“Não importa sobre o que é um filme, mas sim como
o filme é sobre o que ele é”. Ao longo de Atômica,
não pude evitar de pensar constantemente nessa frase do saudoso Roger Ebert.
Essencialmente, o que temos aqui é uma obra que está longe de ter a
originalidade como um de seus pontos fortes. A trama, o universo e a gama de
personagens que apresenta seguem padrões que já vimos em uma série de outros
filmes de ação. No entanto, a maneira como David Leitch (co-diretor dos ótimos longas
da franquia John Wick) constrói a
narrativa acaba tornando este um exemplar muito divertido e empolgante do
gênero, ajudando também a firmar Charlize Theron como uma heroína de ação
respeitável.
Baseado na graphic novel criada por Antony Johnston e Sam Hart, o roteiro
escrito por Kurt Johnstad é situado na década de 1980, durante os estágios
finais da Guerra Fria, e acompanha a agente do MI6 Lorraine Broughton (Theron),
que é interrogada por seu superior Eric Gray (Toby Jones) e por Emmet Kurzfeld
(John Goodman), um representante da CIA, sobre uma missão realizada em Berlim. Lá,
Lorraine ficou encarregada não só de recuperar uma lista contendo nomes de
agentes duplos, mas também de identificar e assassinar um agente conhecido como
Satchel, que tem trabalhado com os soviéticos e traiu um colega do MI6. Para
atingir esses objetivos, ela teve o auxílio de David Percival (James McAvoy).
Acredito que boa parte das
pessoas já perdeu a conta de quantas vezes já viu essa lista de agentes duplos
correr o risco de cair nas mãos erradas, de forma que revirar os olhos foi um
ato até natural quando vi que ela seria usada novamente como objeto de
interesse em um filme. Isso em uma trama que não deixa de ser um tanto boba e que
não é composta por heróis e vilões, mas sim por personagens que basicamente agem
a fim de atender seus próprios interesses, o que faz ninguém ser
particularmente confiável na história. Isso é até ressaltado de um jeito óbvio na
abertura, que traz o então presidente americano Ronald Reagan comentando a
desconfiança que domina a relação entre o Ocidente e o Oriente, e pelas várias reviravoltas
que pontuam a trama e nos fazem mudar constantemente nosso julgamento com
relação àqueles indivíduos.
Ainda assim, com a ajuda da
montagem de Elísabet Ronaldsdóttir, David Leitch cria uma narrativa envolvente
ao impor um ritmo ágil e cativante, o que é até capaz de distrair um pouco o
espectador quanto a esse lado bobo e clichê da trama. Aliás, falando na
montagem, é preciso dizer que Ronaldsdóttir faz um belo trabalho lidando com a
estrutura do roteiro, intercalando organicamente a interrogação que ocorre no
presente com os flashbacks envolvendo
a missão de Lorraine, com um ponto servindo eficientemente como base para o
outro. Enquanto isso, a seleção musical do filme, composta basicamente por músicas
pop e eletrônicas da década de 1980, ajuda a construir uma atmosfera mais leve
e até mesmo cômica, auxiliando a narrativa a não se levar tão a sério quanto a
história poderia fazer parecer.
O grande barato de Atômica, porém, é mesmo ver o filme
partir para a ação com sua protagonista. Se as sequências em si já são maravilhosamente
coreografadas, isso também pode ser dito sobre os movimentos da câmera de David
Leitch, que acompanha toda a ação sem deixar o espectador perdido quanto ao que
está acontecendo na tela. Assim, durante a projeção somos presenteados com um
embate melhor que o outro, desde a pancadaria que ocorre dentro de um carro
logo no início até a outra que ocorre dentro de um apartamento e envolve vários
policiais. Mas o grande momento do filme nesse sentido, sem dúvida alguma, é o longo
plano-sequência no qual Lorraine enfrenta agentes rivais. Iniciando em um
elevador, passando por uma escadaria, um apartamento e encerrando em uma fuga
de carro, trata-se de uma cena que vai se tornando cada vez mais insana, não
economizando em tiros, socos e pontapés e presenteando o espectador com um verdadeiro
espetáculo de ação. É verdade que se trata de um plano-sequência simulado (os
cortes são bem escondidos), mas o resultado ainda é tecnicamente primoroso.
Como se não bastasse, o filme também conta com a forte presença de Charlize
Theron, que com talento consegue trazer segurança e credibilidade para Lorraine,
que acaba sendo mais uma heroína de ação de destaque no cenário atual.
Atômica é uma bela surpresa no fim das contas. Nas mãos de
realizadores menos talentosos, talvez pudesse ser só mais um thriller de ação genérico. Por sorte,
este não é o caso e o que temos aqui é um longa que funciona admiravelmente dentro
do gênero.
Nota:
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