sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O Apocalipse

Como foi comentado na crítica do recente Fúria, Nicolas Cage dedica uma boa parte de seu tempo a filmes que não tem muita ambição artística. É como se o ator estivesse, basicamente, atrás de um cheque que pague suas contas. No entanto, às vezes ele se supera na escolha desses projetos, fazendo jus à fama de que topa qualquer coisa. O Apocalipse é um bom exemplo disso, afinal, temos aqui uma produção que falha nos mais diversos sentidos.

Servindo como reboot no cinema para a série literária Deixados Para Trás (que ganhou uma trilogia de filmes entre 2000 e 2005), O Apocalipse mostra o fim dos tempos seguindo o conceito do Arrebatamento, que diz que os únicos indivíduos dignos de salvamento são àqueles que acreditam em Deus. Assim, em um dia aparentemente comum, milhões de pessoas simplesmente desaparecem, deixando o restante da população em um verdadeiro caos. Nisso, somos apresentados ao piloto Rayford Steele (Cage), que busca manter a calma entre os passageiros de seu avião e descobrir o que está acontecendo. Para isso, ele contará com a ajuda do jornalista investigativo Cameron Williams (Chad Michael Murray). Já a filha de Rayford, Chloe (Cassi Thomson), está em busca do irmão, Raymie (Major Dodson), e da mãe, Irene (Lea Thompson), que estão entre os desaparecidos.
O Apocalipse passa seus primeiros minutos apresentando os personagens e seus dramas pessoais. Eles, no entanto, se revelam tão aborrecidos e estúpidos que é difícil se importar com qualquer um ao longo da projeção – e o fato de termos um péssimo elenco em cena não melhora as coisas. Cage, por exemplo, surge tão no piloto automático que é uma surpresa não o encontrarmos dormindo em certos momentos. Consequentemente, o diretor falha em todas as suas tentativas de tornar a narrativa intrigante, se mostrando inábil em criar qualquer tipo de tensão. Vic Armstrong, na verdade, revela ser um realizador que não sabe o que fazer com a câmera, já que não é raro vermos cenas um tanto desengonçadas tecnicamente, como quando Chloe usa um carro para limpar a pista. Sem falar que, ao menos num ponto de vista estético, o filme é simplesmente decepcionante, com efeitos visuais capengas dignos de produções trash.
Se esses aspectos já seriam suficientes para colocar O Apocalipse entre os piores do ano, ele ainda encontra problemas na forma como o roteiro trata a discussão envolvendo religião. É algo que soa bobo tanto na base da história com o Arrebatamento (que poderia ser interessante caso houvesse uma crítica bem construída à intolerância que esse conceito traz) quanto nas conversas que os personagens têm sobre suas crenças. Aliás, tais conversas são inseridas de um jeito forçado pelo roteiro, evidenciando a pobreza com relação ao desenvolvimento da história. Além disso, Armstrong parece achar que o público tem dificuldade para perceber a natureza religiosa do filme, focando constantemente em Bíblias e certas passagens para ressaltar como isso é um detalhe importante.
Em determinado momento de O Apocalipse, um personagem diz que todo o caos foi apenas o começo. Se esse começo já foi torturante, prefiro não imaginar como será o resto. E é triste ver um ator talentoso como Nicolas Cage protagonizando uma porcaria deste nível.
Nota:

domingo, 26 de outubro de 2014

Atirem no Pianista

Passando de crítico da Cahiers du Cinéma a cineasta, um dos grandes nomes da Nouvelle Vague, François Truffaut emocionou a maioria das pessoas logo em sua estreia por trás das câmeras, com a obra-prima Os Incompreendidos. Algo que um realizador, de um jeito ou de outro, sempre cria depois de ter esse tipo de recepção é certa expectativa com relação ao seu filme seguinte. O de Truffaut veio a ser Atirem no Pianista, adaptação do livro do americano David Goodis. Aqui o diretor tem em mãos uma trama completamente diferente da apresentada em sua primeira realização, conduzida de maneira a render um thriller muito eficiente, com suas marcas do início ao fim.

Escrito pelo próprio Truffaut em parceria com Marcel Moussy (colaborador habitual do diretor), o roteiro segue Charlie Kohler (Charles Aznavour), que na verdade é Edouard Saroyan, pianista outrora famoso, mas que agora trabalha tocando em um bar, enquanto tenta cuidar de seu irmão mais novo, Fido (Richard Kanayan). Tudo isso para fugir de sua família e de seu passado, que incluí o suicídio da esposa, Theresa (Nicole Berger). Então, seu outro irmão, Chico (Albert Rémy), se encrenca com os gângsteres locais Momo e Ernest (Claude Mansard e Daniel Boulanger), obrigando-o a abraçar novamente as coisas que pensava ter deixado para trás, tendo para isso a ajuda da garçonete Léna (Marie Dubois).
É uma história que poderíamos ver em um filme noir hollywoodiano, e se considerarmos que na época Truffaut havia feito apenas Os Incompreendidos, muitos poderiam pensar nele como inadequado para esse tipo de material. No entanto, estamos falando de um cineasta que era grande conhecedor do cinema e que tinha Alfred Hitchcock como ídolo. Portanto, é difícil acompanhar Atirem no Pianista sem vê-lo como uma homenagem de Truffaut a um gênero pelo qual tinha apreço particular.
E é uma homenagem muito interessante, já que, por mais que Truffaut siga a cartilha dos thrillers, ele imprime sua própria identidade no filme. Assim, ele não deixa de criar uma surpreendente verossimilhança em volta daquele universo, seja com relação à maneira como filma ou às locações utilizadas, fazendo isso sem sacrificar o ritmo envolvente da história e a tensão que passa por ela pontualmente, seja em uma briga entre Charlie e seu chefe, Plyne (Serge Davri), ou no intenso terceiro ato, em momentos que põe à prova o quanto nos importamos com o protagonista.
Falando nele, há de se ressaltar que Charles Aznavour segura a narrativa com propriedade. Tendo no físico franzino um de seus grandes trunfos para a trama, o ator traz um senso de vulnerabilidade surpreendente para Charlie/Edouard, algo que combina com o jeito tímido, sensível e até solitário do personagem. Enquanto isso, a bela Marie Dubois faz de Léna uma figura carismática na tela, fugindo um pouco da posição de femme fatale, ao passo que Albert Rémy, Claude Mansard e Daniel Boulanger deixam fortes impressões como Chico, Momo e Ernest, respectivamente.
Se Os Incompreendidos apresentou o talento de François Truffaut ao mundo, Atirem no Pianista é uma das obras que confirmaram ainda mais que ele iria realizar grandes trabalhos ao longo de sua carreira. Nada mal para um diretor que hoje é reconhecido como uma parte essencial do cinema.
Nota:

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Drácula: A História Nunca Contada

No início do ano, Frankenstein: Entre Anjos e Demônios trouxe o monstro criado por Mary Shelley de volta às telonas em uma releitura pobre tanto em conteúdo quanto em sua execução, o que certamente deu desgosto à maioria dos fãs do personagem. No entanto, figuras clássicas da literatura e do cinema de terror são fontes inesgotáveis de ideias, e agora chegou a vez do maior vampiro de todos retornar em uma produção que mostra uma versão alternativa da sua origem. Mas apesar de mais suportável que o filme de Frankenstein, Drácula: A História Nunca Contada infelizmente também se revela uma obra descartável.

Escrito pelos estreantes Matt Sazama e Burk Sharpless, Drácula: A História Nunca Contada acompanha a rotina do príncipe de Transilvânia, Vlad Tepes (Luke Evans), que vive o mais tranquilamente possível ao lado da esposa Mirena (Sarah Gadon) e do filho Ingeras (Art Parkinson) enquanto tenta manter a paz entre seu reino e o do povo turco, liderado pelo sultão Mehmed (Dominic Cooper). Mas quando ele se recusa a ceder mil garotos, incluindo seu filho, para serem treinados pelos turcos, Mehmed declara guerra. Sabendo que seus exércitos não são páreos para as forças adversárias, Vlad decide ir até o monstruoso Vampiro Mestre (Charles Dance), que lhe concede temporariamente a força sobre-humana de uma criatura da noite, mas com o aviso de que permanecerá assim para sempre caso sacie sua sede por sangue.
A princípio, o conceito da criação deste Drácula poderia render algo interessante, mas o modo como é desenvolvido se revela bobo e trôpego em seus clichês. Tudo se junta em uma narrativa rasa, que somada à previsibilidade da trama o impede de ser minimamente envolvente. Além disso, ao trazer um prólogo que mostra brevemente alguns detalhes que veremos ao longo da projeção (“spoilers”?), o roteiro evidencia a estrutura problemática que concebe para contar sua história.
Enquanto isso, o diretor Gary Shore (outro estreante) não dá sinais de ser um realizador dos mais talentosos. Sem conseguir impor um bom ritmo em sua narrativa, piora a situação ao conduzir as cenas de batalha de maneira burocrática e, por vezes, confusa, investindo em vários cortes rápidos e desnecessários. Outro ponto problemático é a fotografia escura de John Schwartzman (por causa disso, aliás, é um alívio que o filme não tenha sido convertido para 3D). E por Shore ter em mãos um personagem que usa seus poderes para arrasar exércitos inteiros sem nenhuma ajuda, a ação fica cansativa rapidamente, sem falar que por mais que a sede por sangue pareça enfraquecer Vlad, esse detalhe não chega a ser utilizado a ponto de torná-lo vulnerável.
Se isso de certa forma já prejudica o protagonista, o fato de ter Luke Evans como intérprete não melhora as coisas, considerando que o ator não é muito expressivo e não consegue fazer de Vlad uma figura cativante o suficiente para que possamos nos importar com ele durante o filme. Já sua companheira de cena Sarah Gadon (uma das gratas surpresas do excepcional O Homem Duplicado) pouco tem a fazer com Mirena, ao passo que Dominic Cooper encarna Mehmed como uma mera caricatura. Mas há um ponto positivo no elenco, e este se chama Charles Dance (o Tywin Lannister, da série Game of Thrones), que tem uma bela presença em seus poucos minutos em cena como o Vampiro Mestre. Não à toa a melhor cena do filme é exatamente aquela em que este transforma Vlad em vampiro, promovendo até alguns bons diálogos entre os personagens.
Com tantas obras admiráveis por aí envolvendo este monstro clássico, Drácula: A História Nunca Contada entra no grupo de produções que não acrescentam muita coisa à mitologia do personagem. É um detalhe curioso tendo em vista o próprio subtítulo do filme. Nesse sentido, talvez “A História Que Não Precisava Ser Contada” fosse mais apropriado.
Nota:

sábado, 18 de outubro de 2014

O Juiz

Há filmes que parecem ser feitos sob medida para tentar agradar o público. O problema é que muitas produções que buscam fazer isso se arriscam pouco, resultando em trabalhos genéricos e com convenções que o espectador já está cansado de ver. O Juiz, infelizmente, segue essa linha, o que piora se considerarmos o fato de ele até subestimar a inteligência do público, desperdiçando o elenco talentoso no processo.

Escrito por Bill Dubuque e Nick Schenk a partir do argumento escrito por este último em parceria com o diretor David Dobkin, O Juiz segue Hank Palmer (Robert Downey Jr.), advogado muito bem sucedido profissionalmente em Chicago, mas que agora está em processo de divórcio. É então que ele se vê obrigado a voltar para sua cidade-natal, Carlinsville, para o enterro de sua mãe. Lá, ele reencontra seus irmãos Glen e Dale (Vincent D’Onofrio e Jeremy Strong), a ex-namorada Samantha Powell (Vera Farmiga) e o juiz Joseph Palmer (Robert Duvall), o pai com quem ele cortou relações antes de ir embora. Quando Hank pensa que sua passagem pela cidade será fácil, Joseph acaba sendo preso pelo assassinato de um antigo réu, precisando então de um advogado competente para defendê-lo.

“Protagonista precisa voltar para sua cidade-natal por algum motivo e é obrigado a enfrentar os demônios do passado”. É uma história que já foi contada várias vezes e ainda é capaz de render belos filmes. Mas O Juiz a segue de forma tão clichê que é possível prever boa parte das coisas que acontecem ao longo da narrativa antes de fechar a primeira hora de projeção, o que é grave principalmente se levarmos em conta que o filme tem 140 minutos de duração. Até por isso é irritante que o roteiro enrole muito a história com subtramas bobas (como aquela envolvendo Carla, a filha de Samantha vivida por Leighton Meester) e personagens que não têm relevância para a trama (o advogado C.P. Kennedy, interpretado Dax Shepard). Além disso, é impressionante como o desenvolvimento da trama é esquemático com relação a alguns elementos. Quando ficamos sabendo que um personagem está doente, por exemplo, isso é jogado forçadamente, já que ele não dá sinais disso. Sinais estes que, é claro, aparecem a partir do momento em que alguém diz que a doença se agravou.

Com um roteiro tão fraco, não é surpresa constatar que tudo é conduzido sem imaginação por David Dobkin (o mesmo de Penetras Bons de Bico), que investe em detalhes óbvios, como o plano em que vemos Hank e Joseph irem para lados contrários depois de uma briga, e não consegue impedir que o filme caia no melodrama, seja em cenas mais sentimentais ou nas grandes discussões entre os personagens (o terceiro ato chega a ser triste de se acompanhar nesse sentido). Como se não bastasse, Dobkin ainda tem como diretor de fotografia um Janusz Kaminski afetado demais, que joga uma luz forte na tela para criar uma espécie de aura em volta dos personagens, mas faz ela se destacar mais do que qualquer outra coisa, o que não ajuda a narrativa em nada. No entanto, Dobkin merece créditos por ao menos fazer com que certos momentos de humor funcionem, e nisso o destaque fica por conta da cena em que Hank escolhe o júri que participará do julgamento de seu pai.

Todos os problemas são ainda mais lamentáveis quando se tem em mãos um elenco tão bom, que torna os personagens simpáticos o bastante que o filme não fique entediante. A começar por Robert Downey Jr., que tem em Hank um papel que aproveita seu tipo arrogante, mas carismático, o que torna difícil não gostar dele mesmo quando não concordamos com seus atos. Já o veterano Robert Duvall impõe a autoridade de Joseph com naturalidade, além de encarnar eficientemente o cansaço e a confusão que o personagem sente pontualmente. Pra fechar, apesar de não serem tão bem aproveitados, Vera Farmiga, Vincent D’Onofrio, Billy Bob Thornton e Jeremy Strong têm presenças interessantes em papeis menores.

No fim, O Juiz é um filme que pensa ser grande coisa, e toda essa pretensão apenas contribui para torna-lo decepcionante. E é uma pena ver tantos bons nomes envolvidos em um projeto tão sem graça.

Nota:

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Fúria

Apesar de ainda ser capaz de escolher bons projetos de vez em quando (Joe e a animação Os Croods, ambos de 2013, são os mais recentes), na maioria das vezes em que Nicolas Cage aparece encabeçando um novo filme boa parte das pessoas começa a tremer de medo. Isso porque é bem possível que o ator esteja envolvido em uma bomba, que servirá apenas para colocar suas contas (que não são poucas, até onde se sabe) em dia. Fúria entra nessa linha, mas a verdade é que o longa tem alguns elementos interessantes que o ajudam se tornar minimamente suportável.

Escrito por Jim Agnew e Sean Keller, Fúria nos apresenta a Paul Maguire (Cage), homem que vive tranquilamente com sua bela esposa Vanessa (Rachel Nichols) e sua filha adolescente Caitlin (Aubrey Peeples), tendo largado sua vida de crimes com a máfia há muito tempo para se tornar um empresário de sucesso. Mas quando Caitlin é sequestrada, ele resolve ignorar os trabalhos da polícia liderada por Peter St. John (Danny Glover) e se junta a seus antigos colegas Kane e Danny (Max Ryan e Michael McGrady, respectivamente). A partir desse momento passa a fazer de tudo para descobrir onde está a garota e quem a pegou, nem que para isso tenha que dar início a uma guerra entre os gângsteres locais.
Com uma história dessas, fica claro que Fúria segue uma série de convenções e clichês, e se levarmos em conta que estamos falando de Nicolas Cage, vale ressaltar que o astro estrelou o péssimo O Resgate, que também o trazia como um pai criminoso em busca da filha sequestrada. No entanto, mesmo genérico, este novo trabalho ainda consegue ser um pouco mais interessante pela forma quase irracional com a qual Paul passa a agir, o que traz consequências exorbitantes e o faz deixar um rastro de sangue por onde passa, alcançando pessoas que podem não ter nada a ver com o que aconteceu com Caitlin. E a atuação de Cage é eficiente na maior parte do tempo, mesmo quando encarna a raiva do personagem ora de um jeito contido, ora mais explosivo (fãs do ator provavelmente gostarão de vê-lo dar seus conhecidos gritos em cenas pontuais).
Mas se por esse lado Fúria prende a atenção, por outro o diretor Paco Cabezas conduz a ação investindo em uma mise en scène desinteressante, seja nas cenas de luta ou nas de tiroteios e perseguições. Com relação a este último tópico, aliás, há uma sequência em que o protagonista corre atrás de um suspeito onde o realizador opta por fazer a câmera tremer excessivamente, o que mais atrapalha a compreensão a respeito do que está acontecendo do que propriamente ajuda a criar alguma tensão. Apesar de não se sair muito bem nesses quesitos, Cabezas merece créditos por conduzir satisfatoriamente o terceiro ato, que se revela a melhor parte da trama ao oferecer uma conclusão simples e ainda assim coerente, considerando os conflitos construídos até ali.
Fúria não chega a ser particularmente bom. Mas assistindo ao filme e comparando-o com outras produções que Nicolas Cage tem estrelado nos últimos tempos, é fácil chegar à conclusão de que poderia ter sido muito pior (torturante como O Resgate, talvez?). No fim, de um jeito ou de outro, saímos no lucro.
Nota:

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Annabelle

No início do ótimo Invocação do Mal, víamos o casal Ed e Lorraine Warren concluindo o caso da boneca Annabelle, o que em parte servia para apresentar os personagens para o público. Mas toda a história envolvendo a boneca é famosa entre os casos ditos sobrenaturais, tendo potencial para ganhar um filme. Considerando o sucesso de Invocação do Mal, não é surpresa ver isso acontecer neste spin-off, Annabelle, que se revela capaz de render alguns bons sustos, apesar de não ser grandes coisas.

Escrito por Gary Dauberman, Annabelle se passa no fim da década de 1960 e nos apresenta ao jovem casal John e Mia Gordon (Ward Horton e Annabelle Wallis, respectivamente), que estão esperando seu primeiro filho. Na noite em que John presenteia Mia com a boneca de porcelana que faltava para ela completar sua coleção, eles são atacados pela filha de seus vizinhos e o namorado dela, que fazem parte de um culto satânico e são mortos antes de conseguirem fazer algo devastador. Por Mia ter visto a garota morrer enquanto segurava sua boneca, ela decide se desfazer do presente, mas isso não se mostra tão fácil e coisas assombrosas passam a infernizar ela, John e o bebê que vem a nascer pouco tempo depois.

Em um comentário óbvio, há de se ressaltar que a pessoa que compra uma boneca feia como essa vista no filme basicamente está pedindo para ser amaldiçoada. Mas é verdade que temos que compreender que se uma boneca de pano bonitinha fosse usada (e a Annabelle do caso real no qual a história se baseia segue esse estilo), isso certamente não teria um efeito tão eficiente em uma produção que pretende assustar o público. Liberdades criativas à parte, Annabelle se prejudica ao se sustentar demais em clichês, diferente de Invocação do Mal, que soube usar esses detalhes a seu favor. Assim, é fácil se cansar da mania que Mia tem de ficar sozinha em casa com o bebê e as assombrações enquanto John trabalha, além dos momentos em que ela anda por um lugar pouco iluminado.

Enquanto isso, a história desenvolvida pelo roteiro não é das melhores, sendo que às vezes ele soa óbvio, como quando os personagens passam a tentar descobrir o que as presenças demoníacas realmente querem. Aliás, para uma produção que parece se rodear em volta da boneca Annabelle, ela é a figura menos utilizada para causar as assombrações, e o roteiro parece ter noção disso, lembrando-se dela pontualmente para poder seguir sua premissa de boneca amaldiçoada. Para completar, o filme tem diálogos muito expositivos que mastigam a trama para o espectador, usando para isso principalmente a bibliotecária vivida por Alfre Woodard, e também conta com outras falas que parecem ter saído de um livro de autoajuda, sendo proferidas pelo Padre Perez interpretado por Tony Amendola.

Mesmo assim, o cineasta John R. Leonetti ainda consegue criar uma atmosfera de tensão que mantém o espectador envolvido no filme durante a maior parte do tempo, o que se deve até a expectativa que ficamos com relação aos sustos. Nesse aspecto, por sinal, Leonetti não chega a causar tantos pulos na cadeira, mas os poucos que ocorrem são bem-vindos e até divertem dentro do gênero (destaque para a cena em que uma criança corre em direção a Mia). E apesar de Annabelle Wallis e Ward Horton são serem tão talentosos, eles ao menos têm carisma o suficiente para que possamos nos importar com o destino de seus personagens.

Trazendo ainda uma resolução meio covarde para sua história, Annabelle é um spin-off que certamente não chega a ser tão bom quanto Invocação do Mal. Mas ao menos se estabelece como um passatempo interessante com sua premissa. O que não deixa de ser lucro levando em conta que o filme foi feito mais para aproveitar o sucesso recente de seu original.

Nota:


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Um Amor de Vizinha / O Homem Mais Procurado

Um Amor de Vizinha e O Homem Mais Procurado são duas das principais estreias dessa semana nos cinemas. São filmes diferentes um do outro em todos os sentidos possíveis. Deixo aqui meus comentários sobre eles.

Um Amor de Vizinha (And So it Goes, 2014), de Rob Reiner:

Um Amor de Vizinha traz três grandes nomes: Rob Reiner como diretor, Michael Douglas e Diane Keaton como protagonistas. No entanto, essa é uma daquelas produções em que é triste ver artistas tão bons entre seus envolvidos. Trata-se de um filme clichê, cujo plot já vimos várias vezes em outras obras.

Escrito por Mark Andrus, Um Amor de Vizinha nos apresenta a Oren Little (Douglas), homem que ainda não superou a morte da esposa, descontando sua mágoa nas pessoas ao seu redor, inclusive em sua vizinha, Leah (Keaton). É quando seu filho Kyle (Austin Lysy), com quem não tem uma boa relação, avisa que será preso e pede para que ele cuide da pequena Sarah (Sterling Jerins), a neta que nem sabia que existia. Sem paciência, Oren pega a tarefa contra sua vontade, mas com a ajuda de Leah acaba redescobrindo seu lado mais afetuoso e...

Bem, todos já devem saber como é o restante da história, considerando que ela segue à risca a cartilha do “protagonista rabugento (pra não dizer babaca) que vai se tornando uma pessoa melhor”, algo dirigido de maneira nada inspirada por Rob Reiner. Aliás, aqui Reiner nem parece ser o diretor que uma vez realizou grandes filmes como Isso é Spinal Tap, Conta Comigo e Harry & Sally. Dessa forma, Um Amor de Vizinha acaba tentando se sustentar no carisma de Michael Douglas e Diane Keaton, mas a verdade é que isso ainda se revela muito pouco para salvar o projeto.

Bobo e até esquemático em determinados momentos, Um Amor de Vizinha é um filme sem imaginação alguma, do tipo que é esquecido pouco depois de os créditos começarem a subir.

O Homem Mais Procurado (A Most Wanted Man, 2014), de Anton Corbijn:

Esse ano vem assustando com as perdas que o Cinema vem sofrendo. Uma das mais sentidas foi a de Philip Seymour Hoffman, não só porque ele era imensamente talentoso, mas também por ter partido muito cedo, aos 46 anos. Neste O Homem Mais Procurado, temos a chance de acompanhar o último trabalho completo de Hoffman, e é uma atuação que confirma ainda mais que ele era um dos melhores atores de sua geração, e é bacana ver que o filme em si merece um desempenho como esse.

Escrito por Andrew Bovell, baseado no livro de John le Carré, O Homem Mais Procurado acompanha o trabalho do agente alemão Günther Bachmann (Hoffman), que ao lado de sua equipe e do pessoal da CIA passa a seguir os passos de Issa Karpov (Grigoriy Dobrygin), que acaba de chegar ilegalmente em Hamburgo. Sendo Issa filho de um terrorista, todos ficam na dúvida se ele veio até a cidade para realizar um ataque ou para viver em paz. As suspeitas aumentam quando ele pede ajuda para a advogada Annabel Richter (Rahcel McAdams), tendo como objetivo pegar o dinheiro sujo de seu pai e que está guardado no banco de Thomas Brue (Willem Dafoe).

Assim tem início um filme instigante e que mostra confiar na inteligência do publico, com o roteiro nunca parando sua trama complexa pra explica-la. Em meio a isso, o diretor Anton Corbijn (o mesmo de Control e Um Homem Misterioso) surpreende ao trazer um tom um tanto melancólico para a narrativa, detalhe que ajuda a dar um grande peso ao que está acontecendo, além criar uma atmosfera envolvente ao apostar na tensão entre os personagens.

Personagens estes que se revelam muito inteligentes e que são interpretados com grande eficiência pelo elenco, desde Grigoriy Dobrygin como Issa até Willem Dafoe como Thomas Brue, passando por Rachel McAdams como Annabel e Robin Wright como a agente da CIA Martha Sullivan. Mas o filme é mesmo de Philip Seymour Hoffman, que em uma atuação extremamente sensível faz de Günther um homem exausto, solitário e em constante estresse, aspectos que não o impedem de ser competente e humano em seu trabalho.

Tudo isso faz O Homem Mais Procurado se estabelecer como um filme de espionagem muito acima da média. Um dos grandes destaques do ano, sem dúvida.

sábado, 4 de outubro de 2014

Garota Exemplar

Garota Exemplar é um thriller com um roteiro absolutamente genial, que conta com personagens inteligentes e que precisa de um diretor competente para orquestrar tudo o que acontece na história sem que esta vire uma grande bagunça. E o filme encontra esse diretor em David Fincher, que aqui se dedica exatamente ao tipo de projeto que dá gosto de vê-lo fazendo. Dessa forma, temos como resultado uma obra fascinante em todo o suspense que percorre seus 145 minutos de duração.

Baseado no aclamado livro de Gillian Flynn, o roteiro escrito com precisão cirúrgica pela própria autora se concentra no desaparecimento de Amy Dunne (Rosamund Pike), que ganha grande atenção por parte da mídia e causa um alvoroço na pequena cidade de North Carthage, no Missouri. O principal suspeito do caso é o marido dela, Nick Dunne (Ben Affleck), que age de maneira estranhamente tranquila para alguém que pode ter acabado de perder a esposa. A partir disso, passamos a acompanhar os esforços de Nick e da polícia para descobrir o que aconteceu, e ao mesmo tempo vemos como era o relacionamento do casal.

“Eu me imagino abrindo seu crânio, desenrolando seu cérebro e vasculhando-o, tentando capturar e fixar com alfinete seus pensamentos”. Logo de cara vemos Nick falar isso sobre sua esposa em uma narração em off. Obviamente é algo macabro de se dizer e trata de estabelecer que o que veremos não é um relacionamento particularmente tranquilo, tornando compreensível como Nick pode ser suspeito. No entanto, há uma troca de diálogos entre a policial responsável pelo caso, Rhonda Boney (Kim Dickens), e seu parceiro Jim Gilpin (Patrick Fugit) que sintetiza bem a história em si. Enquanto ele fala que “As respostas mais simples geralmente são as corretas”, ela diz “Nunca acreditei que isso fosse verdade”. E realmente, ainda que o caminho mais fácil seja dar Nick como culpado, à medida que avançamos no filme descobrimos que a escala do que está acontecendo é muito maior do que imaginamos.

Nisso, a estrutura do roteiro de Gillian Flynn é interessante ao fazer um verdadeiro quebra-cabeça, trazendo inicialmente a investigação em seu centro e intercalando essa parte com flashbacks impulsionados pelo diário mantido por Amy, que mostram a visão dela quanto aos principais momentos de sua vida com Nick e de como a relação deles vinha se deteriorando. Mas se até aí vemos um thriller sobre um desaparecimento, as reviravoltas que Flynn constrói ao longo da narrativa subvertem a expectativa do público, dando rumos surpreendentes e imprevisíveis ao filme, de forma que mais tarde vemos praticamente um jogo de gato e rato manipulador e intrigante, disputado quase que exclusivamente na mídia.

E já que mencionei esse elemento importante da trama, vale dizer que é impossível não admirar o comentário interessantíssimo que o filme faz sobre como a imprensa, infelizmente, se importa não só com explorar tudo o que puderem de uma história para conquistar a audiência, mas também com apontar possíveis culpados, não ligando se as provas para isso não são suficientes ou se vidas serão destruídas no processo. Sendo assim, é curioso ver que só o fato de Nick sorrir na hora mais inapropriada já é o suficiente para fazer com que uma apresentadora de TV veja sinais de sociopatia. E é exatamente a força da imprensa que dita grande parte dos atos dos personagens.

Tudo isso é conduzido com maestria por David Fincher, sendo que o diretor desde o início demonstra ter controle sobre a história que está contando, aproveitando ao máximo o roteiro de Flynn para criar uma narrativa envolvente e constantemente tensa. Para isso, Fincher tem a ajuda da belíssima fotografia de Jeff Cronenweth, que aposta bastante nas sombras para criar uma atmosfera inquietante, detalhe que encontra reflexo no próprio estado dos personagens. Enquanto isso, a montagem de Kirk Baxter se revela digna de prêmios ao lidar brilhantemente com a complexa estrutura do roteiro, investindo ainda em um ritmo mais ágil para a trama, fazendo isso sem sacrificar a calma com a qual ela é desenvolvida.

Já o elenco interpreta com propriedade as figuras inteligentes criadas por Gillian Flynn. Ben Affleck encarna Nick com uma segurança invejável, sendo possível se identificar com o personagem por mais falho que ele seja como pessoa, ao passo que Rosamund Pike brilha em todos os frames em que aparece com sua atuação multifacetada como Amy (tanto ela quanto Affleck merecem ser lembrados nessa temporada de premiações). E se Tyler Perry surpreende ao trazer carisma e bom humor ao advogado Tanner Bolt, Neil Patrick Harris, Carrie Coon e Kim Dickens deixam fortes impressões como Desi Collings, Margo Dunne (irmã gêmea de Nick), e Rondha Boney.

Com tantas qualidades, é impossível não se empolgar com Garota Exemplar, que se estabelece desde já como um dos trabalhos mais impressionantes de um dos melhores diretores de sua geração, além de ser também um dos melhores filmes deste frutífero ano de 2014.

Nota: