quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Não! Não Olhe!

Uma das coisas que me chamou a atenção recentemente quando assisti ao ótimo documentário Pacto Brutal, sobre o assassinato da atriz Daniella Perez, foi ver o tratamento dado ao local do crime. Nas imagens ali apresentadas, víamos o lugar ser invadido não só por toda a movimentação da polícia e pelo desespero de familiares da vítima, mas também pela cobertura sensacionalista da imprensa e por um alto número de transeuntes que nada tinham a ver com a história, tendo saído de suas casas e se locomovendo até o local apenas para... Bem, acho que apenas para ver o ocorrido como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Basicamente, as imagens do documentário mostram muito como ser humano pode ser sanguessuga, sentindo uma necessidade/curiosidade de ver coisas horríveis (e até aumentar sua escala) apenas para ser estimulado de alguma forma. Foi nesse sentido que acabei lembrando de Pacto Brutal enquanto assistia a este Não! Não Olhe!, novo longa de Jordan Peele após ele comandar os excepcionais Corra e Nós. Em meio a uma trama que mistura terror e ficção científica, o cineasta faz comentários pertinentes sobre o impulso que as pessoas têm de espetacularizar eventos horríveis, pouco se importando com a natureza deles.

Em Não! Não Olhe!, Jordan Peele nos apresenta aos irmãos OJ e Emerald Haywood (Daniel Kaluuya e Keke Palmer, respectivamente), que perdem o pai (Keith David) durante um inexplicável acontecimento em que objetos caíram do céu. Por conta disso, eles assumem aos trancos e barrancos o negócio da família, treinando cavalos para produções audiovisuais, sendo que eles também dizem ser descendentes do homem que montava o cavalo na famosa sequência de fotos de Eadweard Muybridge (uma das primeiras tentativas de fazer imagens em movimento). Mas quando OJ passa a suspeitar de uma presença extraterrestre na região, ele e Emerald passam a tentar capturar evidências disso em vídeo, tendo a ajuda de Angel Torres (Brandon Perea), o vendedor de uma loja de eletrônicos. Ao mesmo tempo vemos a relação dos irmãos com Jupe (Steven Yeun), um ex-ator mirim que comanda um parque de diversões nas redondezas e parece ter ele próprio certo interesse no que está acontecendo.

Assim como fez em Corra e em Nós, Jordan Peele desenvolve os temas de seu filme com sutileza, evitando martelar demais suas mensagens através de diálogos, permitindo que as imagens falem por si. Assim, o diretor procura deixar que as ações de seus personagens apontem como as pessoas podem subestimar a natureza das coisas e dar tão pouco valor a vida humana, não vendo problema em explorar eventos assustadores e capitalizar em cima disso, além de sempre haver uma garantia de que haverá público para tal sensacionalismo. Além disso, é bacana notar como o diretor faz isso ao mesmo tempo em que dá a família de OJ e Emerald o protagonismo que lhe foi negado no início. Afinal, apesar de ter aparecido em frente à câmera, pouco ou nada se sabe sobre o homem que montou o cavalo na obra de Eadweard Muybridge, tornando o protagonismo (mesmo que ficcional) de seus descendentes uma reparação interessante.


Mas Não! Não Olhe! também mostra riqueza como exercício de gênero, já que além de mesclar muito bem os elementos de terror com os de ficção científica, Jordan Peele novamente exibe uma habilidade admirável para manter o espectador na ponta da cadeira, concebendo sequências intrigantes que vão desde àquela envolvendo um jovem Jupe e que se passa num set de filmagem até a outra em que OJ investiga uma movimentação em seu celeiro. E se pontualmente o diretor insere um ou outro momento mais cômico, estes surgem naturalmente e sem tirar o peso da narrativa. Para completar, o roteiro é rico ao estabelecer sutilmente certas peças que ganharão sentido apenas mais tarde (como um poço no parque de Jupe ou um equívoco que Emerald comete em seu monólogo inicial), algo que Jordan Peele também já havia feito brilhantemente em Corra.

Instigante e tenso como as obras anteriores de seu diretor, Não! Não Olhe! é capaz de entreter sem deixar de colocar um dedo na ferida do público. E Jordan Peele mais uma vez mostra ser uma das vozes criativas mais interessantes no cinema atualmente.


Nota: