terça-feira, 30 de setembro de 2014

Os Boxtrolls

Coraline e o Mundo Secreto e ParaNorman. Como podem ver, o currículo de longas-metragens do estúdio Laika ainda é bem curto, mas já o estabelece como uma empresa de animação em stop-motion que vem merecendo destaque nos últimos anos. Ambos os filmes, de um jeito ou de outro, não só souberam ser ótimos entretenimentos, mas também demonstraram confiança em seu público-alvo e não temeram dar toques mais sombrios para suas histórias. Agora o estúdio volta aos cinemas com este Os Boxtrolls, baseado no livro infantil de Alan Snow.

Escrito por Irena Brignull e Adam Pava, o filme nos apresenta aos Boxtrolls do título, pequenas criaturas que vivem em uma comunidade nos subterrâneos da cidade de Pontequeijo e se vestem com caixas de papelão, saindo à noite para vasculhar os lixos atrás de algo que lhes tenha valor. Mas, por mais inofensivos que sejam, a população os vê como monstros perigosíssimos. Por esse motivo, o lorde Portley-Rind aceita contratar os serviços de Arquibaldo Surrupião, que quer dar um fim nos Boxtrolls em troca de assumir uma posição entre os grandes degustadores de queijo, mesmo sendo alérgico a isso. Para ajudá-los na luta contra Surrupião, os Boxtrolls contam com a ajuda do jovem Ovo, que foi criado na comunidade desde bebê e conhece a verdadeira natureza deles como ninguém, além de Winnie Portley-Rind, a filha do lorde.
O filme consegue quase que imediatamente fazer com que o público simpatize com os Boxtrolls, e não por eles serem engraçadinhos, embora essa característica se faça presente, mas, sim, por se mostrarem bondosos e inventivos. É algo que os diretores Graham Annable e Anthony Sacchi tratam de deixar evidente na adorável relação deles com Ovo e no design de produção do lar subterrâneo, formado de maneira incrivelmente funcional pelos objetos que pegam nas ruas. Por nos importarmos com os Boxtrolls, os momentos em que Surrupião sequestra alguns deles se revelam bem melancólicos, e é notável a impotência sentida por todos diante da situação, em especial a de Ovo.
Já que mencionei o design de produção, vale dizer que o visual de Os Boxtrolls é sensacional, característica comum nas obras da Laika. Isso aparece não só no já citado lar dos personagens, mas também na própria Pontequeijo, com seu jeito obscuro à noite e rico em cores à tarde, além da enorme mansão do Lorde Portley-Rind e da suja e desorganizada casa de extermínio de Surrupião. Para completar, é bacana ver a atenção que os diretores dão a pequenos detalhes da animação, como quando Ovo engole o choro ao ver um Boxtroll ser pego, o que torna a técnica do stop-motion ainda mais expressiva.
Mas, apesar dessas virtudes, Os Boxtrolls se prejudica um pouco por não ter uma história das mais originais. Seu plot, com os personagens-título sendo figuras boas ao invés de monstruosas como todos pensam, lembra àquele visto, por exemplo, em Como Treinar o Seu Dragão. No entanto, o principal problema do filme é o fato dele ter coragem de dar tons mais pesados à sua história (como no flashback que explica como Ovo foi parar nas mãos dos Boxtrolls), mas ser um tanto covarde ao não manter ao menos uma parte disso até o final. Dessa forma, o roteiro traz reviravoltas meio forçadas, que funcionam apenas graças ao carisma de seus protagonistas, mas não faria mal algum caso um pouquinho de escuridão fosse mantido no final das contas.
Assim, Os Boxtrolls não chega a ser um trabalho tão interessante quanto os outros realizados pela mesma produtora. Mas ainda se mostra capaz de se sustentar como uma animação simpática e que é um deleite para os olhos do espectador, fazendo o suficiente para render um entretenimento agradável.
Nota:

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Arremesso de Ouro

“Baseado em uma história real”. Há filmes que colocam essa frase em sua narrativa antes de qualquer outra coisa. Mas muitas vezes eles seguem tantas convenções que chega a ser uma surpresa perceber que seus materiais de origem tenham realmente existido. Arremesso de Ouro, produção dos Estúdios Disney, é um desses casos. Aqui, temos uma história que até poderia render uma produção interessante, mas que resulta em um drama do tipo que já vimos diversas vezes em obras melhores.

Escrito por Tom McCarthy, Arremesso de Ouro se concentra em J.B. Bernstein (Jon Hamm), agente esportivo que, ao lado de seu sócio Aash (Aasif Mandvi), está quase falido, perdendo clientes para outras agências. É quando ele tem a ideia de ir até a Índia com o objetivo de encontrar talentosos jogadores de críquete e transformá-los em grandes jogadores de baseball, selecionando-os a partir de um reality show, o “Million Dollar Arm” (Braço de Um Milhão de Dólares, em tradução literal). Com a ajuda do olheiro Ray Poitevint (Alan Arkin), J.B. chega aos jovens Rinku Singh (Suraj Sharma) e Dinesh Patel (Madhur Mittal), levando-os para serem treinados nos Estados Unidos. E se inicialmente J.B. só pensa em negócios, aos poucos acaba se aproximando e formando laços afetivos com a dupla, que tenta se adaptar ao novo lar longe de suas famílias.
Assim tem início a velha história do homem solitário e egoísta que encontra uma família onde menos espera. No caso de J.B., entretanto, ela não irá se restringir apenas a Rinku e Dinesh, mas incluirá também sua inquilina, Brenda (Lake Bell). Isso é tratado pelo roteiro de um jeito muito clichê, sendo possível prever não só o arco dramático do protagonista (que fica bem claro quando afirma “não tenho família”), mas também nos conflitos ao longo do filme. Aliás, alguns acontecimentos, como a subtrama envolvendo um jogador de futebol americano ou um pequeno machucado que um personagem sofre, são inseridos apenas para causar distúrbios artificiais, pois no geral não apresentam impacto nenhum na história.
Isso é conduzido pelo diretor Craig Gillespie (o mesmo do excelente A Garota Ideal e do divertido remake de A Hora do Espanto) como um melodrama barato. Há momentos, por exemplo, em que o realizador claramente tenta forçar o choro do espectador, usando até uma trilha melosa para alcançar seu objetivo. Além disso, Gillespie não consegue impedir que o filme se torne chato em determinadas partes, como na sequência envolvendo o reality show, que toma muito tempo de tela, principalmente se considerarmos que é estabelecido logo no início quem serão os escolhidos.
Mas Arremesso de Ouro ao menos tem um bom elenco, detalhe que o deixa mais suportável. Se não criamos antipatia por J.B. e seus modos egoístas, isso se deve porque o talentoso Jon Hamm o interpreta com carisma, sendo eficiente em toda a transição pela qual o protagonista passa. Já Suraj Sharma e Madhur Mittal desenvolvem uma bela camaradagem entre Rinku e Dinesh, ao passo que Lake Bell faz de Brenda uma figura adorável, compensando o fato de a personagem ser apenas o interesse amoroso do protagonista. Finalmente, Alan Arkin rouba algumas cenas como o rabugento Ray, que vem a ser usado como um deus ex-machina pelo roteiro.
Arremesso de Ouro busca ser uma produção que faz o espectador sair da sala de cinema de bom humor (“feel good movie”, como costumam chamar). Mas, infelizmente, se estabelece como um filme água com açúcar esquecível, que desperdiça seu potencial dramático ao optar por seguir caminhos mais fáceis e batidos.
Nota:

domingo, 21 de setembro de 2014

Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

Depois do sucesso alcançado por suas séries animadas, sendo Family Guy a mais popular, Seth MacFarlane surpreendeu grande parte das pessoas ao fazer de sua estreia na direção de longas-metragens, Ted, uma das comédias mais hilárias dos últimos anos. Com a boa aceitação do filme, MacFarlane parece ter ganhado confiança para se arriscar em outra comédia que segue seu estilo de humor escrachado e politicamente incorreto. É o que vemos neste Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola, onde o diretor também decide aparecer de carne e osso em frente às câmeras ao invés de optar pelo motion capture ou por uma dublagem.

Escrito por MacFarlane e seus colaboradores habituais Alec Sulkin e Wellesley Wild, Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola se passa no Velho Oeste de 1882 e segue o covarde criador de ovelhas Albert Stark (MacFarlane), que vive diante dos perigos da pacata cidade de Old Stump, no Arizona, e é dispensado por sua namorada, Louise (Amanda Seyfried). Em meio a isso, o impiedoso Clinch (Liam Neeson) segue sua jornada de crimes, deixando sua sensível esposa Anna (Charlize Theron) ficar na cidade, já que assim ela não precisa se incomodar com sua crueldade. Anna então acaba se aproximando de Albert, passando a ajudá-lo a impressionar Louise, que o trocou rapidamente pelo rico e bigodudo Foy (Neil Patrick Harris).

É difícil ver Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola e não se lembrar da comédia de western mais famosa do cinema: o excepcional Banzé no Oeste, de Mel Brooks, que é até referenciado em alguns momentos. Mas ao contrário da obra de Brooks, é uma pena que Seth MacFarlane prefira investir em uma história bem pobre, cujo desenvolvimento segue fórmulas e clichês tão batidos que ao vermos Albert e Anna ficando amigos já sabemos o que acontecerá ao longo da narrativa. E por os pontos importantes da trama serem tão óbvios, de vez em quando o filme se torna desinteressante por demorar a chegar neles.

No entanto, MacFarlane parece usar a história desse jeito apenas como uma base para inserir todas as piadas, uma escolha que rende coisas boas e ruins. Por um lado, o roteiro tem sacadas inspiradas, sendo eficiente em seu humor negro (como nas cenas de mortes inacreditáveis, que são tratadas como algo divertidamente assustador, mas comum naquele universo) e na forma como satiriza detalhes conhecidos do Velho Oeste (a sequência da luta no bar, com todos se envolvendo na briga sem motivo, é um exemplo). Por outro, o filme às vezes se esforça demais para fazer o espectador rir (como quando Albert vai embriagado até a casa de Louise), além de trazer gags escatológicas, mas idiotas (a ovelha urinando no protagonista vem em mente).

Enquanto isso, se MacFarlane não chega a ser um intérprete dos melhores, ao menos tem carisma como Albert, desenvolvendo ainda uma bela química com Charlize Theron, que traz uma bem-vinda doçura por trás da grande força de Anna, caprichando também no lado cômico da personagem. Até por isso é uma pena que ela vire uma donzela indefesa a partir de determinado momento. Já Amanda Seyfried e Neil Patrick Harris pouco tem a fazer com Louise e Foy, ao passo que Giovanni Ribisi e Sarah Silverman causam boas risadas como Edward e Ruth, amigos do protagonista e que mantêm uma relação incomum (Ribisi, inclusive, tem a chance de referenciar um detalhe hilário de seu papel em Ted). Fechando o elenco, Liam Neeson claramente se diverte como Clinch, tendo uma presença admirável encarnando a vilania do personagem.

Contando ainda com uma série de participações especiais interessantes das quais duas em especial se revelam absolutamente geniais, Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola faz o suficiente para render um bom entretenimento. Mas é uma comédia que empalidece não só se comparada a outras obras do tipo, mas também a outros trabalhos de Seth MacFarlane.

Obs.: Há uma cena depois dos créditos finais.

Nota:


sábado, 20 de setembro de 2014

O Justiceiro (1947)

George Lambert (Wyrley Birch) é um padre adorado na cidade americana de Bridgeport, o que faz seu assassinato a sangue frio causar grande comoção na população. Apostando nas testemunhas e nas poucas provas que tem em mãos, a polícia liderada por Harold Robinson (Lee J. Cobb) prende o veterano de guerra John Waldron (Arthur Kennedy), mesmo que este jure não ter feito nada. É, então, que o promotor Henry Harvey (Dana Andrews) mostra ser o único com dúvidas relativas à acusação e tenta investigar a verdade, ainda que isso não seja muito bem visto pelos habitantes da cidade, eles que querem ver alguém preso pelo crime de qualquer maneira.

Lançado em 1947, O Justiceiro é um filme no qual o diretor Elia Kazan lida com um ótimo material, baseado em um caso real que ocorreu em Bridgeport na década de 1920. A premissa é até similar ao de uma obra-prima realizada dez anos depois: 12 Homens e uma Sentença. No entanto, ao longo do filme, em especial na primeira metade, Kazan enfrenta certos obstáculos que o atrapalham na hora de tornar a trama interessante, o que se deve a alguns problemas do roteiro escrito por Richard Murphy.
Quando focado apenas na história e nos personagens, Elia Kazan consegue criar uma narrativa instigante. Desde o início fica claro que John Waldron não é culpado, detalhe que aguça nossa curiosidade para saber o que acontecerá com ele no fim das contas. Não à toa o filme é mais envolvente em sua segunda metade, quando Henry Harvey admite a possibilidade da inocência de Waldron. O roteiro de Murphy merece créditos por desenvolver bem os esforços do promotor para provar sua teoria diante do tribunal. Ao mesmo tempo, é bacana notar como é explorada a vontade do ser humano de fazer justiça com as próprias mãos (a cena em que os habitantes tentam pegar o acusado quando ele é escoltado pela polícia vem em mente), assim como a grande pressão em volta de todos os envolvidos no caso.
Mas, se por um lado o roteiro tem essas qualidades, por outro sua estrutura às vezes se revela episódica, trazendo cenas sem ligações muito orgânicas, que passam a sensação de desenvolvimento corriqueiro. Além disso, Murphy usa uma péssima narração em off para explicar ao espectador eventos importantes, mas que por algum motivo não são mostrados no filme. Dessa forma, a história fica simplificada demais, a ponto de tornar a narrativa um tanto superficial. Para completar, a subtrama envolvendo Paul Harris (Ed Begley) e seu interesse particular na condenação de Waldron é apresentada displicentemente, não tendo o peso que poderia ter.
Em meio a isso, Dana Andrews traz força e determinação para Henry Harvey, fazendo do personagem uma figura íntegra e que segue seus princípios (“O dever de quem ocupa o cargo de promotor não é obter condenações, mas obter justiça”) apesar das dificuldades do trabalho. Já Arthur Kennedy é hábil ao fazer de John Waldron um homem vulnerável diante da situação em que se encontra. E Lee J. Cobb e Ed Begley como Harold Robinson e Paul Harris, respectivamente, enriquecem o filme com suas presenças magnéticas.
O Justiceiro é um trabalho menor de Elia Kazan. Uma produção que, mesmo tendo rendido algo satisfatório, certamente poderia ter resultado melhor do que se vê na tela. Até por isso, não chega a ser uma surpresa que o filme não seja tão lembrado quanto os outros que o diretor viria a realizar em sua frutífera carreira.
Nota:

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Maze Runner: Correr ou Morrer

Livros de fantasia infato-juvenis já tem uma fórmula básica na busca de serem bem sucedidos: trazer um protagonista que mostra ser uma espécie de “Escolhido” e que causará um grande impacto dentro de seu universo. E se essa fórmula já está enjoando um pouco nos livros, o mesmo pode ser dito sobre suas adaptações cinematográficas, e todo ano surgem novos candidatos para tentar emplacar um sucesso parecido com os de Harry Potter e Jogos Vorazes. Só em 2014 tivemos Divergente (que rendeu dinheiro o suficiente para que suas continuações sejam preparadas), O Doador de Memórias e agora este Maze Runner: Correr ou Morrer, baseado no primeiro livro da trilogia escrita por James Dashner.

Roteirizado a seis mãos por Noah Oppenheim, Grant Pierce Myers e T.S. Nowlin (todos estreantes na função), Maze Runner acompanha o jovem Thomas (Dylan O’Brien), que repentinamente acaba indo parar em um lugar conhecido como Clareira, uma espécie de acampamento no qual dezenas de garotos ficam presos cercados por um enorme labirinto, sem lembrar de seu passado ou de como e por que foram enviados para lá. Todos têm a esperança de encontrar a saída através do labirinto, algo que àqueles que têm permissão para entrar nele (os chamados Corredores), como Gally (Will Poulter) e Minho (Ki Hong Lee), procuram há tempos sem sucesso. No entanto, Thomas promete pôr à prova as chances de todos escaparem de lá, sendo que as coisas ficam mais estranhas com a chegada de Teresa (Kaya Scoledario), a primeira menina a vir para a Clareira.

Logo de cara Maze Runner lembra de certa maneira O Senhor das Moscas, com seus personagens buscando sobreviver de um jeito quase primitivo, inclusive formando suas próprias regras para convivência. E não deixa de ser uma surpresa ver que a história tenha um tom mais sombrio quando comparada com as de outros filmes do tipo, algo que o diretor Wes Ball (estreante em longas-metragens) abraça sem medo. Ball, aliás, também consegue criar uma atmosfera de suspense interessante em volta do mistério em volta da Clareira e o labirinto, que ganham uma aparência pós-apocalítica graças ao design de produção e a fotografia com tons por vezes acinzentados de Enrique Chediak.

Mas se por um lado esse suspense é bem-vindo e necessário para a trama, por outro o filme vai ficando gradativamente desinteressante à medida que o roteiro revela quem está por trás da Clareira e por que os garotos vão para lá, sendo algo bobo demais. Não é à toa que o terceiro ato seja a parte mais fraca da produção. Além disso, Wes Ball pode até desenvolver eficientemente a atmosfera da história, mas mostra ser um diretor muito fraco em termos de cenas de ação, fazendo desse aspecto um dos mais problemáticos do filme ao não conseguir deixar clara a lógica visual e tentando ditar a tensão ao investir em cortes rápidos, mas isso apenas torna as cenas aborrecidas, como na sequência em que os monstros conhecidos como Verdugos atacam a Clareira.

Maze Runner ainda se prejudica não só ao seguir à risca sua fórmula, não se arriscando muito a fazer coisas novas dentro dela, mas também por ter diálogos muito óbvios. Dessa forma, quando o roteiro coloca personagens dizendo para Thomas “Não vá além dos muros” ou “Ninguém nunca sobreviveu a uma noite dentro do labirinto”, fica muito claro que o protagonista irá quebrar as regras do que acontece naquele universo, detalhe que impede que nos surpreendamos com seus feitos. Isso é até uma pena considerando que o jovem Dylan O’Brien surpreende ao trazer carisma e segurança ao papel.

Se levarmos em conta a atual mania dos estúdios de dividir o capítulo final de uma série literária em dois filmes, é provável que Maze Runner ganhe três continuações caso faça sucesso. Se forem realizadas, esperemos que sejam um pouco melhores do que este primeiro filme, ou essa será apenas mais uma saga que passará batida, sem deixar uma marca relevante.

Nota:


domingo, 7 de setembro de 2014

Hércules

Figura icônica da mitologia grega, Hércules já apareceu diversas vezes no cinema ao longo dos anos, sendo que no início de 2014 ele voltou às telonas tendo Kellan Lutz como intérprete, em uma produção dirigida por Renny Harlin. Mas esta mostrou ser uma catástrofe, e provavelmente estará em algumas listas de piores do ano. No entanto, como é comum que em uma mesma época sejam feitas obras similares (os chamados “filmes gêmeos”, que comentei neste post), o herói ganha uma nova chance no cinema neste Hércules dirigido por Brett Ratner e protagonizado por Dwayne Johnson. E o resultado felizmente é infinitamente melhor do que o da porcaria vista anteriormente, mesmo que ainda não seja um grande filme.

Escrito por Ryan Condal e Evan Spiliotopoulos, baseado nos quadrinhos de Steve Moore, Hércules acompanha o personagem-título liderando um grupo de mercenários formado por seu sobrinho Iolaus (Reece Ritchie), Autólico (Rufus Sewell), Anfiarau (Ian McShane), Atalanta (Ingrid Bolsø Berdal) e Tideu (Aksel Hennie), que o ajudam a espalhar sua fama de guerreiro lendário que enfrentou doze incríveis tarefas. É então que ele recebe a proposta de Lorde Cotys (John Hurt) para ajudar a proteger o reino Trácia. Tudo para que os exércitos dele tenham uma vantagem sobre dos homens comandados por Rhesus (Tobias Santelmann), que quer tomar a cidade.

Trazendo várias vezes alguns questionamentos com relação à fama de grande guerreiro do protagonista (quando perguntado sobre como matou o Leão de Nemeia, ele responde “Com minhas próprias mãos... Ou ao menos é o que dizem.”), o roteiro tenta retratá-lo como uma figura mais humana se comparada àquela que as histórias espalham. Em determinado momento, inclusive, ele tem seus ferimentos cobertos antes que alguém note sua vulnerabilidade. Sendo assim, vale ressaltar que Dwayne Johnson faz um bom trabalho ao trazer um jeito um tanto cético para o herói, como se todos seus feitos não fossem verdadeiros ou se tratassem apenas histórias mal contadas. Sem falar que o ator se revela um intérprete ideal para Hércules, seja por sua imponência ou por seu carisma, que ajuda o espectador a simpatizar rapidamente com o personagem.

Enquanto isso, Brett Ratner consegue trazer uma escala apropriadamente épica ao filme, comandando sequências de ação cativantes, detalhe que acaba sendo importante por elas serem longas. Nesse aspecto, aliás, é bom notar a bela dinâmica entre Hércules e sua equipe, com todos realmente protegendo um ao outro, não importando a posição em que estão no campo de batalha. Além disso, a grandiosidade da produção ainda é muito bem estabelecida pelo próprio visual do filme, onde Ratner tem o auxílio não só da boa fotografia em tons sépia de Dante Spinotti, mas também dos cenários impressionantes concebidos pelo design de produção de Jean-Vincent Puzos.

Mas se Hércules acerta nesses aspectos, encontra graves problemas no modo como desenvolve sua história, e nesse sentido o roteiro mostra-se muito pobre, impedindo a produção de ser um pouco mais interessante. Apostando em clichês e reviravoltas óbvias, o filme nunca chega a surpreender, contando ainda com uma estrutura um tanto problemática, já que em vários momentos são inseridos flashbacks que se desviam da trama principal e quebram o ritmo da história. Para completar, por mais que os intérpretes dos amigos do protagonista tenham uma boa presença em cena (em especial Rufus Sewell e Ian McShane), isso não tira o fato de que estes são meros estereótipos, ao passo que os vilões são bem caricaturais.

Hércules sem dúvida não é um trabalho dos mais memoráveis, mas ao menos consegue ser um entretenimento razoável, se salvando ao divertir com seu personagem e com o bom humor que envolve a narrativa.

Nota:


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Anjos da Lei 2

Divertido e com uma ótima dupla de protagonistas em Jonah Hill e Channing Tatum, Anjos da Lei foi uma adaptação bem interessante da famosa série de TV estrelada por Johnny Depp na década de 1980. Com o sucesso surpreendente que o filme fez nas bilheterias, é lógico que uma continuação já está aqui para mostrar outra uma aventura dos personagens. No entanto, vale dizer que boa parte das sequências tem uma ambição muito mais comercial do que propriamente criativa, chegando a contar praticamente a mesma história vista anteriormente. De certa forma, Anjos da Lei 2 entra nesse caso, mas com a diferença de que tem plena noção disso, aproveitando sua proposta com toques metalinguísticos para brincar com essa mania até comum no cinema. O que é apenas uma de suas sacadas inspiradas.

Escrito por Michael Bacall, Oren Uziel e Rodney Rothman, a partir do argumento concebido por Bacall e Jonah Hill, Anjos da Lei 2 traz Schmidt (Hill) e Jenko (Tatum) recebendo novas ordens do Capitão Dickson (Ice Cube), que manda eles se infiltrarem em uma faculdade, caminho natural considerando que antes eles havia voltado ao colégio. Ali, eles ficam a cargo de descobrir quem é o fornecedor da droga conhecida como “WHYPHY”, responsável pela morte de uma das alunas. Mas enquanto fazem sua tarefa, a dupla também passa a viver um pouco a experiência de faculdade que não puderam aproveitar mais cedo em suas vidas, sendo que o sucesso de um não agrada muito o outro.

Apesar de se manter coerente com as personalidades dos dois protagonistas, esse descontentamento entre eles leva a conflitos que são desenvolvidos de um jeito meio previsível, além de similar ao que havíamos visto no filme anterior. Mas se por um lado isso faz com que a história não surpreenda tanto, por outro acaba rendendo bons momentos graças a já citada metalinguagem, como quando o chefe Hardy (vivido por Nick Offerman) ressalta o sucesso da outra missão dos personagens (“Façam a mesma coisa da última vez e todos ficarão felizes”, ele diz). E os talentosos diretores Phil Lord e Chris Miller conduzem tudo com grande energia, explorando com eficiência as cenas mais engraçadas, mostrando um ótimo timing tanto para as piadas quanto para as brincadeiras com clichês, como quando um personagem questiona o fato de ninguém ser ferido em meio a um tiroteio.

Enquanto isso, Jonah Hill e Chaning Tatum voltam a mostrar a excelente química que desenvolveram no primeiro filme, mostrando que Schmidt e Jenko realmente se completam e gostam um do outro apesar de suas diferenças, tendo ainda um carisma natural que faz com que nos importemos com eles ao longo da história. E eles claramente se divertem encarnando os personagens, como na cena em que Jenko percebe o motivo de uma birra entre Schmidt e o Capitão Dickson, em um dos melhores momentos do filme. Dickson que, aliás, ganha mais espaço dessa vez, dando a Ice Cube a oportunidade de divertir um pouco mais com seu jeito durão e desbocado.

É verdade que de vez em quando Anjos da Lei 2 parece jogar uma piada na tela torcendo para que o espectador ria, sem muito sucesso. Por sorte isso não acontece muito e o filme consegue ser uma continuação bem eficiente. No entanto, considerando a hilária sequência no início dos créditos finais, que brinca com franquias cinematográficas e como elas são exploradas, será uma pena se a qualidade da série cair em um terceiro exemplar, já que é bacana ver os realizadores fazendo essas piadas, mas apenas enquanto eles mesmos não se tornam os próprios alvos.

Obs.: Há uma cena após os créditos finais.

Nota:


Locke

Filmes como Locke são do tipo que não aparecem com frequência no cinema. É um trabalho que consiste em seguir apenas um personagem num mesmo cenário durante quase toda a narrativa, e que conta uma história que se passa em tempo real. São limitações que, nas mãos de realizadores menos talentosos, poderiam impedir a realização de uma obra interessante. No entanto, o diretor-roteirista Steven Knight (responsável pelo roteiro dos aclamados Coisas Belas e Sujas e Senhores do Crime, além de ter comandado recentemente o eficiente Redenção, estrelado por Jason Statham) aproveita isso para montar um estudo de personagem instigante, trazendo Tom Hardy naquela que é desde já uma das melhores atuações de sua carreira.

Ivan Locke (Hardy) é um homem bem sucedido em seu trabalho com construções e tem uma boa vida com a esposa Katrina (Ruth Wilson) e os filhos Eddie (Tom Holland) e Sean (Bill Milner). Certo dia, ele recebe uma mensagem de Bethan (Olivia Colman), mulher com quem passou uma noite há alguns meses e que agora está entrando em trabalho de parto prematuramente. Enquanto se dirige para casa assistir a um jogo de futebol com a família e se preparar para um grande serviço que terá no dia seguinte, Ivan toma a decisão de ir apoiar o nascimento deste filho inesperado, o que lhe fará perder tudo o que construiu em sua vida.
Tirando a cena inicial, que mostra o protagonista saindo do trabalho e entrando em seu BMW, o filme se passa inteiramente dentro do veículo, e todas as informações que precisamos para entender o que está acontecendo são dadas através das conversas que ele tem pelo celular enquanto dirige à caminho do hospital, em Londres. Dessa forma, Steven Knight é hábil ao construir diálogos que nunca soam expositivos e ajudam no desenvolvimento do personagem, estabelecendo de maneira natural o passado dele – principalmente sua relação com o pai, o que nos faz entender o porquê dele tomar a decisão que inicia a história. Knight ainda cria uma narrativa envolvente do início ao fim, e com a ajuda da maravilhosa fotografia de Haris Zambarloukos transforma o carro em um lugar inquietante e até claustrofóbico, detalhes que se encaixam perfeitamente no contexto proposto, considerando os conflitos estressantes que o personagem enfrenta ali dentro.
Mas, mesmo com essas qualidades, Locke certamente não teria tanta força caso não tivesse um grande ator à frente de sua trama. Por sorte, Tom Hardy é um dos melhores nomes que surgiram nos últimos anos e encarna o personagem com a complexidade que este merece, e em um mundo justo seria indicado a todos os prêmios por isso. Desde o impulso no modo como muda a direção do carro para Londres até a maneira como fala, que denota certa lamentação na voz por trás de sua calma, Hardy faz de Ivan uma figura muito humana, apesar de falha. Ao longo da história, acompanhamos um homem que claramente gostaria de estar em casa ao invés de dirigindo, mas que tem consciência de que isso não só seria errado como também o deixaria parecido com o próprio pai. Assim, Ivan está constantemente tentando fazer aquilo que é certo, ainda que prejudique pessoas com as quais se importa. E ele sabe que as palavras que trocar pelo celular farão com que sua vida esteja diferente quando colocar os pés para fora do carro, o que, inclusive, torna compreensível o porquê dele hesitar um pouco antes de atender a cada chamada.
Fascinante em seus 85 minutos de duração, Locke é, sem dúvida, um dos melhores filmes dessa temporada. É até uma pena que chegue ao fim e tenhamos que nos afastar de seu excelente protagonista. Mas assim como ele precisa resolver seus problemas e lidar com a nova vida que terá, nós precisamos voltar aos nossos cotidianos, mesmo com os obstáculos que somos obrigados a encarar.
Nota: