sábado, 30 de março de 2024

Godzilla e Kong: O Novo Império

Com exceção do ótimo Kong: Ilha da Caveira, acho a franquia MonsterVerse construída com King Kong e Godzilla bem irregular, desperdiçando o potencial dos dois titãs (como são chamados aqui) em uma tentativa frustrada de universo compartilhado. Dez anos depois de essa ideia ter começado, chegamos a este Godzilla e Kong: O Novo Império, que pouco faz para melhorar a impressão da franquia.

Retomando a história anos depois de Godzilla vs. Kong, este O Novo Império mostra que a humanidade já aceitou que os dois gigantes fazem parte de sua realidade, com Kong levando sua vida na Terra Oca, enquanto Godzilla volta e meia aparece em diversas cidades, deixando rastros de destruição ao abater outros monstros ameaçadores. É quando um sinal desconhecido passa a causar certo distúrbio entre os dois titãs, algo que é captado pela equipe da Dra. Ilene Andrews (Rebecca Hall), que se junta ao podcaster Bernie (Brian Tyree Henry) e ao veterinário Trapper (Dan Stevens) para descobrir o que está ocorrendo.



Comparado a Godzilla vs. Kong, o novo filme parece tentar consertar um problema comum na franquia, diminuindo bastante o número de personagens humanos com alguma importância na trama. A tentativa é louvável, mas a execução ainda deixa a desejar porque mesmo os poucos humanos que aparecem conseguem tornar a narrativa incrivelmente aborrecida. Não só são figuras unidimensionais cujas ações não tem nada de interessante, mas também parecem servir mais para largar para o espectador os vários diálogos expositivos do roteiro. E em papeis como esses, não há nada que intérpretes carismáticos como Rebecca Hall, Brian Tyree Henry e Dan Stevens possam fazer para salvar alguma coisa.


Além disso, o roteiro procura estabelecer um pouco mais a mitologia por trás de seu universo de monstros gigantes e projetos secretos do governo, mas aposta em um desenrolar que não deixa de ser conveniente demais. Não há aqui nenhuma sutileza na apresentação de ideias, tamanha pressa que o filme tem para fazer as coisas. É algo que pontualmente até prejudica um pouco o diretor Adam Wingard (retornando após Godzilla vs. Kong), que tenta criar momentos que até soam épicos em suas ideias, mas acabam não tendo muito apelo quando executados, como por exemplo a cena envolvendo uma espécie de luva mecânica. 


Aliás, espero que Wingard retorne em breve a thrillers de baixo orçamento como Você é o Próximo e O Hóspede, já que seu trabalho nessa superprodução carece de criatividade. As cenas de ação envolvendo Kong e Godzilla até são bem conduzidas no sentido de não deixarem o espectador confuso em relação ao que ocorre na tela, mas ao mesmo tempo não trazem nada de muito memorável fora a presença de seus monstros. De qualquer forma, é preciso dizer que Kong e Godzilla exibem mais personalidade do que os humanos com os quais precisam dividir o filme, e se há algum tipo de envolvimento emocional do espectador com a narrativa isso se deve aos dois icônicos personagens, o que faz eu pensar que se o filme fosse composto apenas pelas cenas da dupla talvez tivéssemos aqui um média-metragem relativamente eficaz.

Mas Godzilla e Kong: O Novo Império infelizmente é um trabalho meia-boca. E para azar do filme, ele ainda empalidece quando pensamos que ele está sendo lançado pouco tempo depois de Godzilla Minus One, que com um orçamento muito mais modesto rendeu uma obra infinitamente mais memorável.

Nota:



sexta-feira, 22 de março de 2024

Ervas Secas

(Comentário escrito durante a cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo)

Logo após as mais três horas de duração deste Ervas Secas, pairou em minha cabeça a dúvida quanto ao número de páginas que o roteiro do filme teria. Não por conta da duração, mas sim por ele contar com diálogos, diálogos, diálogos e mais diálogos (respondendo a dúvida, aparentemente o roteiro tinha mais de 500 páginas). Mas apesar de parecer, isso que falei está bem longe de ser uma crítica, já que o diretor Nuri Bilge Ceylan faz dos diálogos um dos pontos fortes do filme.

A história mostra o professor Samet (Deniz Celiloğlu), que mora junto com seu colega Kenan (Musab Ekici) e dá aula em uma escola em Anatolia, tendo como objetivo se transferir de volta para Istambul. Mas as coisas passam a não dar muito certo quando duas alunas acusam os sujeitos de terem abusado delas. Ao mesmo tempo, Samet e Kenan conhecem Nuray (Merve Dizdar), professora que sobreviveu a um ataque terrorista e pela qual ambos passam a se interessar.

Pela base da trama, Ervas Secas parece que será um filme que colocará seus personagens rumo a algum julgamento, mesmo que seja um julgamento do próprio público. Mas a verdade é que Nuri Bilge Ceylan usa isso mais como ponto de partida para o longa, que tem interesse maior em trazer Samet, Kenan e Nuray discutindo política, filosofia, suas visões de mundo, seus desejos e até sua própria existência, com os dramas pessoais dos personagens funcionando para mostrar como tudo isso se molda e pode mudar a partir de nossas vivências. E talvez Ervas Secas pudesse ser uma experiência maçante (afinal, grande parte do filme é composta por longos planos de personagens conversando), mas Nuri Bilge Ceylan consegue dar dinamismo a narrativa, ao passo que os diálogos se revelam brilhantes e universais.

Nota: