terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Entre Facas e Segredos


Harlan Thrombey (Christopher Plummer), um renomado escritor de livros policiais, é encontrado morto no dia seguinte a sua festa de aniversário. Mesmo que tudo aponte para um suicídio, o FBI representado pelo detetive Elliott (Lakeith Stanfield) interroga os membros da família Thrombey para esclarecer as coisas. Isso até o detetive particular Benoit Blanc (Daniel Craig) entrar em cena, com suas investigações apontando para um possível homicídio no qual todos passam a ser suspeitos, incluindo a jovem Marta (Ana de Armas), enfermeira do falecido.

Escrito e dirigido pelo excelente Rian Johnson (de filmaços como A Ponta de Um Crime, Looper e Star Wars: Os Últimos Jedi), este Entre Facas e Segredos é uma clássica trama de “whodunnit” (ou “quem matou?”) no estilo daquelas tornadas tão famosas principalmente pela grande Agatha Christie. E Johnson a desenvolve com uma precisão admirável, inserindo gradualmente elementos aparentemente triviais, mas que ganham importância mais adiante (o velho recurso de “pista e recompensa”). Isso ocorre com frequência ao longo da projeção, sendo que o diretor merece créditos por sua sutileza, nunca sentindo necessidade de chamar atenção para o que está fazendo. E se esses truques já ajudam a manter o espectador instigado quanto ao desenrolar da história e sua resolução, o cineasta e o montador Bob Duncsay ainda concebem uma narrativa ágil, que não perde seu ritmo envolvente mesmo quando o roteiro retorna a determinados pontos da trama a fim de deixar claro todo o quebra-cabeça de seu mistério.


Mas além de contar uma história de detetive que segue bem a fórmula do gênero (o que jamais torna o filme previsível), Rian Johnson usa as peças de seu tabuleiro para fazer comentários sociais relevantes. Nisso, é interessante ver ele apontar seu dedo para a ganância infinita da elite, representada pelos Thrombey, mostrando como aquelas pessoas parecem nunca estar satisfeitas com a riqueza que têm. Além disso, Johnson também faz questão de mostrar a hipocrisia dessa elite para com os mais pobres, representados pela figura humilde de Marta, personagem bem tratada por todos, mas apenas enquanto isso convêm a eles, não sendo à toa que ela seja estabelecida não só como a protagonista do filme, mas também como a bússola moral da história.


Marta que, aliás, é vivida com carisma pela ótima Ana de Armas, uma atriz cujo talento tem ficado evidente desde seu belo trabalho em Blade Runner 2049. E o destaque que ela consegue ter aqui é ainda mais notável quando vemos o elenco absolutamente fantástico do qual ela faz parte. Daniel Craig, por exemplo, faz de Benoit Blanc um detetive cuja inteligência e atenção aos detalhes fazem jus a Hercule Poirot e Sherlock Holmes, sendo bom ver que o ator tem cuidado para criar um personagem que tem sua própria personalidade, desde seus trejeitos até seu modo de falar. Já Christopher Plummer aproveita suas cenas como Harlan para encher a tela de calor humano, ao passo que intérpretes como Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Michael Shannon, Toni Collette e Chris Evans encarnam a ambiguidade moral dos outros membros da família Thrombey com um brilhantismo ímpar.


O que Entre Facas e Segredos tem de intrigante ele também tem de divertido. E por se tratar de um filme tão bem construído por seu realizador, é possível que suas qualidades sejam potencializadas caso o espectador decida assisti-lo novamente.

Agatha Christie ficaria orgulhosa de Rian Johnson.

Nota: