quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Homem-Aranha no Aranhaverso


Desde que o Homem-Aranha começou a fazer sucesso nos cinemas (e lá se vão 17 anos), nenhum filme do personagem se esforçou tanto para fazer coisas novas como ocorre neste Homem-Aranha no Aranhaverso. Depois de seis longas live-action focados em Peter Parker, que por sua vez já teve três encarnações cinematográficas diferentes, eis que agora nos deparamos com uma obra que, além de ser uma animação, prefere colocar o clássico protagonista da franquia como coadjuvante, abrindo espaço para um jovem negro e seus próprios dilemas em meio a um universo incrivelmente vasto. Tratam-se de ideias válidas tanto em termos de representatividade entre os filmes de super-heróis (e que ajudou Pantera Negra a ser um marco em 2018) quanto para conter uma possível saturação do público com a franquia. E tais ideias ainda funcionam maravilhosamente para a construção de uma produção absolutamente espetacular.

Em Homem-Aranha no Aranhaverso somos apresentados ao humilde Miles Morales (voz de Shameik Moore), que se vê tendo que se adaptar à nova escola, tentando não decepcionar sua família, que tanto aposta em seu futuro. Se isso já seria pressão suficiente para um adolescente, as coisas pioram quando ele é mordido por uma aranha e ganha poderes semelhantes aos de seu herói favorito, o Homem-Aranha (Chris Pine). E um dos problemas que acabam surgindo a partir disso é Wilson Fisk, o Rei do Crime (Liev Schreiber), que quer abrir um portal para outra dimensão a qualquer custo, ainda mais depois de tirar o Homem-Aranha de seu caminho. Para detê-lo, Miles conta com a ajuda de heróis aracnídeos de outras dimensões, entre eles um Peter Parker mais experiente e desiludido (e dublado por Jake Johnson).


O próprio conceito do tal Aranhaverso e seus vários heróis já é um prato cheio para que o roteiro explore coisas novas, divertindo com a concepção dos personagens e a influência que suas respectivas realidades exercem neles, desde o Homem-Aranha versão noir (dublado por Nicolas Cage), que surge em preto e branco e com uma constante ventania a sua volta, até o Porco-Aranha (John Mulaney), que parece ter saído direto do universo dos Looney Tunes. No entanto, o roteiro não utiliza o Aranhaverso apenas para isso, sabendo aproveita-lo também nos dramas vividos pelos personagens, em especial Miles e seu desejo de encaixar todas as peças de sua vida (e se encaixar nelas no processo).

É ao seguir esse caminho, aliás, que Homem-Aranha no Aranhaverso encontra uma forma de abordar a essência do super-herói do título (seja qual for a pessoa por trás da máscara). Sendo uma das figuras mais humanas dos quadrinhos, algo que facilita sua identificação com o público, o Homem-Aranha mostra, entre outras coisas, que mesmo heróis com grandes poderes e responsabilidades podem exibir medos e inseguranças diante do cotidiano que levam. E apesar de Miles ser o foco principal aqui, sendo até inspirador acompanhar o arco-dramático que ele percorre, podemos ver esses detalhes em maior ou menor grau em cada um dos heróis e heroínas que surgem em cena, que assim são humanizados e fortalecidos.


Mas o encantamento proporcionado pelo filme não para por aí, já que o trio de diretores formado por Peter Ramsey, Bob Persichetti e Rodney Rothman ainda concebe um visual deslumbrante com suas cores vibrantes, sendo que a narrativa não deixa de se aproximar dos trabalhos das irmãs Wachowski e de Edgar Wright em seus fantásticos Speed Racer e Scott Pilgrim Contra o Mundo. Seja explorando os animes japoneses, o preto e branco típico dos jornais ou ao exibir na tela pequenos quadros descritivos e onomatopeias, Homem-Aranha no Aranhaverso abraça com gosto suas origens quadrinísticas, sendo fascinante notar também como alguns detalhes das cenas por vezes aparecem com suas cores desbotadas, reforçando a impressão de estarmos vendo uma história em quadrinhos se desenrolando diante de nossos olhos. E o fato de a montagem apostar pontualmente em telas divididas e em transições de cenas que simulam páginas sendo viradas é apenas a cereja do bolo.

Conseguindo divertir e empolgar ao mesmo tempo que conquista o público com seu coração e sua energia contagiante, Homem-Aranha no Aranhaverso se estabelece desde já como uma das melhores adaptações de seu super-herói, que mostra ter ainda muito potencial a ser explorado.

Obs.: Há uma cena depois dos créditos finais.



Nota:

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