“Por favor, não nos julgue. Nós
não somos más pessoas. Mas fizemos uma coisa errada”, diz o protagonista John
Rayburn em sua narração em off logo no primeiro episódio de Bloodline, série da Netflix. Pode ser apenas
um claro pedido feito ao público, que acabara de ser apresentado àquele sujeito
e a toda sua família, figuras que passamos a acompanhar ao longo dos treze
episódios dessa primeira temporada. Mas essa fala específica não deixa de ser
uma espécie de cartão de visitas da série, indicando que ela, além de explorar
os relacionamentos entre os personagens, também dará atenção a moral e as próprias
personalidades deles, aspectos que no fim ajudam a formar a riqueza narrativa vista
aqui.
Criada por Glenn Kessler, Todd A.
Kessler e Daniel Zelman, o mesmo trio responsável por Damages (série que agora certamente subiu algumas posições em minha
lista de prioridades), Bloodline concentra
sua trama na Flórida, onde Robert Rayburn (Sam Shepard) e sua esposa Sally Rayburn
(Sissy Spacek) têm um dos hotéis à beira da praia mais bem sucedidos da região.
No aniversário de 45 anos dos negócios, eles decidem reunir toda a família para
comemorar, incluindo o já citado filho John (Kyle Chandler), que faz parte da
polícia local, e os mais novos, Kevin (Norbert Leo Butz) e Meg (Linda
Cardellini). Mas o retorno do filho mais velho e ovelha negra do clã, Danny (Ben
Mendelsonh), traz tensão entre todos.
Bloodline é perfeita para binge-watching
(expressão que passou a ser usada para descrever as maratonas com todos os
episódios). Com uma estrutura que acompanha os personagens no presente, mas que
insere pontualmente flashbacks de
eventos importantes e flashforwards
de algo chocante que irá acontecer, a série acaba sendo instigante em vários
sentidos, conseguindo desenvolver uma história envolvente ao mesmo tempo em que
faz o espectador querer saber mais sobre os personagens. É difícil tirar o olho
da tela quando se fica curioso com o porquê de John e seus irmãos agirem da maneira
que se vê na tela e o quê os levará a um ato tão extremo. A capacidade dos
realizadores de manter o espectador na palma de suas mãos é grande, de forma
que os ganchos que encerram a maior parte dos episódios tornam difícil ignorar
o aviso de “O próximo episódio começará em 15 segundos” da Netflix.
Estamos falando de uma história
sobre família e todos os conflitos que esse tipo de núcleo pode ter, então é
natural que seja exatamente nos personagens e na complexidade dos
relacionamentos entre eles que Bloodline
encontre suas maiores forças. Por mais felizes que os Rayburns possam parecer
inicialmente, gradualmente isso se desmistifica, ganhando grande peso ao trazer
à tona memórias dolorosas que não cicatrizaram tão bem (algumas dessas
memórias, por sinal, são tão fortes que a série evita mostra-las por inteiro, apresentando-as
através de flashes para que saibamos
o necessário). Isso vem,
principalmente, pelo impacto causado por Danny, que acende o pavio para que o
roteiro possa explorar lados sombrios da família, já que a desconfiança gerada pela
presença dele percorre todo o ambiente. E é a partir da relação que o
primogênito tem com a família que o roteiro põe em xeque a fala de John que abriu
este texto. Afinal, os Rayburns são estabelecidos como pessoas essencialmente
boas, mas os erros que eles cometem dão muita voz ao que eles têm de pior
dentro de si, e Danny conhece esse lado melhor do que ninguém.
É claro que a excelente dinâmica
do elenco também é essencial para que esses conflitos entre os personagens soem
naturais e tenham força na tela. Nisso, o nível das atuações é admirável, desde
Norbert Leo Butz e Linda Cardellini como Kevin e Meg até os veteranos Sam
Shepard e Sissy Spacek como Robert e Sally. Spacek, aliás, encarna Sally com
uma delicadeza notável, com a matriarca sempre acreditando no potencial de seus
filhos, detalhe que torna compreensível o porquê de em vários momentos eles
evitarem decepcioná-la ou entristece-la. No entanto, Kyle Chandler e Ben Mendelsonh
são os que se sobressaem nessa temporada, protagonizando os momentos mais
impactantes. Chandler assume o papel de John com segurança, buscando fazer dele
um sujeito paciente e compreensivo como a mãe, mas tendo o lado estressado e
até explosivo de seu pai, nuances que ele encarna com enorme talento. Já Mendelsonh
como Danny fica longe dos traços das composições de seus colegas, decisão apropriada
considerando a posição do personagem na família. O ator cria um homem há muito
perdido em sua desmoralização e que constantemente exibe indignação com a forma
como é tratado. E se seus erros não são ignorados pelos irmãos, o próprio Danny
não consegue esquecer os erros deles, como se vê na fita que ele escuta várias
vezes enquanto dirige.
Ao lado de produções como Sense8, Orange is the New Black e House
of Cards, Bloodline é mais um acerto da Netflix na hora de apostar em projetos originais para seu catálogo de
streaming. A série pode não surpreender
tanto com algumas de suas revelações, mas faz isso de sobra com sua construção narrativa,
sendo capaz de manter o espectador grudado na tela até o último segundo. Levando
em conta o gancho deixado ao final da temporada e sua promessa de que os personagens
não percorrerão caminhos fáceis, a espera pelo próximo ano da série não poderia
ser mais inquietante.
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