É muito difícil que o Oscar
indique em sua categoria principal 5 a 10 filmes excepcionais. É um prêmio que
envolve muita campanha, alguns produtores poderosos e, muitas vezes, um pouco
de jogo sujo, o que constantemente favorece produções que não mereciam nem
figurar em listas de melhores do ano. Sendo assim, quando a Academia escolhe bons
filmes para representar o melhor que o cinema teve ao longo da temporada, isso
não deixa de ser um alívio, e de modo geral foi o que aconteceu em 2014 e agora
em 2015. Sim, há produções que não chegam aos pés de obras esnobadas como Garota Exemplar e O Abutre, mas isso é algo tão comum de ver acontecer que a única
coisa que resta fazer é aceitar. Dito isso, deixo aqui meus comentários sobre
cada um dos indicados a Melhor Filme no Oscar 2015.
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The
Unexpected Virtue of Ignorance)), de Alejandro González Iñárritu
Filmado de forma a simular um plano-sequência
de duas horas de duração (palmas para Alejandro González Iñarritu e sua equipe
pela proeza magnífica), Birdman é um
filme cuja precisão técnica é usada para contar a história de Riggan Thomson
(Michael Keaton), que depois de ficar famoso interpretando o super-herói
Birdman no cinema (assim como Keaton ficou com Batman) agora tenta resgatar a
carreira adaptando um texto de Raymond Carver para o teatro. Tendo isso como
base, o roteiro passa a tratar de maneira inspirada temas como aceitação e valores
dados a formas de arte, já que há obras que são consideradas menores apenas por
serem entretenimento ao invés de algo mais sério, como se não pudessem
funcionar do jeito que são (e nessa discussão a crítica rabugenta interpretada por Lindsay Duncan é fundamental). No centro disso, Michael Keaton tem uma atuação
fantástica encarnando Riggan, um sujeito essencialmente inseguro,
apesar de alguns delírios de grandeza, ao passo que Edward Norton e Emma Stone
brilham como o ator do método Mike Shiner e Sam, filha do protagonista,
personagens intrigantes por si só. Repleto de momentos divertidos, como quando
Riggan sai na rua apenas de cueca ou as manias de Mike Shiner de que tudo em
cena tem que ser real, Birdman é não
só um dos melhores filmes do Oscar, mas também um dos melhores do ano.
Boyhood: Da Infância a Juventude (Boyhood), de Richard Linklater
Gravar um filme durante vários
anos para mostrar o crescimento dos personagens da história (ou de pessoas
reais mesmo) é algo que não acontece o tempo todo no cinema. Talvez por ser uma
espécie de exercício de paciência para seus envolvidos, talvez por não ser
possível juntar uma equipe para filmar sempre que necessário. Mas nesse sentido
o talentoso Richard Linklater foi maravilhosamente bem sucedido em Boyhood. Ao explorar a evolução de um garoto,
Mason (Ellar Coltrane), assim como a de sua família, desde sua infância até a
juventude através de períodos específicos ao longo dos anos, Linklater criou um
trabalho que até pode soar simples, mas encontra nisso uma sensibilidade e
humanidade admiráveis, sendo que o público tem facilidade de se identificar com
o que ocorre na tela por se tratar de coisas do cotidiano. Boyhood se concentra um pouco mais em
momentos que podem ser considerados pequenos na vida de Mason (como o jogo de
beisebol ao qual ele vai com seu pai e sua irmã), mas que são tão essenciais à
formação do caráter do rapaz quanto àqueles mais importantes, e acompanhar ele passando
por tudo isso e o impacto que o tempo causa nele e nas pessoas ao seu redor é uma
experiência tocante, nostálgica e inesquecível.
O Grande Hotel
Budapeste (The Grand Budapest Hotel), de Wes Anderson
Seja pelo visual, pelos enquadramentos,
pelos movimentos de câmera, pelo elenco, pelo timing cômico ou pela
excentricidade em volta de tudo isso, O
Grande Hotel Budapeste é um trabalho no qual Wes Anderson se mostra mais
Wes Anderson do que nunca. E se isso já poderia ser o suficiente para tornar o
filme interessante, as coisas melhoram quando se constata que tudo está a serviço
de uma trama cativante, que ao se concentrar nas aventuras de Gustave H. (Ralph
Fiennes), concierge do hotel do
título, e do lobby boy Zero Moustafa
(interpretado por F. Murray Abraham na fase adulta e por Tony Revolori na juventude)
faz uma homenagem divertidíssima ao ato de contar histórias, desde a estrutura
do roteiro até os próprios narradores. Além disso, o elenco brilha
interpretando figuras típicas de um filme de Wes Anderson, merecendo destaque
absoluto a dinâmica entre o excepcional Ralph Fiennes como Gustave e o carismático
Tony Revolori como Zero, que não poderiam guiar o público de maneira melhor ao
longo da narrativa. Assim, O Grande
Hotel Budapeste se estabelece com facilidade como um dos melhores trabalhos
de seu diretor.
O Jogo da Imitação (The Imitation Game), de Morten Tyldum
Focando os esforços do matemático
Alan Turing (Benedict Cumberbatch) e sua equipe para decifrar as mensagens da
máquina Enigma, que os alemães usavam na Segunda Guerra Mundial, O Jogo da Imitação tem em mãos uma história
importante por natureza. Turing foi reconhecido como herói de guerra, o que
não o ajudou quando sua homossexualidade foi descoberta. Estruturado de forma
que sigamos o protagonista ainda jovem na escola, em 1927, intercaladamente com
a trama principal de seu desafio envolvendo a Enigma, em 1939, e os
interrogatórios dele na polícia, em 1951, o filme busca retratar a vida de
Turing da maneira mais completa possível, fazendo um bom trabalho nesse
sentido, e a montagem de William Goldenberg é admirável por conseguir criar uma
coesão entre as três linhas temporais. Interpretado pro Benedict Cumberbatch, Turing é alguém incrivelmente racional e que por isso encontra certa dificuldade em se
relacionar socialmente, o que rende momentos surpreendentemente divertidos,
mas que não o impedem de ser um personagem trágico e tocante,
detalhes que repercutem com mais força na cena em que sua amiga Joan Clarke (a
ótima Keira Knightley) fala das vidas que ele salvou. Dessa forma, O Jogo da Imitação se revela um filme
que consegue fazer jus à história de seu protagonista.
Selma: Uma Luta Pela Igualdade (Selma), de Ava DuVernay
Há pouco tempo nos Estados
Unidos, dois jovens negros foram mortos graças ao abuso de poder exibido por
policiais brancos, que agiram mais por conta de preconceito, sendo que não chegaram a sofrer as consequências pelos assassinatos que cometeram. Selma lembra casos como esses em
vários momentos, tendo em seu centro a luta de Martin Luther King (David
Oyelowo) e seus seguidores para conseguir o direito de voto para a população
negra americana na década de 1960, algo que não é nada fácil considerando o descaso de boa parte da sociedade
branca, além de não ganhar prioridade por parte do presidente Lyndon Johnson
(Tom Wilkinson), por mais importante do que aparente ser à primeira vista. Com
um período sombrio em mãos, a diretora Ava DuVernay dá aos eventos tratados
pelo roteiro o peso que eles merecem, sendo chocante acompanhar, por exemplo, a
brutalidade empregada pela polícia quando esta tenta reprimir os protestos da
população. Além disso, o filme encontra em David Oyelowo um de seus grandes
trunfos, já que ele encarna os maneirismos e força de Martin Luther King com segurança
em uma belíssima atuação. Selma até
pode se passar na década de 1960, mas considerando as coisas que retrata é
triste constatar que ele ainda seja bem atual.
Sniper Americano
(American Sniper), de Clint Eastwood:
Sniper Americano é ufanista e xenófobo, com os americanos sendo
vistos como grandes heróis enquanto que todos os iraquianos (todos mesmo) são tratados
como bandidos selvagens. Na verdade, uma de suas mensagens não deixa de ser “iraquiano
bom, é iraquiano morto”. Mas é curioso que mesmo assim esse novo filme de Clint
Eastwood ainda funcione bem. Sniper
Americano traz em seu centro o sniper Chris Kyle (Bradley Cooper, na melhor
atuação de sua carreira até agora), responsável pela morte de 160 pessoas
durante o tempo que serviu o exército americano na guerra. Com isso, ele é
chamado de “A Lenda” por seus companheiros, que exaltam seus atos sem
pestanejar. Kyle é retratado aqui como um homem que foi criado desde criança
para proteger as pessoas, usando isso para exercer sua função no exército sem nenhum remorso, não deixando de ser também uma figura facilmente manipulável,
mesmo quando adulto. Mas o filme ainda é muito envolvente, com Eastwood comandando brilhantemente as tensas
sequências de ação, além de mostrar eficientemente o peso que as mortes e a guerra em si
têm na existência do protagonista, sendo que nesse sentido o filme encontra
alguns ecos no excepcional Guerra ao
Terror, com ambas as produções se concentrando em personagens que encontram
dificuldades para voltar à vida normal depois do conflito, como se dependessem
do clima hostil para viverem. Assim, apesar das ideologias corrompidas que o
carregam, Sniper Americano se revela
o melhor trabalho de Clint Eastwood em muitos anos.
A Teoria de Tudo (The Theory of Everything), de James Marsh
A história de Stephen Hawking é inspiradora por natureza. Diagnosticado logo quando jovem, no início da década de 1960, com a terrível esclerose lateral amiotrófica, ele recebeu a notícia de que teria apenas mais dois anos de vida. Mas ele está vivo até hoje, sendo que a doença não o impediu de continuar suas pesquisas, casar duas vezes, ter filhos, netos e ser reconhecido no mundo todo por seus importantes trabalhos. Em A Teoria de Tudo, isso ganha foco enquanto o roteiro retrata a relação de Hawking (interpretado por Eddie Redmayne) com sua primeira esposa, Jane Wilde (Felicity Jones). No entanto, é uma pena que a produção seja do tipo que não se arrisca muito ao longo de sua narrativa, que se mostra um tanto óbvia e simplista, mal conseguindo criar conflitos convincentes para conduzir a trama. De qualquer forma, a história em si e o ótimo elenco ainda se revelam capazes de tornar o filme bom. Se Felicity Jones traz força e ternura a Jane, Eddie Redmayne é o destaque absoluto do projeto ao encarnar Hawking com uma atenção impressionante aos mínimos detalhes, desde as expressões faciais até a locomoção. Mas mesmo com essas qualidades, A Teoria de Tudo parece ter sido indicado ao Oscar mais por ter a cara da premiação, já que no geral fica longe de ser um dos melhores do ano.
A Teoria de Tudo (The Theory of Everything), de James Marsh
A história de Stephen Hawking é inspiradora por natureza. Diagnosticado logo quando jovem, no início da década de 1960, com a terrível esclerose lateral amiotrófica, ele recebeu a notícia de que teria apenas mais dois anos de vida. Mas ele está vivo até hoje, sendo que a doença não o impediu de continuar suas pesquisas, casar duas vezes, ter filhos, netos e ser reconhecido no mundo todo por seus importantes trabalhos. Em A Teoria de Tudo, isso ganha foco enquanto o roteiro retrata a relação de Hawking (interpretado por Eddie Redmayne) com sua primeira esposa, Jane Wilde (Felicity Jones). No entanto, é uma pena que a produção seja do tipo que não se arrisca muito ao longo de sua narrativa, que se mostra um tanto óbvia e simplista, mal conseguindo criar conflitos convincentes para conduzir a trama. De qualquer forma, a história em si e o ótimo elenco ainda se revelam capazes de tornar o filme bom. Se Felicity Jones traz força e ternura a Jane, Eddie Redmayne é o destaque absoluto do projeto ao encarnar Hawking com uma atenção impressionante aos mínimos detalhes, desde as expressões faciais até a locomoção. Mas mesmo com essas qualidades, A Teoria de Tudo parece ter sido indicado ao Oscar mais por ter a cara da premiação, já que no geral fica longe de ser um dos melhores do ano.
Whiplash: Em Busca da Perfeição (Whiplash), de Damien Chazelle
Como comentei na crítica do filme
(que pode ser lida aqui), o que o diretor Damien Chazelle faz em uma escola de
música em Whiplash lembra o que
Stanley Kubrick fez ao focar os militares em seu Nascido Para Matar. Trazendo o protagonista Andrew Neyman (Milles
Teller) tendo que provar todo seu talento como baterista diante da mão de ferro
de Terrence Fletcher (J.K. Simmons), professor responsável pela banda de jazz
da escola, o filme cria um embate tenso e instigante, sendo que no processo o
diretor faz um retrato quase brutal da paixão que seus personagens têm por
aquilo que melhor sabem fazer. E se Milles Teller prova mais uma vez ser um dos
grandes talentos que surgiram nos últimos anos, tornando Andrew uma figura cada
vez mais forte e encarnando com segurança sua arrogância e determinação, J.K.
Simmons faz por merecer seu favoritismo no Oscar de Melhor Ator Coadjuvante com
uma atuação monstruosa como o manipulador Fletcher, exibindo uma intensidade
assustadora e dominando a tela sempre que aparece. Com um clímax que conclui brilhantemente
tudo o que acompanhamos na história, Whiplash
é certamente um dos grandes destaques que o cinema independente americano apresentou
nos últimos anos.
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