terça-feira, 1 de setembro de 2015

Ricki and the Flash: De Volta Para Casa

O trailer de Ricki and the Flash foi um dos últimos que assisti antes de optar por deixar de lado essas peças de publicidade. Sendo quase um pequeno resumo, o vídeo dava a impressão de uma produção que não teria grandes novidades com relação à história, e durante a projeção é fácil confirmar isso. Por sorte, julgar filmes apenas pelo trailer não faz sentido nenhum, e esse novo trabalho do talentoso diretor Jonathan Demme (a quem serei eternamente grato por O Silêncio dos Inocentes) mostra ser capaz de contornar essa familiaridade da trama e render um bom filme no fim das contas.

Escrito por Diablo Cody (a conhecida roteirista por trás de Juno e Jovens Adultos), Ricki and the Flash nos apresenta a Ricki Randazzo (Meryl Streep), alter-ego de Linda Bummer, que atualmente se apresenta com o parceiro Greg (Rick Springfield) e a banda Flash em um pequeno bar na Califórnia e trabalha como caixa em um supermercado para pagar as contas. Mas ao saber através de seu ex-marido, Pete (Kevin Kline), que a filha deles, Julie (Mamie Gummer), entrou em crise ao ser trocada por outra pelo marido, Ricki decide voltar à Indianapolis e ajudá-la, reencontrando ainda seus outros dois filhos, Josh (Sebastian Stan) e Adam (Nick Westrate), que fecham a família que ela deixou para trás ao decidir seguir seus sonhos como roqueira. Mas é claro que antigos ressentimentos vêm à tona e não fazem a presença dela ser muito bem-vinda, e Ricki passa a se esforçar para ter uma relação saudável com todos.

É uma daquelas histórias de redenção envolvendo relacionamentos familiares complicados, e ao longo do filme Diablo Cody segue cartilhas comuns dessas produções, numa estrutura até previsível. Mas a roteirista desenvolve a maior parte dos personagens de forma que eles tenham peso dramático e dilemas com os quais possamos nos importar, o que sustenta bem a narrativa. Ricki está longe de ser uma pessoa perfeita. Na verdade, às vezes ela é um tanto sem noção. Mas os sentimentos que tem por sua antiga família são genuínos, sendo interessante que ela lamente a distância que se criou, mas não se arrependa da decisão que tomou, buscando reconstruir esses relacionamentos sem tentar corrigir algum tipo de erro, já que isso seria como anular quem ela é. E Meryl Streep, como seria de se esperar, surge muito bem no papel, tanto pelo lado roqueiro que não parece se encaixar naquele núcleo familiar quanto pelo lado materno que gostaria de estar mais presente.

Aliás, as atuações em Ricki and the Flash merecem destaque. Kevin Kline e Rick Springfield, por exemplo, trazem uma bela sensibilidade aos homens com quem a protagonista se envolveu, e o choque quanto às direções tomadas na vida é algo que ocorre com eles também. Se o Greg de Springfield passa por uma situação parecida com a de Ricki, ficando com a fala que define muito bem o filme (“Não é tarefa de nossos filhos nos amar, mas é a nossa amá-los”), o Pete de Kline tem uma vida bastante confortável com sua atual esposa, Maureen (Audra McDonald), e os filhos, mas não consegue evitar de pensar como teria sido se Ricki tivesse ficado ao seu lado (e a breve cena em que ele põe a cabeça no colo da ex-esposa mostra bem isso). Já Mamie Gummer (filha de Meryl Streep) aparece como a grande revelação do filme, encarnando com segurança a raiva de Julie sem torna-la aborrecida, merecendo aplausos por conseguir passar a montanha-russa de emoções que a personagem sente pontualmente, como ao hesitar entrar em um casamento.

Lidando com os relacionamentos conturbados dos personagens, Jonathan Demme merece créditos por em momento algum deixar o filme cair no puro melodrama, o que poderia ocorrer facilmente, ao passo que as apresentações de Ricki ao lado de sua banda até podem pausar o desenrolar da trama e serem longas demais, mas têm uma boa energia graças à total entrega de Meryl Streep nos vocais e por trazerem uma ótima seleção musical, que transmite muito do que os personagens gostariam de falar. Além disso, o roteiro mostra um senso de humor por vezes surpreendente e que traz leveza à narrativa, como na piada de puro humor negro que Pete faz com Julie quando esta vai ao banheiro. No entanto, nada disso impede a narrativa de sofrer com problemas de ritmo a partir do final do segundo ato, sendo que Diablo Cody ainda desenvolve superficialmente a relação da protagonista com seus outros dois filhos, algo que tira boa parte do peso que o clímax poderia ter e leva o filme a resoluções artificiais.
 

Ricki and the Flash encontra suas forças nos talentos envolvidos para contar sua história de pais e filhos e o abalo que tais relações podem sofrer. Isso até pode ocorrer sem sair muito do lugar-comum, mas ainda rende um filme agradável.

Nota:


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