sábado, 23 de fevereiro de 2013

Indomável Sonhadora

  
O Oscar geralmente tenta prestigiar algumas obras do cinema independente americano que chamam muito a atenção das pessoas ao longo da temporada. Dessa forma, várias produções já conseguiram se destacar, como Pequena Miss Sunshine (que é o exemplo mais lembrado ultimamente), Preciosa e Inverno da Alma. Agora a Academia coloca Indomável Sonhadora (a grande sensação da edição do ano passado do Festival de Sundance) nesse time, e em meio a tantos erros na premiação desse ano (Lincoln, Os Miseráveis e O Lado Bom da Vida, por exemplo), pelo menos nessa lembrança os votantes acertaram.
Escrito pelo diretor Benh Zeitlin em parceria com Lucy Alibar (que desenvolveu a peça na qual o filme se baseia), Indomável Sonhadora acompanha a pequena Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), que vive com seu pai temperamental, Wink (Dwight Henry), em um local conhecido como Banheira. O estilo de vida de Hushpuppy e dos outros moradores é extremamente limitado, sendo que vários deles já estão indo embora da Banheira por causa de uma tempestade que se aproxima e que deve inundar o lugar. Sendo assim, Wink tenta ensiná-la como sobreviver quando ele não estiver mais por perto, o que pode ser a qualquer momento por causa de uma doença que o consome lentamente e que inicia a queda do mundo da garota.
Essa decadência de tudo o que cerca Hushpuppy ganha contornos incomuns graças à imaginação da menina, já que ela vê a inundação e a piora da condição de seu pai como a extinção de tudo o que conhece, e é interessante vê-la representar isso através de coisas que aprendeu em uma aula logo no início do filme. Depois de bater em seu pai e ver ele passando mal, por exemplo, Hushpuppy imediatamente pensa no derretimento de calotas polares e em animais dos tempos das cavernas (conhecidos como “aurochs”) que estão prontos para acabar com os humanos, o que até segue a lógica da Banheira, que faz seus habitantes viverem de maneira pré-histórica (algo indicado, inclusive, por desenhos feitos em alguns lugares). Aliás, a imaginação de Hushpuppy, ao lado de sua narração em off, acaba sendo importante por revelar sua ingenuidade e mostrar que ela é uma criança comum, mas que acaba tendo que ser forte devido às circunstâncias, e a belíssima trilha composta por Benh Zeitlin e Dan Romer encaixa nisso brilhantemente.
Tal força é perfeitamente representada na tela pela pequena Quvenzhané Wallis (a mais jovem indicada ao Oscar de Melhor Atriz). A grande presença que ela tem em cena é algo que torna Hushpuppy uma figura de quem é impossível tirar o olho. Além disso, a química de pai e filha que ela tem com Dwight Henry (outro grande achado) é um dos pontos altos da produção. A relação entre Wink e Hushpuppy é tensa em vários momentos (pelo modo como se refere à filha, fica subentendido que Wink gostaria que ela fosse um menino), mas durante todo o filme fica claro que existe um amor muito grande entre esses personagens e que eles precisam um do outro, e não é à toa que quase todas as cenas tocantes do filme são protagonizadas pelos dois.
Enquanto isso, Benh Zeitlin desenvolve com eficiência o universo de sua protagonista. Usando quase sempre a câmera na mão, Zeitlin constrói um ambiente agitado, ao mesmo tempo em que retrata muito bem o modo de agir de Hushpuppy, sendo ela uma criança que praticamente não para quieta ao longo do filme. Às vezes, a personagem demonstra ter até um espírito um tanto aventureiro, como quando ela sai de casa e acaba indo parar em uma boate. A precariedade da vida na Banheira também é ressaltada pela ótima fotografia de Ben Richardson, que ao investir em uma imagem granulosa acaba deixando o filme apropriadamente sujo.
Já o design de produção faz um trabalho excepcional na construção da Banheira, conseguindo estabelecer logo de cara a miséria dali. As casas, por exemplo, são extremamente bagunçadas, com diversos objetos jogados em qualquer lugar, enquanto que o barco que Wink e Hushpuppy usam para pescar parece ser feito de sucata, tamanha falta de recursos que eles têm onde moram. Dessa forma, Benh Zeitlin não deixa de fazer um tipo diferente de filme pós-apocalíptico, o que apenas torna Indomável Sonhadora ainda mais interessante. Tudo isso cria um belo contraste quando a história vai para um local mais urbano, onde tudo é mais limpo e claro. E por ser esse lado urbano o motivo de a Banheira estar perdendo seu espaço, é fácil compreender o porquê de Wink dizer para a filha que eles moram no melhor lugar do mundo.
Sensível do início ao fim e tratando com cuidado o fato de que nossas responsabilidades às vezes são fortes demais para serem ignoradas, Indomável Sonhadora é uma surpresa mais do que agradável no Oscar desse ano, e fico feliz que tenha conseguido receber algum reconhecimento em meio a tantas outras produções.
Cotação:

Um comentário:

Clenio disse...

Dessa vez discordo de tudo que você falou hehe.
Acho esse filme uma porcaria enorme, chato, desinteressante e perigosamente condescendente e maniqueísta.
Não sei o que todo mundo viu nessa guria, já que a "atuação" dela foi visivelmente construída na sala de edição. Acho um filme bem ruim superestimado.

Abraços
Clênio
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