quinta-feira, 26 de maio de 2022

Top Gun: Maverick

Talvez eu vá ser julgado por muitos ao dizer isso, mas não vejo Top Gun: Ases Indomáveis como um dos grandes filmes da década de 1980. É sem dúvidas um dos mais conhecidos, além de eficaz como filme de ação, mas tinha também alguns dos piores vícios de Hollywood naquela época (só de lembrar das montagens musicais do filme bate certo constrangimento). Vícios estes que até voltam a dar as caras 36 anos depois neste Top Gun: Maverick, uma continuação que sabe-se lá por que foi ser feita somente agora. Mas surpreendentemente, eis que Tom Cruise e companhia realizam aqui o tipo de continuação que supera o original.

Top Gun: Maverick reencontra o Pete “Maverick” Mitchell vivido por Tom Cruise já de cara concertando um avião, mostrando que ainda vive e respira o trabalho aéreo. Depois de confrontar as ordens de um superior, ele recebe como “castigo” ter que voltar ao seu velho conhecido programa de caças da marinha norte-americana, onde terá que treinar um grupo de jovens pilotos para uma missão de alto risco. Entre esses pilotos está Bradley Bradshaw (Miles Teller), também conhecido como “Rooster”, o filho de seu falecido melhor amigo Goose (vivido por Anthony Edwards no original) e com quem tem sérias desavenças para resolver.

Certamente querendo retomar o espírito do longa original, Top Gun: Maverick introduz cenas, personagens, relacionamentos e clichês que às vezes fazem a produção parecer uma refilmagem. Isso vai desde a rivalidade entre Rooster e o arrogante Hangman (Glen Powell), que lembra àquela entre Maverick e Iceman (Val Kilmer), até o romance entre Maverick e Penny (Jennifer Connelly), que chega a render o momento mais risível da projeção em uma sequência romântica extremamente cafona. E são elementos tratados de maneira tão óbvia pelo roteiro que até tiram muito do frescor que o longa poderia ter.

Mas mesmo assim o filme consegue envolver o espectador e fazer com que este se importe com os personagens, sendo que muito se deve ao elenco. Tom Cruise, por exemplo, volta ao papel de Maverick sem se acomodar, compondo o protagonista como alguém que, mais uma vez, parece fazer sempre questão de exibir o prazer que tem de voar e superar desafios. Mas ao mesmo tempo, o ator é hábil ao mostrar como a perda do melhor amigo no longa anterior impactou Maverick mais do que poderíamos imaginar há 36 anos, um peso que vemos na dinâmica dele com o ótimo Miles Teller. Teller, aliás, já entra em cena mostrando uma segurança invejável como Rooster, tendo muito do espírito e da presença que Anthony Edwards tinha como Goose. E se é um pouco decepcionante ver Jennifer Connelly ser relegada a interesse romântico e apoio emocional do protagonista, ao menos ela ainda faz de Penny uma figura carismática e que diverte em determinados momentos, enquanto Glen Powell se destaca com a arrogância de Hangman, não deixando de ter ele próprio um arco dramático que chama a atenção.


Mas é no ar que Top Gun: Maverick realmente impressiona, já que o diretor Joseph Kosinski (que, por sinal, já havia feito um retorno a uma obra da década de 1980 em Tron: O Legado) cria sequências de ação absolutamente fantásticas e de tirar o fôlego – me desculpem por usar essa expressão, mas não resisti ao contexto com a famosa canção do filme original. Sempre deixando clara a geografia espacial desses momentos, Kosinski conduz o espectador magistralmente por sequências aéreas bastante complexas, merecendo destacar também o ótimo trabalho do montador Eddie Hamilton, que evita o uso de cortes rápidos que poderiam deixar o público perdido em meio a ação. E apesar de seguir o que Tony Scott fez originalmente, exibindo certo maniqueísmo ao evitar dar rostos para os inimigos (afinal, é mais fácil torcer por Maverick e companhia quando não vemos humanidade do outro lado da trincheira), o terceiro ato com a missão dos personagens acaba sendo mesmo o auge da ação, fazendo eu lembrar também que “não importa sobre o que é um filme, e sim como ele é” (já diria o saudoso Roger Ebert). Assim, podemos até prever uma ou outra coisa que acontecerá, mas o filme ainda mantém o espectador curioso quanto a como ele irá se desenrolar.

Posso não ter sido alguém que esperou tantos anos para que Top Gun ganhasse uma continuação. Mas vendo Top Gun: Maverick, certamente posso dizer que sou alguém que ficou feliz por tal continuação ter sido feita.

Nota:



quinta-feira, 12 de maio de 2022

O Peso do Talento

Nicolas Cage é um ator que acho fascinante. Tendo vivido o auge de sua carreira entre o início dos anos 90 e meados dos anos 2000, quando conquistou um Oscar e enfileirou sucessos, Cage passou boa parte dos últimos anos realizando filmes que, à primeira vista, são indignos de seu talento e serviam basicamente para que ele pudesse pagar dívidas, com boa parte desses trabalhos mirando mais o mercado de home video do que propriamente um lançamento nos cinemas. Mas o que é curioso nisso é que a presença de Cage nessas obras tornava estas um pouco mais divertidas, muito por conta do estilo de atuação do ator, que sabe misturar overacting e canastrice de um jeito ímpar, e talvez por isso ele tenha se revelado uma espécie de guilty pleasure (quando gostamos de algo, ainda que não possamos dizer que se trata de uma coisa boa). E o próprio Nicolas Cage parece ter percebido o tipo de impressão que passou para o público, de forma que não é raro vê-lo fazer piada consigo mesmo. Isso chega ao ápice nesse seu mais novo filme, O Peso do Talento, onde ele interpreta uma versão fictícia de si próprio.

Escrito por Kevin Etten e pelo diretor Tom Gormican, O Peso do Talento traz Nick Cage tendo dificuldades para conseguir novos papeis no cinema, o que o faz aceitar uma proposta de 1 milhão de dólares para ir à festa de aniversário do bilionário Javi Gutierrez (Pedro Pascal), um de seus maiores fãs. Mas o que na teoria seria apenas um dinheiro fácil acaba se complicando quando a CIA, representada pela dupla de agentes Vivian e Martin (Tiffany Haddish e Ike Barinholtz, respectivamente), resolve aproveitar a proximidade entre Nick e Javi para fazer o ator espionar o ricaço, que supostamente concebeu seu império graças ao tráfico de armas.

É curioso ver que Nicolas Cage tem logo em sua versão ficcional um papel que lhe dá a oportunidade de explorar habilidades cômicas que ele há tempos não explorava. E o ator se sai muitíssimo bem, criando um personagem que diverte com seu jeito excêntrico e por vezes exagerado. Além disso, a natural metalinguagem da produção entretém não só pelas várias referências a carreira de Cage, mas também por colocar o ator tendo que encarnar o que viveu em seus filmes a fim de espionar Javi. Isso, aliás, rende uma sequência que já se coloca desde já entre as mais hilárias da carreira de Nicolas Cage (direi apenas que envolve LSD). Mas a graça do filme não impede o roteiro de mostrar vulnerabilidades do protagonista, principalmente no que diz respeito a suas inseguranças, sejam elas como ator ou como pai, algo que o faz constantemente sentir que precisa se provar de alguma forma, ganhando maiores contornos quando ele tem visões de sua versão mais jovem chamada de Nicky.

Mas o coração de O Peso do Talento certamente se encontra na dinâmica entre Cage e Pedro Pascal, que não demoram muito para fazer a relação de ídolo e fã entre seus personagens se tornar uma relação de amizade mesmo, com a admiração de um servindo como o apoio que o outro tanto precisa. E Pascal (um ator que gosto desde que o vi interpretando o fantástico Oberyn Martell de Game of Thrones) surge tão carismático no papel de Javi e tem uma química tão boa com Nicolas Cage que é difícil não simpatizar e torcer pelo personagem, mesmo com as suspeitas que a CIA joga em cima dele.

Sabendo equilibrar bem sua narrativa entre o lado cômico e o lado de ação, Tom Gormican concebe em O Peso Talento uma obra que diverte com seu grande astro ao mesmo tempo que o homenageia. E é um filme que certamente se soma a trabalhos como Mandy e Pig, contribuindo para que Nicolas Cage volte a ganhar o destaque que merece.

Nota: