domingo, 30 de março de 2014

Veronica Mars: O Filme

Veronica Mars é considerada por muitos fãs como uma daquelas séries de TV injustiçadas por terem sido canceladas prematuramente. No caso dela, teve apenas três temporadas, entre 2003 e 2007. Mas, no ano passado, através do site de crowdfunding Kickstarter, o público teve a chance única de ajudar a financiar o projeto de um filme que daria continuidade a história vista na televisão. E o resultado pode não ser excelente, mas ao menos mostra ser uma produção satisfatória.

Escrito pelo criador da série, Rob Thomas (que também assina a direção), em parceria com Diane Ruggiero, Veronica Mars traz a personagem-título (Kristen Bell) morando em Nova York com o namorado Piz (Chris Lowell) e tentando um emprego de advogada em uma grande firma, algo diferente de seu passado como detetive particular. Mas seu ex-namorado, Logan Echolls (Jason Dohring), se torna o principal suspeito de ter assassinado a estrela Bonnie DeVille (Andrea Estella), antes conhecida como a colega deles Carrie Bishop. Isso motiva Veronica a voltar à cidade de Neptune nove anos após sua partida para ajudar a descobrir quem está por trás do crime.
É difícil um filme que busca continuar a história de uma série de TV conseguir funcionar totalmente independente de seu material original. Não é à toa que Rob Thomas inclui logo de cara uma pequena sequência introdutória que tenta explicar (ainda que superficialmente) quem é a protagonista, o quê a levou a ser uma investigadora e qual sua relação com outros personagens. E mesmo que isso eventualmente ajude ao longo do filme, é difícil não se sentir um pouco perdido em determinados momentos, principalmente nos minutos iniciais.
Mas, depois que os principais elementos da história são apresentados e Veronica inicia suas investigações, a ação engrena e fica interessante, mesmo com o fato da protagonista ser obrigada a retomar suas atividades do passado e reencontrar velhos conhecidos não seja algo muito original. O roteiro faz a trama desenrolar com naturalidade, e como ocorre em boa parte das produções de thrillers policiais, qualquer pista pode ajudar na resolução do caso, por mais boba que seja (aqui até um vídeo cômico de um ator famoso acaba sendo útil). Além disso, Rob Thomas é hábil ao trazer um ritmo envolvente ao filme, sendo ajudado nesse quesito pela montagem de Daniel Gabbe, enquanto o tom de mistério é bem ressaltado pela bela fotografia de Ben Kutchins.
De qualquer forma, é mesmo com a ótima personagem-título que o filme chama a atenção. Nas mãos da bela e carismática Kristen Bell, Veronica Mars demonstra ser uma garota inteligente, de grande determinação e personalidade forte, sendo uma protagonista perfeita para esse tipo de história. Já o resto do elenco se revela eficiente em seus respectivos papeis, tendo personagens com os quais conseguimos simpatizar, se destacando Jason Dohring e Enrico Colantoni, este como o pai da protagonista. Para completar, algumas participações especiais que surgem ao longo da trama ajudam a torna-la um pouco mais interessante.
No entanto, vale dizer que o filme tem problemas com as subtramas envolvendo Veronica, como a de seu emprego em Nova York e o relacionamento com Piz, que são desenvolvidas de um jeito previsível. O roteiro também falha ao incluir, a partir de determinado momento, outro caso envolvendo um amigo da protagonista, o que em nada contribui com o enredo principal e fica mal resolvido no final. Como se não bastasse, vemos a investigação de Veronica culminar em um momento no qual o culpado conta tudo o que fez, algo que ocorre de maneira muito expositiva e clichê.
Apesar de certamente funcionar melhor com quem viu a série original, Veronica Mars é um filme bom o bastante para que iniciantes nesse universo queiram conferir outras aventuras de sua ótima protagonista. E nesse caso, as três temporadas da série não poderiam ser mais apropriadas.
Nota:

sábado, 29 de março de 2014

O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias

Em 2006, o talentoso diretor Cao Hamburger partiu de um ponto de vista curioso para mostrar a época da Ditadura Militar no Brasil em O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, seu primeiro filme desde o sucesso infantil Castelo Rá-Tim-Bum. Tendo uma criança como protagonista, o longa retratava aqueles anos através de uma visão mais ingênua, e que por isso mesmo se revelava tão interessante. O resultado é um belo filme, e não é difícil entender o porquê dele ter sido selecionado para tentar uma vaga para o Brasil na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2008.

Com roteiro escrito por Hamburger, Claudio Galperin, Bráulio Mantovani e Anna Muylaert, a partir de um argumento concebido pelo diretor em parceria com Galperin, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias se passa em 1970 e nos apresenta a Mauro (Michel Joelsas), menino de 12 anos que é levado de Belo Horizonte por seus pais, Bia e Daniel (Simone Spoladore e Eduardo Moreira, respectivamente), até a casa de seu avô, Mótel (Paulo Autran), em São Paulo. O motivo da mudança é que os dois são ativistas políticos e precisam “tirar umas férias” (leia-se: tentar fugir da repressão da ditadura). No entanto, Mótel morre no mesmo dia da chegada de Mauro, deixando o garoto desamparado, além de totalmente alheio à fase que o Brasil está passando. Ele acaba sob os cuidados de Shlomo (Germano Haiut), um velho judeu solitário e rabugento que não sabe bem o que fazer com o garoto, que espera ansiosamente pela Copa do Mundo, não só por adorar futebol, mas também por esta ser a época na qual seus pais lhe prometeram que voltariam.
A inocência de Mauro diante de tudo o que acontece ao seu redor é tocante de se ver ao longo do filme, tratada sempre com sensibilidade pelo diretor. Afinal, enquanto várias pessoas “tiram férias” diante da atual situação do país, ele está preocupado com coisas típicas de qualquer criança, como fazer um gol no jogo de botão, ver o jogo da seleção na Copa ou não ser reprovado na escola, sem ideia de que eventos muito maiores estão acontecendo. Em determinados momentos o roteiro traz toques de humor que são inseridos organicamente na narrativa e ajudam até a descontrair um pouco, como quando o protagonista e seus amigos tentam ver mulheres trocando de roupa na loja da mãe de Hanna (a adorável Daniela Piepszyk).
Mas por mais infantil que seja a visão do garoto (e não poderia ser diferente, é claro), Cao Hamburger não tenta amenizar de alguma forma o peso daquela época, trazendo um ar melancólico apropriado à história que está contando. Para isso, o diretor conta com a ajuda da excepcional fotografia de Adriano Goldman e do design de produção de Cassio Amarante, que investem em uma paleta dominada por cores de tom pastel, tirando muito da vida existente naquele cenário.
Enquanto isso, o jovem Michel Joelsas interpreta Mauro com uma delicadeza surpreendente, encarnando eficientemente a ingenuidade do personagem e sua tristeza por não ter os pais por perto. E se Germano Haiut brilha como Shlomo, que apesar de rabugento mostra uma bela determinação em ajudar o protagonista, Paulo Altran tem praticamente uma ponta no papel de Mótel, mas ainda assim marcante, ao passo que Simone Spoladore e Eduardo Moreira têm atuações tocantes como os pais de Mauro (a cena logo no início, na qual se despedem do filho, é uma das mais tristes do enredo). Já atores como Caio Blat e Liliana Castro surgem carismáticos, sendo presenças sempre bem-vindas.
Isso tudo não quer dizer que o filme não tenha problemas em alguns aspectos. Por exemplo, a relação de Mauro com Shlomo é desenvolvida de maneira previsível, e a narrativa, em alguns momentos, não deixa de ser um pouco episódica. Ainda assim, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias compensa todos esses delizes com um retrato triste e relevante de um período que marcou a história do país.
Nota:

sexta-feira, 28 de março de 2014

Rio 2

Depois do sucesso que Rio alcançou em 2011, era apenas uma questão de tempo até termos uma continuação. E ela chega agora, trazendo seus personagens em uma nova aventura. Mas dessa vez o Rio de Janeiro dá espaço para a Amazônia, que serve como palco principal para a animação. No entanto, enquanto o primeiro conseguia divertir com as figuras que desfilavam pela tela mesmo não tendo muita originalidade, esta sequência conta com alguns dos mesmos problemas vistos lá e ainda se revela pouco inspirada.

Escrito pelo diretor Carlos Saldanha em parceria com Don Rhymer, Rio 2 mostra que Blu (Jesse Eisenberg) e Jade (Anne Hathaway) continuam felizes no Rio de Janeiro, agora com seus três filhotes, Carla (Rachel Crow), Bia (Amandla Stenberg) e Tiago (Pierce Gagnon). É quando a Linda (Leslie Mann) e seu agora marido Tulio (Rodrigo Santoro) descobrem que existe a possibilidade de haver outras araras azuis na Amazônia, fazendo todos saírem numa viagem até lá. Eles acabam encontrando a família de Jade, inclusive o pai dela, Eduardo (Andy Garcia), que não vê Blu com bons olhos. Mas o local está ameaçado, já que o dono de uma madeireira está desmatando as florestas. Ao mesmo tempo, o antigo vilão Nigel (Jemaine Clement) planeja uma vingança contra Blu com a ajuda da rã Gabi (Kristin Chenoweth) e do tamanduá Carlitos.

Ao longo do filme, Carlos Saldanha aposta bastante em planos gerais que contemplam os belos lugares por onde os personagens passam. Nesse quesito, aliás, a sequência em que Blu e os outros estão indo para a Amazônia chama a atenção, já que no caminho eles passam por cidades como Brasília e Salvador. E a mensagem ambiental do filme, que chama atenção para os desmatamentos na floresta amazônica, não deixa de ser relevante mesmo sendo passada de maneira muito superficial pelo roteiro.

Mas essas virtudes, somada ao carisma dos personagens principais, não são o bastante para compensar uma série de problemas graves que impedem o filme de ser uma animação interessante. A relação entre Blu, Jade e Eduardo tem um desenrolar formuláico, clichê e, consequentemente, previsível, lembrando muito filmes como Entrando Numa Fria. Já os números musicais não empolgam tanto quanto poderiam, além de não terem canções das mais cativantes e na maioria das vezes interromperem o desenvolvimento da história, ao contrário do que ocorre, por exemplo, em Frozen, onde tudo é aproveitado a favor da narrativa. 

Enquanto isso, a subtrama da vingança de Nigel fica bastante perdida em meio aos vilões responsáveis pelos desmatamentos, o que até faz o personagem ser um tanto descartável. E se os novos personagens aos quais somos apresentados são bem estereotipados, desde os filhotes do casal principal até os capangas de Nigel, as gags incluídas pelo roteiro se revelam muito bobas na maioria das vezes. A exceção nesse caso fica por conta da sequência onde os pássaros sambistas Pedro (Will i Am) e Nico (Jamie Foxx) promovem testes para sua escola de samba, que rende ótimos momentos de humor negro, nos fazendo relevar um pouco o fato de não acrescentar absolutamente nada a história, servindo mais para que os dois alívios cômicos da produção tenham algo para fazer.

Assim, Rio 2 acaba sendo uma animação nada memorável e que, infelizmente, desperdiça seus adoráveis personagens.

quinta-feira, 27 de março de 2014

O Gângster


Ridley Scott é um diretor cuja carreira é cheia de altos e baixos. Aliás, olhando sua filmografia, é triste constatar que ele vem mais decepcionando do que criando obras realmente interessantes, e filmes como os recentes Prometheus e O Conselheiro do Crime comprovam isso, sendo produções que vão de razoável para menos. No entanto, Scott ainda é capaz de realizar trabalhos que façam jus ao início de sua carreira, quando dirigiu títulos como Alien: O Oitavo Passageiro e Blade Runner: O Caçador de Andróides. O Gângster é uma prova disso, sendo indubitavelmente o melhor filme que o cineasta fez nos últimos anos.

Com roteiro escrito por Steven Zaillian, baseado em um artigo de Mark Jacobson, O Gângster traz um arco dramático clássico de ascensão, apogeu e queda, contando a história real de Frank Lucas (Denzel Washington), que após a morte de seu chefe e mentor Bumpy Johnson (Clarence Williams III) se tornou um nome forte do crime na Nova York dos anos 1970. Lucas montou um império trazendo a “Magia Azul”, uma nova e poderosa heroína, para os Estados Unidos, usando aviões que vinham do Vietnã. Ao mesmo tempo, acompanhamos o policial Richie Roberts (Russell Crowe), que lidera uma equipe de colegas honestos como ele em uma tentativa de terminar com a circulação da droga.
Intercalando as trajetórias de seus dois personagens principais, Ridley Scott é hábil ao criar um belo contraponto entre eles. Se Frank ganha cada vez mais respeito de outras figuras poderosas e cresce nos negócios, além de valorizar sua família, Richie tem uma vida complicada, sendo um policial incorruptível (em determinado momento, recusa uma bela quantia em dinheiro que achou durante uma de suas investigações, o que vira uma espécie de piada no filme) e, por isso, nada confiável perante boa parte de seus colegas. Além disso, ainda luta com a ex-esposa Laurie (Carla Gugino) pela guarda do filho. O design de produção também contribui muito para este contraste, tornando a casa de Frank um lugar bastante harmonioso, enquanto Richie fica em um lugar precário e bagunçado, refletindo o fato dele ligar mais para o próprio trabalho do que para o modo como leva sua vida.
Mas é mesmo com Frank que O Gângster acaba prendendo a atenção, já que o sujeito se revela absolutamente fascinante, sendo o tipo de personagem com o qual simpatizamos mesmo com todos os crimes que comete. Isso que estamos falando de um cara que mata um desafeto a sangue frio no meio da rua, diante de várias pessoas. De certa forma, acabamos virando cúmplices dos seus atos, e até por isso lamentamos quando ele faz algo que vai contra seus princípios e dá início a sua queda. Mas em momento algum o roteiro tenta redimir os atos do protagonista, chegando ao ponto de trazer uma sequência que mostra o estrago que a “Magia Azul” vem causando em seus usuários, enquanto ele está com a família aproveitando tranquilamente o Dia de Ação de Graças.
É claro que boa parte do envolvimento do público com Frank se deve a estupenda atuação de Denzel Washington. Fazendo do personagem uma figura elegante e carismática, mas fria sempre que isso se mostra necessário, Washington tem uma composição que torna Frank um tipo bastante complexo (como ele ficou de fora do Oscar daquele ano é difícil de compreender). Enquanto isso, Russell Crowe encarna a integridade de Richie Roberts com propriedade, mas há de se ressaltar que enquanto que a investigação que faz com sua equipe é muito interessante, o mesmo não pode ser dito sobre a subtrama familiar dele, pois se afasta demais do enredo principal e é resolvida de um jeito simplista. Já o resto do elenco se revela bastante competente, com destaques a Josh Brolin (que na época estava começando a se tornar um ator requisitado) como o corrupto detetive Trupo, Chiwetel Ejiofor como o irmão de Frank, e Ruby Dee como Mama Lucas, que protagoniza ao lado de Denzel Washington uma das melhores cenas do filme, quando ela faz com que o filho mude de ideia quanto a matar alguém.
Envolvente ao longo de suas quase três horas de duração (isso se formos assistir a versão do diretor, já que a do cinema tem quase 30 minutos a menos), O Gângster é o tipo de filme que qualquer admirador de Ridley Scott gosta de ver o diretor fazendo. E esperemos que ele volte logo a lançar obras desse nível.
Nota:

segunda-feira, 24 de março de 2014

Toque de Mestre

Ao longo de Toque de Mestre é impossível não lembrar de Por Um Fio, thriller estrelado por Colin Farrell. Ambos os filmes contam com protagonistas que são obrigados a se manter reclusos em uma área específica, enquanto cumprem ordens de um vilão que tem uma arma apontada para eles, ameaçando-os de matá-los caso cometam qualquer erro. No entanto, se o longa dirigido por Joel Schumacher conseguia ser tenso e instigante do início ao fim, esta nova produção que conta com Elijah Wood à frente do elenco infelizmente possui problemas que a impedem de ser eficiente dentro do que se propõe.

Escrito por Damien Chazelle, Toque de Mestre traz Wood no papel do pianista Tom Selznick, que ficou vários anos fora da ativa devido a um medo de palco que resultou em uma crise durante uma apresentação. Mas agora, com o apoio da esposa Emma (Kerry Bishé), ele finalmente está prestes a retornar em um concerto feito em homenagem a seu falecido mentor Patrick Godureaux, e que será conduzido por seu amigo William Reisinger (Don McManus). Tudo transcorre perfeitamente até que ao checar as partituras, Tom vê um aviso de que ele morrerá caso toque uma nota errada. Começa então um inferno do qual o rapaz se esforça para escapar vivo durante a apresentação, sendo que a única pessoa com quem ele pode se comunicar é o próprio vilão Clem (John Cusack), que cuida tudo o que ele faz no palco.

Tal inferno é conduzido um tanto artificialmente pelo diretor Eugenio Mira, que investe muito em uma série de travellings em volta de Tom e dos outros artistas no palco como forma de ressaltar a tensão daquele momento. Mas esses movimentos de câmera mais chamam a atenção para o diretor do que propriamente funcionam a favor da história. O filme até tem boas sequências, como quando Tom precisa dar um jeito de escrever rapidamente uma partitura, mas cenas assim aparecem muito pouco ao longo da história, o que é lamentável considerando que um de seus principais objetivos é manter o espectador inquieto na cadeira do cinema. Além disso, o cineasta aposta muitas vezes na obviedade, como o plano-detalhe em uma foto que estabelece a relação de Tom e Patrick Godureaux ou a mudança abrupta na iluminação quando o protagonista ouve o nome da “La Cinquette”, composição famosa do mentor e que ele estava tocando quando teve sua crise.

Elijah Wood se esforça para segurar o filme, e até que é bem sucedido ao tornar Tom uma figura vulnerável, além de ter um bem-vindo carisma. Mas vale dizer que em alguns momentos o personagem mostra ser incrivelmente multifacetado, como na cena ele ao mesmo tempo toca piano, fala com o vilão e manda uma mensagem de texto no celular, ainda que este esteja (acreditem) embaixo das páginas das partituras, em um momento surreal e involuntariamente hilário do filme. Já John Cusack tem a árdua tarefa de fazer com que Clem seja ameaçador tendo na maior parte do tempo apenas sua voz como recurso para isso. Mas o próprio personagem se revela pouco interessante, tendo motivações bobas e batidas.

Com um terceiro ato particularmente fraco, que faz uma frase que o protagonista ouve várias vezes se tornar realidade de maneira estúpida, além de deixar um mistério nada relevante no final, Toque de Mestre até poderia ter rendido um bom filme, mas acaba sendo apenas uma versão genérica – e piorada – de diversas outras produções similares.

Nota:

quinta-feira, 20 de março de 2014

Monstros

Com orçamento na casa dos 500 mil dólares, número que fica muito longe até mesmo daquilo que é gasto em projetos considerados de baixo custo em Hollywood, Monstros é uma prova de que é possível fazer um belo filme de monstro tendo em mãos uma produção bastante modesta. Na verdade, esta estreia do britânico Gareth Edwards como diretor não faz feio se comparada a obras recentes como Cloverfield, o que torna ainda mais surpreendente que tão pouco dinheiro tenha sido gasto em sua realização.

Escrito pelo próprio Gareth Edwards, Monstros se passa seis anos após a NASA ter confirmado a possibilidade de haver vida extraterrestre. Pouco tempo depois disso, uma área no México foi classificada como “zona infectada”, já que vários seres alienígenas começaram a aparecer por ali, e tantos os americanos quanto os mexicanos estão fazendo de tudo para contê-los. Nesse contexto, o fotógrafo Andrew Kaulder (Scoot McNairy) vai até o México a pedido de seu chefe, com a tarefa de encontrar a filha dele, Samantha (Whitney Able), e trazê-la a salvo para casa. No entanto, a viagem se revela mais longa do que eles esperavam.
Algo que chama a atenção no que Gareth Edwards faz em Monstros é o fato de não haver grande pânico nas ruas como é normal de se ver nesse tipo de filme. Aqui, as pessoas aparecem tentando viver suas vidas normalmente, mesmo sabendo que alienígenas estão por perto. Aliás, o fato do roteiro contar com o retorno dos protagonistas para casa como fio condutor da narrativa e colocar uma série de obstáculos no caminho deles acaba sendo uma ótima maneira de desenvolver o ambiente no qual a história acontece. Assim, Andrew e Sam são obrigados a passar por vários lugares na tentativa de cumprir seu objetivo.
Ao mesmo tempo, o diretor constrói um ótimo clima de desconforto em cima dos contratempos que os personagens encontram. O curioso é que ele alcança isso quase sem mostrar as criaturas, usando com inteligência o detalhe de todos saberem que eles podem surgir a qualquer momento. No entanto, quando os alienígenas dão as caras, o resultado são cenas incrivelmente tensas, como o ataque a um grupo de soldados logo no início da trama, ou a sequência no terceiro ato que se passa em um posto de gasolina. E apesar de os efeitos visuais criados pelo próprio Edwards para a concepção das criaturas serem um tanto baratos, ao menos o diretor faz com que esse quesito funcione na maior parte do tempo, o que se deve também ao fato dele filmar geralmente à noite, disfarçando sua ocasional artificialidade.
No entanto, talvez o filme não tivesse tanto impacto caso seus protagonistas não fossem figuras com as quais pudéssemos nos identificar. Por sorte, Gareth Edwards dedica boa parte do roteiro desenvolvendo Andrew e Sam, cada um dono de dramas pessoais com os quais conseguimos simpatizar, o que nos faz torcer para que cheguem vivos em casa. Scoot McNairy e Whitney Able se revelam boas surpresas, trazendo peso dramático para os personagens e tendo uma ótima química em cena.
Com o sucesso alcançado em Monstros, Gareth Edwards recebeu um desafio: comandar o novo filme de Godzilla, um monstro clássico do cinema. E será realmente interessante se ele conseguir manter na nova empreitada o mesmo nível que mostrou nesta bela estreia.
Nota:

quarta-feira, 19 de março de 2014

Sem Identidade

Cary Fukunaga é um diretor que atualmente se encontra em ascensão absoluta graças ao seu nada menos que brilhante trabalho na série televisiva True Detective, estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson. No entanto, é interessante ver o que ele realizou antes de se envolver com a belíssima produção da HBO. Em 2009, o cineasta lançou este Sem Identidade, seu primeiro longa-metragem e que lhe rendeu prêmios em alguns festivais do circuito independente. Um reconhecimento merecido, já que se trata de uma excelente estreia.

Escrito pelo próprio Fukunaga, Sem identidade segue dois personagens centrais: Sayra (Paulina Gaitan) e Willy (Edgar Flores). Enquanto ela sai de Honduras em uma tentativa de imigrar para os Estados Unidos ao lado do pai e do tio para recomeçar sua vida, ele vive no México e é membro da gangue Mara Salvatrucha. Lá é conhecido como “Casper” e acaba de trazer para o grupo o jovem Smiley (Kristyan Ferrer). Os caminhos dos dois se cruzam após algumas tragédias, quando Willy esconde da gangue seu namoro com Martha Marlene (Diana García), obrigando-o a fugir o mais rápido possível antes que os outros ex-colegas o peguem. As coisas complicam quando é Smiley o escolhido para matá-lo.
Mostrando a precariedade ao redor dos personagens logo nos primeiros minutos, Fukunaga consegue estabelecer que a vida que levam não é das mais fáceis, e as decisões que tomam são fruto do sonho de terem algo melhor para si mesmos. Se Sayra está a caminho dos Estados Unidos, isso se deve ao pensamento comum de que lá tudo é melhor e as pessoas alcançam seus objetivos, sejam estes quais forem. Já Willy faz parte de uma gangue em uma provável tentativa de ganhar respeito e ser uma figura importante na comunidade onde vive, detalhe que inclusive reflete no pequeno Smiley. Isso é algo que podemos ver na breve cena em que ele é admirado por outras crianças e se exibe mostrando a arma que o novo líder da Mara Salvatrucha lhe deu, ou seja, seu novo poder naquele meio. Dessa forma, o fato de todos os personagens estarem em busca de fazer parte de algo maior, que lhes deem um valor pessoal que não encontrariam normalmente, é o que os torna tão interessantes e, ao mesmo tempo, tão trágicos. Afinal, não sabem que custos dessa nova condição.
Com um tom melancólico, quesito que ganha o auxilia da ótima fotografia do brasileiro Adriano Goldman, Sem Identidade acompanha os dois protagonistas intercalando suas histórias até o momento do encontro que irá uni-los em um trem. Sendo assim, a montagem de Luis Carballar e Craig McKay faz um ótimo trabalho ao seguir ambos os núcleos narrativos de forma muito natural. Além disso, o ritmo da trama nunca é quebrado, o que se deve não só pelos personagens serem figuras pelas quais ficamos muito interessados, mas também por Cary Fukunaga ser hábil ao tornar seu filme envolvente do início ao fim. Soma-se a isso o mérito dele criar belos momentos de tensão, como um tiroteio que ocorre no fim do segundo ato.
Trazendo grandes atuações de seu jovem e talentoso elenco (destaque para os protagonistas Paulina Gaitan e Edgar Flores), Sem Identidade abriu caminho para que Cary Fukunaga assumisse projetos cada vez mais ambiciosos. E é uma prova de que o cineasta é, sem dúvida, um diretor que merece toda a atenção que vem recebendo.
Nota:

sexta-feira, 14 de março de 2014

Need For Speed

Need For Speed é uma das franquias de maior sucesso entre os games de corrida, e era apenas uma questão de tempo até que ganhasse uma adaptação para as telonas. Com vários rachas e carros em alta velocidade, é difícil não se lembrar de Velozes e Furiosos enquanto se assiste ao filme, que se revela uma produção eficiente dentro do que se propõe a fazer. Serve até como uma maneira de os fãs da série estrelada por Vin Diesel saciarem um pouco sua fome por uma produção do tipo enquanto um novo exemplar da franquia não é lançado.

Escrito por George Gatins a partir do argumento concebido por ele em parceria com seu irmão John Gatins, Need For Speed mostra que no universo das corridas de rua, Tobey Marshall (Aaron Paul) é um dos grandes destaques. No entanto, após uma armação feita pelo milionário e também corredor Dino Brewster (Dominic Cooper), Tobey é preso por um crime que não cometeu. Dois anos depois, ele sai da prisão em liberdade condicional com o objetivo de se vingar, pretendendo fazer isso na corrida de De Leon organizada por Monarch (Michael Keaton). Para tanto, terá ajuda da equipe formada por Benny (Scott Mescudi), Finn (Rami Malek) e Joe (Ramon Rodriguez), além da bela Julia (Imogen Poots).
O roteiro de Need For Speed tem uma série de elementos tratados de maneira bastante esquemática, desde o destino trágico de um personagem logo no início, passando pela relação de Tobey com Julia até a corrida no terceiro ato, o que torna o filme previsível. Além disso, vários obstáculos são colocados no caminho do protagonista quando este está indo em direção a De Leon, sendo que alguns são interessantes por dar motivos para a maior parte das perseguições que ocorrem na história (a polícia, parte essencial do jogo original, é um exemplo disso), mas outros acabam servindo quase que exclusivamente para tornar o filme longo demais. Um bom exemplo é quando Dino oferece uma recompensa para quem impedir Tobey de chegar na corrida, rendendo uma grande, mas totalmente descartável, sequência de ação.
Aliás, falando em ação, vale ressaltar que essa parte do filme é bem conduzida pelo diretor Scott Waugh, ainda que em alguns momentos ele abuse da câmera subjetiva, numa tentativa clara de colocar o espetador atrás do volante, outro detalhe que remete ao jogo. Mas Waugh consegue trazer energia para as sequências das corridas e das perseguições, ao mesmo tempo em que deixa clara a geografia das cenas, conseguindo prender a atenção do público.
Enquanto isso, o talentoso Aaron Paul (o Jesse Pinkman da fantástica série Breaking Bad) traz um carisma imprescindível para Tobey, fazendo com que o espectador se importe com ele ao longo da projeção. O ator também tem uma boa dinâmica com seus colegas de corridas, ainda que estes, em determinados momentos, se esforcem muito para causar o riso do espectador. E se Imogen Poots faz de Julia uma figura simpática, Dominic Cooper tem em mãos um vilão desinteressante e até meio burro, algo que pode ser visto em uma pequena reviravolta no início do terceiro ato. Fechando o elenco, Michael Keaton surge divertidíssimo como Monarch, mas é uma pena que o personagem seja usado pelo roteiro para explicar para o público o que está acontecendo na tela, como se não pudéssemos acompanhar tudo tranquilamente.
Need For Speed não chega a ser um grande filme, mas apresenta elementos suficientes para garantir o ingresso. Ainda mais se considerarmos que a maioria dos games que são adaptados para o cinema apresenta resultados constrangedores – lembremos Mortal Kombat, a série Resident Evil ou Super Mario Bros. Sob esse ponto de vista, é até lucro este aqui ter rendido uma produção que funciona razoavelmente bem.
Nota:

sábado, 8 de março de 2014

300: A Ascensão do Império

300: A Ascensão do Império é um exemplo de algo que surge com bastante frequência no cinema: uma sequência desnecessária para um grande sucesso de bilheteria e que tenta arrecadar mais alguns milhões de dólares em cima disso. Na verdade, “sequência” nem chega a ser o nome certo para descrever o filme, já que sua história se passa não só depois dos eventos de 300, mas também antes e durante estes. O resultado é um filme que apesar de ter alguns bons momentos, fica muito longe de seu eficiente antecessor.

Com Noam Murro assumindo o cargo de diretor no lugar de Zack Snyder, que ao lado de Kurt Johnstad ficou responsável pelo roteiro, 300: A Ascensão do Império mostra que depois de o rei persa Darius (Igal Naor) ter sido morto por Temístocles (Sullivan Stapleton), líder dos exércitos atenienses, seu filho Xerxes (Rodrigo Santoro) se tornou um deus-rei e declarou guerra aos gregos. Depois de derrotar o pequeno exército espartano liderado pelo rei Leônidas, Xerxes parte para cumprir seu objetivo de dominar a Grécia. Nisso, Temístocles tenta unir forças com outros exércitos, como os espartanos e a rainha Gorgo (Lena Headey), para combater os homens de Xerxes, liderados por Artemísia (Eva Green).

O que vemos nessa continuação é basicamente a mesma coisa que aparecia no filme anterior, desde o visual até os truques estilísticos, algo que já era esperado. No entanto, se esses elementos tornavam o longa de Zack Snyder algo bonito de se acompanhar e até traziam impacto a determinadas cenas, nessa continuação eles são jogados na tela displicente e excessivamente por Noam Murro, principalmente o famoso slow motion, o que torna o filme muito desinteressante. Já nas cenas de batalha, Murro investe em um verdadeiro banho de sangue, com um corte de espada resultando num grande jorro vermelho e membros sendo decepados (tudo em câmera lenta, assim como no primeiro filme), mas esse quesito é conduzido de forma tão burocrática pelo diretor que não demora muito até as sequências ficarem entediantes, o que é uma pena considerando que elas poderiam render algo bacana por se passarem no mar na maior parte do tempo.

Para piorar, se antes tínhamos a grande presença do rei Leônidas como protagonista, agora temos que nos contentar com Temístocles, interpretado sem um pingo de carisma por Sullivan Stapleton, que tenta várias vezes trazer para seu personagem a mesma imponência que Gerard Butler tinha no primeiro filme, falhando miseravelmente. E por mais curioso que seja ver um lado diferente dos conflitos vistos anteriormente, a verdade é que acompanhar a visão de Temístocles e seus companheiros acaba não sendo o melhor jeito de explorar essa ideia. Sendo assim, cabe a bela Eva Green (uma deusa grega por si só) praticamente tomar o filme para si, encarnando a vilania de Artemisia com energia e transformando-a em uma mulher forte, além de protagonizar boas cenas ao lado de Rodrigo Santoro, que dessa vez ganha um pouco mais de espaço para desenvolver Xerxes (mas só um pouco mesmo). Aliás, por o roteiro mostrar as origens de ambos os vilões, estes acabam se tornando as figuras mais interessantes do filme, fazendo com que seja ainda mais decepcionante o fato de a história ficar bastante centralizada em Temístocles.

300: A Ascensão do Império infelizmente tem poucas coisas que o façam um filme que prenda a atenção, sendo esquecido pouco depois de as luzes da sala do cinema serem acesas. Espero que isso melhore caso um terceiro capítulo seja desenvolvido, o que certamente acontecerá caso este aqui seja um sucesso.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Seven: Os Sete Crimes Capitais

David Fincher estreou como diretor de longas-metragens com o terceiro episódio da série Alien, que se revelou uma grande decepção – principalmente se considerarmos o alto nível dos capítulos anteriores. O diretor diria posteriormente que não teve uma boa experiência neste projeto inicial, com os produtores controlando-o o tempo todo. No entanto, em seu trabalho seguinte, o realizador conseguiu mostrar toda sua competência por trás das câmeras, deixando claro o excepcional cineasta que realmente é. O filme em questão foi Seven: Os Sete Crimes Capitais, uma das grandes obras-primas da década de 1990.

Escrito com uma meticulosidade incrível por Andrew Kevin Walker (que infelizmente não manteve o mesmo brilhantismo em suas produções seguintes), Seven nos apresenta ao detetive William Somerset (Morgan Freeman), que está prestes a se aposentar quando passa a cuidar do caso de um serial killer que usa os sete pecados capitais como base para seus crimes. Com a ajuda do novato David Mills (Brad Pitt), Somerset vai aos poucos se aprofundando no caso, que fica cada vez mais assustador à medida que os assassinatos vão ocorrendo, sendo diferente de qualquer coisa que o experiente detetive tenha visto até então.
Logo no início é possível prever que Seven não será um filme fácil. Em uma de suas primeiras cenas, por exemplo, Somerset é obrigado a usar um metrônomo para que os sons da violência que ocorre do lado de fora de sua casa sejam abafados e ele possa dormir, o que mostra o quão estressante é seu trabalho. Isso é seguido pelos ótimos créditos iniciais, que já tratam de estabelecer um tom sombrio que percorrerá toda a trama. É impossível não admirar a atmosfera claustrofóbica imposta por Fincher com a ajuda da excelente fotografia de Darius Khondji e da ótima trilha de Howard Shore, que ainda criam um belo clima de suspense para a história. Enquanto isso, a montagem ágil de Richard Francis-Bruce (que foi merecidamente indicado ao Oscar na época), somada ao nível de tensão de certas cenas, faz com que o espectador fique sempre inquieto. Apesar da história se passar durante uma semana, com um assassinato ocorrendo a cada dia, Francis-Bruce merece créditos ainda por trazer grande fluidez à narrativa, nunca deixando o filme ficar episódico.
Outro ponto admirável em Seven é que o roteiro de Andrew Kevin Walker, mesmo se preocupando com a investigação, que serve como base para a trama, dá maior atenção ao desenvolvimento de seus personagens, em uma decisão arriscada, mas que torna o filme muito mais instigante. É interessante notar como Somerset e Mills são praticamente os opostos um do outro, o que vai desde suas personalidades até o modo como levam suas vidas. Enquanto o primeiro é mais racional, culto e solitário (detalhes que são frutos de sua própria experiência como detetive), o segundo é impulsivo, emotivo, um tanto ingênuo e parte de um casamento feliz com Tracy (Gwyneth Paltrow). Mas, mesmo sendo diferentes, ambos os detetives são eficientes naquilo que fazem e se mostram determinados a resolver o caso que têm em mãos.
Além disso, Morgan Freeman e Brad Pitt têm algumas de suas melhores atuações interpretando os protagonistas, compondo-os com cuidado e desenvolvendo uma química impecável em cena. Esta mesma boa sintonia eles compartilham com Gwyneth Paltrow, que em seu pouco tempo de tela é hábil ao fazer de Tracy uma figura simpática, afetuosa, vulnerável e não menos interessante do que os outros personagens, algo que acaba sendo essencial no terceiro ato. No entanto, quem se sobressai no elenco é o excepcional ator que encarna John Doe, o responsável pelos crimes hediondos que vemos na tela (prefiro não revelar a identidade do intérprete, mesmo que o filme tenha quase 20 anos e todos já devem saber quem se trata). Quando John Doe surge em cena, nos deparamos com um ser frio e calmo, características que vão contra a imagem que construímos dele durante o filme, mas que o tornam muito mais ameaçador do que imaginávamos. E o curioso com relação a ele é que ainda que seus crimes sejam violentos, eles nunca aparecem sendo cometidos, com David Fincher nos deixando ver apenas os resultados, suficiente para evidenciar a psicopatia do personagem (o que dizer das vítimas da Gula e da Preguiça?).
O que nos traz ao magnífico terceiro ato de Seven, que é o ápice de tudo o que foi visto até aquele momento. Situada em um lugar isolado e desértico do qual é difícil escapar, essa sequência é conduzida com maestria pelo diretor, com uma tensão crescente e uma reviravolta absolutamente arrasadora que prova a inteligência do sádico vilão. E o fato de que, no decorrer da história, o roteiro apresente momentos nos quais os personagens poderiam ter evitado tal desfecho faz com que o final seja ironicamente trágico (logo no início, por exemplo, Somerset tenta largar o caso, o que ele com certeza gostaria ter feito se soubesse como terminaria). Sem dúvida é uma conclusão inesquecível, que faz o público ficar com os nervos à flor da pele e mostra a coragem do roteirista ao oferecer um rumo amargo, mas perfeito para sua história, evitando qualquer clichê.
Seven é um thriller policial que certamente entra no grupo dos melhores do gênero, mostrando boa parte da crueldade que domina o mundo em que vivemos. E, por isso, chega a ser difícil não concordar com a frase proferida por um dos personagens no final: “Ernest Hemingway escreveu uma vez ‘O mundo é um lugar bom, e vale a pena lutar por ele’. Eu concordo com a segunda parte”.
Nota:

quinta-feira, 6 de março de 2014

Resident Evil 3: A Extinção


Quando jogos são transportados para o cinema, geralmente os resultados não são muito satisfatórios. A franquia Resident Evil, por exemplo, apesar de ter alcançado um certo sucesso financeiro que permite que ela siga produzindo seus vários filmes, ainda assim é uma série composta majoritariamente por obras fracas, e seus melhores capítulos não passam do mediano. Um dos exemplares desonrosos é este Resident Evil 3: A Extinção.


Escrito por Paul W.S. Anderson (o grande responsável pela saga, tendo escrito todos os roteiros e dirigido a maioria), Resident Evil 3 mostra em sua história um grupo de sobreviventes liderados por Claire Redfield (Ali Larter) e Carlos Olivera (Oded Fehr, um dos remanescente de Resident Evil 2: Apocalipse). Eles estão cruzando o país em busca de um lugar que não esteja dominado por hordas de zumbis. Enquanto isso, o cientista Sam Isaacs (Iain Glen) diz ser capaz de usar o sangue de Alice (Milla Jovovich) para criar uma cura, possibilitando que os zumbis voltem a ser pessoas normais. Ao mesmo tempo, a protagonista continua com seu objetivo de derrubar a Umbrella Corporation, mas sem sucesso. Ao encontrar os sobreviventes no deserto de Nevada, Alice avisa que o Alaska talvez esteja seguro, fazendo-os se dirigirem para lá.
Como todo filme da série, Resident Evil 3 tem início com uma sequência na qual Alice (em sua narração em off que é abandonada logo depois) explica como a epidemia do T-vírus aconteceu. No entanto, isso já é uma forma de subestimar a inteligência do público, já que ao incluir isso em todo santo filme da franquia os envolvidos acham que esquecemos o que ocorreu nos capítulos anteriores (um pouco de confiança em quem está acompanhando a história não faz mal a ninguém). Aliás, desprezar a capacidade de entendimento do público é algo que este filme faz bastante, chegando ao ponto de incluir o mesmo furo de roteiro da primeiro aventura. Isso acontece quando um personagem é mordido por um zumbi, mas só se transforma muito tempo depois, no exato momento em que isso se mostra necessário de alguma forma para a história (considerando que foi Paul W.S. Anderson quem escreveu os dois enredos, não é surpresa que isso ocorra novamente). Como se não bastasse, as frases de efeito que o roteirista entrega para Alice são constrangedoras, causando até o riso involuntário.
O diretor Russell Mulcahy (mais conhecido como o responsável por Highlander: O Guerreiro Imortal) faz o que pode com o fiapo de história que tem mãos, já que esta não é interessante e serve como desculpa para vermos cenas de ação envolvendo ataques de zumbis. Mas, tirando alguns raros momentos de tensão (como aquele com corvos zumbis, que faz referência óbvia a Os Pássaros, de Hitchcock), esse quesito do filme é desenvolvido de maneira aborrecida, sendo que o realizador ainda dá alguns toques de slow motion que não ajudam a tornar as sequências melhores. A luta final, envolvendo Alice e uma versão monstruosa de um personagem, por exemplo, é quase um anticlímax nesse sentido.
Não conseguindo fazer com que nos importemos com seus personagens (várias figuras importantes morrem ao longo da história sem fazer muita falta), Resident Evil 3: A Extinção fica praticamente no mesmo nível de seu fraco antecessor. E os filmes seguintes infelizmente não melhoraram muita coisa.
Nota:

sábado, 1 de março de 2014

Apostas para o Oscar 2014



Deixei no Papo de Cinema minhas apostas para o Oscar 2014, que vai acontecer amanhã (aliás, recomendo que entrem lá e vejam as apostas dos outros membros da equipe). Mas como faço todo ano, deixo aqui alguns comentários sobre os favoritos ao prêmio e sobre aqueles pelos quais torcerei durante a cerimônia (ainda que dessa vez eu vá participar de um bolão de apostas e deveria torcer apenas por quem apostei).

Melhor Filme:

Torcida – Gravidade. Mas Ela e O Lobo de Wall Street também dividem a torcida, ainda que não tenham chance alguma de vencer.

Gravidade deverá levar uma boa parte dos prêmios em que está indicado. No entanto, o filme não deve levar o prêmio principal da noite, o que apenas mostra o quão estranha a votação da Academia consegue ser. Lembremos, por exemplo, de 1973, quando Cabaret ganhou 8 prêmios e ainda assim perdeu Melhor Filme para O Poderoso Chefão. Gravidade empatou com 12 Anos de Escravidão no Producers Guild Awards, mas o filme de Steve McQueen vem conseguindo um pouco mais de prestígio em outras premiações. Ao menos não será uma decisão feia da Academia caso ganhe, já que se trata de um ótimo filme.

Melhor Direção:

Torcida – Alfonso Cuarón, por Gravidade
Aposta – Alfonso Cuarón, por Gravidade

Em Gravidade, o que Alfonso Cuarón realiza em termos técnicos e narrativos é algo de tirar o fôlego, e não é à toa que ele é o grande favorito ao prêmio. No entanto, não será nenhuma surpresa caso os votantes resolvam entregar a estatueta para Steve McQueen, não só por 12 Anos de Escravidão ser o favorito em Melhor Filme, mas também porque seria algo bonito de se ver na festa. Afinal, McQueen seria o primeiro negro a ganhar o prêmio de Melhor Direção.

Melhor Ator:

Torcida – Matthew McConaughey, por Clube de Compras Dallas
Aposta – Matthew McConaughey, por Clube de Compras Dallas

Matthew McConaughey sempre foi um ator talentosíssimo, mas infelizmente decidiu encher sua carreira com produções duvidosas durante a maior parte da década passada. Mas de 2011 para cá, McConaughey passou a aceitar projetos mais desafiadores que, consequentemente, o levaram a trabalhar com diretores prestigiados. E agora ele aparece como favorito no Oscar de Melhor Ator e, caso se confirme, sua vitória será uma ótima coroação pelo que ele vem fazendo nos últimos anos. Sem falar que sua atuação como Ron Woodroof em Clube de Compras Dallas é de uma segurança invejável (uma das melhores de sua carreira). De qualquer forma, não será injusto caso Leonardo DiCaprio ganhe por sua grande atuação em O Lobo de Wall Street, filme no qual (vejam só!) Matthew McConaughey rouba a cena tendo pouquíssimo tempo de tela (uma pena ele não ter sido indicado como Coadjuvante também).

Melhor Atriz:

Torcida – Cate Blanchett, por Blue Jasmine.
Aposta – Cate Blanchett, por Blue Jasmine.

O Oscar já está praticamente nas mãos de Cate Blanchett. A atriz tem em Blue Jasmine a melhor atuação de sua carreira, e será um tanto triste caso ela perca esse prêmio, ainda que todas as outras indicadas estejam muito bem em seus respectivos filmes. Nas últimas semanas, saiu um boato de que as acusações de pedofilia que ressurgiram contra Woody Allen no mês passado estariam tirando as chances de Blanchett ser premiada (malditas contra-campanhas!), mas duvido muito que ela vá sofrer as consequências disso.

Melhor Ator Coadjuvante:

Torcida – Michael Fassbender, por 12 Anos de Escravidão.
Aposta – Jared Leto, por Clube de Compras Dallas.

Michael Fassbender tem uma atuação assustadoramente brilhante em 12 Anos de Escravidão, mas não tem muitas chances nessa categoria que vem sendo dominada por Jared Leto nas premiações pré-Oscar. O que também não é nada mal, já que o ator faz maravilhas no papel de Rayon em Clube de Compras Dallas. Um trabalho delicado que faz um contraponto interessante ao de Matthew McConaughey no filme.

Melhor Atriz Coadjuvante:

Torcida – June Squibb, por Nebraska.
Aposta – Lupita Nyong’o, por 12 Anos de Escravidão.

Por mais que eu tenha gostado June Squibb em Nebraska, a atriz é outra sem muitas chances de vencer. A disputa na categoria está principalmente entre a estreante Lupita Nyong’o e Jennifer Lawrence, por Trapaça. No entanto, Lawrence já ganhou uma estatueta em 2013, e Nyong’o vem chamando a atenção em outros prêmios com sua atuação no drama de Steve McQueen. A estatueta deve ir para ela. E se Lawrence por acaso vencer, será injusto assim como no ano passado, já que por mais talentosa que ela seja (e ela realmente é, como sempre digo), há outras indicadas melhores na categoria.

Melhor Roteiro Original:

Torcida – Spike Jonze, por Ela.
Aposta – Spike Jonze, por Ela.

Ela é um dos melhores filmes entre os indicados nesse Oscar, sem dúvida, e Spike Jonze vem sendo agraciado na categoria de Roteiro Original em outras premiações. Mas não se surpreendam caso ocorra uma Trapaça na cerimônia.

Melhor Roteiro Adaptado:

Torcida – Ethan Hawke, Julie Delpy e Richard Linklater, por Antes da Meia-Noite.
Aposta – John Ridley, por 12 Anos de Escravidão.

Ver Antes da Meia-Noite sendo premiado é apenas um sonho, infelizmente. 12 Anos de Escravidão não foi indicado ao Writers Guild Awards, mas única e exclusivamente porque existe uma regra dizendo que apenas membros do sindicato podem ser lembrados. Sendo assim, lá até pode dado Capitão Phillips, mas no Oscar quem está chegando mais forte é o filme de Steve McQueen.

Melhor Animação:

Aposta – Frozen: Uma Aventura Congelante.

Hayao Myiazaki se aposentou, e até por isso seria interessante ver seu último filme, Vidas ao Vento, ser agraciado. Mas será uma grande surpresa se o magnífico Frozen perder nessa categoria. E acreditem, este será o primeiro Oscar de Melhor Animação da história da Disney.

Melhor Filme Estrangeiro:

Torcida – A Caça (Dinamarca).
Aposta – A Grande Beleza (Itália).

A Caça é um soco no estômago do espectador, assim como o excelente Alabama Monroe. Mas A Grande Beleza é que vem vencendo vários prêmios e chamando mais atenção em outras premiações. No Oscar isso também deve acontecer.

Melhor Direção de Fotografia:

Torcida – Roger Deakins, por Os Suspeitos.
Aposta – Emmanuel Lubezki, por Gravidade.

Emmanuel Lubezki certamente ficará com essa estatueta. E merecidamente, considerando que a fotografia de Gravidade é nada menos do que espetacular. Minha torcida por Roger Deakins em Os Suspeitos se deve não só por ser um trabalho excepcional (em um filme idem), mas também porque é sua 11ª indicação ao Oscar, sendo que ele nunca venceu, e estamos falando de um dos melhores diretores de fotografia em atividade.

Melhor Montagem:

Torcida – Christopher Rouse, por Capitão Phillips.
Aposta – Alan Baumgarten, Jay Cassidy e Crispin Struthers, por Trapaça.

A tensão crescente de Capitão Phillips (e que chega ao ápice no terceiro ato do filme) se deve em boa parte a belíssima montagem de Christopher Rouse. Mas o filme não deve ter tantas chances por aqui, e Gravidade surge como um forte candidato. Mesmo assim, apostarei minhas fichas na zebra, Trapaça.

Melhor Design de Produção:

Torcida – Andy Nicholson, Rosie Goodwin e Joanne Woolard, por Gravidade.
Aposta – Catherine Martin e Beverley Dunn, por O Grande Gatsby.

O carnaval interessantíssimo do filme de Baz Luhrmann aparece como um forte candidato ao prêmio. Mas não seria nada mal ver o espaço sideral de Gravidade ou o futuro próximo de Ela vencendo.

Melhor Figurino:

Torcida – Catherine Martin, por O Grande Gatsby.
Aposta – Patricia Norris, por 12 Anos de Escravidão.

Categoria que geralmente é dominada por filmes de época. Aqui jogo as fichas em 12 Anos de Escravidão, ainda que O Grande Gatsby aparente ter mais chances.

Melhor Maquiagem e Penteados:

Torcida – Adruitha Lee e Robin Mathews, por Clube de Compras Dallas.
Aposta – Adruitha Lee e Robin Mathews, por Clube de Compras Dallas.

Seria triste ver uma porcaria como Vovô Sem Vergonha ganhando um Oscar. Mas, felizmente, Clube de Compras Dallas surge como favorito pelo belíssimo trabalho feito com Matthew McConaughey e Jared Leto, principalmente quando os personagens deles surgem extremamente debilitados pela AIDS.

Melhor Trilha Musical:

Torcida – Steven Price, por Gravidade.
Aposta – Steven Price, por Gravidade.

Steven Price colocou seu nome no mapa com Gravidade e aparece como franco favorito em cima de caras experientes como Thomas Newman, Alexandre Desplat e o grande John Williams.

Melhor Canção Original:

Torcida – Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez, por “Let It Go”, de Frozen.
Aposta – Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez, por “Let It Go”, de Frozen.

“Let It Go” é linda. Repito: “Let It Go” é linda. E espero que ganhe, ainda que os caras do U2 surjam fortes com sua “Ordinary Love”, de Mandela.

Melhor Mixagem de Som:

Torcida – Skip Lievsay, Niv Adiri, Christopher Benstead e Chris Munro, por Gravidade.
Aposta – Skip Lievsay, Niv Adiri, Christopher Benstead e Chris Munro, por Gravidade.

É praticamente certo que Gravidade dominará os prêmios técnicos. E nem preciso dizer que será mais do que merecido.

Melhor Edição de Som:

Torcida – Glenn Freemantle, por Gravidade.
Aposta – Glenn Freemantle, por Gravidade.

Leia o comentário da categoria anterior.

Melhores Efeitos Visuais:

Torcida – Timothy Webber, Chris Lawrence, David Shirk e Neil Corbould, por Gravidade.
Aposta – Timothy Webber, Chris Lawrence, David Shirk e Neil Corbould, por Gravidade.

Mesma coisa das categorias de som. Se Gravidade perder uma dessas será uma surpresa enjoativa. Os efeitos visuais do filme, em particular, são geniais.

Melhor Documentário:

Torcida – O Ato de Matar.
Aposta – O Ato de Matar.

O Ato de Matar é poderosíssimo, mas é também um filme com um conteúdo pesado e difícil de digerir, e apostar nele nessa categoria não deixa de ser um risco, já que o Oscar muitas vezes prefere produções mais leves. Foi assim no ano passado, por exemplo. Mas vejamos como será dessa vez.

Melhor Curta-Documentário:

Torcida – É sempre muito difícil ver os filmes das categorias de curtas-metragens, e esse ano não foi diferente. Vou torcer pela minha aposta/chute.
Aposta – The Lady in Number 6.

Melhor Curta-Metragem:

Torcida – Mesma coisa da categoria anterior.
Aposta – Helium.

Melhor Curta de Animação:

Torcida – Mr. Hublot.
Aposta – Hora de Viajar.

Aqui deu pra ver alguns dos filmes, e Mr. Hublot é excelente, com uma história sensível e um design de produção maravilhoso. Mas aposto em Hora de Voltar (exibido antes das sessões de Frozen), curta divertidíssimo da Disney e que faz um uso interessante do 3D.