sábado, 23 de novembro de 2013

Blue Jasmine

Caso existisse no mundo real, Jasmine French dificilmente estaria no meu círculo de amizades. Fútil, esnobe e arrogante, ela com certeza é uma das personagens mais desagradáveis em toda a filmografia de Woody Allen. Mas de certa forma, são exatamente essas características que a tornam uma das melhores criações do cineasta, que consegue fazer com que fiquemos envolvidos na história da personagem a ponto de lamentarmos todas as tristezas que acontecem a ela ao longo deste Blue Jasmine, seu mais novo e belo trabalho.
Interpretada por Cate Blanchett, Jasmine é uma ricaça de Nova York, que vive dentro das melhores condições possíveis e que prefere estar cercada apenas de pessoas que sejam de sua classe social. Mas tudo isso muda quando seu marido, Hal (Alec Badwin), é preso por organizar negócios fraudulentos, o que a faz perder tudo o que tinha. Constantemente perturbada por colapsos nervosos, ela é obrigada a voltar para São Francisco e ficar um tempo na casa de sua irmã, Ginger (Sally Hawkins), enquanto sofre para levar uma vida simples, sem nenhuma das regalias com as quais estava acostumada.
Logo nas primeiras cenas, Woody Allen já apresenta sua protagonista e o contraste entre ela e o universo no qual está prestes a entrar, como quando ela aparece tendo um ataque de pânico em frente à casa da irmã. Os figurinos e o próprio modo de agir e falar da personagem evidenciam que ela simplesmente não se encaixa em meio a pessoas de uma classe social tão diferente, o que inclui não só Ginger, mas também o ex-marido dela, Augie (Andrew Dice Clay), além de seu atual namorado, Chili (Bobby Cannavale). Mas o que acaba sendo interessante é o fato dessas pessoas vistas como pobres por Jasmine na verdade mostrarem ser muito mais ricas do que ela, ao menos em termos de espírito e experiência de vida, já que se tratam de figuras que têm que lutar todo dia pela própria felicidade, algo que Jasmine demonstra nunca ter precisado fazer.
Há de se ressaltar também que, a princípio, o roteiro de Woody Allen parece colocar Blue Jasmine em direção a uma trama meio formuláica e previsível. Mas ele decide por conduzir sua narrativa pelos caminhos mais difíceis, o que significa fazer sua protagonista sofrer. É aí que Allen faz com que criemos certa empatia por Jasmine, já que as situações em que ele a coloca se revelam enlouquecedoras, como nas cenas em que ela precisa lidar com os clientes pouco cooperativos do Dr. Flicker (Michael Stuhlbarg), dentista para o qual passa a trabalhar. Aliás, nas cenas em que Jasmine está tendo seus ataques, o diretor é inteligente ao aproximar a câmera do rosto dela, criando um ambiente claustrofóbico mais do que apropriado. E ao adotar uma estrutura não linear, Allen consegue desenvolver um pouco melhor a história e sua protagonista, inserindo flashbacks que mostram como Jasmine chegou em sua atual situação. O único problema nesse aspecto é o fato de em alguns momentos a montagem de Alisa Lepselter não colocar esses flashbacks muito organicamente na narrativa, o que quase compromete o ritmo do longa.
No entanto, se Jasmine fosse interpretada por uma atriz menos talentosa do que Cate Blanchett, o filme certamente não seria tão cativante. Em uma das melhores atuações de sua carreira (talvez até a melhor), Blanchett compõe sua personagem de maneira muito rica e sem exageros, seja nos ataques de pânico ou na espécie de TOC que Jasmine parece ter ao evitar contato físico com certas pessoas, o que inclusive rende algumas risadas. É um trabalho digno de prêmios, e será uma grande injustiça caso a atriz não seja indicada ao Oscar.
Mas ainda que Blanchett domine o filme, vale dizer que o elenco de coadjuvantes também se mostra muito eficiente. A talentosa Sally Hawkins faz de Ginger uma mulher cuja personalidade é completamente oposta a da irmã, sendo uma das poucas pessoas dispostas a ajuda-la. Já Bobby Cannavale e Andrew Dice Clay estabelecem Chili e Augie como tipos ignorantes e grosseiros, mas ainda assim sensíveis e infinitamente mais confiáveis do que o Hal de Alec Baldwin, que deixa claro desde o início o jeito vigarista de seu personagem. E Louis C.K. e Peter Sarsgaard conseguem se destacar mesmo com um tempo de tela menor interpretando Al e Dwight, figuras que se envolvem com Ginger e Jasmine.
Blue Jasmine é um filme com contornos trágicos, tratando de uma mulher que tenta contar sua história para estranhos que não se importam em ouvi-la, sendo que ela nem imagina que isso interessa para muitas outras pessoas. Mas infelizmente para ela, essas pessoas não fazem parte de seu universo e se encontram em uma sala de cinema.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Jogos Vorazes: Em Chamas

Jogos Vorazes foi uma das boas surpresas do ano passado, apresentando uma história com personagens carismáticos e um universo interessante, ao mesmo tempo em que fazia um comentário político e social bastante relevante (depois de assistir ao filme, fui em busca do primeiro livro da série, que por sinal revelou ser uma bela leitura). Tal comentário volta mais forte nessa continuação, Jogos Vorazes: Em Chamas, filme que também funciona eficientemente como uma produção de ação/aventura e ainda expande a distopia de Panem, sendo superior ao capítulo anterior.
Em Chamas se passa pouco tempo depois do filme anterior, mostrando Katniss (Jennifer Lawrence) e Peeta (Josh Hutcherson) embarcando para a Turnê dos Vitoriosos, tendo eles sobrevivido aos Jogos Vorazes graças a uma manobra que foi vista como um desrespeito pelo Presidente Snow (Donald Sutherland). A vitória da dupla também deu uma ponta de esperança para os habitantes dos doze Distritos de Panem, que passam a dar indícios de querer fazer uma revolução contra a Capital. Tendo a ajuda de Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), o novo idealizador dos jogos, para tentar manter o controle das coisas, Snow faz com que os tributos que participarão do Massacre Quaternário, uma edição dos Jogos Vorazes que ocorre a cada 25 anos, sejam escolhidos apenas entre àqueles que venceram os jogos, o que faz Katniss e Peeta voltarem para o pesadelo da arena de combate.
Com uma trama que trata de maneira um pouco mais aprofundada regimes totalitários e o controle que estes exercem diante de seus governados, Em Chamas surge com um tom de urgência muito maior do que o que foi visto no primeiro filme, já que dessa vez o Presidente Snow não mede esforços para tentar conter as revoltas que ocorrem ao seu redor e destruir o símbolo de liderança e rebeldia no qual Katniss se tornou. O próprio Massacre Quaternário já mostra que o sadismo e o desejo de poder do personagem não têm limites. E é curioso ver que por mais que o universo criado por Suzanne Collins se passe em um futuro, a opressão sofrida pelos povos dos Distritos é fruto de um pensamento medieval brutal. Essa parte política da história é um dos elementos que fazem a franquia ser tão interessante, sendo desenvolvida com calma pelo roteiro dos premiados Simon Beaufoy (de Quem Quer Ser Um Milionário?) e Michael deBruyn (também conhecido como Michael Arndt, de Pequena Miss Sunshine e Toy Story 3), que respeitam a inteligência do espectador do início ao fim.
E já que mencionei o Massacre Quaternário, vale ressaltar que mesmo sendo algo bem formuláico (assim como nos jogos do primeiro filme, os tributos menos importantes morrem primeiro, até a hora em que sobrarem apenas os principais), ele ainda assim traz perigos absolutamente imprevisíveis, e o diretor Francis Lawrence (que assumiu o cargo no lugar de Gary Ross) os conduz impondo um grande nível de tensão, desde a sequência envolvendo uma névoa até a outra que traz um batalhão de babuínos. Momentos como esses fazem com que temamos pelo destino dos personagens, que frequentemente surgem vulneráveis na arena. Lawrence ainda comanda tudo de forma que compreendamos o que ocorre na tela, um aprimoramento em comparação ao filme anterior, que de vez em quando falhava nesse aspecto.
Enquanto isso, as diferenças entre a Capital e os Distritos novamente é muito bem definida pela parte técnica do filme, desde a fotografia de Jo Willems até o design de produção, passando pelos figurinos e pela maquiagem. Se na Capital há um ambiente exageradamente colorido, representando toda a riqueza do local, além da felicidade e até mesmo da alienação das pessoas, nos Distritos vemos um ambiente extremamente melancólico que combina perfeitamente com o estado de seus habitantes. Afinal, todos eles vivem sabendo que um jovem membro de sua família terá que colocar a própria vida em risco para saciar o desejo sanguinolento de pessoas poderosas. E quando Katniss aparece tendo pesadelos ou visões lembrando o pânico pelo qual passou ao longo do filme anterior, vemos o quanto os Jogos Vorazes afetam seus participantes ao obriga-los a abraçar cruelmente seu instinto de sobrevivência.
Jennifer Lawrence, por sinal, retorna ao papel de Katniss fazendo da personagem não só uma figura atormentada pelo que precisou fazer para se manter viva, mas também mais forte e determinada, sendo uma protagonista perfeita para uma história como essa. Já Josh Hutcherson e Liam Hemsworth encarnam Peeta e Gale com um carisma essencial para os personagens, enquanto que Woody Harrelson, Elizabeth Banks e Lenny Kravitz se destacam novamente como Haymitch Abernathy, Effie Trinket e Cinna. E se intérpretes como Jena Malone, Sam Caflin e Jeffrey Wright mostram ser boas adições à trama nos papeis de Johanna Mason, Finnick Odair e Beetee, respectivamente, o sempre excelente Philip Seymour Hoffman rouba quase todas as cenas em que surge como Plutarch Heavensbee. Fechando o elenco, Donald Sutherland faz do Presidente Snow um homem ameaçador ainda que demonstre uma grande tranquilidade na maior parte do tempo.
Não que tudo seja perfeito em Em Chamas. O relacionamento entre Katniss e Peeta, por exemplo, se beneficia muito do fato de eles serem ótimos personagens, já que é desenvolvido de um jeito um tanto previsível. E tirando uma ou outra cena, as tragédias que acontecem com algumas figuras interessantes não causam um impacto tão grande quanto poderiam, em parte por elas não serem tão bem desenvolvidas.
Mas estes são problemas pequenos perto de tudo o que o filme alcança durante a projeção. Em Chamas consegue envolver tanto o público em sua história que quando ela chega nos créditos finais estamos na ponta das cadeiras, curiosos com o que vai acontecer nos próximos e derradeiros capítulos.

domingo, 10 de novembro de 2013

Luther

John Luther é um personagem fascinante. Dono de uma inteligência invejável e de um raciocínio rápido, Luther não faz feio quando comparado a Sherlock Holmes. No entanto, sua personalidade e o modo como age são bem diferentes daqueles vistos no personagem criado por Sir Arthur Conan Doyle. Luther tem um temperamento explosivo e não se importa de sujar as próprias mãos caso isso resulte na resolução de um caso, além de muitas vezes deixar seus sentimentos afetarem seu modo de pensar. Dito isso, John Luther é apenas um dos elementos que tornam a série britânica Luther um dos dramas policiais mais interessantes da atualidade.
Criada por Neil Cross, Luther acompanha o personagem-título em investigações desafiadoras, ao mesmo tempo em que ele tenta lidar com sua vida pessoal. Isso dentro de uma atmosfera tensa e com um ritmo eletrizante e envolvente, que são estabelecidos logo no início do primeiro episódio, quando o Luther persegue Henry Madsen (Anton Saunders) um pedófilo que procurava há muito tempo. Aliás, o primeiro episódio já apresenta muito bem a personalidade forte do protagonista e como certos casos o afetam.
Estruturada como um procedure, Luther traz em sua primeira temporada um caso por episódio, mudando isso nas duas temporadas seguintes, quando vemos um caso a cada dois episódios. E algo curioso nisso é o fato de a série revelar quem são os vilões mais ou menos no início de cada capítulo, diferente de produções como Law & Order, em que descobrimos a identidade deles apenas no final. Além disso, Neil Cross mostra talento na criação de vilões, desenvolvendo figuras cada vez mais ameaçadoras no decorrer da série, que causam situações de grande tensão e fazem com que temamos pelo destino de suas vítimas, além de ajudar a fazer com que fiquemos curiosos com relação às investigações realizadas pelo protagonista.
Para completar, os outros personagens de Luther são interessantíssimos. Desde Alice Morgan (Ruth Wilson, vista recentemente nos cinemas em O Cavaleiro Solitário) até o carismático Justin Ripley (Warren Brown), passando pela esposa do protagonista, Zoe (Indira Varma), e pelo detetive Martin Schenk (Dermot Crownley), a série apresenta figuras com quem conseguimos nos importar ao longo dos episódios. É verdade que nenhum deles supera a complexidade do protagonista (interpretado pelo absolutamente fantástico Idris Elba, um dos atores que mais merece atenção atualmente), mas ainda assim é uma galeria de personagens muito bacana.
Recentemente, Neil Cross anunciou que a terceira temporada foi a última da série, o que é uma pena considerando a qualidade da produção. Mas ele também já avisou ter planos para levar sua obra ao Cinema, deixando uma pontinha de esperança nos fãs para que John Luther apareça em novas histórias.

sábado, 2 de novembro de 2013

Thor: O Mundo Sombrio

Assim como Homem de Ferro 3, Thor: O Mundo Sombrio é uma peça da Fase 2 da Marvel nos cinemas, organizando certos elementos para o aguardado Os Vingadores 2. No entanto, se no primeiro filme do deus nórdico da editora havia uma preocupação em apresentar o protagonista e seu universo ao mesmo tempo em que uma boa história era contada, nesse novo capítulo isso é praticamente inexistente. O resultado é um filme pouco inspirado e que acaba servindo única e exclusivamente para o propósito que citei no início deste parágrafo.
Escrito por Christopher Yost, Christopher Markus e Stephen McFeely, baseado no argumento de Don Payne e Robert Rodat, Thor 2 traz o protagonista (Chris Hemsworth) tentando manter a paz nos Nove Reinos. Mas quando sua amada Jane Foster (Natalie Portman) encontra uma força chamada de Éter, isso faz com que Malekith (Christopher Eccleston), líder dos Elfos Negros, acorde e tente se apossar desse poder para destruir tudo o que ver pela frente. Para estragar os planos do vilão, Thor acaba tendo que pedir ajuda a seu nada confiável irmão Loki (Tom Hiddleston), que foi enviado por Odin (Anthony Hopkins) a prisão de Asgard.
Logo de cara, o filme usa uma sequência expositiva (com direito a uma narração em off que é abandonada depois de cumprir sua função) para explicar o que seria o tal Éter e quem Malekith foi no passado. Mas o que incomoda nisso é o fato de o roteiro voltar a explicar essas coisas brevemente alguns minutos mais tarde, o que já mostra uma certa falta de confiança na inteligência do espectador. Além disso, a história do filme não é muito interessante, nunca se tornando devidamente envolvente, o que é ainda pior quando o roteiro tenta inserir momentos impactantes e estes não funcionam tão bem (nesse sentido, a morte de um personagem pouco depois do início do segundo ato é a primeira coisa que me vem em mente). Como se não bastasse, o relacionamento entre Thor e Jane, que antes era algo simpático de se acompanhar, dessa vez vira um dos elementos mais bobos da história, trazendo diálogos melosos e pequenos momentos de ciúmes que nada acrescentam a trama.
O diretor Alan Taylor (conhecido por seu trabalho em séries de TV, como The Sopranos e Game of Thrones) conduz a ação do filme de maneira burocrática, não conseguindo realizar sequências empolgantes, sendo as únicas exceções a cena em que Heimdall (Idris Elba) derruba uma nave e a outra em que alguns personagens fogem de Asgard. Boa parte desse problema se deve até ao fato de Taylor não conseguir impor muita energia ao filme. Pra completar, a insistência do diretor em colocar letreiros com o nome dos lugares por onde o filme passa não só é um tanto desnecessária (os próprios personagens chegam a dizer que lugares são esses), como eles ainda surgem intrusivos, servindo mais para distrair o público do que para contribuir com a narrativa.
Enquanto isso, o elenco tem seus altos e baixos. Chris Hemsworth volta a encarnar Thor com carisma, enquanto Natalie Portman (uma atriz que admiro muito) infelizmente parece estar no piloto automático em vários momentos interpretando Jane. E se Tom Hiddleston encarna com tranquilidade o desejo de poder de Loki, sendo também dono das melhores gags do filme (como aquela em que o personagem lê um livro enquanto uma pancadaria ocorre ao seu lado), Christopher Eccleston não tem nenhuma chance de fazer de Malekith um bom vilão. Já Kat Dennings mais irrita do que diverte interpretando Darcy, ao passo que Stellan Skarsgård tem seu Erik Selvig transformado em um louco, em uma tentativa frustrada do roteiro em fazer rir. E Anthony Hopkins novamente traz um ar de autoridade para Odin, o que é essencial para o personagem.
Se a primeira parte do enorme projeto da Marvel foi muito boa, a segunda já não começou tão bem quanto poderia, com Homem de Ferro 3 sendo um filme apenas razoável e Thor 2 mostrando ser uma bela escorregada. Na verdade, este último parece ser uma produção feita às pressas para que tudo esteja organizado para Os Vingadores 2, em 2015. Esperemos que os próximos filmes dessa Fase 2 (Capitão América 2 e Guardiões da Galáxia) sejam melhores.
Obs.: A Marvel está tão fascinada por suas famosas cenas pós-créditos que colocou duas em Thor 2. No entanto, vale dizer que a segunda poderia (e deveria) ter entrado no filme antes dos créditos.
Cotação: