quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Atômica

“Não importa sobre o que é um filme, mas sim como o filme é sobre o que ele é”. Ao longo de Atômica, não pude evitar de pensar constantemente nessa frase do saudoso Roger Ebert. Essencialmente, o que temos aqui é uma obra que está longe de ter a originalidade como um de seus pontos fortes. A trama, o universo e a gama de personagens que apresenta seguem padrões que já vimos em uma série de outros filmes de ação. No entanto, a maneira como David Leitch (co-diretor dos ótimos longas da franquia John Wick) constrói a narrativa acaba tornando este um exemplar muito divertido e empolgante do gênero, ajudando também a firmar Charlize Theron como uma heroína de ação respeitável.

Baseado na graphic novel criada por Antony Johnston e Sam Hart, o roteiro escrito por Kurt Johnstad é situado na década de 1980, durante os estágios finais da Guerra Fria, e acompanha a agente do MI6 Lorraine Broughton (Theron), que é interrogada por seu superior Eric Gray (Toby Jones) e por Emmet Kurzfeld (John Goodman), um representante da CIA, sobre uma missão realizada em Berlim. Lá, Lorraine ficou encarregada não só de recuperar uma lista contendo nomes de agentes duplos, mas também de identificar e assassinar um agente conhecido como Satchel, que tem trabalhado com os soviéticos e traiu um colega do MI6. Para atingir esses objetivos, ela teve o auxílio de David Percival (James McAvoy).


Acredito que boa parte das pessoas já perdeu a conta de quantas vezes já viu essa lista de agentes duplos correr o risco de cair nas mãos erradas, de forma que revirar os olhos foi um ato até natural quando vi que ela seria usada novamente como objeto de interesse em um filme. Isso em uma trama que não deixa de ser um tanto boba e que não é composta por heróis e vilões, mas sim por personagens que basicamente agem a fim de atender seus próprios interesses, o que faz ninguém ser particularmente confiável na história. Isso é até ressaltado de um jeito óbvio na abertura, que traz o então presidente americano Ronald Reagan comentando a desconfiança que domina a relação entre o Ocidente e o Oriente, e pelas várias reviravoltas que pontuam a trama e nos fazem mudar constantemente nosso julgamento com relação àqueles indivíduos.

Ainda assim, com a ajuda da montagem de Elísabet Ronaldsdóttir, David Leitch cria uma narrativa envolvente ao impor um ritmo ágil e cativante, o que é até capaz de distrair um pouco o espectador quanto a esse lado bobo e clichê da trama. Aliás, falando na montagem, é preciso dizer que Ronaldsdóttir faz um belo trabalho lidando com a estrutura do roteiro, intercalando organicamente a interrogação que ocorre no presente com os flashbacks envolvendo a missão de Lorraine, com um ponto servindo eficientemente como base para o outro. Enquanto isso, a seleção musical do filme, composta basicamente por músicas pop e eletrônicas da década de 1980, ajuda a construir uma atmosfera mais leve e até mesmo cômica, auxiliando a narrativa a não se levar tão a sério quanto a história poderia fazer parecer.


O grande barato de Atômica, porém, é mesmo ver o filme partir para a ação com sua protagonista. Se as sequências em si já são maravilhosamente coreografadas, isso também pode ser dito sobre os movimentos da câmera de David Leitch, que acompanha toda a ação sem deixar o espectador perdido quanto ao que está acontecendo na tela. Assim, durante a projeção somos presenteados com um embate melhor que o outro, desde a pancadaria que ocorre dentro de um carro logo no início até a outra que ocorre dentro de um apartamento e envolve vários policiais. Mas o grande momento do filme nesse sentido, sem dúvida alguma, é o longo plano-sequência no qual Lorraine enfrenta agentes rivais. Iniciando em um elevador, passando por uma escadaria, um apartamento e encerrando em uma fuga de carro, trata-se de uma cena que vai se tornando cada vez mais insana, não economizando em tiros, socos e pontapés e presenteando o espectador com um verdadeiro espetáculo de ação. É verdade que se trata de um plano-sequência simulado (os cortes são bem escondidos), mas o resultado ainda é tecnicamente primoroso. Como se não bastasse, o filme também conta com a forte presença de Charlize Theron, que com talento consegue trazer segurança e credibilidade para Lorraine, que acaba sendo mais uma heroína de ação de destaque no cenário atual.

Atômica é uma bela surpresa no fim das contas. Nas mãos de realizadores menos talentosos, talvez pudesse ser só mais um thriller de ação genérico. Por sorte, este não é o caso e o que temos aqui é um longa que funciona admiravelmente dentro do gênero.


Nota:

domingo, 20 de agosto de 2017

Séries: Os Defensores

A calma que a Marvel tem para desenvolver seus projetos não deixa de ser admirável, expandindo gradualmente seu universo e apresentando cada um de seus principais personagens antes de coloca-los em uma única superprodução. Tem sido assim no cinema com Os Vingadores, algo que tem funcionado bem e é repetido com Os Defensores, que surge como o resultado de todas as produções que o estúdio fez em parceria com a Netflix, colocando Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro lado a lado em uma grande batalha. Isso rende uma série até divertida, mas que também exibe uma irregularidade que a impede de deixar grandes marcas no espectador ao final de seus oito episódios.

Desenvolvida por Marco Ramirez e Douglas Petrie (responsáveis pela segunda temporada de Demolidor), Os Defensores segue seus heróis exatamente a partir do ponto em que cada um estava ao final de suas respectivas séries. Matt Murdock (Charlie Cox) se esforça para largar a vida de Demolidor e ter uma rotina normal, enquanto Jessica Jones (Krysten Ritter) retorna aos poucos a suas investigações após seu embate com Kilgrave, exibindo sua costumeira antissociabilidade. Já Luke Cage (Mike Coulter) tenta retomar sua vida após seu aprisionamento, ao passo que Danny Rand (Finn Jones) continua sua luta contra o Tentáculo com a ajuda de Colleen Wing (Jessica Henwick). Mas quando este mesmo Tentáculo entra no foco de todos eles, a solução é juntar forças contra a líder da organização, Alexandra (Sigourney Weaver), cujo plano promete colocar Nova York e seus habitantes em risco e conta ainda com o envolvimento de sua nova pupila, Elektra (Elodie Yung).


Não deixa de ser uma trama repetitiva dentro dessas séries da Marvel com a Netflix, considerando que o Tentáculo já deu as caras quase da mesma forma na segunda temporada de Demolidor e na primeira de Punho de Ferro. E ainda que tenhamos a ótima presença de Sigourney Weaver no papel de Alexandra (a atriz impõe a superioridade da vilã quase sem se esforçar), a ameaça representada pela organização não é particularmente instigante, justificando a reunião dos heróis mais por conta do tamanho de seus planos. Aliás, no que diz respeito à maneira como os protagonistas se juntam, o início da série se revela bem conveniente. Mesmo que os roteiros busquem fazer com que o encontro deles não aconteça repentinamente (são necessários três episódios para chegar nesse ponto), a primeira vez que eles aparecem juntos ainda ocorre mais pela coincidência de todos estarem perseguindo as mesmas coisas ao mesmo tempo. Para completar, há questões no desenvolvimento da história capazes de tirar o espectador do sério, desde clichês como um personagem que abandona a equipe e retorna num momento propício até algumas reviravoltas anticlimáticas na reta final da temporada.


De qualquer forma, a união dos heróis (que é o grande atrativo do projeto) faz a série valer a pena. Exibindo durante boa parte do tempo uma desconfiança natural de figuras que mal se conhecem, aos poucos os protagonistas aprendem a respeitar uns aos outros e a trabalhar em equipe, construindo uma dinâmica que melhora gradualmente. Os grandes momentos da série resultam exatamente desse aspecto, chegando ao ápice sempre que os personagens discutem questões pessoais, como na cena em que Luke e Danny debatem suas motivações ou na outra em que Jessica comenta sobre o passado de Matt. Além disso, se os episódios são tecnicamente trôpegos em alguns pontos (as transições de cena usando os metrôs de Nova York não são muito criativas e cansam rapidamente, enquanto que o esquema dos realizadores de enquadrar um personagem no canto da tela com o resto desfocado é visualmente pavoroso), ao menos as cenas de ação são bem coreografadas e aproveitam eficientemente as habilidades do quarteto, merecendo destaque especial a luta no escritório de Alexandra e a batalha no último episódio.

Tendo em vista toda a organização para que pudéssemos chegar a série naturalmente (o que começou há dois anos, lá na primeira temporada de Demolidor), Os Defensores deixa um gosto de que poderia ser melhor. Por sorte, as qualidades apresentadas pela produção conseguem sustentar a jornada ao lado deste novo grupo de heróis.


Confira as críticas das outras séries da Marvel/Netflix:

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Planeta dos Macacos: A Guerra

No que diz respeito a superproduções lançadas nos últimos anos, o ressurgimento de Planeta dos Macacos certamente é uma das coisas mais interessantes e surpreendentes. Com uma proposta que mistura a ideia de prequel (mostrando o que ocorreu antes dos eventos do excepcional filme original de 1968) com a de um reboot (dando uma repaginada em certos pontos que vimos anteriormente), a franquia voltou não só exibindo efeitos visuais excelentes, mas também maturidade e coragem para fazer alegorias e comentários político-sociais inteligentes e relevantes. Sendo assim, se Planeta dos Macacos: A Origem foi um exemplar eficiente e sua continuação, O Confronto, mostrou-se ainda melhor, este A Guerra trata de concluir a trilogia brilhantemente, se estabelecendo como o melhor longa da série desde o original.

Escrito pelo diretor Matt Reeves e por Mark Bomback, A Guerra se passa cinco anos após os eventos do filme anterior, mostrando um César (Andy Serkis) ainda mais evoluído junto com sua comunidade de macacos, que ele lidera buscando firmar um espaço onde todos possam viver sem se preocupar com os humanos remanescentes. Estes, por sua vez, se veem cada vez mais ameaçados diante do crescimento dos símios, tendo declarado guerra a eles. É então que, depois de um ataque realizado pelo Coronel (Woody Harrelson) e sua tropa, César parte em uma jornada para confrontar aqueles que querem o fim de sua espécie, sendo auxiliado nisso por alguns de seus fieis aliados.


Em determinado momento do filme, o dizer “Kong bom é Kong morto” pode ser visto sendo ostentado pelos humanos em uma parede. É uma frase que ajuda a estabelecer os temas que A Guerra busca explorar ao longo da história, com uma espécie agindo violentamente ao ver sua existência ameaçada de alguma forma, dando voz a um medo que inevitável e até inconscientemente faz com que tal espécie se torne tão monstruosa quanto aquela que acredita estar condenando. Podemos até levar isso a outro patamar, com os humanos se sentindo ameaçados por aqueles que simplesmente são e/ou pensam diferente deles, não querendo ver figuras como essas dominando um território que, supostamente, não é seu (nisso, o fato de a construção de um muro ser inserida na trama é um toque apropriado tendo em vista os planos da era Trump nos Estados Unidos). Com esses pontos, o roteiro consegue explorar com inteligência e naturalidade aspectos muito vivos na sociedade atualmente, desde a intolerância política e ideológica até o preconceito e a xenofobia (já diria o cineasta Eric Rohmer: “Todo bom filme é um documento de sua época”).

Mas A Guerra não é admirável apenas pelos temas que aborda. Desde o princípio, Matt Reeves aposta em um tom sombrio que ganha força na tensão que ele impõe na tela, algo que percorre quase toda a história. São detalhes bem ressaltados pela fotografia de Michael Seresin e que chegam ao ápice nas sequências de ação. Estas, aliás, são conduzidas com segurança absoluta por Reeves, que aproveita o investimento do público nos personagens para fazer com que estes momentos sejam envolventes e inquietantes, desde o confronto inicial até o terceiro ato situado na base do Coronel e seus homens. É bom ressaltar em meio a isso a bela trilha de Michael Giacchino, que por vezes opta por tons melancólicos ao invés de algo mais épico, uma decisão interessante considerando que os conflitos do filme são essencialmente tristes, com vidas sendo perdidas em ambos os lados.


Para completar, é impossível falar sobre o longa sem mencionar a excepcional concepção dos macacos. Assim como ocorria nos exemplares anteriores (especialmente O Confronto), os animais não parecem meras figuras criadas em um computador, de tão convincentes e humanos que surgem na tela, o que se deve tanto aos efeitos visuais quanto ao trabalho de performance capture dos atores que os interpretam (durante a projeção, perdi a conta de quantas vezes esqueci que não são macacos de carne e osso que estão ali). E Matt Reeves várias vezes foca personagens como César e o orangotango Maurice (Karin Konoval) em primeiríssimos planos, como se fizesse questão de mostrar o brilhantismo do filme nesse aspecto.

Falando em performance capture, Andy Serkis novamente se destaca no papel de César, que se firma de vez como o personagem mais complexo de toda a série Planeta do Macacos, mostrando aqui como o ódio e o rancor são capazes de consumir alguém por mais que este preze por paz e compaixão. Em uma atuação que transmite uma série de emoções só pelo olhar, Serkis encarna a força de César com propriedade, fazendo dele um líder que inspira seus companheiros e que é inspirado por eles, de forma que a dinâmica deles chama a atenção pelo carinho e pelo respeito mútuo que todos têm uns pelos outros. Mas se Serkis é o grande nome do filme, Woody Harrelson (um ator do qual sou fã confesso) não fica muito atrás, com seu Coronel se estabelecendo como um contraponto perfeito a César. E é bom ver que o roteiro não o trata como um vilão unidimensional, o que culmina em um monólogo longo e até mesmo tocante no qual ele deixa suas motivações muito claras, naquele que certamente é um dos melhores momentos do filme. Outros destaques são o Macaco Mau interpretado com um carisma encantador por Steve Zahn, que serve eficientemente como alívio cômico, e a jovem personagem interpretada pela expressiva Amiah Miller, que consegue ser uma figura que faz o público ter um pouco de esperança na humanidade.

Ao sair de Planeta dos Macacos: A Guerra, o pensamento de que a franquia não precisa de outros filmes me veio em mente. Uma ideia que provavelmente não será seguida pelo estúdio, seja por conta do lado comercial ou pelo potencial alegórico da série. Mas, por ora, o que temos aqui é uma obra impressionante tecnicamente, rica em seu conteúdo e que encerra seus arcos narrativos de maneira digna e emocionante.


Nota: