terça-feira, 22 de setembro de 2015

Séries: Bloodline


“Por favor, não nos julgue. Nós não somos más pessoas. Mas fizemos uma coisa errada”, diz o protagonista John Rayburn em sua narração em off logo no primeiro episódio de Bloodline, série da Netflix. Pode ser apenas um claro pedido feito ao público, que acabara de ser apresentado àquele sujeito e a toda sua família, figuras que passamos a acompanhar ao longo dos treze episódios dessa primeira temporada. Mas essa fala específica não deixa de ser uma espécie de cartão de visitas da série, indicando que ela, além de explorar os relacionamentos entre os personagens, também dará atenção a moral e as próprias personalidades deles, aspectos que no fim ajudam a formar a riqueza narrativa vista aqui.

Criada por Glenn Kessler, Todd A. Kessler e Daniel Zelman, o mesmo trio responsável por Damages (série que agora certamente subiu algumas posições em minha lista de prioridades), Bloodline concentra sua trama na Flórida, onde Robert Rayburn (Sam Shepard) e sua esposa Sally Rayburn (Sissy Spacek) têm um dos hotéis à beira da praia mais bem sucedidos da região. No aniversário de 45 anos dos negócios, eles decidem reunir toda a família para comemorar, incluindo o já citado filho John (Kyle Chandler), que faz parte da polícia local, e os mais novos, Kevin (Norbert Leo Butz) e Meg (Linda Cardellini). Mas o retorno do filho mais velho e ovelha negra do clã, Danny (Ben Mendelsonh), traz tensão entre todos.

Bloodline é perfeita para binge-watching (expressão que passou a ser usada para descrever as maratonas com todos os episódios). Com uma estrutura que acompanha os personagens no presente, mas que insere pontualmente flashbacks de eventos importantes e flashforwards de algo chocante que irá acontecer, a série acaba sendo instigante em vários sentidos, conseguindo desenvolver uma história envolvente ao mesmo tempo em que faz o espectador querer saber mais sobre os personagens. É difícil tirar o olho da tela quando se fica curioso com o porquê de John e seus irmãos agirem da maneira que se vê na tela e o quê os levará a um ato tão extremo. A capacidade dos realizadores de manter o espectador na palma de suas mãos é grande, de forma que os ganchos que encerram a maior parte dos episódios tornam difícil ignorar o aviso de “O próximo episódio começará em 15 segundos” da Netflix.

Estamos falando de uma história sobre família e todos os conflitos que esse tipo de núcleo pode ter, então é natural que seja exatamente nos personagens e na complexidade dos relacionamentos entre eles que Bloodline encontre suas maiores forças. Por mais felizes que os Rayburns possam parecer inicialmente, gradualmente isso se desmistifica, ganhando grande peso ao trazer à tona memórias dolorosas que não cicatrizaram tão bem (algumas dessas memórias, por sinal, são tão fortes que a série evita mostra-las por inteiro, apresentando-as através de flashes para que saibamos o necessário). Isso vem, principalmente, pelo impacto causado por Danny, que acende o pavio para que o roteiro possa explorar lados sombrios da família, já que a desconfiança gerada pela presença dele percorre todo o ambiente. E é a partir da relação que o primogênito tem com a família que o roteiro põe em xeque a fala de John que abriu este texto. Afinal, os Rayburns são estabelecidos como pessoas essencialmente boas, mas os erros que eles cometem dão muita voz ao que eles têm de pior dentro de si, e Danny conhece esse lado melhor do que ninguém.

É claro que a excelente dinâmica do elenco também é essencial para que esses conflitos entre os personagens soem naturais e tenham força na tela. Nisso, o nível das atuações é admirável, desde Norbert Leo Butz e Linda Cardellini como Kevin e Meg até os veteranos Sam Shepard e Sissy Spacek como Robert e Sally. Spacek, aliás, encarna Sally com uma delicadeza notável, com a matriarca sempre acreditando no potencial de seus filhos, detalhe que torna compreensível o porquê de em vários momentos eles evitarem decepcioná-la ou entristece-la. No entanto, Kyle Chandler e Ben Mendelsonh são os que se sobressaem nessa temporada, protagonizando os momentos mais impactantes. Chandler assume o papel de John com segurança, buscando fazer dele um sujeito paciente e compreensivo como a mãe, mas tendo o lado estressado e até explosivo de seu pai, nuances que ele encarna com enorme talento. Já Mendelsonh como Danny fica longe dos traços das composições de seus colegas, decisão apropriada considerando a posição do personagem na família. O ator cria um homem há muito perdido em sua desmoralização e que constantemente exibe indignação com a forma como é tratado. E se seus erros não são ignorados pelos irmãos, o próprio Danny não consegue esquecer os erros deles, como se vê na fita que ele escuta várias vezes enquanto dirige.

Ao lado de produções como Sense8, Orange is the New Black e House of Cards, Bloodline é mais um acerto da Netflix na hora de apostar em projetos originais para seu catálogo de streaming. A série pode não surpreender tanto com algumas de suas revelações, mas faz isso de sobra com sua construção narrativa, sendo capaz de manter o espectador grudado na tela até o último segundo. Levando em conta o gancho deixado ao final da temporada e sua promessa de que os personagens não percorrerão caminhos fáceis, a espera pelo próximo ano da série não poderia ser mais inquietante.


Nenhum comentário: