terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Os Indicados a Melhor Filme no Oscar 2015



É muito difícil que o Oscar indique em sua categoria principal 5 a 10 filmes excepcionais. É um prêmio que envolve muita campanha, alguns produtores poderosos e, muitas vezes, um pouco de jogo sujo, o que constantemente favorece produções que não mereciam nem figurar em listas de melhores do ano. Sendo assim, quando a Academia escolhe bons filmes para representar o melhor que o cinema teve ao longo da temporada, isso não deixa de ser um alívio, e de modo geral foi o que aconteceu em 2014 e agora em 2015. Sim, há produções que não chegam aos pés de obras esnobadas como Garota Exemplar e O Abutre, mas isso é algo tão comum de ver acontecer que a única coisa que resta fazer é aceitar. Dito isso, deixo aqui meus comentários sobre cada um dos indicados a Melhor Filme no Oscar 2015.

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)), de Alejandro González Iñárritu

Filmado de forma a simular um plano-sequência de duas horas de duração (palmas para Alejandro González Iñarritu e sua equipe pela proeza magnífica), Birdman é um filme cuja precisão técnica é usada para contar a história de Riggan Thomson (Michael Keaton), que depois de ficar famoso interpretando o super-herói Birdman no cinema (assim como Keaton ficou com Batman) agora tenta resgatar a carreira adaptando um texto de Raymond Carver para o teatro. Tendo isso como base, o roteiro passa a tratar de maneira inspirada temas como aceitação e valores dados a formas de arte, já que há obras que são consideradas menores apenas por serem entretenimento ao invés de algo mais sério, como se não pudessem funcionar do jeito que são (e nessa discussão a crítica rabugenta interpretada por Lindsay Duncan é fundamental). No centro disso, Michael Keaton tem uma atuação fantástica encarnando Riggan, um sujeito essencialmente inseguro, apesar de alguns delírios de grandeza, ao passo que Edward Norton e Emma Stone brilham como o ator do método Mike Shiner e Sam, filha do protagonista, personagens intrigantes por si só. Repleto de momentos divertidos, como quando Riggan sai na rua apenas de cueca ou as manias de Mike Shiner de que tudo em cena tem que ser real, Birdman é não só um dos melhores filmes do Oscar, mas também um dos melhores do ano.

Boyhood: Da Infância a Juventude (Boyhood), de Richard Linklater

Gravar um filme durante vários anos para mostrar o crescimento dos personagens da história (ou de pessoas reais mesmo) é algo que não acontece o tempo todo no cinema. Talvez por ser uma espécie de exercício de paciência para seus envolvidos, talvez por não ser possível juntar uma equipe para filmar sempre que necessário. Mas nesse sentido o talentoso Richard Linklater foi maravilhosamente bem sucedido em Boyhood. Ao explorar a evolução de um garoto, Mason (Ellar Coltrane), assim como a de sua família, desde sua infância até a juventude através de períodos específicos ao longo dos anos, Linklater criou um trabalho que até pode soar simples, mas encontra nisso uma sensibilidade e humanidade admiráveis, sendo que o público tem facilidade de se identificar com o que ocorre na tela por se tratar de coisas do cotidiano. Boyhood se concentra um pouco mais em momentos que podem ser considerados pequenos na vida de Mason (como o jogo de beisebol ao qual ele vai com seu pai e sua irmã), mas que são tão essenciais à formação do caráter do rapaz quanto àqueles mais importantes, e acompanhar ele passando por tudo isso e o impacto que o tempo causa nele e nas pessoas ao seu redor é uma experiência tocante, nostálgica e inesquecível.

O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel), de Wes Anderson

Seja pelo visual, pelos enquadramentos, pelos movimentos de câmera, pelo elenco, pelo timing cômico ou pela excentricidade em volta de tudo isso, O Grande Hotel Budapeste é um trabalho no qual Wes Anderson se mostra mais Wes Anderson do que nunca. E se isso já poderia ser o suficiente para tornar o filme interessante, as coisas melhoram quando se constata que tudo está a serviço de uma trama cativante, que ao se concentrar nas aventuras de Gustave H. (Ralph Fiennes), concierge do hotel do título, e do lobby boy Zero Moustafa (interpretado por F. Murray Abraham na fase adulta e por Tony Revolori na juventude) faz uma homenagem divertidíssima ao ato de contar histórias, desde a estrutura do roteiro até os próprios narradores. Além disso, o elenco brilha interpretando figuras típicas de um filme de Wes Anderson, merecendo destaque absoluto a dinâmica entre o excepcional Ralph Fiennes como Gustave e o carismático Tony Revolori como Zero, que não poderiam guiar o público de maneira melhor ao longo da narrativa. Assim, O Grande Hotel Budapeste se estabelece com facilidade como um dos melhores trabalhos de seu diretor.

O Jogo da Imitação (The Imitation Game), de Morten Tyldum

Focando os esforços do matemático Alan Turing (Benedict Cumberbatch) e sua equipe para decifrar as mensagens da máquina Enigma, que os alemães usavam na Segunda Guerra Mundial, O Jogo da Imitação tem em mãos uma história importante por natureza. Turing foi reconhecido como herói de guerra, o que não o ajudou quando sua homossexualidade foi descoberta. Estruturado de forma que sigamos o protagonista ainda jovem na escola, em 1927, intercaladamente com a trama principal de seu desafio envolvendo a Enigma, em 1939, e os interrogatórios dele na polícia, em 1951, o filme busca retratar a vida de Turing da maneira mais completa possível, fazendo um bom trabalho nesse sentido, e a montagem de William Goldenberg é admirável por conseguir criar uma coesão entre as três linhas temporais. Interpretado pro Benedict Cumberbatch, Turing é alguém incrivelmente racional e que por isso encontra certa dificuldade em se relacionar socialmente, o que rende momentos surpreendentemente divertidos, mas que não o impedem de ser um personagem trágico e tocante, detalhes que repercutem com mais força na cena em que sua amiga Joan Clarke (a ótima Keira Knightley) fala das vidas que ele salvou. Dessa forma, O Jogo da Imitação se revela um filme que consegue fazer jus à história de seu protagonista.

Selma: Uma Luta Pela Igualdade (Selma), de Ava DuVernay

Há pouco tempo nos Estados Unidos, dois jovens negros foram mortos graças ao abuso de poder exibido por policiais brancos, que agiram mais por conta de preconceito, sendo que não chegaram a sofrer as consequências pelos assassinatos que cometeram. Selma lembra casos como esses em vários momentos, tendo em seu centro a luta de Martin Luther King (David Oyelowo) e seus seguidores para conseguir o direito de voto para a população negra americana na década de 1960, algo que não é nada fácil considerando o descaso de boa parte da sociedade branca, além de não ganhar prioridade por parte do presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson), por mais importante do que aparente ser à primeira vista. Com um período sombrio em mãos, a diretora Ava DuVernay dá aos eventos tratados pelo roteiro o peso que eles merecem, sendo chocante acompanhar, por exemplo, a brutalidade empregada pela polícia quando esta tenta reprimir os protestos da população. Além disso, o filme encontra em David Oyelowo um de seus grandes trunfos, já que ele encarna os maneirismos e força de Martin Luther King com segurança em uma belíssima atuação. Selma até pode se passar na década de 1960, mas considerando as coisas que retrata é triste constatar que ele ainda seja bem atual.

Sniper Americano (American Sniper), de Clint Eastwood:

Sniper Americano é ufanista e xenófobo, com os americanos sendo vistos como grandes heróis enquanto que todos os iraquianos (todos mesmo) são tratados como bandidos selvagens. Na verdade, uma de suas mensagens não deixa de ser “iraquiano bom, é iraquiano morto”. Mas é curioso que mesmo assim esse novo filme de Clint Eastwood ainda funcione bem. Sniper Americano traz em seu centro o sniper Chris Kyle (Bradley Cooper, na melhor atuação de sua carreira até agora), responsável pela morte de 160 pessoas durante o tempo que serviu o exército americano na guerra. Com isso, ele é chamado de “A Lenda” por seus companheiros, que exaltam seus atos sem pestanejar. Kyle é retratado aqui como um homem que foi criado desde criança para proteger as pessoas, usando isso para exercer sua função no exército sem nenhum remorso, não deixando de ser também uma figura facilmente manipulável, mesmo quando adulto. Mas o filme ainda é muito envolvente, com Eastwood comandando brilhantemente as tensas sequências de ação, além de mostrar eficientemente o peso que as mortes e a guerra em si têm na existência do protagonista, sendo que nesse sentido o filme encontra alguns ecos no excepcional Guerra ao Terror, com ambas as produções se concentrando em personagens que encontram dificuldades para voltar à vida normal depois do conflito, como se dependessem do clima hostil para viverem. Assim, apesar das ideologias corrompidas que o carregam, Sniper Americano se revela o melhor trabalho de Clint Eastwood em muitos anos.

A Teoria de Tudo (The Theory of Everything), de James Marsh

A história de Stephen Hawking é inspiradora por natureza. Diagnosticado logo quando jovem, no início da década de 1960, com a terrível esclerose lateral amiotrófica, ele recebeu a notícia de que teria apenas mais dois anos de vida. Mas ele está vivo até hoje, sendo que a doença não o impediu de continuar suas pesquisas, casar duas vezes, ter filhos, netos e ser reconhecido no mundo todo por seus importantes trabalhos. Em A Teoria de Tudo, isso ganha foco enquanto o roteiro retrata a relação de Hawking (interpretado por Eddie Redmayne) com sua primeira esposa, Jane Wilde (Felicity Jones). No entanto, é uma pena que a produção seja do tipo que não se arrisca muito ao longo de sua narrativa, que se mostra um tanto óbvia e simplista, mal conseguindo criar conflitos convincentes para conduzir a trama. De qualquer forma, a história em si e o ótimo elenco ainda se revelam capazes de tornar o filme bom. Se Felicity Jones traz força e ternura a Jane, Eddie Redmayne é o destaque absoluto do projeto ao encarnar Hawking com uma atenção impressionante aos mínimos detalhes, desde as expressões faciais até a locomoção. Mas mesmo com essas qualidades, A Teoria de Tudo parece ter sido indicado ao Oscar mais por ter a cara da premiação, já que no geral fica longe de ser um dos melhores do ano.
 
Whiplash: Em Busca da Perfeição (Whiplash), de Damien Chazelle

Como comentei na crítica do filme (que pode ser lida aqui), o que o diretor Damien Chazelle faz em uma escola de música em Whiplash lembra o que Stanley Kubrick fez ao focar os militares em seu Nascido Para Matar. Trazendo o protagonista Andrew Neyman (Milles Teller) tendo que provar todo seu talento como baterista diante da mão de ferro de Terrence Fletcher (J.K. Simmons), professor responsável pela banda de jazz da escola, o filme cria um embate tenso e instigante, sendo que no processo o diretor faz um retrato quase brutal da paixão que seus personagens têm por aquilo que melhor sabem fazer. E se Milles Teller prova mais uma vez ser um dos grandes talentos que surgiram nos últimos anos, tornando Andrew uma figura cada vez mais forte e encarnando com segurança sua arrogância e determinação, J.K. Simmons faz por merecer seu favoritismo no Oscar de Melhor Ator Coadjuvante com uma atuação monstruosa como o manipulador Fletcher, exibindo uma intensidade assustadora e dominando a tela sempre que aparece. Com um clímax que conclui brilhantemente tudo o que acompanhamos na história, Whiplash é certamente um dos grandes destaques que o cinema independente americano apresentou nos últimos anos.

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