segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Creed II


Maniqueísta, politicamente tolo e, muitas vezes, simplesmente ridículo, Rocky IV veio a ser o pior exemplar da série protagonizada pelo Rocky Balboa de Sylvester Stallone. No entanto, é uma surpresa ver que, mesmo tendo se passado mais de 30 anos desde seu lançamento, o filme continue sendo bem aproveitado pela franquia. Ao se apresentar como um spin-off focado no filho de Apollo Creed (personagem de Carl Weathers) e que coloca Rocky como seu treinador, o ótimo Creed se viu pegando um evento importante daquele longa irregular (a morte de Apollo) e conseguiu usá-lo na concepção do novo protagonista da série, Adonis Creed (Michael B. Jordan), cuja vida foi impactada pelo ocorrido. Essa ideia é retomada neste Creed II, que decide ir mais fundo na ferida de Adonis, exibindo no processo toda a humanidade que faltou a Rocky IV.

Em Creed II, reencontramos Adonis Creed seguindo com sua carreira de boxeador, agora com uma vida ainda mais bem estabelecida ao lado de Bianca (Tessa Thompson), principalmente depois de conquistar o título de campeão mundial. E claro que Rocky, o melhor amigo de seu pai, acompanha tudo isso de perto como um bom mentor e figura paterna. Mas toda a rotina de Adonis acaba balançando quando Viktor Drago (Florian Monteanu) surge em seu caminho, desafiando-o pelo título e tendo o apoio do pai, Ivan (Dolph Lundgreen), exatamente o responsável pela morte de Apollo Creed.


O primeiro ato do filme se apresenta logo como a parte mais problemática da narrativa. Ao reapresentar seus personagens e organizar as peças da trama, o roteiro se desenrola de maneira excessivamente rápida, a ponto de momentos importantes não terem o peso que poderiam. Assim, quando Adonis conquista o título de campeão, a cena parece ocorrer cedo demais por conta de seu preparo superficial. Nisso, o filme também não deixa de recorrer a alguns diálogos expositivos para situar o público com relação ao contexto atual dos personagens (é dessa forma que ficamos sabendo, por exemplo, o que ocorreu com o câncer de Rocky, visto no longa anterior).

Mas quando o roteiro passa a desenvolver o ponto principal da trama, Creed II engrena admiravelmente. A ideia de colocar Adonis enfrentado o filho de Ivan Drago tem um potencial interessante devido a tragédia que os conecta. E não é à toa que o longa seja menos sobre o confronto entre os dois rivais e mais sobre as relações deles com as pessoas que amam, exatamente o ponto no qual eles encontram suas motivações. É nesses detalhes, inclusive, que o diretor estreante Steven Caple Jr. mostra sensibilidade para humanizar os personagens, algo que naturalmente faz com que nos importemos com eles e ajuda a dar peso dramático para o que ocorre no ringue.


Aliás, já que mencionei o ringue, vale dizer que Caple Jr. também é competente na condução das lutas, impondo um ritmo envolvente e sempre deixando clara a mise-en-scéne, merecendo destaque óbvio o embate derradeiro entre Adonis e Viktor, com toda sua carga emocional. E mesmo utilizando o slow motion exageradamente nessas sequências, o diretor ao menos consegue usar isso para mostrar o peso dos golpes desferidos. Para completar, o visual do filme merece créditos pela maneira como diferencia os núcleos narrativos. Enquanto a vida de Adonis, Bianca e Rocky surge na maior parte do tempo com cores quentes e visualmente belas, os Drago aparecem na Ucrânia sendo rodeados por cores frias e opressivas. O notável é que essa lógica não é utilizada para marcar a natureza heroica de uns e a vilania de outros, mas sim para estabelecer a realidade confortável e afetuosa vivida pelo protagonista e sua família, ao passo que Viktor e Ivan não conseguem evitar de serem movidos pelas mágoas e decepções que sofreram ao longo de suas vidas.


Voltando ao papel de Adonis Creed, Michael B. Jordan mostra que, por mais que o personagem tenha provado seu potencial como lutador, ele ainda tem muito o que aprender, de forma que sua arrogância e sua imaturidade se põem como suas adversárias em alguns momentos, o que torna recompensador acompanhar seu crescimento como um homem determinado a seguir passos diferentes de seu lendário pai. E se Tessa Thompson novamente faz de Bianca uma mulher que apoia o amado sem desistir de seus próprios sonhos e objetivos, Sylvester Stallone retorna a Rocky Balboa exibindo a sensibilidade costumeira do velho lutador, que enriquece a tela sempre que surge com seu afeto e sua humanidade (caso esta seja mesmo a última aparição de Stallone no papel, trata-se de uma despedida à altura de sua principal criação). Fechando o elenco, Dolph Lundgreen finalmente tem a chance de transformar Ivan Drago em um ser humano (em Rocky IV, ele parecia um androide caricatural), fazendo dele alguém que sonha em recuperar o prestígio que teve uma vez, enquanto que Florian Munteanu torna Viktor uma figura que não é um mero fantoche do pai, claramente tendo suas próprias ambições e motivações, ainda que na maior parte do tempo ele chame mais atenção pela imponência física. E vale dizer que pai e filho protagonizam no terceiro ato um dos momentos mais tocantes da franquia.

Seja continuando ou encerrando trajetórias, Creed II é outro capítulo digno de sua série. Isso por si só já é satisfatório, mas ganha uma camada extra por se tratar de um universo que já tem mais de 40 anos e cujos personagens souberam conquistar o carinho do público.

Nota:


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Homem-Aranha no Aranhaverso


Desde que o Homem-Aranha começou a fazer sucesso nos cinemas (e lá se vão 17 anos), nenhum filme do personagem se esforçou tanto para fazer coisas novas como ocorre neste Homem-Aranha no Aranhaverso. Depois de seis longas live-action focados em Peter Parker, que por sua vez já teve três encarnações cinematográficas diferentes, eis que agora nos deparamos com uma obra que, além de ser uma animação, prefere colocar o clássico protagonista da franquia como coadjuvante, abrindo espaço para um jovem negro e seus próprios dilemas em meio a um universo incrivelmente vasto. Tratam-se de ideias válidas tanto em termos de representatividade entre os filmes de super-heróis (e que ajudou Pantera Negra a ser um marco em 2018) quanto para conter uma possível saturação do público com a franquia. E tais ideias ainda funcionam maravilhosamente para a construção de uma produção absolutamente espetacular.

Em Homem-Aranha no Aranhaverso somos apresentados ao humilde Miles Morales (voz de Shameik Moore), que se vê tendo que se adaptar à nova escola, tentando não decepcionar sua família, que tanto aposta em seu futuro. Se isso já seria pressão suficiente para um adolescente, as coisas pioram quando ele é mordido por uma aranha e ganha poderes semelhantes aos de seu herói favorito, o Homem-Aranha (Chris Pine). E um dos problemas que acabam surgindo a partir disso é Wilson Fisk, o Rei do Crime (Liev Schreiber), que quer abrir um portal para outra dimensão a qualquer custo, ainda mais depois de tirar o Homem-Aranha de seu caminho. Para detê-lo, Miles conta com a ajuda de heróis aracnídeos de outras dimensões, entre eles um Peter Parker mais experiente e desiludido (e dublado por Jake Johnson).


O próprio conceito do tal Aranhaverso e seus vários heróis já é um prato cheio para que o roteiro explore coisas novas, divertindo com a concepção dos personagens e a influência que suas respectivas realidades exercem neles, desde o Homem-Aranha versão noir (dublado por Nicolas Cage), que surge em preto e branco e com uma constante ventania a sua volta, até o Porco-Aranha (John Mulaney), que parece ter saído direto do universo dos Looney Tunes. No entanto, o roteiro não utiliza o Aranhaverso apenas para isso, sabendo aproveita-lo também nos dramas vividos pelos personagens, em especial Miles e seu desejo de encaixar todas as peças de sua vida (e se encaixar nelas no processo).

É ao seguir esse caminho, aliás, que Homem-Aranha no Aranhaverso encontra uma forma de abordar a essência do super-herói do título (seja qual for a pessoa por trás da máscara). Sendo uma das figuras mais humanas dos quadrinhos, algo que facilita sua identificação com o público, o Homem-Aranha mostra, entre outras coisas, que mesmo heróis com grandes poderes e responsabilidades podem exibir medos e inseguranças diante do cotidiano que levam. E apesar de Miles ser o foco principal aqui, sendo até inspirador acompanhar o arco-dramático que ele percorre, podemos ver esses detalhes em maior ou menor grau em cada um dos heróis e heroínas que surgem em cena, que assim são humanizados e fortalecidos.


Mas o encantamento proporcionado pelo filme não para por aí, já que o trio de diretores formado por Peter Ramsey, Bob Persichetti e Rodney Rothman ainda concebe um visual deslumbrante com suas cores vibrantes, sendo que a narrativa não deixa de se aproximar dos trabalhos das irmãs Wachowski e de Edgar Wright em seus fantásticos Speed Racer e Scott Pilgrim Contra o Mundo. Seja explorando os animes japoneses, o preto e branco típico dos jornais ou ao exibir na tela pequenos quadros descritivos e onomatopeias, Homem-Aranha no Aranhaverso abraça com gosto suas origens quadrinísticas, sendo fascinante notar também como alguns detalhes das cenas por vezes aparecem com suas cores desbotadas, reforçando a impressão de estarmos vendo uma história em quadrinhos se desenrolando diante de nossos olhos. E o fato de a montagem apostar pontualmente em telas divididas e em transições de cenas que simulam páginas sendo viradas é apenas a cereja do bolo.

Conseguindo divertir e empolgar ao mesmo tempo que conquista o público com seu coração e sua energia contagiante, Homem-Aranha no Aranhaverso se estabelece desde já como uma das melhores adaptações de seu super-herói, que mostra ter ainda muito potencial a ser explorado.

Obs.: Há uma cena depois dos créditos finais.



Nota:

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Assunto de Família


“É preciso parir um filho para ser mãe?”, questiona um personagem deste Assunto de Família em determinado momento.

Essa pergunta ajuda a sintetizar a reflexão que o diretor Hirokazu Koreeda propõe ao longo da história. O que faz as pessoas serem pais, filhos, avós, netos ou irmãos? O laço sanguíneo seria mais importante que o laço afetivo? Afinal, o que forma uma família?

Assunto de Família nos coloca diante do grupo formado por Osamu (Lily Franky), sua esposa Nobuyo (Sakyra Andô), os jovens Aki (Mayu Matsuoka) e Shota (Jyo Kairi) e a idosa Hatsue (Kirin Kiki), pessoas que parecem ter simplesmente encontrado umas às outras ao longo da vida, e que levam uma existência bastante humilde alimentada, entre outras coisas, por sua rotina de roubar produtos de mercadinhos. Ao apresenta-los, o filme passa a acompanhar o cotidiano desses personagens e sua dinâmica familiar, ainda mais depois que eles encontram a pequena Yuri (Miyu Sasaki) aparentemente abandonada e a acolhem como nova membro da família.

Koreeda não nos mostra como os personagens se juntaram, preferindo dar breves informações para que imaginemos como isso aconteceu, o que prova ser suficiente. Mas este não é um detalhe que importe tanto, já que o foco do diretor é outro. Sendo assim, com uma sensibilidade ímpar e um elenco absolutamente maravilhoso, Koreeda exibe o carinho que aquelas pessoas têm umas pelas outras apesar de todas as dificuldades que enfrentam, se apoiando e compartilhando um amor que parecem não ter tido originalmente com seus parentes sanguíneos. Dessa forma, é quase inevitável ser conquistado pelos personagens e tocado por seus risos e suas lágrimas, enquanto cada um tenta cumprir sua função familiar da melhor maneira possível. Claro que poderíamos ver a rotina um tanto fora-da-lei que eles levam como algo questionável e nada saudável, mas no fim isso traz mais camadas de complexidade à dinâmica entre eles e às questões levantadas pelo diretor, contribuindo para gerar um peso dramático capaz de balançar o coração do público e que chega ao ápice no terceiro ato.

Ao final de Assunto de Família, resta apenas processar o encantamento proporcionado pelos personagens e a riqueza que eles dão a narrativa e suas discussões. Além, claro, de concluir que a Palma de Ouro do último Festival de Cannes realmente ficou em ótimas mãos.



Nota:

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Bumblebee


Não sou apreciador da série Transformers, tendo passado raiva a cada novo exemplar que se provava uma tortura (o último, inclusive, figurou no topo da minha lista de piores de 2017). Mas mesmo que essas experiências não tenham sido agradáveis, eu procurei entrar nesses filmes com a mente aberta, na esperança de ver algo interessante (como busco fazer com qualquer obra). Comento isso porque chegamos agora a Bumblebee, o sexto longa que a franquia lança em pouco mais de uma década, e essa esperança finalmente foi recompensada.

Situado em 1987, Bumblebee basicamente foca na chegada do personagem-título a Terra, quando ele tenta estabelecer um refúgio para os Autobots em meio a dura guerra intergaláctica entre eles e os Decepticons, tornando-se no processo o novo fusca amarelo da jovem Charlie (Hailee Steinfeld), com quem forma um forte laço de amizade enquanto ambos se ajudam a lidar com seus problemas. Partindo dessa premissa, o filme não deixa de exibir algumas coisas que parecem inerentes a franquia, de forma que ao longo da projeção vemos a família da protagonista soar irritante durante boa parte do tempo, além do fato de o roteiro provar de uma vez por todas que qualquer setor governamental que surge nesses filmes é conduzido por pessoas estúpidas.

Por outro lado, apesar de as cenas de ação serem repletas de efeitos visuais e explosões, dessa vez é possível se importar com o que ocorre na tela, ao contrário do que acontecia anteriormente. Isso se deve, principalmente, por conta de o diretor Travis Knight (o mesmo do ótimo Kubo e as Cordas Mágicas) ter uma coisa que Michael Bay não teve nos longas anteriores: noção. Sendo assim, Knight consegue criar sequências grandiosas e bombásticas, mas sem esquecer de envolver o público. Nisso é preciso destacar a sensibilidade com a qual ele trata a relação entre Charlie e Bumblebee, aspecto claramente inspirado por produções como E.T.: O Extraterrestre e O Gigante de Ferro e que contribui para que torçamos pelos carismáticos personagens.

O que se vê em Bumblebee é algo inédito na franquia Transformers no cinema: um filme que tem coração. E é uma pena que os cinco exemplares anteriores tenham desperdiçado o potencial que vemos aqui.

Obs.: Há uma cena durante os créditos finais.


Nota: