sábado, 21 de fevereiro de 2015

Apostas Para o Oscar 2015



Apesar de ter sua boa cota de previsibilidade, o Oscar desse ano está interessantíssimo com a disputa acirrada entre os fantásticos Boyhood e Birdman. Tão acirrada que ao fazer as apostas me vi colocando as fichas em um apenas para no minuto seguinte colocar no outro. Richard Linklater e Alejandro González Iñarritu conceberam obras irretocáveis, e é bom ver que o Oscar (em meio a esnobadas como a de Garota Exemplar e lembranças desnecessárias como a de A Teoria de Tudo) concentrou suas forças nesses dois filmes em sua categoria principal.

Enfim, essas são minhas apostas e minhas torcidas para a noite do Oscar.

Melhor Filme

Aposta: Boyhood – Da Infância a Juventude

Torcida: Boyhood – Da Infância a Juventude e Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

De um lado, Boyhood, o projeto que o grande Richard Linklater filmou ao longo de 12 anos e que se mostrou brilhante na forma como seus personagens crescem com o passar do tempo. Do outro, Birdman, o filmaço de Alejandro González Iñarritu organizado em um belo plano-sequência e que abre belas discussões sobre aceitação e valores dados a arte. Ambos os filmes estão dividindo os prêmios pré-Oscar. Será ótimo ver qualquer um dos dois vencerem, ainda que minha aposta fique para Boyhood.

Melhor Direção

Aposta: Richard Linklater, por Boyhood – Da Infância a Juventude

Torcida: Richard Linklater, por Boyhood – Da Infância a Juventude e Alejandro González Iñarritu, por Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Mesmo caso de Melhor Filme. Iñarritu até tem vantagem com Birdman por ter levado o DGA, prêmio do sindicato dos diretores. Mas Linklater também vem sendo reconhecido por seu trabalho em Boyhood, além de ter uma bela carreira e ser admirado por muitas pessoas. A aposta de novo fica para este último, mas ambos os trabalhos são maravilhosos.

Melhor Ator

Aposta: Eddie Redmayne, por A Teoria de Tudo

Torcida: Michael Keaton, por Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Jake Gyllenhaal ter ficado de fora da categoria por seu trabalho incrível em O Abutre será uma lamentação eterna. Na falta dele, há o fantástico Michael Keaton em Birdman, que até saiu na frente nessa corrida. Mas Eddie Redmayne ganhou força por sua grande atuação como Stephen Hawking, um dos pontos altos do bom A Teoria de Tudo, e nem mesmo as duras críticas que o ator recebeu por sua participação no recente O Destino de Júpiter parecem ter abalado suas chances.

Melhor Atriz

Aposta: Julianne Moore, por Para Sempre Alice

Torcida: Rosamund Pike, por Garota Exemplar

Por mais que Rosamund Pike tenha tido uma atuação impressionante como Amy Dunne de Garota Exemplar, Julianne Moore é a grande favorita na categoria por Para Sempre Alice. Além do mais, ela tem uma bela carreira e está merecendo um Oscar há tempos, de forma que o prêmio aqui seria até pelo conjunto da obra.

Melhor Ator Coadjuvante

Aposta: J.K. Simmons, por Whiplash: Em Busca da Perfeição

Torcida: J.K. Simmons, por Whiplash: Em Busca da Perfeição

Aqui não tem pra ninguém. J.K. Simmons arrebenta monstruosamente em Whiplash e já ganhou quase todos os prêmios possíveis por seu trabalho no filme. Se ele perder o Oscar, será uma das grandes zebras da noite. Mas se isso ocorrer, a categoria está repleta de belas atuações, apesar de o grande Robert Duvall estar em um filme fraco como O Juiz, cujo roteiro até prejudica seu personagem.

Melhor Atriz Coadjuvante

Aposta: Patricia Arquette, por Boyhood – Da Infância a Juventude

Torcida: Patricia Arquette, por Boyhood – Da Infância a Juventude

Se Simmons é nome certo para Melhor Ator Coadjuvante, o mesmo pode ser dito por Patricia Arquette em Atriz Coadjuvante, cuja atuação como a mãe do protagonista de Boyhood é simplesmente linda. Apenas a última cena dela no filme já deveria garantir sua estatueta.

Melhor Roteiro Original

Aposta: O Grande Hotel Budapeste

Torcida: Ficarei muito feliz com a vitória de qualquer um dos indicados

Boyhood, Birdman, O Grande Hotel Budapeste, Foxcatcher e O Abutre. Que categoria linda temos aqui. Mas apesar de Boyhood e Birdman serem os principais concorrentes a Melhor Filme e Melhor Direção, Wes Anderson e O Grande Hotel Budapeste têm tido certa preferência na categoria, tendo até ganhado o WGA, o sindicato dos roteiristas.

Melhor Roteiro Adaptado

Aposta: O Jogo da Imitação

Torcida: Whiplash: Em Busca da Perfeição

Vários filmes que não chegam a ser favoritos unânimes em outras categorias, e que também não tem favoritismo claro por aqui. Fico com O Jogo da Imitação, mais pela vitória que ele conseguiu no WGA. Mas também fico com o pensamento de que seria ótimo ver Whiplash surpreender.

Melhor Animação


Torcida: O Conto da Princesa Kaguya

Apesar de ser uma continuação, Como Treinar o Seu Dragão 2 surge como favorito. Mas mesmo sendo um filme muito bacana, que levou vários prêmios até agora (entre eles o Annie Awards), esse favoritismo se deve exclusivamente porque Uma Aventura Lego foi esnobado, em uma das faltas mais sentidas dessa edição do Oscar. De qualquer forma, se a nova aventura de Soluço e Banguela for derrotada, seria bonito se o japonês O Conto da Princesa Kaguya ficasse com a estatueta, considerando a história do Studio Ghibli, que chegou a anunciar seu fechamento no ano passado.

Melhor Filme Estrangeiro

Aposta: Ida (Polônia)

Torcida: Por enquanto me abstenho porque vi apenas o argentino Relatos Selvagens

O polonês Ida vem mostrando certo favoritismo com suas conquistas em outras premiações. E honestamente não sei se os outros filmes podem surpreender.

Melhor Documentário

Aposta: Citizenfour

Torcida: Por enquanto me abstenho porque não vi três indicados

O Oscar não se arriscou muito na categoria nos últimos anos, premiando filmes mais leves, como foi em 2013 com o belíssimo Procurando Sugar Man e no ano passado com a vitória do ótimo A Um Passo do Estrelato. Mas esse ano tudo indica que será diferente, com Citizenfour saindo como vencedor, filme que traz em seu centro Edward Snowden e o grande escândalo político que o envolveu. De qualquer forma, é inacreditável que a Academia não tenha indicado Life Itself. O filme de Steve James sobre o fantástico crítico Roger Ebert é absolutamente maravilhoso, e a falta dele aqui talvez tenha sido o maior pecado dessa edição.

Melhor Direção de Fotografia

Aposta: Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Torcida: Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Depois das maravilhas que fez em Gravidade, que lhe rendeu este prêmio no ano passado, Emmanuel Lubezki está novamente indicado por mais um trabalho estupendo. Outro cara que se não vencer será uma grande zebra.

Melhor Montagem

Aposta: Boyhood – Da Infância a Juventude

Torcida: Boyhood – Da Infância a Juventude

A passagem de tempo é um elemento importantíssimo de Boyhood, e o trabalho de montagem do filme é admirável, fazendo tudo soar orgânico e ritmado, tendo ganhado vários prêmios da categoria em outras premiações.

Melhor Design de Produção

Aposta: O Grande Hotel Budapeste

Torcida: O Grande Hotel Budapeste

Se tem algo que salta aos olhos logo de cara em O Grande Hotel Budapeste é seu visual fantástico, que tem traz toda a excentricidade de Wes Anderson na máxima potência. Difícil que isso não tenha ocorrido com os votantes também.

Melhor Figurino

Aposta: O Grande Hotel Budapeste

Torcida: O Grande Hotel Budapeste

Em O Grande Hotel Budapeste os figurinos complementam o design de produção brilhantemente, então o filme deve seguir essa lógica e ficar com os dois prêmios.

Melhor Maquiagem e Penteados

Aposta: O Grande Hotel Budapeste


Jogarei em O Grande Hotel Budapeste novamente. Até porque duvido muito que a Academia quebre seu preconceito contra produções baseadas em histórias em quadrinhos prestigiando Guardiões da Galáxia. E entre o filme de Wes Anderson e Foxcatcher, o trabalho do primeiro chama um pouco mais a atenção.

Melhor Trilha Original

Aposta: A Teoria de Tudo

Torcida: O Grande Hotel Budapeste

Alexandre Desplat foi duplamente indicado dessa vez, por O Grande Hotel Budapeste e O Jogo da Imitação. Nunca ganhou um Oscar e talvez essa seja sua chance de se consagrar. Ainda assim, a maré parece estar mais para o lado de Jóhann Jóhannsson por A Teoria de Tudo.

Melhor Canção Original

Aposta: “Glory”, de Selma

Torcida: “Glory”, de Selma

A Academia deve dar o prêmio de consolação a Selma depois da burrada que fez de não indicar o belíssimo filme de Ava DuVernay em mais categorias.

Melhor Edição de Som

Aposta: Sniper Americano

Torcida: Sniper Americano

Considerando que a Academia tem curtido entregar esse prêmio a filmes de guerra, as fichas vão para Sniper Americano, que realmente tem um trabalho muito bom nesse aspecto e não deve ganhar outros prêmios.

Melhor Mixagem de Som

Aposta: Whiplash: Em Busca da Perfeição

Torcida: Whiplash: Em Busca da Perfeição

Toda a coordenação envolvendo as cenas musicais de Whiplash merece ser prestigiada, e é provável que o sucesso indie desse ano fique com mais esse prêmio na noite além do de Melhor Ator Coadjuvante.

Melhores Efeitos Visuais

Aposta: Interestelar


Interestelar é o favorito, com Planeta dos Macacos: O Confronto correndo por fora. A torcida, assim como a aposta, poderia até ficar com o filme de Christopher Nolan, cujo trabalho nesse sentido é muito bom. Mas a verdade é que o carinho que tenho por X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido fala mais alto.

Melhor Curta Documentário

Aposta: Crisis Hotline: Veterans Press 1

Torcida: Não vi nenhum dos indicados.

As categorias de curtas-metragens são quase sempre impossíveis de acompanhar. Então não há como torcer para alguém, porque não há como vê-los na grande maioria das vezes, e até mesmo apostar é complicado. Então vamos na base do chute, e Crisis Hotline: Veterans Press 1 parece ser um filme cuja temática é interessante para a Academia.

Melhor Curta-Metragem

Aposta: Parvaneh

Torcida: Não vi nenhum dos indicados.

Mesma coisa da categoria anterior.

Melhor Curta-Metragem de Animação

Aposta: The Bigger Picture

Torcida: Vi apenas um dos indicados, então me abstenho novamente

Mesma coisa da categoria anterior.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Cássia

Logo no início de Cássia, pessoas próximas a Cássia Eller, como Deborah Dornellas e Nando Reis, falam de um ponto forte que lembram da amiga. Entre tantas coisas admiráveis, o que eles ressaltam neste momento é o brilhantismo dela no palco enquanto fazia aquilo que amava. É então que vemos imediatamente uma parte de um show de Cássia Eller cantando com sua voz magistral, e é impossível sentir outra coisa senão arrepios diante da presença magnética da cantora, que através de uma carta ainda nos deixa avisados: “Você vai se impressionar quando me ouvir cantar”. É um início simplesmente perfeito para o filme, e daí pra frente ele só melhora.

Dirigido pelo gênio Paulo Henrique Fontenelle (o mesmo responsável pelos excepcionais Loki: Arnaldo Baptista e Dossiê Jango), Cássia é um documentário que busca tocar tanto no lado artista de Cássia Eller quanto em seu lado pessoal e puramente humano. Com todo o material que tem em mãos, desde as entrevistas concedidas pela cantora até videoclipes e apresentações em shows ou em programas de televisão, Fontenelle faz um retrato bastante completo e que não deixa de servir como uma belíssima homenagem.

Durante o filme somos apresentados a uma Cássia Eller que até podia ser conhecida por sua intensidade em cima do palco, diante de milhares de pessoas, e também por seu jeito mais selvagem. Mas por trás disso havia uma grande sensibilidade e uma timidez doce e até mesmo divertida, que contribuía muito para o encanto que se criava em volta dela e não travava sua coragem artística, como afirma Oswaldo Montenegro. Como se não bastasse, a partir do nascimento de Francisco, o único filho de Cássia, também conhecemos a mãe afetuosa e atenciosa, que quando estava em turnê ficava contando os minutos até o momento de se reunir com o filho e a esposa, Maria Eugênia.

Paulo Henrique Fontenelle, que se confirma cada vez mais como um dos melhores documentaristas da atualidade, cria uma fluidez admirável entre os assuntos que busca tratar ao longo da vida de Cássia Eller, desde o uso de drogas, passando por relacionamentos, principais trabalhos, parcerias, as sérias dificuldades financeiras, o auge da carreira e chegando até sua morte precoce em 2001, aos 39 anos, graças a um infarto do miocárdio (e não uma overdose como boa parte da imprensa declarou na época), além da luta entre seu pai ausente e Maria Eugênia pela custódia de Francisco. Tudo isso é mostrado pelo diretor com uma honestidade arrebatadora, evitando uma espécie de hagiografia da cantora, detalhe que acaba sendo essencial ao filme quando levamos em conta que Cássia Eller não tinha vergonha de ser ela mesma, e se as pessoas gostassem dela seria aceitando-a do jeito que ela era, e não apenas por conta de seu imenso talento.

Cássia Eller pode até dizer no início do filme que vamos nos impressionar quando ouvi-la cantar. Mas a verdade é que, com o que Paulo Henrique Fontenelle mostra aqui, nós não nos impressionamos apenas com este aspecto dela, já que se tratava de uma figura admirável em vários outros sentidos. Dessa forma, Cássia é um documentário que merece todos os aplausos por fazer jus a uma mulher que conseguiu deixar um legado inesquecível e uma saudade insuprível em muitas pessoas.

Nota:


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Cinquenta Tons de Cinza

É curioso que boa parte dos filmes considerados polêmicos sejam aqueles que tenham um forte teor sexual em meio a suas histórias. Sexo parece ser um detalhe tão íntimo do ser humano que se uma obra trouxer isso como um de seus pontos principais (ou de forma mais explícita) já causa certa confusão. Não é visto como algo que faça parte da própria natureza humana, sendo que depois que se confere a tal obra constata-se que foi tudo uma tempestade em copo d’água. E isso não deixa de valer para este Cinquenta Tons de Cinza, cuja grande curiosidade que levantou se deu muito em decorrência das práticas sadomasoquistas de seu protagonista. Mas se o filme não é nada demais com relação a essa parte de seu conteúdo (já vimos coisas bem mais ousadas em Ninfomaníaca, para citar uma obra recente onde o alvoroço também foi em vão), ele encontra sérios problemas quando notamos as ideias que envolvem os personagens, o que piora quando somadas a história convencional e desinteressante.

Escrito por Kelly Marcel a partir do best-seller de E.L. James (que não li, mas que até onde sei nasceu como uma fan fiction de Crepúsculo, o que explica muita coisa), Cinquenta Tons de Cinza nos apresenta a Anastasia Steele (Dakota Johnson), jovem tímida, insegura, romântica e com um espírito independente. Ao entrevistar o bilionário Christian Grey (Jamie Dornan), ambos se sentem atraídos um pelo outro e não demora até que se envolvam romanticamente. À medida que eles avançam no relacionamento, Ana é pega de surpresa ao ver que Christian quer ter total controle do relacionamento (com direito até a um contrato!) para que ambos possam ter prazer, o que inclui as inesperadas práticas sexuais dele.

Há momentos em Cinquenta Tons de Cinza em que é preciso rir para não chorar. Afinal, o relacionamento que se vê na tela é assustador. Interpretado por Jamie Dornan de maneira monótona, com o objetivo de revelar um homem com dificuldade de expressar seus sentimentos, Christian Grey à primeira vista parece ser o homem ideal que muitas mulheres cobiçariam. Mas aí vêm determinados aspectos: ele não dorme na mesma cama que as mulheres, não namora, é controlador e não faz amor, mas sim “fode com força”. Quer dizer, é um cara que usa suas companheiras exclusivamente para seu prazer, agindo de forma extremamente machista no processo, e se uma garota quiser ficar com ele deve aceita-lo dessa maneira, porque obviamente não há chances de ele mudar, por mais que ela toque em seus sentimentos. Mas não há problema nenhum em ela mudar seu jeito por ele, numa incoerência estranha para dizer o mínimo.

No entanto, pior do que o próprio personagem é o fato de Ana, interpretada pela pouco expressiva Dakota Johnson, se apaixonar pelo rapaz mesmo demonstrando gostar de sua vida simples e independente. É como se ter ele ao seu lado fosse uma espécie de honra, e só o fato de ela considerar assinar o tal contrato, que basicamente a privaria de sua liberdade e deixaria Christian ditar como ela deve viver, a torna uma figura tão moralmente perigosa quanto ele. Claro que ao longo do filme podemos ver que ela tem algum controle na relação, mas a questão que acaba chamando a atenção é: por que alguém como ela gostaria de ter um relacionamento com um cara como ele?

Tendo em mãos personagens com motivações tão rasas, é muito complicado para a diretora Sam Taylor-Johnson criar uma narrativa que seja minimamente envolvente. A melhor sacada por parte dela talvez seja a rima visual entre o primeiro e o último encontro dos protagonistas, mas mesmo esta é bastante óbvia. No resto, ela se vê comandando um romance mais tolo que o de Bella Swan e Edward Cullen (de novo, o fato de ser uma fan fiction explica muita coisa). E por não conseguirmos nos envolver emocionalmente com as figuras na tela, as cenas de sexo representam alguns dos pontos mais entediantes da projeção. Para completar, a cineasta não deixa de causar risos involuntários em cenas bastante sugestivas, como quando Ana aparece colocando na boca um lápis escrito “Grey”.

Há certos detalhes que até merecem elogios no filme. O design de produção de David Wasco e a fotografia de Seamus McGarvey criam contrastes interessantes, como aquele entre o escritório e a casa de Christian Grey, que são dominados por cores claras que exaltam sua riqueza e sua aparência correta (na falta de outra palavra), e o quarto vermelho, que esconde seu lado mais sombrio envolvendo o sadomasoquismo, sem falar na diferença entre esses aposentos e a simplicidade de Ana. Já a trilha de Danny Elfman em alguns momentos dá curiosos toques de humor, como na reunião do casal principal para discutir o contrato, tornando uma pena que o filme como um todo não assuma um tom cômico. Talvez assim a história fosse mais suportável.

Por esse primeiro exemplar, Cinquenta Tons de Cinza mostra ser o início de mais uma franquia cinematográfica cujo fim será muito aguardado, já que só então ela poderá ficar relegada ao esquecimento rapidamente, assim como ocorreu com a obra que a inspirou.

Nota:


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Os Indicados a Melhor Filme no Oscar 2015



É muito difícil que o Oscar indique em sua categoria principal 5 a 10 filmes excepcionais. É um prêmio que envolve muita campanha, alguns produtores poderosos e, muitas vezes, um pouco de jogo sujo, o que constantemente favorece produções que não mereciam nem figurar em listas de melhores do ano. Sendo assim, quando a Academia escolhe bons filmes para representar o melhor que o cinema teve ao longo da temporada, isso não deixa de ser um alívio, e de modo geral foi o que aconteceu em 2014 e agora em 2015. Sim, há produções que não chegam aos pés de obras esnobadas como Garota Exemplar e O Abutre, mas isso é algo tão comum de ver acontecer que a única coisa que resta fazer é aceitar. Dito isso, deixo aqui meus comentários sobre cada um dos indicados a Melhor Filme no Oscar 2015.

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)), de Alejandro González Iñárritu

Filmado de forma a simular um plano-sequência de duas horas de duração (palmas para Alejandro González Iñarritu e sua equipe pela proeza magnífica), Birdman é um filme cuja precisão técnica é usada para contar a história de Riggan Thomson (Michael Keaton), que depois de ficar famoso interpretando o super-herói Birdman no cinema (assim como Keaton ficou com Batman) agora tenta resgatar a carreira adaptando um texto de Raymond Carver para o teatro. Tendo isso como base, o roteiro passa a tratar de maneira inspirada temas como aceitação e valores dados a formas de arte, já que há obras que são consideradas menores apenas por serem entretenimento ao invés de algo mais sério, como se não pudessem funcionar do jeito que são (e nessa discussão a crítica rabugenta interpretada por Lindsay Duncan é fundamental). No centro disso, Michael Keaton tem uma atuação fantástica encarnando Riggan, um sujeito essencialmente inseguro, apesar de alguns delírios de grandeza, ao passo que Edward Norton e Emma Stone brilham como o ator do método Mike Shiner e Sam, filha do protagonista, personagens intrigantes por si só. Repleto de momentos divertidos, como quando Riggan sai na rua apenas de cueca ou as manias de Mike Shiner de que tudo em cena tem que ser real, Birdman é não só um dos melhores filmes do Oscar, mas também um dos melhores do ano.

Boyhood: Da Infância a Juventude (Boyhood), de Richard Linklater

Gravar um filme durante vários anos para mostrar o crescimento dos personagens da história (ou de pessoas reais mesmo) é algo que não acontece o tempo todo no cinema. Talvez por ser uma espécie de exercício de paciência para seus envolvidos, talvez por não ser possível juntar uma equipe para filmar sempre que necessário. Mas nesse sentido o talentoso Richard Linklater foi maravilhosamente bem sucedido em Boyhood. Ao explorar a evolução de um garoto, Mason (Ellar Coltrane), assim como a de sua família, desde sua infância até a juventude através de períodos específicos ao longo dos anos, Linklater criou um trabalho que até pode soar simples, mas encontra nisso uma sensibilidade e humanidade admiráveis, sendo que o público tem facilidade de se identificar com o que ocorre na tela por se tratar de coisas do cotidiano. Boyhood se concentra um pouco mais em momentos que podem ser considerados pequenos na vida de Mason (como o jogo de beisebol ao qual ele vai com seu pai e sua irmã), mas que são tão essenciais à formação do caráter do rapaz quanto àqueles mais importantes, e acompanhar ele passando por tudo isso e o impacto que o tempo causa nele e nas pessoas ao seu redor é uma experiência tocante, nostálgica e inesquecível.

O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel), de Wes Anderson

Seja pelo visual, pelos enquadramentos, pelos movimentos de câmera, pelo elenco, pelo timing cômico ou pela excentricidade em volta de tudo isso, O Grande Hotel Budapeste é um trabalho no qual Wes Anderson se mostra mais Wes Anderson do que nunca. E se isso já poderia ser o suficiente para tornar o filme interessante, as coisas melhoram quando se constata que tudo está a serviço de uma trama cativante, que ao se concentrar nas aventuras de Gustave H. (Ralph Fiennes), concierge do hotel do título, e do lobby boy Zero Moustafa (interpretado por F. Murray Abraham na fase adulta e por Tony Revolori na juventude) faz uma homenagem divertidíssima ao ato de contar histórias, desde a estrutura do roteiro até os próprios narradores. Além disso, o elenco brilha interpretando figuras típicas de um filme de Wes Anderson, merecendo destaque absoluto a dinâmica entre o excepcional Ralph Fiennes como Gustave e o carismático Tony Revolori como Zero, que não poderiam guiar o público de maneira melhor ao longo da narrativa. Assim, O Grande Hotel Budapeste se estabelece com facilidade como um dos melhores trabalhos de seu diretor.

O Jogo da Imitação (The Imitation Game), de Morten Tyldum

Focando os esforços do matemático Alan Turing (Benedict Cumberbatch) e sua equipe para decifrar as mensagens da máquina Enigma, que os alemães usavam na Segunda Guerra Mundial, O Jogo da Imitação tem em mãos uma história importante por natureza. Turing foi reconhecido como herói de guerra, o que não o ajudou quando sua homossexualidade foi descoberta. Estruturado de forma que sigamos o protagonista ainda jovem na escola, em 1927, intercaladamente com a trama principal de seu desafio envolvendo a Enigma, em 1939, e os interrogatórios dele na polícia, em 1951, o filme busca retratar a vida de Turing da maneira mais completa possível, fazendo um bom trabalho nesse sentido, e a montagem de William Goldenberg é admirável por conseguir criar uma coesão entre as três linhas temporais. Interpretado pro Benedict Cumberbatch, Turing é alguém incrivelmente racional e que por isso encontra certa dificuldade em se relacionar socialmente, o que rende momentos surpreendentemente divertidos, mas que não o impedem de ser um personagem trágico e tocante, detalhes que repercutem com mais força na cena em que sua amiga Joan Clarke (a ótima Keira Knightley) fala das vidas que ele salvou. Dessa forma, O Jogo da Imitação se revela um filme que consegue fazer jus à história de seu protagonista.

Selma: Uma Luta Pela Igualdade (Selma), de Ava DuVernay

Há pouco tempo nos Estados Unidos, dois jovens negros foram mortos graças ao abuso de poder exibido por policiais brancos, que agiram mais por conta de preconceito, sendo que não chegaram a sofrer as consequências pelos assassinatos que cometeram. Selma lembra casos como esses em vários momentos, tendo em seu centro a luta de Martin Luther King (David Oyelowo) e seus seguidores para conseguir o direito de voto para a população negra americana na década de 1960, algo que não é nada fácil considerando o descaso de boa parte da sociedade branca, além de não ganhar prioridade por parte do presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson), por mais importante do que aparente ser à primeira vista. Com um período sombrio em mãos, a diretora Ava DuVernay dá aos eventos tratados pelo roteiro o peso que eles merecem, sendo chocante acompanhar, por exemplo, a brutalidade empregada pela polícia quando esta tenta reprimir os protestos da população. Além disso, o filme encontra em David Oyelowo um de seus grandes trunfos, já que ele encarna os maneirismos e força de Martin Luther King com segurança em uma belíssima atuação. Selma até pode se passar na década de 1960, mas considerando as coisas que retrata é triste constatar que ele ainda seja bem atual.

Sniper Americano (American Sniper), de Clint Eastwood:

Sniper Americano é ufanista e xenófobo, com os americanos sendo vistos como grandes heróis enquanto que todos os iraquianos (todos mesmo) são tratados como bandidos selvagens. Na verdade, uma de suas mensagens não deixa de ser “iraquiano bom, é iraquiano morto”. Mas é curioso que mesmo assim esse novo filme de Clint Eastwood ainda funcione bem. Sniper Americano traz em seu centro o sniper Chris Kyle (Bradley Cooper, na melhor atuação de sua carreira até agora), responsável pela morte de 160 pessoas durante o tempo que serviu o exército americano na guerra. Com isso, ele é chamado de “A Lenda” por seus companheiros, que exaltam seus atos sem pestanejar. Kyle é retratado aqui como um homem que foi criado desde criança para proteger as pessoas, usando isso para exercer sua função no exército sem nenhum remorso, não deixando de ser também uma figura facilmente manipulável, mesmo quando adulto. Mas o filme ainda é muito envolvente, com Eastwood comandando brilhantemente as tensas sequências de ação, além de mostrar eficientemente o peso que as mortes e a guerra em si têm na existência do protagonista, sendo que nesse sentido o filme encontra alguns ecos no excepcional Guerra ao Terror, com ambas as produções se concentrando em personagens que encontram dificuldades para voltar à vida normal depois do conflito, como se dependessem do clima hostil para viverem. Assim, apesar das ideologias corrompidas que o carregam, Sniper Americano se revela o melhor trabalho de Clint Eastwood em muitos anos.

A Teoria de Tudo (The Theory of Everything), de James Marsh

A história de Stephen Hawking é inspiradora por natureza. Diagnosticado logo quando jovem, no início da década de 1960, com a terrível esclerose lateral amiotrófica, ele recebeu a notícia de que teria apenas mais dois anos de vida. Mas ele está vivo até hoje, sendo que a doença não o impediu de continuar suas pesquisas, casar duas vezes, ter filhos, netos e ser reconhecido no mundo todo por seus importantes trabalhos. Em A Teoria de Tudo, isso ganha foco enquanto o roteiro retrata a relação de Hawking (interpretado por Eddie Redmayne) com sua primeira esposa, Jane Wilde (Felicity Jones). No entanto, é uma pena que a produção seja do tipo que não se arrisca muito ao longo de sua narrativa, que se mostra um tanto óbvia e simplista, mal conseguindo criar conflitos convincentes para conduzir a trama. De qualquer forma, a história em si e o ótimo elenco ainda se revelam capazes de tornar o filme bom. Se Felicity Jones traz força e ternura a Jane, Eddie Redmayne é o destaque absoluto do projeto ao encarnar Hawking com uma atenção impressionante aos mínimos detalhes, desde as expressões faciais até a locomoção. Mas mesmo com essas qualidades, A Teoria de Tudo parece ter sido indicado ao Oscar mais por ter a cara da premiação, já que no geral fica longe de ser um dos melhores do ano.
 
Whiplash: Em Busca da Perfeição (Whiplash), de Damien Chazelle

Como comentei na crítica do filme (que pode ser lida aqui), o que o diretor Damien Chazelle faz em uma escola de música em Whiplash lembra o que Stanley Kubrick fez ao focar os militares em seu Nascido Para Matar. Trazendo o protagonista Andrew Neyman (Milles Teller) tendo que provar todo seu talento como baterista diante da mão de ferro de Terrence Fletcher (J.K. Simmons), professor responsável pela banda de jazz da escola, o filme cria um embate tenso e instigante, sendo que no processo o diretor faz um retrato quase brutal da paixão que seus personagens têm por aquilo que melhor sabem fazer. E se Milles Teller prova mais uma vez ser um dos grandes talentos que surgiram nos últimos anos, tornando Andrew uma figura cada vez mais forte e encarnando com segurança sua arrogância e determinação, J.K. Simmons faz por merecer seu favoritismo no Oscar de Melhor Ator Coadjuvante com uma atuação monstruosa como o manipulador Fletcher, exibindo uma intensidade assustadora e dominando a tela sempre que aparece. Com um clímax que conclui brilhantemente tudo o que acompanhamos na história, Whiplash é certamente um dos grandes destaques que o cinema independente americano apresentou nos últimos anos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O Destino de Júpiter

Desde que decepcionaram com o final de sua trilogia Matrix, os irmãos Andy e Lana Wachowski passaram a ser incrivelmente subestimados. Desde então, a dupla realizou os excelentes Speed Racer e A Viagem, obras que fazem jus a inventividade que os tornou famosos no início da carreira, mas que fracassaram diante do público e da maior parte da crítica quando lançados. Dito isso, eles voltam neste O Destino de Júpiter, cujos problemas o tornam um tanto irregular, mas isso não chega a impedi-lo de ser um entretenimento eficiente durante suas duas horas de duração.

Escrito pelos próprios Wachowski, O Destino de Júpiter nos apresenta a Júpiter Jones (Mila Kunis), que tem uma vida entediante trabalhando como faxineira para ajudar sua família. Mas quando o licomutante Caine Wise (Channing Tatum) chega a Terra e salva a garota de seres alienígenas que querem mata-la, ela descobre ser a herdeira do trono do planeta, algo cobiçado pela família Abrasax, formada pelos irmãos Balem (Eddie Redmayne), Kalique (Tuppence Middleton) e Titus (Douglas Booth), cada um tendo seu próprio interesse na herança. É então que Júpiter, ao lado de Caine, se vê no meio de um jogo de intrigas e poder que definirá o futuro da Terra, não sabendo exatamente em quem pode confiar.

O Destino de Júpiter conta com alguns elementos que os Wachowski já haviam trabalhado em suas obras anteriores, desde a pessoa que mudará o curso do universo (Matrix) até o conceito de os humanos serem usados como colheita (de novo Matrix), passando pela ação frenética (Speed Racer) e pela ideia da reencarnação (A Viagem). A diferença é que dessa vez esses elementos entram em uma história bem lugar-comum, sem dúvida a menos criativa que os irmãos cineastas já desenvolveram, ainda que o universo que eles concebam seja impressionante em seu visual e sua grandiosidade, num ótimo trabalho de design de produção. E se os diálogos expositivos incomodam um pouco mesmo sendo inevitáveis considerando tudo o que a trama tem que apresentar, até podem ser perdoados diante de alguns clichês batidos e que são difíceis de engolir, como quando vemos uma personagem tossir (sinal imediato de doença) ou o típico beijo que ocorre em meio ao caos.

Mas, mesmo com esses problemas, o filme ainda se mostra capaz de divertir, com os Wachowski comandando as várias cenas de ação com sua firmeza habitual, criando sequências empolgantes em sua energia, merecendo destaque aquela em que Júpiter e Caine são perseguidos por caçadores de recompensa pelos céus de Chicago. Além disso, a narrativa em si tem um tom leve e descontraído, aspecto que ajuda a torna-la cativante, o que chega ao ápice na cena divertidíssima em que Júpiter passa por uma grande burocracia para receber o título de sua herança, naquele que é o melhor momento do filme.

Enquanto isso, a bela Mila Kunis tem um bem-vindo carisma que faz de Júpiter uma figura interessante, característica que a atriz compartilha com Channing Tatum, que interpretando Caine se sai muito bem como herói de ação, e se o romance entre ele e Júpiter é suportável em seu desenvolvimento meio bobo é porque eles contam com intérpretes agradáveis. Já Sean Bean tem uma bela presença como Stinger Apingi, personagem que ajuda a dupla principal ao longo da história, ao passo que Eddie Redmayne merece créditos por seus esforços para dar a Balem um ar de superioridade e ameaça. Mas infelizmente tais atributos nunca se concretizam narrativamente, o que até se deve mais ao roteiro do que a própria composição do ator.

O Destino de Júpiter em determinados momentos dá a impressão de ser uma produção feita às pressas. Mas é uma obra que encontra em suas qualidades força o suficiente para compensar seus tropeços, representando um trabalho satisfatório na carreira de seus talentosos diretores.

Nota:

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Corações de Ferro

Depois de surpreender com o grande Marcados Para Morrer, o diretor-roteirista David Ayer decepcionou ao lançar o fraco Sabotagem, desperdiçando até uma boa atuação de Arnold Schwarzenegger numa trama de ação formuláica e pouco empolgante. Mas poucos meses após o lançamento do filme, Ayer lança este Corações de Ferro e mostra que sua maré baixa durou pouco tempo. Aqui, ele volta a fazer um trabalho brilhante, tratando os horrores da guerra de maneira brutal enquanto segue um grupo de soldados que encontram na companhia um do outro aquilo que os mantém seguros em seus postos.

Escrito pelo próprio David Ayer, Corações de Ferro se passa em abril de 1945, na reta final da Segunda Guerra Mundial, e acompanha o sargento Don “Wardaddy” Collier (Brad Pitt), que lidera os soldados do tanque Fury, grupo formado por Bible (Shia LaBeouf), Gordo (Michael Peña), Grady (Jon Bernthal) e o recém-chegado Norman (Logan Lerman), que parece estar longe de se acostumar com a ideia de estar no meio de toda a violência do conflito. Juntos, eles recebem missões cujo principal objetivo é ocupar a Alemanha e derrotar os nazistas, que se mantêm resistentes com seu poder bélico.

A partir disso, Ayer não poupa esforços para retratar a guerra com a crueza e o peso que ela tem por natureza, focando desde corpos esmagados se misturando com a lama dos campos de batalha até um tiro de tanque arrancando a cabeça de um soldado, sem falar nas pessoas inocentes que perdem a vida apenas por estarem no caminho dos batalhões. Assim, o diretor monta um relevante quadro antiguerra, já que ele claramente mostra o conflito como um desperdício de vida e que tira gradualmente a humanidade dos combatentes, que ainda acabam servindo como peões enquanto figuras superioras a eles ficam assistindo tudo dos bastidores.

Levando esses aspectos em conta, David Ayer acerta ao impor um tom melancólico que se faz presente durante a maior parte do tempo, detalhe que é ressaltado pela fotografia acinzentada de Roman Vasyanov e pela belíssima trilha de Steven Price. Enquanto isso, as intensas cenas de batalha tem uma lógica visual sempre muito clara, além de contarem com uma tensão impressionante, algo que se deve, principalmente, por o diretor conseguir fazer com que nos importemos com Wardaddy e seus comandados, que são desenvolvidos de forma mais aprofundada, não se definindo apenas por suas funções dentro da equipe como é comum em produções que seguem um grupo específico. Dessa maneira, Corações de Ferro não é interessante apenas ao se concentrar na barbárie da guerra, mas também ao focar a camaradagem e os conflitos existentes entre os personagens, sendo que a longa cena que se passa na casa de duas mulheres alemãs é excepcional ao explorar uma certa mágoa que eles têm por uma breve desunião.

É claro que nisso o ótimo elenco também merece créditos. Interpretando Wardaddy, o excelente Brad Pitt é quase uma figura paterna dentro da família que forma junto com seus comandados, papel que o próprio apelido do personagem já indica. Com o corpo marcado pela guerra, o sargento mostra que, na posição em que se encontra, a regra básica é matar ou ser morto, ideal que ele tenta passar para seus homens por querer que eles cheguem vivos ao final do conflito. No entanto, ainda que aparente ser um cara durão em meio a isso, na verdade trata-se de alguém que não aguenta mais estar ali vendo tantas vidas se perdendo, e as cenas em que ele se afasta do pelotão para respirar fundo e processar as tragédias que presencia são brilhantes pelo peso que transmitem.

Já Logan Lerman traz uma vulnerabilidade essencial a Norman, que é obrigado a se tornar um soldado mesmo que matar seja a última coisa que deseja fazer, mostrando logo de cara ser o membro mais humano do pelotão, e é exatamente por isso que seu arco dramático é o mais impactante. E se Shia LaBeouf encarna Bible com sensibilidade, sendo ele o responsável por manter seus companheiros focados quando estes perdem a cabeça por algum motivo, Michael Peña e Jon Bernthal se destacam como Gordo e Grady, este último um homem que já esqueceu qualquer senso de civilidade.

Deixando claro também que atos de covardia e piedade podem vir de qualquer lado da guerra e evitando uma visão ufanista, Corações de Ferro se estabelece desde já como um dos grandes destaques do ano, e não deixa de ser uma pena que tenha ficado de fora da temporada de premiações.

Nota: