quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Bruxa de Blair

Lançado em 1999, A Bruxa de Blair foi um caso no qual a equipe de marketing e a proposta narrativa do filme souberam andar lado a lado de maneira inteligente, de forma que ele não só se estabeleceu como um longa extremamente angustiante por si só, mas também como um dos mais lucrativos de todos os tempos considerando seu baixo custo, com muitas pessoas indo ao cinema com a impressão de que se tratava de um documentário real (e nem foi a primeira vez que algo assim aconteceu, já que tivemos Holocausto Canibal quase 20 anos antes). Desde então, o filme se tornou um dos grandes expoentes do subgênero do terror found footage, e talvez possamos considerar como mais uma prova do quão marcante ele foi o fato de estarmos retornando a seu universo depois de mais de quinze anos neste Bruxa de Blair, continuação dirigida por Adam Wingard (dos ótimos Você é o Próximo e The Guest) e que ignora o desastroso O Livro das Sombras, que já havia tentado dar sequência ao trabalho de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez.

Seguindo o mesmo formato found footage do primeiro filme, a história dessa vez se concentra em James (James Allen McCune), irmão de Heather, a garota que desapareceu após se perder na floresta de Black Hills com os amigos Josh e Michael, exatamente quando os três realizavam um documentário sobre a tal Bruxa de Blair do título. Depois de ver vídeos recentes nos quais aparecem uma figura que ele pensa ser sua irmã, James decide tentar encontra-la, indo até a mesma floresta e registrando cada um de seus passos ao lado dos amigos Lisa (Callie Hernandez), Peter (Brandon Scott) e Ashley (Corbin Reid), além de Lane (Wes Robinson) e Talia (Valorie Curry), que entram na jogada por serem moradores locais e conhecedores da suposta maldição que ronda o lugar.

Apesar de ser uma continuação, Bruxa de Blair não deixa de ter bons toques de refilmagem, já que o roteiro escrito por Simon Barrett desenvolve a história de forma que os personagens refazem o caminho feito por Heather, Josh e Michael, sofrendo com várias das mesmas situações de pânico que o trio enfrentou. É como se o filme não ligasse muito para criatividade. Mas isso não impede Barrett de apostar em algumas coisas novas e que trazem certo frescor aos acontecimentos, mostrando outros detalhes bizarros com relação àquele universo (agora até no tempo ficamos perdidos) e trazendo informações que dão lógica para algumas coisas (o sumiço das pessoas, por exemplo). Porém, vale dizer que esses detalhes interessantes não compensam a obviedade com a qual o roteiro descarta personagens, sendo que ele também inclui uma situação com o ferimento de um deles cujo desenrolar previsível não vai a lugar algum, pouco acrescentando a trama.

Enquanto isso, Adam Wingard conta com os mais variados equipamentos de filmagem a fim de contar a história, desde as simples câmeras auriculares que mostram o ponto de vista dos personagens até o drone que faz planos aéreos, conseguindo assim acompanhar os passos de seus personagens mesmo quando estes se separam e estabelecer a vastidão da floresta. Em meio a isso, o diretor gradualmente cria uma atmosfera inquietante e que chega ao ápice na sequência final, que acaba sendo o melhor momento do filme (assim como ocorria no longa original). Mas não deixa de ser um pouco decepcionante que Wingard muitas vezes se revele tão pouco imaginativo, chacoalhando fervorosamente a câmera para criar tensão, a ponto de a ação na tela ficar incompreensível, e constantemente usando aparições absurdamente repentinas dos personagens para dar sustos baratos no público (e o fato de o filme reconhecer o uso exaustivo desse elemento não melhora as coisas).

Bruxa de Blair fica longe do nível de seu original, não deixando de ser uma versão requentada deste. Mas mesmo com suas irregularidades, o filme consegue ser um exemplar até razoável de terror (uma obra-prima se comparado a O Livro das Sombras) ao reaproveitar a premissa que tem em mãos.

Nota:

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

O Homem nas Trevas

Novo longa de Fede Alvarez, que se revelou um realizador interessante no remake de A Morte do Demônio, O Homem nas Trevas constantemente busca ser angustiante em sua trama de invasão a domicílio, e o fato de ele cumprir esse objetivo certamente é prova do talento de seu diretor.

Aqui, os jovens Rocky, Alex e Money (interpretados por Jane Levy, Dylan Minnette e Daniel Zovatto, respectivamente) são três ladrões que planejam invadir a casa de um cego veterano de guerra (Stephen Lang, apropriadamente ameaçador) a fim de roubar os milhares de dólares que ele guarda e fugir para a Califórnia. No entanto, o que parecia ser uma tarefa fácil rapidamente se torna um pesadelo para o trio, que passa a se esforçar para sair com vida do local.

Alvarez não só consegue fazer com que nos importemos com os personagens ao trabalhar muito bem a humanidade deles em meio a imoralidade de seus atos, mas também por criar um jogo de gato e rato instigante, que percorre todos os cantos da casa e cuja tensão toma a tela de diversas formas. Nisso, é impossível não destacar a excelente sequência que se passa na escuridão do porão e que acompanhamos através da câmera de visão noturna (lembrando muito o terceiro ato de O Silêncio dos Inocentes).

Em sua reta final, O Homem nas Trevas anda por caminhos um tanto exagerados e insere um senso de humor que não chega a combinar com o que a narrativa apresentava até então. Mas isso acaba sendo um problema menor, já que na maior parte do tempo este é um trabalho no qual Fede Alvarez mostra saber como manter o espectador sufocado na poltrona do cinema, o que de certa forma faz jus ao que é dito no título original do filme: não respire.

Nota:

terça-feira, 6 de setembro de 2016

A ambição por trás de Eu Não Vou Dizer Eu Te Amo


Há pouco mais de um ano, logo depois de eu ter me formado em Produção Audiovisual pela ULBRA, um grupo de colegas meus chegou a tão esperada fase do Trabalho de Conclusão de Curso (ou TCC, como chamam os mais íntimos). Aqui é o momento em que todos se juntam para produzir algo que possa ser feito nos poucos meses que duram o semestre, e ainda leve em consideração as limitações orçamentárias de um projeto estudantil. No que diz respeito à ULBRA e ao cinema universitário de modo geral, o que resulta disso são produções de curta duração, considerando que, teoricamente, estas exigem menos trabalho. No caso do meu grupo, foi um videoclipe. Em vários outros, foram curtas-metragens.

Mas eis que meus colegas decidiram levar as regrinhas que citei para um nível um pouco mais desafiador: um longa-metragem chamado Eu Não Vou Dizer Eu Te Amo, o primeiro TCC feito nesse formato na ULBRA (ou ao menos o primeiro a ser entregue ao final do semestre). Uma ideia que muitos certamente poderiam desconsiderar, mas que nesse caso foi abraçada por todo o grupo. E não posso dizer que fico surpreso com isso. Tendo feito algumas disciplinas e trabalhos com essas pessoas antes de me formar, posso dizer que elas sempre mostraram um empenho admirável ao pegar os equipamentos e dar voz a sua criatividade.

Eu Não Vou Dizer Eu Te Amo saiu do papel, foi completado e apresentado. Isso já poderia ser motivo de orgulho para sua equipe, tendo em vista o tamanho do desafio. E particularmente falando, acho o filme bacana, sendo uma produção que mantém sua simplicidade (como poderíamos esperar de um projeto de orçamento bastante reduzido), mas sem deixar que isso seja um entrave para a concepção de sua história e de sua narrativa.

No entanto, como você já deve ter percebido, o que escrevo agora não é uma crítica sobre o filme, até porque acho que não seria ético de minha parte fazer isso (sinto ser suspeito para comentá-lo). Na verdade, vejo essas palavras como um atestado de minha admiração pela ambição do projeto, e não só por conta de seu formato e por ser bem realizado, mas também por ser um TCC que conseguiu fazer com que seu caminho fosse além da apresentação ao final do semestre. Eu Não Vou Dizer Eu Te Amo teve dificuldades para circular e chegar até um público maior do que aquele formado por professores, familiares e colegas de seus realizadores, e mesmo assim obteve feitos notáveis e até incomuns para um longa universitário. Entre eles estão a participação no programa Encontros com o Cinema Brasileiro, onde foi exibido para Julien Welter (um dos curadores do Festival de Cannes), e a seleção para a Mostra de Longas Gaúchos no Festival de Gramado, com sua sessão tendo ocorrido na quinta-feira passada.

Sendo assim, mesmo que eu tenha demorado para falar a respeito disso (já faz um ano desde que vi a apresentação do filme), aplaudo a iniciativa de Guto Bozzetti, Julia Escobar, João Henrique Mattos, Sérgio Albeche, Jeniffer Casagrande, Marcelo Morandini, Rafael Barpp e todos que os ajudaram a realizar o projeto. Não sei se isso irá incentivar mais estudantes a toparem um desafio desse tipo, mas é bom ver o filme conquistar algum espaço diante de um mercado tão complicado.

Obs.: Clique aqui e confira o ótimo artigo que o Guto escreveu em parceria com a Gabriela Almeida, professora nos cursos de Jornalismo e Produção Audiovisual da ULBRA.

sábado, 3 de setembro de 2016

Aquarius

Logo no início de Aquarius, novo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho (do excepcional O Som ao Redor), uma personagem olha para uma cômoda e relembra um momento de sua vida no qual o objeto se mostrou bastante útil, mesmo que em uma função de importância relativamente mínima. Porque é isso que ocorre com quaisquer objetos materiais que adquirimos ao longo dos anos: são marcados por nossos passos, criando uma série de memórias que guardamos inevitavelmente. Isso é algo de grande importância para o filme, sendo usado como ponto de partida para que seu diretor desenvolva uma narrativa fascinante envolvendo um choque de interesses que rende ótimas discussões, além de trazer em seu centro uma protagonista absolutamente brilhante.

Escrito pelo próprio Kleber Mendonça Filho, Aquarius nos apresenta a Clara (Sônia Braga), uma aposentada crítica musical que mora no Recife, em um apartamento no edifício que dá título ao filme. Ela é a última residente do prédio, já que os outros moradores venderam seus apartamentos para uma construtora, que pretende demolir o lugar para poder construir um edifício mais moderno, um projeto liderado pelo jovem Diego (Humberto Carrão). Ainda que o número de zeros do valor oferecido por seu lar seja bastante atraente, Clara mantem-se firme em sua decisão de não abrir mão dele, não deixando Diego e seus colegas muito satisfeitos, o que os faz pensar em maneiras grosseiras para fazê-la mudar de ideia.

Com o apartamento sendo o lugar onde Clara fez sua vida, criou seus filhos, viveu suas alegrias e suas tristezas, a importância dele para ela fica evidente desde o princípio. Porém, não demora muito para que ele se estabeleça também como a representação dos ideais da personagem com relação ao que é justo, algo que é até maior do que ela própria. Assim, do ponto de vista puramente humano, o roteiro de Kleber Mendonça Filho aborda o embate com a construtora de maneira poderosa, com Clara defendendo a todo custo suas memórias e o direito que tem de ficar em sua casa, ao passo que Diego e seus colegas estão mais preocupados em terem seus interesses atendidos, não se importando se isso ocorrer de maneira errada e achando que dinheiro é o suficiente para convencer qualquer pessoa, não entendendo que algumas coisas simplesmente não podem ser compradas. E é bacana ver que o roteiro tem noção que essa pequena briga envolve mais do que apenas os dois lados em que se concentra, lembrando também daqueles que já venderam os apartamentos e mostrando que, quando alguém se sente prejudicado, até um ato correto pode ser visto como equivocado e egoísta dependendo da visão da pessoa, o que só ajuda a tornar as discussões mais complexas e instigantes.

Mas se acompanhar o desenrolar dessa história já rende uma experiência rica, as coisas ficam ainda melhores por termos em Kleber Mendonça Filho um diretor cada vez mais interessante. Além de ditar um ritmo que envolve o espectador do início ao fim, o realizador exibe uma sensibilidade por vezes até tocante na forma como trata a história de sua protagonista, sem falar que ele consegue divertir com os personagens quando deseja (a cena em que Clara vai a uma festa com as amigas) e criar tensão quando precisa (a sequência em que ela abre outros apartamentos), mostrando uma versatilidade admirável na condução da narrativa.

Mas vale dizer que Clara é responsável por grande parte da razão de ser de Aquarius. Mulher forte, independente e ativa (inclusive sexualmente), a personagem não permite que seja passada para trás pela idade ou pela constante modernização sofrida pelo mundo, sendo que ainda podemos ver desde o início como ela é amada, admirada e respeitada pelas pessoas ao seu redor, o que só prova sua força de caráter e sua humanidade. Trata-se de uma personagem que não poderia ser mais multidimensional, tendo na grande Sônia Braga uma intérprete de peso e que carrega a narrativa com segurança absoluta, em uma daquelas atuações que, de tão boas, imortalizam carreiras. Enquanto isso, o elenco de apoio também é excelente interpretando figuras que ajudam a enriquecer a narrativa sempre que aparecem, desde Humberto Carrão como Diego até Irandhir Santos como o salva-vidas Roberval e Maeve Jinkings no papel de Ana Paula, filha de Clara, que protagoniza com a mãe uma cena lindíssima quando elas discutem a proposta pelo apartamento.

Aquarius acaba sendo sobre muito mais do que a história de uma mulher fascinante e a preservação de algo importante para ela. É também sobre resistir a injustiças, principalmente quando quem a comete passa a jogar sujo, e saber contra-atacar. Em suma, por coincidência ou não, Kleber Mendonça Filho e sua equipe fizeram um longa que dialoga muito com o momento atual de seu país (“Todo bom filme é um documento de sua época”, dizia o cineasta francês Eric Rohmer) e que revela ser um exemplar magnífico do nosso cinema, se colocando desde já entre os melhores filmes do ano.

Nota:

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O Sono da Morte

Em se tratando de filmes de terror e suspense, o diretor Mike Flanagan é um dos nomes que têm chamado minha atenção recentemente, tendo comandado os ótimos Absentia, O Espelho e Hush, este último tendo sido distribuído há poucos meses pela Netflix. Provando estar bastante ativo, o diretor lança agora O Sono da Morte, o segundo de três filmes que programou para esse ano e que se mostra eficiente ainda que inferior a seus trabalhos anteriores.

Escrito pelo próprio diretor em parceria com Jeff Howard, O Sono da Morte parte de uma premissa semelhante ao que já vimos em várias outras produções. Um casal, Jessie e Mark (Kate Bosworth e Thomas Jane, respectivamente), acaba de perder o filho em um acidente e, para tentar superar o sofrimento e a tristeza decorrentes disso, decidem adotar uma criança que revela não ser uma figura comum. No caso, o pequeno Cody (interpretado por Jacob Tremblay) constantemente evita cair no sono, já que ele tem o dom de fazer com que seus sonhos interajam com a vida real enquanto está dormindo. Inicialmente, Jessie e Mark ficam admirados quanto às possibilidades do poder, mas logo entram em pânico ao verem que os terríveis pesadelos do garoto também ganham vida.

Nunca é explicado como Cody é capaz de fazer essas coisas, mas trata-se de um conceito interessante e que o roteiro utiliza tendo noção do perigo que há por trás dele, algo que vale não só para os pesadelos do garoto, mas também para as tentativas de Mark e Jessie de usar o poder para preencher o vazio que sentem quanto à perda que sofreram, abrindo as portas para várias ilusões. No entanto, há de se ressaltar que o filme não deixa de apresentar um desenrolar um tanto conveniente e pouco orgânico nesse sentido, com o poder de Cody sendo usado de acordo com as necessidades do roteiro, o que podemos ver quando o garoto sonha com eventos específicos que lhe foram apresentadas minutos antes.

Isso, porém, não impede Mike Flanagan de mostrar sensibilidade ao tratar os dramas pessoais de seus personagens, humanizando-os para que o público se importe com eles, além de mais uma vez exibir talento para criar momentos de tensão, e nesse sentido a cena em que Jessie e Mark não conseguem acordar Cody e precisam lidar com o monstro que aparece nos pesadelos dele é um ponto particularmente bom do filme. Já a fotografia de Michael Fimognari merece créditos por modular bem entre cores quentes, que ajudam a indicar o conforto e a tranquilidade da casa dos personagens e dos sonhos de Cody, e tons mais escuros, que tomam a tela sempre que os pesadelos aparecem.

Enquanto isso, Kate Bosworth interpreta Jessie com uma inexpressividade que poderia torna-la aborrecida, mas por sorte é um aspecto que combina com o que a personagem sente, deixando claro que a falta do filho é difícil de suprir, algo que ela encara sem permitir que sua ternura como mãe se apague. Aliás, ela compartilha isso com Mark, que Thomas Jane encarna como um homem que busca esconder o sofrimento em meio a seus esforços para que as coisas melhorem (uma pena que uma cena importante envolvendo o personagem não tenha muito impacto). Mas o filme acaba sendo mesmo de Jacob Tremblay, que depois de surpreender no excelente O Quarto de Jack (por sinal, uma atuação que deveria ter sido mais premiada) aqui volta a mostrar uma doçura encantadora como Cody, um menino que poderia ser vilanizado, mas que aqui se estabelece como alguém vulnerável e que tem medo de seu próprio dom, não só por não querer fazer mal as pessoas a sua volta, mas também por desconhecer a extensão do que pode fazer.

O Sono da Morte escorrega um pouco no terceiro ato, que se por um lado traz uma origem tocante para o tal monstro que assombra os pesadelos de Cody, por outro tenta forçar alguns finais felizes que soam pouco convincentes, sem falar que ao longo do filme o roteiro perde tempo com elementos nada interessantes, como a subtrama envolvendo um colega mal-encarado de Cody. Mesmo assim, Mike Flanagan concebe uma obra que consegue explorar bem seus personagens em questões dramáticas, não se contentando só com a tensão que busca criar.

Nota: