quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A Origem dos Guardiões

A Origem dos Guardiões é a versão infantil de Os Vingadores. Se um dos maiores sucessos de 2012 era centrado no grupo formado por alguns dos principais super-heróis da Marvel Comics, essa nova animação da Dreamworks (responsável por Shrek, Kung Fu Panda, Como Treinar o Seu Dragão, entre outros) se concentra na reunião de um grupo composto por figuras cuja existência faz parte do imaginário de qualquer um que teve infância. O resultado dessa reunião é uma animação muito interessante e divertida, que encanta graças aos seus personagens.
Escrito por David Lindsay-Abaire, baseado no livro de William Joyce, A Origem dos Guardiões apresenta o grupo formado por Coelhão (voz original de Hugh Jackman), Fada do Dente (Isla Fisher), Sandman e o líder Norte (Alec Baldwin), também conhecido como Papai Noel. Depois que Breu (Jude Law), o Bicho-Papão, começa a amedrontar todas as crianças do mundo, com o objetivo de fazê-las parar de acreditar na existência de seres tão extraordinários, os guardiões ganham a ajuda de Jack Frost (Chris Pine) para tentar impedir que o vilão os deixem sem poderes e ainda estrague os sonhos dos pequenos.
Dirigido por Peter Mayhem, A Origem dos Guardiões chama a atenção logo de cara quanto ao visual dos personagens, que toma uma liberdade muito interessante com relação à imagem que eles têm em nosso imaginário. Norte, por exemplo, é grande, barrigudo e barbudo, mas também tem tatuagens em seus braços, “Mal” no direito e “Bom” no esquerdo, o que já o apresenta como uma pessoa bondosa, mas que também pode ser um forte lutador quando preciso, enquanto que o Coelhão aparece com dois bumerangues e lembrando quase que imediatamente um guerreiro nato.
Não deixa de ser curioso também ver que o diretor tenta deixar mais ou menos claro de onde os personagens eram antes de se tornarem guardiões. Enquanto Norte é claramente russo, Sandman poderia ser um monge asiático, ao passo que o Coelhão é australiano (o que fica óbvio até por ele utilizar bumerangues como armas) e a Fada do Dente pode ter saído do Brasil, tendo um visual exótico que exibe até mesmo as cores azul, verde e amarela. E se o visual dos personagens impressiona, o mesmo pode ser dito sobre o ótimo trabalho do design de produção, que cria brilhantemente o universo em que a história se passa, captando muito bem a essência dos personagens nos locais onde eles residem, desde o belo reino das fadas da Fada do Dente até o esconderijo sombrio e vazio de Breu.
Ao longo do filme, o roteiro dá a impressão de que estica um pouco a história além do necessário, incluindo algumas subtramas que a princípio parecem não acrescentar muita coisa ao filme, como quando uma menina vai parar na toca do Coelhão. Mas David Lindsay-Abaire surpreende ao não deixar que isso atrapalhe o filme, encaixando elas muito bem a trama principal, e é admirável ver que ele faz isso sem perder o foco da história que o filme realmente está contando. Já o lado mais descontraído do filme também é bem desenvolvido, seja utilizando os poderes dos personagens (como na cena em que o menino Jamie tem uma pequena aventura no trenó graças a Jack Frost) ou os duendes que trabalham para Norte, que até lembram muito os Minions de Meu Malvado Favorito, algo que me fez pensar se as animações andam precisando de criaturas pequenas e engraçadinhas para fazer rir.
Peter Mayhem faz um bom trabalho durante a maior parte do tempo. O diretor dá atenção a certos detalhes que acabam fazendo de A Origem dos Guardiões uma animação irrepreensível do ponto de vista técnico. É admirável ver, por exemplo, a fluidez com a qual a barba de Norte se move com o sopro do vento. Além disso, apesar de usar rápidos movimentos de câmera em vários momentos, Mayhem consegue deixar a ação e a geografia das cenas de ação compreensível. No entanto, é uma pena que elas se mostrem tão burocráticas durante a maior parte do filme, se concentrando apenas no uso dos poderes dos personagens, o que acaba se tornando repetitivo depois de algum tempo.
Mas a grande força do filme reside em seus personagens e na química que eles têm entre si. Simpáticos do início ao fim, os guardiões são os principais motivos do porquê de a história do filme ser tão interessante e envolvente, mesmo incluindo o detalhe de que eles vão perdendo os poderes à medida que as crianças param de acreditar neles, algo que a versão live-action de Peter Pan chegou a utilizar. E é bom ver que o roteiro encontra espaço para desenvolver todos eles, mesmo estabelecendo Jack Frost como o protagonista da história. Dessa forma, trágicos acontecimentos que ocorrem ao longo do filme são impactantes, a ponto de fazer com que nos importemos com o destino de todos eles, o que fica ainda mais intenso pelo fato de Breu ser um vilão bastante ameaçador (é até uma pena que seu final não faça jus a todo o perigo que ele representou).
Esse ano não vem sendo muito bom para as principais animações que estão sendo lançadas. Nem Tim Burton ou a Pixar conseguiram mostrar todo seu talento. Mas A Origem dos Guardiões surpreende e acaba sendo mais uma das poucas obras de destaque no gênero em 2012.
Cotação:

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Curvas da Vida

A carreira de Clint Eastwood como ator é composta em sua maioria por tipos durões, carrancudos, com os quais o público simpatiza quase que imediatamente. Desde o Homem Sem Nome (da Trilogia dos Dólares), passando pelo policial Harry Callahan (da franquia Dirty Harry) e chegando a Walt Kowalski (de Gran Torino), o ator acabou ficando conhecido por essa sua persona cinematográfica. Quatro anos após dizer que não atuaria mais e que ficaria apenas com seus trabalhos como diretor, Eastwood retorna para adicionar mais um personagem durão para sua coleção. Mas por mais interessante que seja revê-lo em frente às câmeras dessa forma, é uma pena que tal retorno aconteça em um filme tão formuláico e bobinho como esse Curvas da Vida.
Escrito pelo estreante Randy Brown, Curvas da Vida nos apresenta a Gus Lobel (Eastwood), veterano olheiro de beisebol que já está no final de seu contrato com o Atlanta Braves. É quando ele começa a ter problemas de visão graças a um glaucoma, o que começa a comprometer seu trabalho. À pedido do melhor amigo dele, Pete (John Goodman), a filha de Gus, Mickey (Amy Adams), tira alguns dias de seu trabalho como advogada e segue o pai para ajudá-lo em uma viagem à Carolina do Norte. Lá, ele deve avaliar o arrogante Bo Gentry (Joe Massingill), uma das grandes promessas do beisebol, algo que pode resultar na demissão de Gus caso ele não faça seu trabalho direito.
Marcando a estreia na direção de Robert Lorenz (que trabalhou como assistente de Eastwood em filmes como Sobre Meninos e Lobos e Menina de Ouro), Curvas da Vida inicia de maneira interessante ao mostrar, através de um travelling, as várias fotos de Gus em seus tempos de glória, terminando isso com o personagem não conseguindo urinar direito. Isso deixa bem claro que muita coisa mudou desde aquela época. E esse é o momento mais inspirado da direção de Lorenz. No resto, além de esbarrar em um roteiro bastante problemático, o diretor ainda trata um dos elementos mais importantes da história (a relação entre Gus e Mickey) com muita frieza, o que até impede que o filme se torne mais envolvente.
O roteiro de Randy Brown segue a fórmula básica de apresentar os elementos do filme, desenvolvê-los e incluir conflitos na história para causar algum tipo de impacto. No entanto, a única coisa que ele consegue fazer é tornar o filme clichê e previsível. Além disso, apesar de Gus surgir várias vezes tropeçando em objetos e tendo dificuldades para abrir a porta de casa, o problema de visão dele ganha importância apenas quando necessário, chegando até mesmo a sumir pouco antes do terceiro ato. Além disso, durante todo o filme, o roteirista tenta passar a ideia de que Gus abandonou Mickey quando criança. Mas para alguém que se sente abandonada e ignorada, a garota aprendeu muita coisa com o pai, sendo durona como ele e sabendo absolutamente tudo sobre beisebol.
Ao mesmo tempo em que precisa lidar com o relacionamento entre o protagonista e sua filha, o roteiro também desenvolve o romance entre ela e Johnny Flanagan (Justin Timberlake), ex-jogador que foi descoberto por Gus, mas que agora trabalha como olheiro. No entanto, apesar do carisma da sempre interessante Amy Adams e de Justin Timberlake, essa parte do filme é enrolada demais. E quando parece ter sido bem resolvida, um conflito bobo e desnecessário é incluído apenas para colocar um pouco mais de drama a história, o que acaba sendo irritante e faz com que a narrativa fique ainda mais aborrecida.
Por ter o carisma de Clint Eastwood, Gus consegue prender a atenção do espectador, mesmo sendo uma figura que não lida muito bem com as novas tecnologias na idade em que se encontra, o que o torna comum a personagens de outros filmes (John McClane na franquia Duro de Matar é sempre o primeiro que me vem à cabeça). No entanto, é uma grata surpresa ver que o roteiro não tenta causar algum tipo de choque ideológico entre Gus e Johnny, sendo o primeiro um olheiro à moda antiga enquanto que o segundo está a recém começando na profissão e aberto aos novos tempos.
Sendo até mais longo do que o necessário, Curvas da Vida é um filme no qual Clint Eastwood parece retornar mais como um favor ao seu ex-assistente do que por qualquer outra coisa. Caso ele volte a atuar em mais algum filme, esperemos que seja em algo melhor. Seria triste ver Eastwood encerrar sua carreira de ator com esse filme.
Cotação:

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 2

Em seus quatro primeiros filmes, a “saga” Crepúsculo nunca conseguiu ser algo realmente interessante. Tendo em seu centro um triângulo amoroso bobo entre personagens insossos, era difícil se deixar envolver pelas histórias, o que também acontece nos livros, que de tão problemáticos faziam pensar que era impossível que um filme satisfatório pudesse sair dali. Mas agora tudo isso finalmente chega ao fim em Amanhecer – Parte 2, último capítulo da série e que tem a sorte de não contar com algumas das coisas que enfraqueciam os filmes anteriores, tendo até uma trama um pouco mais interessante, o que resulta no melhor exemplar da franquia, ainda que isso não signifique muita coisa.
Escrito por Melissa Rosenberg, Amanhecer – Parte 2 começa onde a primeira parte terminou, com Bella (Kristen Stewart) já transformada em vampira por seu amado Edward (Robert Pattinson). Preparada para a nova vida que irá levar, a garota também conhece sua filha Renesmee (Mackenzie Foy), além de ficar sabendo que Jacob (Taylor Lautner, que agora levou quinze minutos para tirar a camisa, uma mudança considerável se comparada aos trinta segundos do filme anterior) teve um imprinting na criança, tornando-se extremamente ligado a ela. Quando tudo finalmente parece se encontrar em paz para Bella e sua família, a vampira Irina (Maggie Grace) denúncia todos eles aos Volturi, com o pensamento de que Renesmee é uma Criança Imortal, um ser que pode colocar em risco o segredo da existência dos vampiros. Cabe aos Cullen tentar convencer Aro (Michael Sheen, em uma atuação divertida) e sua trupe do contrário, chamando vários outros clãs vampirescos para ajudá-los.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que Amanhecer – Parte 2 melhora consideravelmente um quesito que era bastante falho nos filmes anteriores: a Bella Swan vampira é muito mais interessante do que a Bella Swan humana, ainda que Kristen Stewart continue mostrando um pouco de seus maneirismos, como as pequenas pausas que realiza durante as falas. Apesar de ter sido transformada a pouco tempo, a garota age como se fosse uma vampira há décadas, e chega a ser engraçada a cena em que os Cullen tentam ensiná-la a se comportar como uma pessoa comum.
Ainda assim, apesar de Jacob ter saído do triângulo amoroso, o romance entre Bella e Edward continua sendo bastante desinteressante, fazendo com que a história perca muito de sua força sempre que o roteiro sai da trama principal para focar os dois pombinhos. Sendo assim, cenas mais íntimas do casal e que deveriam soar importantes (como a cena de sexo depois de eles ganham uma casa) acabam sendo alguns dos momentos mais aborrecidos do filme. Sem falar que os diálogos entre eles às vezes são involuntariamente risíveis (logo em sua primeira cena, Edward solta um "Temos a mesma temperatura agora”), ou então insistem em martelar o quanto os dois se amam, como se ouvir isso constantemente ao longo da série já não fosse o bastante.
A roteirista Melissa Rosenberg mostra ter resumido o que podia da obra original (na qual boa parte era uma grande encheção de linguiça feita por Stephanie Meyer). Só que em vários momentos Rosenberg parece ter simplesmente pegado as principais partes do livro, mas esquecido de costurá-las uma na outra de alguma maneira, o que transforma a narrativa em algo bastante episódico. Por exemplo, se em uma cena vemos os personagens preocupados com a rapidez com a qual Renesmee cresce, na seguinte ela já é vista por Irina sem que uma continuidade entre as duas cenas ficasse bem clara, e isso é o tipo de coisa que compromete bastante a fluidez da história.
Quando se concentra nos preparativos para o encontro entre os protagonistas e os Volturi, Amanhecer – Parte 2 chama atenção por apresentar os vampiros que os Cullen têm como amigos, sendo que cada um deles têm um poder diferente. A cena em que todos se reúnem e contam suas experiências em grandes guerras é curiosa, já que talvez ali haja histórias bem mais interessantes do que toda série Crepúsculo (de qualquer forma, espero que isso não sirva como desculpa para que novos filmes sejam feitos).
O diretor Bill Condon faz o que pode com o que tem em mãos. Se por um lado ele consegue deixar claro o quanto os sentidos de Bella ficaram aguçados em sua vida como vampira, fazendo zooms em diversas coisas, por outro ele não impede que o uso do greenscreen não fique perceptível em alguns momentos, como nas cenas em que Bella e Edward aparecem correndo lado a lado. Aliás, o modo como o diretor utiliza os efeitos visuais para ajudar na concepção da versão bebê de Renesmee é assustadora, já que ele acaba criando uma criança estranha demais (particularmente, não consegui manter muito contato visual com a figura). Mas pelo menos o diretor consegue dar um tom de urgência a história, o que acaba sendo bastante adequado.
O que nos traz, finalmente, a cena que leva boa parte dos créditos do porquê de Amanhecer – Parte 2 ser um pouco melhor que os filmes anteriores da série: a grande batalha entre os Cullen e os Volturi. Aqui, Melissa Rosenberg mostra que teve mais liberdade com relação ao livro, no qual Stephanie Meyer deixou de incluir qualquer luta entre o bem e o mal. Chocante por mostrar diversos personagens importantes morrendo, a batalha é imprevisível do início ao fim, e Bill Condon coloca um grande nível de tensão que faz com que a cena prenda a atenção, ainda que às vezes ele abuse dos cortes rápidos que deixam a ação um pouco incompreensível. Dito isso, chega a ser lamentável que ao final da batalha, Rosenberg tenha que voltar às raízes sem graça do material original.
Ao final da história, o sorriso no meu rosto era mais por causa do fim da série (pelo menos espero que tenha sido o final) do que propriamente pela diversão que o filme proporcionou. Amanhecer – Parte 2 pode até não ser ruim como os outros capítulos, mas infelizmente ter que assistir quatro filmes fracos para chegar a algo satisfatório é um exercício que requer muita força de vontade.
Cotação:

sábado, 17 de novembro de 2012

Créditos de Abertura

Há filmes que conseguem prender a atenção já em seus créditos iniciais. Quando essas sequências mostram um pouco de criatividade por parte dos envolvidos no projeto, isso geralmente cria alguma expectativa com relação ao que vem a seguir. Uma esperança de que o restante da produção seja igualmente interessante.
Os créditos iniciais podem até ser a melhor parte de um filme fraco ou então ser um dos vários grandes momentos de um filmaço. Esses casos podem ser vistos, respectivamente, em X-Men Origens: Wolverine e Millenium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres. Usando raccords e elipses, os créditos do filme-solo do mutante mostram as passagens de James Howlett (ou Logan, ou Wolverine, como preferirem) e Victor Creed por várias guerras, já valendo a incursão pelo filme, ainda que este seja bastante decepcionante (infelizmente, depois de muito tentar, não consegui incluir os créditos do filme por aqui). Enquanto isso, Os Homens Que Não Amavam as Mulheres usa seus fantásticos créditos para adiantar o mundo brutal no qual entraremos, além de apresentar um pouco a mente conturbada de sua protagonista, Lisbeth Salander. E a versão que fizeram de “Immigrant Song” é um bônus sensacional.
Em termos de mostrar de antemão um pouco do universo no qual o filme está inserido, há também os créditos de Zumbilândia, que ao som de Metallica conta com vários ataques de zumbis em slow motion, sendo que os personagens ainda interagem com os letreiros, o que acaba sendo divertido de se ver. Ou Corra Lola, Corra, que consegue apresentar seu ritmo frenético com créditos feitos em forma de desenho animado. Ou Watchmen, que mostra a ascendência e a decadência dos super-heróis (incluindo toda a história do grupo dos Minute Men) em uma sequência que dura pouco mais de cinco minutos. E a canção que a acompanha é mais do que apropriada (infelizmente, este é outro filme que não consegui os créditos).
Os créditos de Um Corpo Que Cai também são muito interessantes. O mestre Alfred Hitchcock usou essa parte de seu filme (que recentemente foi eleito o melhor filme de todos os tempos pela revista britânica Sight & Sound) para ilustrar a vertigem do protagonista interpretado por James Stewart. E a trilha composta por Bernard Hermann ajuda a criar uma atmosfera de tensão, que ainda percorrerá ao longo de quase todo o filme.
Para terminar, seria difícil não mencionar por aqui os créditos dos filmes da franquia 007, que sempre foram bastante estilizados, e a partir de 007 Contra Gondfinger ainda passaram a ter uma música-tema. Vale dizer que os créditos de 007: Operação Skyfall fazem jus aos melhores da série, lembrando um pouco a era clássica de James Bond, o que corresponde a uma das propostas do filme.
Que créditos bacanas como esses que citei (e outros que só não incluí para não deixar o post grande demais, como Homem-Aranha 2 e Seven: Os Sete Crimes Capitais) continuem sendo feitos. É sempre interessante ver um pouco de criatividade nesses momentos.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Cinco Vezes Favela

Algo que chama um pouco a atenção em filmes divididos em segmentos (ou episódios) é que a irregularidade de um dos episódios pode comprometer um pouco o resultado final do projeto. Ou a produção pode se salvar graças a um capítulo bem realizado. Dito isso, Cinco Vezes Favela não precisa se preocupar com nenhuma dessas possibilidades citadas. Com cinco ótimos segmentos, o filme explora muito bem em suas histórias a miséria e as dificuldades pelas quais várias pessoas passam nas favelas cariocas.
Escrito e dirigido por Marcos Farias, “Um Favelado” inicia o filme brilhantemente, já nos apresentando a uma péssima situação. João (Flávio Migliaccio) está sem dinheiro e desempregado, e tudo piora quando recebe o aviso de que ele e sua família serão despejados caso o aluguel não seja pago. Por isso, ele recorre a Pernambuco, que o envolve em um assalto.
Em alguns detalhes, Marcos Farias mostra que a situação daquele personagem já persiste por algum tempo. No almoço da família de João, por exemplo, vemos apenas o filho dele comer e logo depois afastar o prato com certa raiva, deixando claro o cansaço que deve sentir em ter que viver daquele jeito. Além disso, um dos grandes momentos da atuação de Flávio Migliaccio é quando ele vê um homem contando dinheiro e seu olhar é o mesmo que de uma pessoa no deserto, sedenta por água. No pouco tempo que tem, o diretor-roteirista consegue deixar claro que João é um bom homem que não teve muita sorte na vida, e até por isso o final do segmento é um tanto trágico.
Depois de “Um Favelado”, é a vez de “Zé da Cachorra”, capítulo escrito e dirigido por Miguel Borges e que mostra o personagem-título (interpretado por Waldir Onofre) deixando a família de Raimundo morar em um barraco na favela onde mora, indo contra as ordens de Bruno, um grileiro que não quer que nenhuma outra pessoa vá morar no local por que ele pretende construir um prédio por ali. Sendo assim, surge a ideia de tirar todos de lá, o que Zé da Cachorra é totalmente contra.
“Zé da Cachorra” se concentra bastante no quanto os ricos tentam se aproveitar dos pobres. O protagonista é estabelecido como um personagem rebelde e de pavio curto, e por isso é até compreensível o porquê dos outros moradores da favela quererem deixa-lo de fora de uma reunião. Mas ao mesmo tempo, ele é a única pessoa por ali que não é ingênuo a ponto de aceitar qualquer coisa que lhe proponham, o que o torna uma figura de confiança para o espectador. É até uma pena que o segmento termine sem mostrar o que acontece com o personagem após ele tomar uma decisão, que representa uma completa revolta com o que está acontecendo ao seu redor.
Em seguida vem “Couro de Gato”, o único curta que não foi feito especialmente para o filme, tendo ganho vários prêmios antes de ser incluído no projeto. Dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, que escreveu o roteiro em parceria com Domingos de Oliveira, “Couro de Gato” acompanha um trio de meninos que roubam gatos para vender a fabricantes de instrumentos de escolas de samba. Dois gatos são resgatados, mas o outro fica nas mãos de seu ladrão, se apegando a ele.
A montagem de Jacqueline Aubrey é eficiente ao seguir todos os garotos ao mesmo tempo sem comprometer a fluidez da narrativa, mesmo quando foca eles fugindo dos donos dos gatos em uma sequência bastante agitada. À primeira vista, seria fácil condenar esses meninos pelo que eles estão fazendo, mas isso se torna difícil depois que o roteiro coloca um deles mais no centro da história. Joaquim Pedro de Andrade desenvolve bem a relação entre o garoto e o gato, mas o roteiro deixa mais ou menos claro que a situação na qual ele se encontra não deve ser das melhores, e o pesar que ele sente pelo que se vê obrigado a fazer ao final do curta ajudando a tornar seu ato menos condenável, sendo uma dura realidade das crianças da favela.
Em “Escola de Samba, Alegria de Viver”, Cinco Vezes Favela chega ao mais inferior dos curtas, mas que ainda assim consegue ser muito interessante. Dirigido por Cacá Diegues, e escrito por ele em parceria com Carlos Estevão, o episódio segue uma escola de samba que passa por várias dificuldades até o dia do desfile. Dificuldades estas que são enfrentadas pelo novo diretor da escola, o jovem Gazaneu (Oduvaldo Viana Filho).
A precariedade da escola de samba fica evidente no momento em que todos comemoram bastante a chegada de um dinheiro que conseguiram. E apesar das dificuldades, é interessante ver que Cacá Diegues filma todos os membros da escola realizando suas tarefas com boa vontade, como se o samba fosse a única coisa boa que existe para aquela comunidade.
Finalizando o filme, Leon Hirzman dirige “Pedreira de São Diogo”, segmento que escreveu em parceria com Flávio Migliaccio. A história mostra um operário que, após saber que vai ter de explodir uma encosta com uma carga de 500kg de dinamites, pede para que os moradores da favela que fica logo acima dali tentem impossibilitar seu trabalho.
“Pedreira de São Diogo” tem um dos momentos mais impressionantes de Cinco Vezes Favela: a cena da primeira explosão, feita com uma carga mais leve. Filmada de dois ângulos diferentes, a explosão é um tanto impactante, e faz com que seja possível imaginar a destruição que uma carga de 500kg pode causar. O final do curta, com vários rostos felizes, também finaliza Cinco Vezes Favela perfeitamente, passando a ideia de que apesar de todas as dificuldades focadas ao longo dos cinco segmentos, as pessoas ainda arranjam um jeito de abrir um sorriso.
Ainda que cada um deles tenha sua própria história para contar, os segmentos de Cinco Vezes Favela têm uma característica em comum: poucos diálogos. Isso acaba fazendo bem ao filme, já que dessa forma os cineastas se concentram muito mais nas imagens que filmam e nos atos de seus personagens, que agem de acordo com a situação em que se encontram e da necessidade que sentem.
Cinco Vezes Favela é o esforço de vários realizadores (além dos nomes citados, há também a participação de figuras como Eduardo Coutinho, Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra em algumas funções) que conseguiram deixar suas marcas no Cinema brasileiro. E assistindo ao filme, é muito bom ver que todo o esforço valeu a pena, resultando em um dos grandes clássicos do nosso Cinema.
Cotação:

domingo, 11 de novembro de 2012

Argo

Desde que estreou como diretor em Medo da Verdade, Ben Affleck vem mostrando ter um talento inquestionável nessa função, e é interessante ver que a cada nova produção que dirige, o ator assume desafios cada vez maiores. Se em Medo da Verdade ele preferiu entregar o papel de protagonista ao seu irmão, Casey, enquanto cuidava da direção e do roteiro, em Atração Perigosa ele já se arriscou a ficar tanto atrás como na frente das câmeras, e em ambos os filmes os resultados foram mais do que satisfatórios. Agora em Argo, Affleck sai de sua querida Boston (cidade que serviu como palco dos outros filmes) para conduzir uma história que conta até mesmo com mais núcleos narrativos. E o resultado mais uma vez não é nenhum pouco decepcionante.
Escrito por Chris Terrio, baseado no artigo de Joshuah Bearman, Argo se passa entre o fim da década de 1970 e o início da de 1980, quando a embaixada dos Estados Unidos no Irã foi invadida por um grupo de militantes, que fizeram vários americanos de reféns. Seis pessoas conseguiram escapar e se esconder na casa do embaixador canadense. Para trazer esse grupo de volta para casa, a CIA chama o exfiltrador Tony Mendez (Affleck), que apresenta a ideia de ele e os seis refugiados fingirem ser uma equipe de filmagem que está no Irã apenas para explorar locações para um filme de mentira, uma ficção científica chamada Argo. Com a ajuda de seu supervisor Jack O’Donnell (Bryan Cranston), do maquiador John Chambers (John Goodman) e do produtor Lester Siegel (Alan Arkin), Mendez consegue armar toda a falsa produção hollywoodiana. Então, tem início uma missão impossível, cercada de desconfiança por quase todos os envolvidos.
Iniciando o filme com a cena da invasão na embaixada americana, Ben Affleck já coloca Argo em um ambiente tenso e hostil que permanecerá assim ao longo de quase toda a projeção. O modo como o diretor consegue construir a tensão nessa parte ainda é muito interessante, já que ele não utiliza nenhum tipo de trilha musical, deixando as próprias imagens fazerem o trabalho. E quando uma música finalmente surge na tela não é algo que dê um tom de terror ou suspense, e sim uma trilha bastante melancólica, porque é triste ver esse tipo de violência acontecendo. Só aí Affleck já demonstra uma inteligência admirável no comando da narrativa, além de conferir ao filme uma abordagem bastante documental, o que ajuda a fazer daquela situação algo ainda mais urgente.
Mas não é só isso. Trabalhando ao lado de Rodrigo Prieto (um diretor de fotografia bastante competente, como pode ser conferido em filmes como Amores Brutos e O Segredo de Brokeback Mountain), Affleck consegue fazer um belo contraste entre os locais onde o filme se passa. Por exemplo, em Hollywood temos um lugar mais relaxado e repleto de cores quentes, enquanto que no meio da revolução no Irã há um ambiente opressivo, composto basicamente por um tom acinzentado. Esse contraste fica mais do que claro em um breve plano-sequência no qual Affleck segue um garçom, que sai da sala onde o roteiro do filme de mentira está sendo lido, e entra em uma cozinha onde a televisão transmite o depoimento de uma iraniana. Já o design de produção e os figurinos realizam um brilhante trabalho ao reconstruir nos mínimos detalhes a época na qual a história se passa, desde os escritórios da CIA até os ternos e acessórios usados pelos personagens.
O roteiro de Chris Terrio merece créditos por conseguir retratar o cotidiano dos refugiados como algo que apesar de parecer tranquilo em alguns momentos, na verdade é bastante amedrontador. Se em uma cena eles aparecem conversando, rindo e bebendo vinho na casa do embaixador canadense, em outra eles precisam se esconder assim que aparece algum sinal de que os militares iranianos estão por perto. Além disso, Terrio inclui vários momentos que mostram o quanto aquelas pessoas estão desconfortáveis naquela situação, estando sempre preocupados, algo que tem um peso um pouco maior nos casais, já que o pensamento de que apenas um deles poderia estar ali (foram os maridos que levaram as esposas para lá) parece persistir em suas cabeças. Isso faz com que nos sensibilizemos com essas pessoas, o que acaba sendo fundamental para que a missão de tirá-los dali se torne realmente interessante.
Mesmo tratando a história com grande seriedade, o roteiro investe um pouco no humor sempre que possível. Nisso, as figuras de John Chambers e Lester Siegel acabam virando os principais alívios cômicos do filme. Por tratarem Hollywood como um lugar onde coisas impossíveis podem acontecer (“Você quer vir aqui e parecer um grande figurão sem fazer nada? Você veio ao lugar certo”, diz Chambers para Mendez), a dupla protagoniza os momentos mais divertidos do filme. Aliás, o roteiro aproveita até mesmo para alfinetar um pouco a indústria, já que vários filmes são derivados do sucesso de algo original, o que acontece até hoje. Na época em que a história se passa, o principal sucesso de ficção científica era Star Wars, e Argo (o filme de mentira) é meio que uma cópia barata da obra de George Lucas (um dos storyboards da produção chega a mostrar uma dupla de robôs que são claramente baseados em C3-PO e R2-D2).
Mas o grande momento de Argo é a missão em si, comandada com maestria por Ben Affleck. Tendo de se preocupar com três núcleos da narrativa (Mendez e os refugiados no Irã, a CIA e Hollywood), Affleck consegue conduzir tudo de maneira tensa e imprevisível, mostrando uma segurança invejável com relação ao trabalho que está fazendo. É também preciso ressaltar o trabalho do montador William Goldenberg, que aqui consegue coordenar as montagens paralelas brilhantemente, deixando a sequência fluir muito bem sem sacrificar o ritmo da narrativa.
Vale dizer que Ben Affleck não mostra seu talento apenas como diretor, se saindo bem em seu trabalho como ator. Surgindo em cena sempre com uma expressão séria, Affleck consegue transmitir a preocupação que Tony Mendez sente diante de tudo o que ocorre em sua volta, agindo sempre com cautela com relação aos detalhes da missão. Enquanto isso, Bryan Cranston interpreta Jack O’Donnell com grande determinação, sendo finalmente bem aproveitado depois de seus fracos papéis em três blockbusters desse ano (John Carter, O Vingador do Futuro e Rock of Ages), ao passo que John Goodman empresta seu carisma habitual para John Chambers. Mas é Alan Arkin quem rouba a cena sempre que aparece como Lester Siegel. O momento em que o personagem concorda em ajudar Mendez em sua missão é um exemplo da bela atuação do ator, já que ele chega a tremer os lábios em um misto de cansaço e tristeza ao ver na televisão o que está acontecendo no Irã. Sem falar que o ator tem em mãos algumas das melhores piadas do filme (“Argo fuck yourself!”), proferindo-as sempre com seriedade, o que as deixa mais divertidas (sinceramente, eu não pensaria duas vezes antes de indica-lo ao Oscar).
Envolvente do início ao fim, Argo desponta como um dos principais concorrentes ao Oscar do ano que vem. Além disso, é uma obra na qual Ben Affleck mostra mais uma vez que é um dos melhores diretores que surgiram nos últimos anos, sendo mais um ator que conseguiu fazer com sucesso a transição para trás das câmeras. Quem diria?
Cotação:

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Frankenweenie

Antes de estourar com obras como Os Fantasmas Se Divertem, Batman e Edward Mãos de Tesoura, Tim Burton fez alguns curtas-metragens interessantes. Um deles é Frankenweenie, de 1984, que contava uma história simpática de um garoto que ressuscita seu adorável cachorro, em algo que claramente fazia referência a Frankenstein. Mas ao transformar Frankenweenie em um longa-metragem (chegando a trocar o live-action pela animação), Burton infelizmente não consegue fazer com que a história seja tão interessante quanto era em sua versão original, resultando em um filme divertido, mas que não é nada marcante, o que pode ser dito também sobre seu outro lançamento no ano, Sombras da Noite.
Escrito por John August (que já colaborou com Burton em outros filmes, como Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas e A Fantástica Fábrica de Chocolate), Frankenweenie nos apresenta ao jovem Victor Frankenstein (voz de Charlie Tahan) e seu cãozinho Sparky. Depois que o animal morre ao ser atropelado, Victor resolve colocar em prática o que aprendeu em uma aula de ciências na escola: usar eletricidade para trazer seu amigo de volta a vida. O experimento dá certo, mas Victor não consegue manter tudo em segredo, o que acaba trazendo sérias consequências.
O modo como Burton conduz a história é bastante curioso. De vez em quando, é possível notar uma certa falta de continuidade entre alguns frames (o que inclusive ocorre no filme caseiro que Victor apresenta logo no início, e que ainda por cima é em 3D), como quando a turma na escola começa a se levantar para ir embora. Dessa forma, Burton dá um toque bastante cru a Frankenweenie, fazendo lembrar um pouco as animações em stop motion mais antigas, o que é muito interessante. Já o modo como o diretor utiliza o 3D é dispensável, porque com exceção de uma cena na qual um gato estica seu pescoço em direção a tela, Burton não consegue fazer a tecnologia funcionar. Mas pelo menos ele faz com que as lentes escuras dos óculos 3D não prejudiquem a fotografia, algo que acontece com vários filmes convertidos para o formato.
Ao longo de Frankenweenie, Tim Burton não se limita apenas a fazer referências a Frankenstein, mas também a várias outras obras. O problema é que às vezes o diretor parece muito mais preocupado em fazer essas referências do que em contar a história. Em determinado momento, por exemplo, o diretor faz com que a cadelinha que serve como interesse amoroso de Sparky vire a cabeça para o lado, apenas para ela mostrar as mechas brancas de seu pelo, lembrando obviamente A Noiva de Frankenstein. Em outro momento, o diretor faz em sequência referências a Godzilla, A Múmia (a versão original com Boris Karloff) e Gremlins. É divertido ver tais homenagens na tela, mas é lamentável que acabem servindo mais como distração por serem inseridas no filme muito escancaradamente.
Além disso, o modo como a história é esticada para fazer de Frankenweenie um longa-metragem dá espaço a personagens pouco interessantes, como os colegas de Victor, que passam a incomodar o personagem a partir de determinado momento por um motivo muito bobo: a Feira de Ciências da escola, que acaba sendo apenas uma desculpa para desencadear uma série de acontecimentos. Aliás, não só o filme tem esses personagens desinteressantes como também tem outros descartáveis, como Shelly, garota que aparece na história fazendo coisas que não acrescentam nada muito importante à trama.
Mas se tais personagens ganham mais espaço, o mesmo acontece com a grande força de Frankenweenie, que se encontra na amizade de Victor e Sparky. O relacionamento que eles têm um com o outro é tratado com sensibilidade por Tim Burton e ambos os personagens são muito carismáticos. Além disso, é fácil se identificar com Victor, já que qualquer um que perdeu um ente querido gostaria de trazê-lo de volta de alguma maneira. As melhores cenas do filme são protagonizadas pelos dois personagens, sejam os divertidos momentos que Sparky tem com sua amada ou a parte do experimento que ressuscita o cão. E por nos importarmos com esses personagens, algumas cenas se tornam bastante tensas, algo que Burton também consegue fazer muito bem, principalmente no terceiro ato.
Em resumo, a história de Frankenweenie parece funcionar muito melhor em seu formato de curta-metragem. Com esse filme, Tim Burton fecha seu 2012 da mesma forma que começou: com uma obra que apesar de conseguir divertir, está longe de ser um de seus melhores trabalhos.
Cotação:

domingo, 4 de novembro de 2012

O Pagador de Promessas

Vários filmes brasileiros foram apresentados no Festival de Cannes ao longo de sua história. Mas desde 1946, ano de sua fundação, apenas uma das obras do nosso cinema teve o privilégio de receber a Palma de Ouro, o prêmio máximo concedido pelo júri do evento. Além disso, ainda conseguiu ser o primeiro filme brasileiro a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Esta obra é O Pagador de Promessas. Lançado em 1962, o clássico de Anselmo Duarte parte de uma história bastante simples, mas que acaba sendo uma bela crítica a sociedade.
Baseado na peça de Dias Gomes, o roteiro escrito pelo próprio diretor acompanha a jornada de Zé do Burro (Leonardo Villar), que após ter seu burro de estimação gravemente ferido, faz uma promessa para Iansã, ou Santa Bárbara, em um templo de Candomblé. Se o burro melhorasse, Zé sairia a pé de sua cidade e levaria uma cruz para dentro da igreja de Santa Bárbara, em Salvador. O milagre acontece e Zé imediatamente vai cumprir sua promessa. Ao chegar no local ao lado de sua esposa, Rosa (Glória Menezes), e explicar para o padre Olavo (Dionísio Azevedo) toda a situação, Zé é proibido de entrar na igreja com a cruz, já que ele teria feito uma promessa ao diabo e não a Santa Bárbara.
Logo no começo, durante os créditos iniciais, Anselmo Duarte mostra de maneira rápida e eficiente as dificuldades pelas quais Zé do Burro passa para levar a cruz até a igreja. Ao colocar Zé do Burro passando diversos locais e lutando contra todo tipo de clima, seja o calor, o frio ou a chuva, em uma sequência repleta de elipses, Duarte consegue passar muito bem o desgaste que o protagonista sente ao longo do caminho até chegar à igreja, e o resultado disso está em seu ombro muito machucado.
Mas não é só sobre Zé do Burro e sua promessa que o filme se trata. Diante de toda a confusão que ele causa junto à igreja e ao padre Olavo, ele começa a chamar a atenção nos arredores, chegando aos ouvidos do editor do jornal da cidade, que envia um repórter (Othon Bastos) para cobrir a história. Nisso, O Pagador de Promessas mostra brilhantemente o quê certas pessoas estão dispostas a fazer apenas para atingir seus objetivos. O repórter quer vender mais jornais, então não hesita em fazer manchetes que dizem “Novo Cristo prega a revolução”, usando as palavras de Zé do Burro como discurso pela reforma agrária, tentando transformá-lo numa figura muito maior do que ele realmente é ou deseja ser (afinal, dizer que o homem está apenas tentando cumprir uma promessa não seria algo muito interessante para ser vendido).
Mas mais do que a exploração da mídia, O Pagador de Promessas inclui outras pessoas tentando tirar algum lucro em cima da ingenuidade do protagonista. Quando um fotógrafo vai tirar uma foto de Zé para colocar no jornal, um comerciante aproveita para pedir que mostrem seu estabelecimento, já que assim ficará famoso. Até a própria igreja tenta passar para as pessoas o quanto ela é justa, dando a Zé a oportunidade de trocar de promessa para que possa entrar na igreja. E é por estar extremamente vulnerável à exploração das pessoas que a situação de Zé ganha traços de desespero, pois ali está um homem que tinha um objetivo bastante simples, mas que parece ter chegado ao inferno depois de toda a viagem que fez para estar ali.
O fato de Zé do Burro se manter sempre fiel a promessa que fez o torna uma figura muito admirável. Juntando isso com o modo como Anselmo Duarte faz com que ele se refira a Nicolau vemos o quanto o animal é importante para ele, o que é fundamental considerando que não há nenhuma cena que mostre os dois lado a lado como companheiros. A relação entre essas duas figuras, aliás, chega a ser mais importante do que a que Zé tem com sua esposa, o que até acaba sendo um empurrãozinho para que ela o traia com Bonitão (Geraldo Del Rey). E Leonardo Villar é brilhante ao retratar a angústia de seu personagem quando este se vê em um momento difícil. Depois de passar por tantas coisas ruins, Zé do Burro claramente parece querer colocar a cruz dentro da igreja e sair correndo dali imediatamente.
Enquanto isso, Glória Menezes consegue fazer de Rosa uma mulher que apoia o marido em suas decisões, ao mesmo tempo em que procura impedir que a situação dele piore, o que mostra que ela se importa com Zé do Burro ainda que ele não a trate da forma como ela gostaria. Já Geraldo Del Rey e Othon Bastos aparecem apropriadamente desagradáveis como Bonitão e o repórter, respectivamente. Mas o grande destaque do filme ao lado de Leonardo Villar é mesmo Dionísio Azevedo, que transforma o padre Olavo em uma figura muito forte e suas discussões com Villar resultam em alguns dos melhores momentos do filme.
O Pagador de Promessas representa um grande momento na história do cinema no Brasil, e ajudou a chamar mais atenção para o trabalho que era feito por aqui. É mesmo uma das grandes obras-primas do cinema nacional.
Cotação:

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Personagens Marcantes - James Bond

Com a estreia de 007: Operação Skyfall, nada mais adequado do que dedicar a nova edição de Personagens Marcantes ao mais famoso agente secreto da história do Cinema: Bond, James Bond (o post, infelizmente, está um pouco atrasado, já que a maratona que fiz com todos os filmes tomou um pouco mais de tempo que o esperado). Em outubro, foram comemorados 50 anos desde o lançamento do primeiro filme da franquia, 007 Contra o Satânico Dr. No. Aliás, é bom ver que a série conseguiu comemorar tantos anos de existência com mais um filme de James Bond. E um belíssimo filme, por sinal (confira a crítica de Operação Skyfall clicando aqui).
Criado pelo escritor Ian Fleming, James Bond fez sua primeira aparição no livro "Cassino Royale", lançado em 1953, que fez sucesso e rendeu mais aventuras protagonizadas pelo agente secreto. Com isso, levar Bond para as telonas era uma questão de tempo, o que aconteceu em 1962. 007 Contra o Satânico Dr. No foi muito bem recebido na época de seu lançamento, além de lançar Sean Connery ao estrelato. Até hoje, Connery é considerado o melhor intérprete de James Bond, exibindo grande carisma e um belo timing cômico quando necessário, além de ser um herói de ação mais do que eficiente. Dr. No também apresentou algumas das marcas registradas do universo de Bond, como a vinheta que traz o personagem atirando em direção à câmera, a famosa frase “Bond, James Bond”, e a figura da bondgirl (a bela Ursula Andress foi a primeira namorada do personagem).
Antes de Connery se aposentar temporariamente como James Bond em 1971 com 007: Os Diamantes São Eternos (o ator voltaria a interpretar o personagem doze anos mais tarde em 007: Nunca Mais Outra Vez, filme que não é considerado um título oficial da série), George Lazenby o substituiu em 007: A Serviço Secreto de Sua Majestade, de 1969. Apesar de não ser um James Bond tão bom quanto Connery, parecendo até um pouco atrapalhado de vez em quando, Lazenby estrelou um dos melhores exemplares da franquia. A Serviço Secreto de Sua Majestade é um dos filmes que melhor desenvolve o personagem, tendo ainda um final bastante trágico. Sem falar que as cenas de ação contam com um dinamismo admirável por parte do diretor Peter Hunt, o que ajuda elas a serem mais envolventes. Além do mais, é raro ver um filme com uma cena de perseguição de bobsled.
Depois de Connery e Lazenby, foi a vez de Roger Moore encarnar o personagem, tendo feito isso mais vezes do que qualquer outro ator, participando de sete filmes da série. Mas mesmo assim, a fase de Moore é a que mais incomoda. Exibindo um bom humor até exagerado, que passa a impressão de que o herói nunca está realmente correndo algum perigo, Moore fez parte de filmes que investiam muito em um lado cômico que nem sempre funcionava. Em 007 Contra o Homem da Pistola de Ouro, por exemplo, a grande manobra que Bond faz com seu carro em uma ponte ganha um infeliz efeito sonoro de desenho animado, o que tira qualquer impacto dessa cena que tinha tudo para entrar no hall de belos momentos da franquia. Mas nem todos os filmes estrelados por Roger Moore deixam um gosto amargo na boca, sendo que 007: Somente Para Seus Olhos é o melhor deles.
Com Roger Moore se aposentando do personagem após 007: Na Mira dos Assassinos, de 1985, Timothy Dalton assumiu o papel em uma fase que lamentavelmente durou apenas dois filmes. Isso é uma pena não só pelo fato de os títulos com a participação de Dalton (007: Marcado Para a Morte e 007: Permissão Para Matar) serem muito bons (principalmente o segundo, que é um dos melhores da série), mas também porque o ator foi um ótimo James Bond. Trazendo uma credibilidade que não se via há tempos no personagem, Dalton optou por fazer um James Bond diferente daquele desenvolvido por Roger Moore, sendo mais sério, inquietante e até mais determinado em suas missões. E é interessante que nesses filmes, James Bond não hesita em desobedecer as ordens que recebe de seus superiores, seguindo o próprio instinto sempre que acha ser necessário, como ao pedir demissão para poder investigar o que aconteceu com seu grande amigo Felix Leiter.
Dalton viria a desistir de voltar a interpretar o personagem uma terceira vez, porque um problema na justiça envolvendo os estúdios responsáveis pela franquia levou cinco anos para ser resolvido. Com isso, surgiu a oportunidade para que Pierce Brosnan aceitasse o papel. Estrelando quatro filmes, Brosnan fez um bom trabalho interpretando James Bond, iniciando sua fase com 007 Contra GoldenEye e 007: O Amanhã Nunca Morre, duas produções bastante eficientes. Mas, infelizmente, os dois últimos filmes feitos pelo ator (007: O Mundo Não é o Bastante e 007: Um Novo Dia Para Morrer) se encontram entre os mais fracos da série, o que fez os produtores pensarem em uma espécie de recomeço para a franquia.
Este recomeço veio com 007: Cassino Royale (meu favorito da franquia), filme que foi cercado por várias dúvidas graças a escalação de Daniel Craig no papel principal. Mas Craig queimou a língua de todas as pessoas que não acreditavam que ele poderia ser um bom James Bond, já que ele mostra nos três filmes que fez até agora que é o melhor intérprete do personagem desde Sean Connery. E considerando que o ator vem demonstrando uma segurança cada vez maior no papel, pode ser que o reinado de Connery se encontre ameaçado, ou ele terá pelo menos que dividir a coroa. Craig tem uma bela presença em cena e constrói um James Bond mais frio e viril, ao mesmo tempo em que demonstra ser uma figura mais vulnerável, o que são características curiosas de se ver no personagem.
Um filme de James Bond é sempre muito aguardado, já que vê-lo em ação enfrentando vilões com planos para dominar o mundo (ou pelo menos para causar algum estrago) é algo interessante. Até por isso, a franquia nunca soou como um caça-níqueis por se estender tanto. Na verdade, que bom que o personagem continua por aí com suas missões. Que 007 ainda tenha muitos anos no cinema.