domingo, 27 de setembro de 2015

Olhos de Serpente

(Crítica originalmente publicada no Papo de Cinema)

Olhos de Serpente é exemplo de que um roteiro problemático ainda é capaz de render um bom filme. Terceira parceria entre Brian De Palma e o roteirista David Koepp, que haviam colaborado em O Pagamento Final e Missão: Impossível, o filme traz os dois em sintonias diferentes, com Koepp parecendo montar o roteiro (escrito a partir do argumento concebido por ele e De Palma) meio às pressas. Contudo, o longa tem muito espaço para o diretor mostrar seu melhor, a habilidade para criar uma narrativa bastante instigante. 

O filme nos apresenta a Rick Santoro (Nicolas Cage), policial corrupto de Atlantic City que vai a um cassino da cidade conferir a luta de boxe que coloca em jogo o título dos pesos-pesados. No local, o melhor amigo de Rick, Kevin Dunne (Gary Sinise), é o responsável pela segurança do secretário de defesa que, mesmo vigiado, acaba baleado em meio à multidão atenta ao confronto no ringue, vindo a morrer pouco depois. Tomando as rédeas da investigação, Rick descobre que o assassinato pode fazer parte de uma conspiração, e passa a tentar descobrir quem está por trás disso.

O início de Olhos de Serpente é brilhante e está entre os grandes momentos da carreira de Brian De Palma. Criando um plano-sequência de quase quinze minutos (que na verdade foi simulado, com os cortes sendo muito bem mascarados pela montagem), o diretor estabelece a premissa e os personagens com uma economia admirável, numa mise-en-scène maravilhosa não só por deixar clara a organização espacial da sequência, mas também por tornar a ação bastante natural com sua precisão técnica. Aliás, De Palma utiliza todas as armas possíveis para construir a narrativa do filme. Seus enquadramentos e movimentos de câmera elegantes se fazem presentes, assim como a tela dividida, a montagem ágil de Bill Pankow e a trilha cheia de tensão composta por Ryûichi Sakamoto. Tudo contribui para o longa prender a atenção e manter o espectador inquieto. Nisso, merece destaque a cena de Rick correndo pelo cassino tentando encontrar Julia Costello (Carla Gugino), mulher que falava com o secretário antes de ele ser atacado, sem saber que o próprio líder da conspiração está próximo de acha-la.
O roteiro de Koepp merece créditos pela maneira como estrutura a investigação de Rick, criando um quadro mais completo da situação ao abrir espaço para que, a cada pessoa questionada pelo protagonista, passemos a ver através de flashbacks outros pontos de vista relativos ao atentado. Aqui, De Palma faz ótimo uso da câmera subjetiva para nos colocar na pele desses personagens. Mas o roteiro encontra problemas em outros aspectos, como na relação entre Rick e Kevin, grandes amigos que cuidam um do outro, mas cuja afinidade é pouco convincente pela forma como é desenvolvida, o que tira boa parte do peso dramático do filme considerando as direções da história. Felizmente, isso não impede Nicolas Cage e Gary Sinise de terem atuações competentes, principalmente o primeiro, que se diverte com o jeito extravagante de Rick. E se é louvável o fato de Brian De Palma pegar o espectador pela mão no início do filme e só o soltar ao fim da projeção, vale dizer que ele quase nos perde no terceiro ato, quando os acontecimentos não chegam a fazer jus à tensão vista até ali.
Caso fosse feito por um diretor menos talentoso, Olhos de Serpente teria grandes chances de não ser muito interessante. Mas não é o que acontece. Apesar de não estar entre os melhores trabalhos de Brian De Palma, o filme ainda é um thriller eficiente e cativante, com momentos em que só nos resta tirar o chapéu para o realizador.
Nota:

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