfrentar o que acontece por ali de acordo com a história. Pra completar, Max ainda tem de lidar com o quase reencontro com a mãe, que aparece no papel da indefesa Nancy.
The Final Girls traz em Camp Bloodbath uma produção que claramente tem todos os clichês dos slasher movies. Seus personagens são jovens estúpidos que só querem saber de sexo, o que sacramentará sua morte se de fato fizerem. O acampamento onde estão é isolado, há o assassino mascarado cujas motivações não poderiam ser mais lugar-comum, assim como a menina virgem que sobra no final da história para salvar o dia, e... Enfim, é muita coisa. O legal disso é que o longa tem plena noção de onde está se metendo, e o diretor Todd Strauss-Schulson consegue divertir calorosamente apontando os clichês e explorando a relação de seus personagens com o universo fílmico, aproveitando muito bem desde o próprio conhecimento deles quanto ao desenrolar da história deste filme-dentro-do-filme, até o fato de eles poderem mudar o rumo desta trama, em jogadas de metalinguagem muito eficientes.
Há de se ressaltar que, mesmo brincando com essas convenções do subgênero, The Final Girls não deixa de se entregar um pouco a elas. No entanto, o roteiro faz isso ao mesmo tempo em que foge da obviedade, como se vê no desenvolvimento do enredo, em suas ótimas sacadas e nos personagens, que seguem estereótipos comuns, mas não ficam limitados a eles. Aliás, um dos pontos mais interessantes do filme é acompanhar a interação de Max e seus amigos com o pessoal de Camp Bloodbath, algo divertido por estes agirem de acordo com sua unidimensionalidade e jeito oitentista, enquanto os outros têm cabeças mais pensantes e contemporâneas. Além disso, o carisma do elenco ajuda em nossa identificação com as figuras na tela, e por nos importarmos com elas, consequentemente algumas cenas proporcionam tensão e peso à narrativa. Taissa Farmiga (que, se houver justiça no mundo, será uma estrela tão reconhecida quanto a irmã) e Malin Akerman, em especial, se destacam ao exibir uma dinâmica tocante graças a relação de mãe e filha entre suas personagens.
É bacana ver um subgênero como o dos slasher movies, que mesmo quando ruim ainda é capaz de render guilty pleasures interessantes, mais uma vez ganhar uma homenagem tão agradável quanto The Final Girls. Divertindo sem ofender a inteligência do público, o longa é uma grata surpresa, fazendo jus a produções que seguem a mesma linha.

Nota:


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A Colina Escarlate

Talvez o que eu vá dizer a seguir soe estranho, mas a cabeça de Guillermo del Toro deve ser um belo lugar para se morar. Dono de uma grande imaginação e de um senso estético primoroso, o diretor mexicano é capaz de criar histórias que fascinam com seus universos fantásticos e com a força criativa com a qual são conduzidos. Em A Colina Escarlate, o cineasta volta a mostrar seu talento como contador de histórias, usando para isso a influência de romances góticos e longas de terror como àqueles feitos pela Hammer na década de 1960.

Escrito pelo próprio diretor em parceria com Matthew Robbins, A Colina Escarlate se passa na Inglaterra do século 19, quando a jovem escritora Edith Cushing (Mia Wasikowska) se casa com o misterioso baronete Thomas Sharpe (Tom Hiddlestom) após uma tragédia pessoal. Ela, então, vai morar com ele e sua irmã, Lucille (Jessica Chastain), na mansão deles. Mas o que deveria ser o início de uma nova vida acaba não saindo como planejado, com direito ao retorno de fantasmas que assombram Edith desde a infância.

Apesar de parecer, Guillermo del Toro não usa os fantasmas como a grande fonte de sustos de sua narrativa. Na verdade, ainda que o diretor tente causar alguns pulos na cadeira em determinados momentos, seu objetivo principal ao longo do filme não é esse, nem apostar em uma série de mistérios para manter o espectador curioso quanto a possíveis revelações, tanto que ele não faz segredo quanto às intenções de certos personagens, deixando sua natureza mais ou menos clara para o público, mas não para a protagonista, que fica no escuro com relação a isso. E é principalmente a partir desse aspecto que o cineasta constrói sua atmosfera de tensão, algo que ele conduz maravilhosamente, mostrando que a capacidade dos seres humanos de fazer mal uns aos outros pode ser muito mais inquietante do que a aparente ameaça representada pelos fantasmas, que surgem pontualmente na história e servem como um ótimo complemento ao tom aterrorizante dado à narrativa, numa jogada até inteligente por parte do roteiro.

Somando a isso, o design de produção brilha não só pela excelente recriação de época, mas também pela concepção das mansões vistas no filme, sendo apropriado o contraste entre o lar confortável onde Edith mora inicialmente com o pai, Carter (Jim Beaver), com àquele dos irmãos Sharpe, um pouco mal acabado (mas não menos belo) e isolado. Enquanto isso, a fotografia de Dan Laustsen (substituindo o colaborador habitual do diretor, Guillermo Navarro) auxilia a atmosfera assombrosa através do uso de sombras e cores mais frias, ao passo que a montagem de Bernat Vilaplana impõe um ritmo gradualmente mais ágil e envolvente, além de pular organicamente entre a trama principal envolvendo Edith e a subtrama da pequena investigação feita pelo médico Alan McMichael (Charlie Hunnam), que ganha espaço ocasionalmente.

Provando ser uma atriz cada vez melhor, Mia Wasikowska interpreta Edith Cushing (por sinal, bela referência a um astro da Hammer, Peter Cushing) como uma garota forte e que está à frente de seu tempo, ficando indignada com quem pensa que, só por ser mulher, ela deve escrever histórias de amor (não à toa, ela diz preferir ser uma escritora como Mary Shelley). Podemos até dizer que boa parte do porquê de a tensão da narrativa funcionar se deve ao fato de Edith se revelar uma figura tão interessante, além de estar em uma situação vulnerável. Já Tom Hiddleston exibe talento ao encarnar Thomas Sharpe como um homem dividido entre seus interesses e os próprios sentimentos, enquanto Charlie Hunnam traz seu carisma habitual a Alan McMichael, conseguindo ser um pouco mais do que apenas o segundo interesse amoroso da protagonista. Fechando o elenco, a fantástica Jessica Chastain cria uma Lucille Sharpe amedrontadora desde seu primeiro segundo em cena, com uma frieza que se encaixa perfeitamente nas motivações da personagem.

Devido a calma para apresentar as peças que compõem sua narrativa, A Colina Escarlate não chega a fisgar o espectador logo de cara. Mas depois que Guillermo del Toro estabelece tudo isso e a proposta que pretende seguir, o filme cresce a cada minuto, servindo como mais uma prova da genialidade de seu fascinante realizador.

Nota:


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Peter Pan

Peter Pan é uma peça que merece uma revisita pontualmente, com seus temas envolvendo a infância, o peso das responsabilidades da fase adulta e nossas inseguranças com relação a essas mudanças. E como qualquer material imensamente popular, o que não faltam no cinema são filmes que adaptem a obra de J.M. Barrie ou que a usem como ponto de partida para conceber algo original com os personagens, que se tornaram figuras icônicas. Diferente da animação clássica da Disney, do trabalho de Steven Spielberg em Hook: A Volta do Capitão Gancho e do longa dirigido por P.J. Hogan em 2003 (as adaptações mais famosas da peça), este novo Peter Pan busca ser uma mistura de reimaginação e história de origem nos moldes de Oz: Mágico e Poderoso, funcionando moderadamente nesse objetivo.

Com roteiro de Jason Fuchs, Peter Pan (uma surpresa o filme não contar com algum “Origem” no título brasileiro) tem início durante a Segunda Guerra Mundial, quando o pequeno Peter (o expressivo Levi Miller) vive em um orfanato regido à mão de ferro. É então que ele é sequestrado pelos piratas comandados por Barba Negra (Hugh Jackman), cujo navio o leva ao mundo fantástico da Terra do Nunca. Ali, ele encara uma profecia que o coloca como o possível líder que uma tribo local esperava e que deve derrotar Barba Negra, dando início a uma aventura inimaginável, na qual ele tem a ajuda de James Gancho (Garrett Hedlund) e da Princesa Tigrinha (Rooney Mara).

Com Joe Wright na cadeira de diretor (é ele o responsável pelos belos Desejo e Reparação e Anna Karenina), não surpreende que Peter Pan seja visualmente arrebatador. Logo no início, em Londres, o filme ganha tons quase de noir pela fotografia mais sombria da dupla John Mathieson e Seamus McGarvey, que ressalta não só a frieza dos tempos de guerra, mas também a vida limitada que o protagonista leva no orfanato, onde suas aventuras desafiando autoridades servem até como um escape. Essa sombriedade cria um belo contraste com a Terra do Nunca, que se apresenta como um lugar multicolorido e caloroso, abrindo espaço para a imaginação, algo que o design de produção aproveita muito bem. Além disso, Wright mostra-se hábil na condução do lado puramente aventureiro do filme, conseguindo criar sequências que montam a maior parte da diversão da narrativa, merecendo destaque momentos como a fuga de Peter da prisão de Barba Negra e uma breve luta de Gancho diante da tribo de Tigrinha.

No entanto, Peter Pan encontra problemas em termos de história. Nesse aspecto, o roteiro não foge muito da obviedade naquilo que envolve o destino do protagonista, além de não desenvolver a trama com muita naturalidade, de forma que mais de uma vez vemos os personagens pararem em um lugar para que detalhes importantes sejam explicados. Mesmo assim, por ser uma história de origem e investir em coisas inesperadas, como a amizade de Peter com Gancho, o filme consegue manter o espectador curioso com relação a como eles e outros personagens se tornarão as figuras que nos acostumamos a acompanhar. E é por isso que é decepcionante que o roteiro eventualmente acabe mostrando estar mais preocupado com uma possível continuação do que com fazer jus a essa curiosidade.

Dessa forma, Peter Pan até pode ser um longa que usa os personagens cativantes e seu universo infanto-juvenil eficientemente no que diz respeito a entreter. Mas levando em consideração sua proposta, ele não deixa de representar uma viagem incompleta e que desperdiça boa parte de seu potencial.

Nota:


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A Travessia

Conhecido por seu trabalho como equilibrista, o francês Philippe Petit tinha o sonho de ir à Nova York, colocar um grande arame entre as Torres Gêmeas e andar nele sem nenhum tipo de truque. O episódio, que ocorreu em 1974, foi marcante na cidade e veio a ser o foco do documentário O Equilibrista, que retrata com brilhantismo os esforços de Petit e seus amigos para que ele pudesse realizar essa ideia arriscada. Aliás, só o documentário já serviria para imortalizar no cinema o ato de Petit. No entanto, o filme agora ganha o auxílio deste A Travessia, onde Robert Zemeckis foca exatamente o mesmo evento, mas sem querer ser apenas uma versão dramatizada de uma história que já vimos. O diretor faz um trabalho que serve como uma espécie de complemento ao documentário, além de ser uma obra admirável por si só.

A Travessia busca mostrar os passos dados por Philippe Petit (interpretado por Joseph Gordon-Levitt) desde que este iniciou sua paixão pelo equilibrismo até a realização de seu sonho, onde contou com ajuda da então namorada Annie Allix (Charlotte Le Bon) e da equipe que montou. Em meio a isso, o filme constantemente traz Petit surgindo na tela quebrando a quarta parede, com uma narração que forma uma espécie de diálogo com o público, relatando a história como se ele fosse Forrest Gump e nós fossemos as pessoas que sentam ao seu lado no banco.

Inicialmente, o filme parece uma cinebiografia do equilibrista, mas tudo o que é desenvolvido em termos de trama e personagem serve em favor da travessia do título, e não para que saibamos como foi a vida daquele que a realizou. Assim, Robert Zemeckis deixa a história se desenrolar com calma, estabelecendo seus elementos naturalmente e fazendo com que as motivações de Petit e sua ambição tenham peso da tela, o que é essencial para o sucesso do filme. A narração do protagonista acaba ajudando bastante nisso, conseguindo fazer com que o público se identifique com ele por mais arrogante que ele se mostre. Na verdade, é difícil não simpatizar com Philippe Petit quando seu intérprete, o talentosíssimo Joseph Gordon-Levitt, o encarna com tanto carisma e determinação, exibindo até um convincente sotaque francês em suas falas e tendo uma boa dinâmica com seus colegas de elenco, principalmente com o grande Ben Kingsley, que se destaca ao trazer sensibilidade a Papa Rudy, o mentor de Petit.

Robert Zemeckis conduz o filme com um ritmo ágil e cativante, tornando-o envolvente antes mesmo de ele começar a adotar uma interessante abordagem de heist movie, o que ocorre na segunda metade da projeção, quando o protagonista prepara o grande plano que o colocará entre as Torres Gêmeas. E é a partir daí que A Travessia se diferencia de O Equilibrista, já que Zemeckis passa a usar todas as armas à sua disposição para nos colocar na pele do protagonista, algo que o documentário não chegava a fazer. Mesmo que a história seja conhecida, o cineasta consegue impor uma grande tensão durante a execução do plano, nos deixando constantemente aflitos, como na cena no foço do elevador. Mas é claro que é na longa sequência da travessia que o filme atinge seu ápice, sendo que Zemeckis parece se divertir concebendo-a, recriando com perfeição a beleza da arte de Petit e passando o sentimento de liberdade e vivacidade proporcionado por ela. Tudo o que foi apresentado até ali, como o belíssimo uso do 3D e os excelentes efeitos visuais, se junta para dar vida a um momento fantástico e que faz valer a ida à sala IMAX.

Aproveitando ainda para homenagear às saudosas Torres Gêmeas, algo apropriado e feito de maneira tocante, Robert Zemeckis realiza em A Travessia uma obra que é um deleite para os olhos. Um filme que usa a maravilha da peripécia de Philippe Petit para passar uma mensagem universal, de que a palavra “impossível” pode não existir quando se põe à prova os limites da capacidade humana.


Nota: