terça-feira, 29 de julho de 2014

Guardiões da Galáxia

Homem de Ferro, Hulk, Thor, Capitão América. Até agora a Marvel construiu seu universo cinematográfico em cima de alguns de seus personagens mais populares. Sendo assim, um filme dos Guardiões da Galáxia, um grupo de heróis que não é tão conhecido, não deixa de ser uma aposta arriscada por parte do estúdio, e provavelmente só foi feita porque as produções baseadas nos quadrinhos da editora vêm se tornando um sucesso absoluto nas bilheterias. No entanto, uma bela joia pode ser encontrada onde menos se espera, e é exatamente isso que acontece com o filme comandado por James Gunn (responsável pelo divertido Seres Rastejantes e pelo eficiente Super). E se entrei no cinema sabendo quase nada sobre os personagens daquele novo universo, posso dizer que saí de lá querendo saber mais coisas sobre eles.

Escrito pelo próprio James Gunn em parceria com Nicole Perlman, Guardiões da Galáxia acompanha o saqueador Peter Quill (Chris Pratt), também conhecido como Senhor das Estrelas, que em uma de suas expedições pelo espaço rouba um orbe sem saber que este é objeto de desejo de vários indivíduos, sendo um deles o temido Ronan (Lee Pace), que ao lado de seu mestre Thanos (que apareceu na cena pós-créditos de Os Vingadores) é responsável por destruir muitas vidas. Entre elas estão as de Gamora (Zoe Saldana), filha adotiva de Thanos, e Drax (Dave Bautista), que ao lado do guaxinim falante Rocket (voz de Bradley Cooper) e seu parceiro-árvore Groot (voz de Vin Diesel) se juntam a Quill para, inicialmente, tirar proveito do preço do orbe. Mas quando este se mostra incrivelmente poderoso e eles passam a ser caçados por Ronan, o grupo faz de tudo para que o objeto não caia nas mãos do sujeito, que ameaça destruir a galáxia.

Tendo como um de seus principais objetivos apresentar os personagens e o universo do qual eles fazem parte, o roteiro esbarra várias vezes em diálogos expositivos que não surgem muito organicamente na narrativa. Quando Drax aparece em cena pela primeira vez, por exemplo, as palavras que saem de sua boca tratam de estabelecer quem ele é e suas motivações. Mas se o filme tem alguns problemas com relação a isso, James Gunn e sua equipe compensam ao conceber todo aquele universo brilhantemente. Desde o design de produção, passando pela maquiagem e chegando aos efeitos visuais, Guardiões da Galáxia se revela tecnicamente irrepreensível, sendo que a variedade de seres que desfilam pela tela e de lugares por onde passamos (como o planeta Knowhere) fazem jus a sagas intergalácticas como Star Wars e Star Trek. Além disso, o visual repleto de cores quentes combina com a grande energia do filme, já que ele se concentra muito na tarefa de divertir o público.

E como diverte. O roteiro aproveita que tem em mãos personagens com personalidades completamente diferentes e desenvolve gags que se encaixam muito bem na dinâmica entre eles, seja o modo literal como Drax trata certas metáforas, o jeito sarcástico de Rocket ou a ingenuidade de Groot. Mas não é só com isso que o filme consegue fazer graça, já que ele traz outras ótimas sacadas (como a menção a Footloose) e ainda conta com uma excelente seleção musical que ajuda a ditar o tom alegre da produção (logo no início, por exemplo, Peter Quill aparece dançando ao som de “Come and Get Your Love”, o que dá uma boa ideia do que veremos ao longo da projeção). É verdade que em determinados momentos o filme parece desesperado para causar o riso, mas isso não chega a incomodar quando 90% do divertimento funcionam tão bem.

Mas Guardiões da Galáxia provavelmente não seria tão eficiente caso seus personagens não fossem tão bons. Nisso, é bom constatar o carisma de todos e como o relacionamento deles soa natural e agradável, apesar de ser desenvolvido de um jeito comum. E se Chris Pratt demonstra segurança como Peter Quill, Zoe Saldana faz de Gamora a personagem mais séria do grupo, mas não menos interessante, ao passo que Dave Bautista surpreende ao equilibrar a raiva de Drax com a parte divertida do sujeito. Já a dupla Rocket e Groot podem até ter sido criada por computador, mas há de se ressaltar que em momento algum eles parecem figuras falsas na tela, tendo ainda a sorte de contarem com o ótimo trabalho vocal de Bradley Cooper e Vin Diesel. Se o primeiro contribui muito para o jeito escrachado de ser do guaxinim, o segundo tem uma tarefa mais complicada ao ter que repetir uma mesma frase ao longo de quase todo o filme, e é admirável que o ator consiga mostrar que em cada uma das vezes Groot está falando algo diferente.

Trazendo ainda sequências de ação muito bem conduzidas por James Gunn (destaque para a empolgante e divertida fuga de uma prisão, além do belo terceiro ato), Guardiões da Galáxia é uma grata surpresa em meio às produções que a Marvel vem realizando. Um filme que consegue fazer o espectador sair do cinema com um sorriso no rosto, até porque este fica sabendo imediatamente que “Os Guardiões da Galáxia retornarão”.

Obs.: Há uma cena após os créditos finais.

Nota:

terça-feira, 22 de julho de 2014

Fuga do Planeta dos Macacos

Quando o excepcional Planeta dos Macacos foi transformado em franquia, foi um pouco decepcionante que a continuação daquela história tenha caído de nível em De Volta ao Planeta dos Macacos que, apesar de seus comentários envolvendo religião e a ameaça nuclear, não é uma obra das mais interessantes. O final do filme, inclusive, tornava teoricamente impossível que a série pudesse ter um novo capítulo. Mas a ganância falou mais alto e este Fuga do Planeta dos Macacos foi lançado. Surpreendentemente, este é um caso em que devemos agradecer por tal ganância, já que este terceiro exemplar é um dos melhores da franquia.

Escrito por Paul Dehn (que na época roteirizou todas as continuações da série) mostra que Zira (Kim Hunter) e Cornelius (Roddy McDowall), com a ajuda do Dr. Milo (Sal Mineo) consertaram a nave de Taylor (personagem de Charlton Heston nos filmes anteriores) e conseguiram fugir antes que a Terra fosse destruída. Mas a explosão os fez entrar em um buraco no tempo que os envia direto ao passado, no ano de 1973. O casal vira o centro das atenções, sendo muito bem recebido por boa parte das pessoas e fazendo amizade com os cientistas Lewis Dixon (Bradford Dillman) e Stephanie Branton (Natalie Trundy) enquanto buscam se adaptar ao novo ambiente. Mas outros os veem como uma grande ameaça, considerando o futuro de onde vieram.
O uso da viagem no tempo obviamente é apenas uma desculpa forçada para que a franquia possa ter uma continuidade, ainda que coisas desse tipo já fizessem parte dela desde o primeiro filme. Mas trazer Zira e Cornelius para o passado acaba sendo perfeito para tratar temas que ainda são muito atuais na sociedade, como discriminação e preconceito. Isso pode ser visto quando Otto Hasslein (Eric Braeden) fala que os protagonistas devem ser abatidos antes que façam algo ruim, mesmo que eles sejam figuras incrivelmente bondosas e não demonstrem nenhum sinal de violência. Com relação a isso, o roteiro traz um diálogo sensacional e que faz o espectador refletir uma questão curiosa: "Será que mataríamos Hitler no útero, sabendo o que sabemos sobre ele e seus crimes de guerra?”.
Vividos por Kim Hunter e Roddy McDowall com o mesmo carisma dos filmes anteriores, Zira e Cornelius mostram um peso dramático muito maior desta vez, o que faz com que nos importemos com eles do início ao fim. Na verdade, boa parte da eficiência de Fuga do Planeta dos Macacos se deve ao fato de a história girar quase exclusivamente em torno desses personagens, que são alguns dos mais queridos da franquia. E o diretor Don Taylor acerta ao equilibrar a descontração de quando os protagonistas estão se adaptando ao mundo moderno com a tensão que fica em volta deles, principalmente, a partir do final do segundo ato.
Os filmes clássicos de Planeta dos Macacos terminam com os créditos rolando sem nenhum tipo de música, deixando apenas algum efeito sonoro ou o próprio silêncio. É uma sacada que busca fazer o espectador sair da história com uma sensação um tanto incômoda. Na maioria das vezes isso funcionou satisfatoriamente, mas nunca tão bem quanto neste terceiro filme, cuja simples última fala tem um grande impacto e o ajuda a ser o exemplar mais trágico da franquia.
Nota:

sábado, 19 de julho de 2014

Planeta dos Macacos: O Confronto

A cultuada franquia Planeta dos Macacos ficou um bom tempo no limbo depois de seu quinto filme, A Batalha do Planeta dos Macacos, de 1973. Tim Burton até tentou dar vida nova a série em seu remake, mas como todos sabem isso não foi muito bem sucedido. Mas ela voltou a ganhar atenção com Planeta dos Macacos: A Origem, prequel eficiente que deu uma boa repaginada naquele universo e de quebra nos reapresentou a um de seus personagens mais interessantes: César, vivido agora por Andy Serkis através do performance capture. É então que a franquia chega a seu oitavo filme, Planeta dos Macacos: O Confronto, que se revela um de seus melhores ao lado do primeiro e terceiro exemplares.

Escrito por Mark Bomback em parceria com Rick Jaffa e Amanda Silver (dupla que roteirizou o filme anterior), Planeta dos Macacos: O Confronto se passa cerca de dez anos após o vírus ALZ-113 ter dizimado grande parte da população mundial. Nisso, César forma uma comunidade com outros macacos na floresta, buscando viver em paz longe dos humanos, que por sua vez tentam sobreviver com recursos limitados em San Francisco. Quando o grupo liderado por Dreyfus (Gary Oldman) e Malcolm (Jason Clarke) localiza uma usina hidrelétrica exatamente onde os macacos se estabeleceram, César permite que os humanos voltem a fazer as máquinas funcionarem para dar energia para a cidade, querendo evitar um conflito desnecessário que custaria vidas. Mas figuras como Koba (Toby Kebbel) não pensam da mesma forma que ele, fazendo com que a paz não dure muito tempo.

Usando os primeiros minutos para deixar clara a divisão da sociedade entre macacos e humanos, o roteiro é hábil ao mostrar o grande líder que César se tornou e como os símios são seres primitivos, mas em constante evolução, criando até o lema de “Macacos não matam macacos” (os fãs da série ficarão felizes de ver isso de volta). Enquanto isso, o contrário ocorre com os humanos, que estão em uma situação cada vez mais escassa. Sendo assim, o design de produção acerta tanto na simplicidade da comunidade formada por César quanto no visual pós-apocalíptico da San Francisco habitada pelos humanos.

O diretor Matt Reeves (o mesmo dos ótimos Cloverfield: Monstro e Deixe-Me Entrar) usa a inimizade existente entre as duas raças para criar um belo nível de tensão em volta das relações entre elas. Por mais que humanos e macacos tentem não criar confusão uns com os outros, qualquer tipo de ameaça pode colocar tudo a perder, detalhe que traz certa imprevisibilidade a história. Além disso, Reeves impõe um tom de urgência que ecoa durante a maior parte do filme, chegando ao ápice na batalha que ocorre no terceiro ato e que é conduzida com uma segurança invejável. Tudo isso é embalado pela trilha por vezes épica, por vezes melancólica de Michael Giacchino, que pontualmente insere acordes que remetem a música dos primeiros filmes da série, um toque particularmente inspirado do compositor.

No entanto, é mesmo com seu subtexto político e social que o filme prende a atenção, usando a luta entre as raças como uma alegoria envolvendo conflitos ainda bastante atuais no mundo. Da mesma forma, o rancor que impede boa parte dos macacos e dos humanos de verem bondade uns nos outros faz uma alusão clara ao preconceito, sendo que o filme consegue fazer com que compreendamos as visões hostis de ambos os lados, mesmo que estas sejam precipitadas. Nesse sentido, é interessante ver que César é o personagem cuja visão de mundo é a mais completa. Enquanto seus companheiros foram cobaias em laboratórios comandados por humanos que, no momento, os veem como a causa de sua quase extinção, ele foi criado por um homem com o afeto que qualquer um deveria receber, conhecendo o lado bom das pessoas que aqui é representado por Malcolm e sua família.

César que volta a ser interpretado por Andy Serkis com a mesma genialidade vista no filme anterior. Ao longo da história, basta um olhar ou um gesto do ator para que o protagonista passe uma onda de emoções complexas e muito humanas, em uma atuação extremamente sensível. Aliás, Matt Reeves acerta no modo como mostra a autoridade do personagem, filmando-o através de ângulos baixos que, somados a presença de Serkis, o tornam mais imponente. E se Toby Kebbel encarna com propriedade o rancor que move Koba, Jason Clarke faz de Malcolm um dos personagens humanos mais fortes da franquia, ao passo que Gary Oldman se destaca mesmo com pouco tempo de tela, tendo um momento particularmente tocante quando Dreyfus vê as fotos de sua família.

Envolvente do início ao fim e contando com um trabalho de efeitos visuais digno de prêmios, Planeta dos Macacos: O Confronto prova que a franquia ressuscitou com fôlego de sobra. E é realmente um prazer vê-la recuperar a força que tinha antigamente.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Juntos e Misturados

Em sua grande maioria, as comédias estreladas por Adam Sandler conseguem irritar mais do que divertir. Mesmo assim, até algum tempo atrás elas faziam um grande sucesso, mas ultimamente Sandler tem conseguido se superar nos projetos que escolhe (Cada Um Tem a Gêmea Que Merece e Este é o Meu Garoto, por exemplo, são filmes que passam dos limites do constrangedor). Sendo assim, é compreensível que ele agora tente retomar sua parceria com a carismática Drew Barrymore, com quem fez Afinado no Amor e o adorável Como Se Fosse a Primeira Vez. Mas a verdade é que ver Sandler novamente ao lado de Barrymore neste Juntos e Misturados não salva o filme de ser algo triste de se assistir.

Escrito por Ivan Menchell e Clare Sara e dirigido por Frank Coraci (que trabalhou com os protagonistas em Afinado no Amor), Juntos e Misturados traz Adam Sandler e Drew Barrymore interpretando, respectivamente, o viúvo Jim Friedman e a divorciada Lauren Reynolds, que se conhecem em um encontro às cegas que não dá nada certo. Mas quando eles pensam que nunca mais irão se ver, o destino (que nesse caso também é conhecido como roteiro preguiçoso e esquemático) faz com que se encontrem em uma viagem de férias à África na companhia de seus filhos. A estadia os obriga a ficar juntos todos os dias, e é então que eles passam a gost... Bem, vocês devem saber o resto.

O roteiro de Juntos e Misturados é tão clichê e óbvio que é praticamente impossível não ficar entediado ao longo da projeção. Isso porque não demora muito para descobrirmos tudo que acontecerá ao longo da história, de modo que assistir ao filme acaba sendo um verdadeiro exercício de paciência, já que é apenas uma questão de tempo até pensarmos “Sabia que isso ia acontecer!”. Quando a filha mais velha de Jim, Hilary (Bella Thorne), aparece sendo tratada como um garoto por todos fica muito claro o que acontecerá com ela mais tarde, e o mesmo vale para o filho mais novo de Lauren, Tyler (Kyle Red Silverstein), que precisa superar um problema pessoal. Sem falar que ainda somos obrigados a acompanhar pela enésima vez a história do “casal que se odeia, mas se ama”, que aqui chega a evoluir para as “famílias que se odeiam, mas se amam”, considerando que os filhos dos protagonistas também entram na equação.

Talvez essas coisas pudessem ser perdoadas caso Juntos e Misturados conseguisse divertir. No entanto, tirando a ideia de usar canções para mostrar as reações de alguns personagens com relação ao que veem em determinadas cenas, o filme investe em piadas que nem um público com Q.I. menor do que o de Forrest Gump acharia graça, seja aquela em que Lauren cospe uma sopa de cebola ou a outra que tenta fazer graça com um casal de rinocerontes transando (sim, é isso mesmo). O pior é que os envolvidos pensam estar fazendo um ótimo trabalho nesse sentido, chegando ao ponto de repetir certas piadas ao longo do filme (se na primeira vez não funcionou, na segunda funcionará, não é? Não? Ah, ok). E se os protagonistas em alguns momentos voltam a exibir a simpatia que haviam mostrado em suas outras parcerias, isso acaba sendo prejudicado quando eles precisam parar o que estão fazendo para que uma gag tola e inconveniente aconteça, o que ocorre com frequência.

É possível entrar em Juntos e Misturados com esperança (ainda que mínima) de que ele terá algum valor interessante por conta do que Adam Sandler e Drew Barrymore fizeram antes. Na verdade essa é uma comédia até um pouco mais suportável que as últimas que Sandler estrelou. Mas o fato de o filme ainda assim ser um desastre apenas mostra a que nível os trabalhos dele chegaram.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Prisão

No início de sua carreira como diretor, Ingmar Bergman se dedicou a comandar roteiros escritos em parceria com outra pessoa, ou adaptações de livros e peças. Foi preciso alguns filmes no currículo até esse renomado sueco levar pela primeira vez às telas uma história original, concebida totalmente por ele. Isso veio a acontecer em Prisão, seu sexto longa-metragem, que, apesar de mostrar certa artificialidade em alguns momentos (detalhe que pode ser decorrência do baixo orçamento), consegue ser uma obra que faz jus à sua belíssima filmografia.

Prisão tem início quando o professor de matemática Paul (Anders Henrikson) sai de um asilo e visita seu antigo aluno Martin (Hasse Ekman), que agora é cineasta. No encontro, o primeiro compartilha com o segundo a ideia para um filme: a Terra é o verdadeiro inferno comandado pelo próprio Diabo. Mesmo não acreditando muito no potencial da trama, Martin repassa o enredo a seu amigo e jornalista Thomas (Birger Malmsten), este que, por sua vez, comenta sobre uma matéria que tentou fazer com a prostituta Birgitta Carolina Söderberg (Doris Svedlund), dizendo depois, em tom de brincadeira, que ela seria ideal para protagonizar o longa. No entanto, as vidas de Thomas e Birgitta eventualmente mostram que a conjectura realmente merece atenção.
Bergman realiza em Prisão um conto existencialista, num viés que ele tanto gostava de explorar. Se no prólogo, visto antes dos créditos iniciais (que, aliás, são narrados ao invés de inseridos nos típicos letreiros), vemos Thomas bem humorado ao lado de sua esposa Sofi (Eva Henning) e de Martin, logo depois testemunhamos sua vida bastante apática, tanto que ele cogita o suicídio. E isso se passa apenas seis meses após, indicando o quão rápido a vida pode se tornar incômoda. O mesmo acaba servindo para Birgitta, cujo arco dramático é ainda mais trágico que o de Thomas, considerando que inicialmente a vemos bem, para logo depois a reencontramos numa situação complicada (e as coisas para ela pioram ainda mais a partir daí). Assim, é interessante acompanhar a história como um “filme dentro do filme”, já que aquilo que Thomas e Birgitta vivem, juntos ou individualmente, acaba se relacionando com a ideia proposta por Paul. A própria estrutura utilizada pelo diretor permite que Prisão seja visto dessa forma.
Bergman demonstra humanidade tocante no modo como conduz tudo isso, tendo noção de que mesmo que a vida nos coloque para baixo, ela pode nos dar alguma alegria, embora muitas vezes momentânea. É algo visto na cena em que Thomas e Birgitta se divertem assistindo a um filme, parte mais descontraída da história (e o fato de isso ocorrer graças à arte para a qual Bergman dedicou boa parte de sua vida não deixa de ser algo curioso). Além disso, Paul diz: “A vida segue um arco cruel e sensual do berço até o túmulo”. É interessante ver esta mesma frase recitada no terceiro ato por Martin, que a completa com um simples (mas muito significativo): “Isso pode ser verdade para algumas pessoas”, em uma visão triste, mas real, sobre o que ocorre no mundo. Isso, inclusive, ganha maior espaço no filme na cena em que uma infeliz Birgitta vê de longe um casal de namorados tratando da melhor maneira possível uma gravidez.
Prisão não é um dos filmes pelos quais Ingmar Bergman se tornou mais lembrado. Isso é até compreensível, levando em conta o número de obras inesquecíveis que ele realizou depois. Mas certamente é um trabalho importante, que dá indícios das muitas coisas que ele veio a fazer ao longo da carreira.
Nota:

sábado, 12 de julho de 2014

Miss Violence

Angeliki está completando 11 anos. Ela parece um anjo e recebe da família todos os cumprimentos de felicidade possíveis. Mesmo assim, não está muito feliz. É então que se afasta sorrateiramente de todos, em um momento em que as atenções estão em outras coisas em meio à festa de aniversário. Angeliki se pendura na sacada, sorri sutilmente para o espectador e pula. A câmera, em uma panorâmica, mira lentamente para baixo, passando por três andares até focar o corpo ensanguentado da garota na fachada do prédio. Uma imagem que choca todos ao seu redor (e podemos nos incluir nesse grupo).

Essa é a sequência de abertura de Miss Violence, drama comandado por Alexandros Avranas que fez muito sucesso no circuito de festivais em 2013, chegando a levar o prêmio de Melhor Direção em Veneza. Sem dúvida é uma passagem impactante, que estabelece logo de cara o tom pesado que o filme exibirá ao longo da história, ao acompanhar o modo como a família de Angelik lida com o incidente, ao mesmo tempo em que mostra gradualmente o porquê da menina acabar com a própria vida. Nisso, vale dizer, desde o início podemos ver que há algo errado (ou ao menos estranho) na vida daqueles personagens.
Alexandros Avranas é hábil ao criar uma atmosfera opressiva e angustiante para a história. Para isso, ele tem a ajuda do design de produção e da bela fotografia de Olympia Mytilinaiou, que ao utilizarem tons opacos tiram muito da vida que existe na tela. É algo que não só passa eficientemente o sentimento de depressão que toma conta de todos os envolvidos, atingindo principalmente o avô (Themis Panou) e a mãe, Eleni (Eleni Roussinou), mas também a própria natureza das coisas que acontecem por ali. Por sinal, ainda que o amor possa existir naquela família, isso não condiz e nem se equipara ao modo infeliz e apático como todos agem, como se convivessem uns com os outros por obrigação, ao invés de prazer. E é difícil não sentir um soco no estômago quando os segredos obscuros são revelados. Afinal, eles conseguem chocar mesmo que seja possível prevê-los em determinados momentos.
Enquanto isso, o elenco se revela irrepreensível. Interpretando o patriarca da família, Themis Panou se destaca com uma presença em cena que torna o avô uma figura temível, ainda que ocasionalmente mostre atos de carinho (um beijo no neto, por exemplo). Já Sissy Toumasi, como Myrto, a jovem tia de Angelik, surge como a única que dá sinais de alguma indignação com relação ao que vive. E se Eleni Roussinou faz de Eleni uma figura que é claramente controlada pelo pai, aparecendo sempre retraída em cena, como se não pudesse se expressar, Reni Pittaki, no papel da avó, cria uma figura imprevisível com poucas falas e gestos, atos que se revelam alguns dos mais surpreendentes do filme.
Assim, Miss Violence se estabelece como um grande exemplar do cinema grego, mas que também é o tipo de filme que, mesmo com todos seus méritos, seria difícil assistir de novo. Afinal, a sensação de desconforto que passa é tão grande que é preferível não senti-la novamente.
Nota:

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Amor Fora da Lei

A base da história de Amor Fora da Lei não é particularmente original. Depois de ficar alguns anos na cadeia, Bob Muldoon (Casey Affleck) foge para reencontrar sua esposa, Ruth Guthrie (Rooney Mara), e a filha que não viu nascer. Enquanto isso, o policial Patrick Wheeler (Ben Foster) se aproxima das duas, tentando ajuda-las ao mesmo tempo em que tenta encontrar Bob e prendê-lo novamente. É um tipo de triângulo amoroso que já vimos em outros filmes, mas é bom ver que o diretor David Lowery (em seu segundo longa-metragem) consegue fazer com esse clichê funcione de forma que ele quase soa como algo novo ao longo da projeção.

Trazendo como ambientação o Texas da década de 1970, Lowery mostra ter uma visão bastante contemplativa com relação ao lugar em determinados momentos, aproveitando muito bem sua simplicidade para criar uma atmosfera melancólica, que ganha belos traços a partir da excelente fotografia de Bradford Young e da trilha de Daniel Hart. É um aspecto que atinge em cheio os três personagens principais, que ganham grande peso dramático graças a seus talentosos intérpretes. Se Casey Affleck surge com determinação como Bob, Rooney Mara traz uma força admirável para Ruth, ao passo que Ben Foster encarna Patrick com uma sensibilidade por vezes tocante. Em parte, o filme se mostra bastante envolvente exatamente por os personagens serem tão bons.

Amor Fora da Lei pode até ser uma produção pequena em termos de escala, mas o interesse que cria ao longo de sua sensível história é bem grande. Um belo filme, sem dúvida.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Os Muppets na Ilha do Tesouro

Algo que os responsáveis pelos Muppets gostam de fazer, de vez em quando, é inseri-los em determinada história clássica, criando assim uma versão própria da mesma. Logo no início da década de 1990, O Conto de Natal dos Muppets foi bem sucedido dentro desse modelo ao colocar os personagens em Um Conto de Natal, famoso livro de Charles Dickens já adaptado várias vezes para o cinema (a última foi em Os Fantasmas de Scrooge, de Robert Zemeckis). Sendo assim, os produtores decidiram repetir a fórmula no filme seguinte da franquia, Os Muppets na Ilha do Tesouro, que, por sua vez, se utiliza de "A Ilha do Tesouro", clássico de Robert Louis Stevenson. E, novamente, o resultado alcançado não decepciona.

Com roteiro escrito por Jerry Juhl e Kirk R. Thatcher, em parceria com James V. Vart, Os Muppets na Ilha do Tesouro se concentra no jovem órfão Jim Hawkins (Kevin Bishop), que fica sabendo através do pirata Billy Bones (Billy Connolly) da existência de um valioso tesouro. Durante um ataque de piratas, Jim e seus amigos Gonzo e Rizzo pegam o mapa de Bones e se juntam à tripulação comandada pelo Capitão Abraham Smollett (no caso, o sapo Kermit) para tentar encontrar a riqueza. É então que o garoto conhece Long John Silver (Tim Curry), cozinheiro do navio, que passa a protegê-lo das figuras que querem roubar o mapa. Mas Silver também mostra não ser uma figura particularmente confiável.
Assim como acontecia no filme anterior, os Muppets viram coadjuvantes, enquanto os personagens humanos ganham mais importância. Mas isso não muda o espírito “muppetiano” da produção, responsável ao longo da trama pelas típicas brincadeiras que vemos em qualquer aventura desses personagens. Sendo assim, o filme diverte com o jeito meio bobo e ingênuo deles (como na cena em que Gonzo é dolorosamente esticado, mas acha ótimo por ficar mais alto) e com as gags metalinguísticas que surgem ocasionalmente na narrativa (“Ele está morto? Mas este deveria ser um filme infantil! ”, diz Rizzo em dado momento).
Se essa parte é caprichada, o mesmo pode ser dito sobre a escala épica do longa, que o diretor Brian Henson (filho do próprio Jim Henson) conduz muito bem. Utilizando desde a bela fotografia com tons sépia de John Fenner até a trilha grandiosa composta por Hans Zimmer, Henson consegue impor um ritmo que combina perfeitamente com a história. O cineasta também se sai bem nas divertidas cenas de batalha, que ajudam a tornar o terceiro ato um dos melhores momentos do filme. Além disso, o design de produção faz um ótimo trabalho, criando cenários típicos dos Muppets, como o pequeno reino comandado por Benjamina Gunn (ou Miss Piggy, como estamos acostumados).
Já o elenco de carne e osso merece crédito por conquistar a simpatia do espectador. O jovem Kevin Bishop surpreende com seu carisma, algo absolutamente necessário para Jim Hawkins. Ele ainda desenvolve com Tim Curry uma dinâmica interessante de pai e filho, sobretudo pela afeição mútua parecer genuína, tanto que a cena final entre eles acaba muito eficaz e até mesmo tocante. Curry, por sinal, se destaca ao encarnar Long John Silver como um sujeito merecedor de nossa desconfiança constante, e o ator claramente se diverte com essa composição, o que de certa forma acaba sendo um bônus.
Embalado ainda por ótimas canções (destaque para “Shiver My Timbers” e “Sailling For Adventure”), Os Muppets na Ilha do Tesouro se revela uma aventura tão simpática e divertida quanto seus personagens. Em uma cena, Statler e Waldorf (os velhinhos rabugentos da turma) dizem que pior que ficar preso na proa do navio é ficar preso na plateia. No entanto, ver os Muppets em ação em um bom filme é sempre um deleite. A criança que existe dentro de nós agradece.
Nota: