sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Fatman

Papai Noel. Eis um papel que, para ser sincero, nunca imaginei que veria Mel Gibson interpretar. Provavelmente essa impressão seja resultado da imagem unidimensional de “bom velhinho” que padronizou essa figura natalina, algo que não encaixa nos tipos durões e falhos que Gibson interpretou ao longo da carreira. Em parte, Fatman mostra que essa impressão era equivocada. Digo “em parte” porque o longa até traz Gibson interpretando o clássico personagem, mas trata-se de uma versão diferente do que estamos acostumados, parecendo ter sido moldada para que o talentoso ator caísse com uma luva no papel. E além de ser interessante ver Gibson dar vida a essa versão do personagem, isso ainda acontece em um filme muito bacana.

Em Fatman, o Papai Noel é conhecido como Chris Cringle, sujeito que vive em uma fazenda com sua esposa, Ruth (Marianne Jean-Baptiste), e mantém ali uma fábrica para fazer os brinquedos que as crianças merecedoras ganham, um negócio que está indo de mal a pior. Enquanto isso, o jovem Billy Wenan (Chance Hurstfield) acorda no Natal e vê que ganhou de presente um pedaço de carvão, o que o faz querer se vingar do Papai Noel. Para isso, ele contrata o Magrelo (Walton Goggins), um assassino profissional que tem seus próprios ressentimentos com Chris.

A execução dos irmãos Eshom e Ian Elms, que escreveram o roteiro e dirigiram a produção, capricha ao explorar bem a ideia por trás da história, que por si só já é divertidamente absurda. Além de criarem uma lógica convincente para a existência do Papai Noel naquele universo, os cineastas conseguem equilibrar bem o tom da narrativa, que diverte com certos exageros, mas sem deixar de se levar a sério, rendendo ainda alguns momentos de genuína tensão, como no explosivo terceiro ato.

Mas o que me chamou mais atenção em Fatman é que o filme faz essas coisas sem sacrificar o desenvolvimento dos personagens. Assim, o ótimo Walton Goggins faz do Magrelo um indivíduo frio e ameaçador, mas pontualmente tem chances de sugerir como o assassino se tornou a pessoa que é agora, apontando para um passado repleto de tristezas que tridimensiona o personagem. O mesmo serve para Billy, que o jovem Chance Hurstfield encarna como um sociopata riquinho e mimado, mas aos poucos vemos que isso vem da completa falta de autoridade em sua vida.

Mas o grande destaque fica mesmo para Mel Gibson. Exibindo seu carisma habitual, o ator faz de Chris Cringle uma figura bondosa, que faz sempre o melhor que pode e exibe um real afeto por seu trabalho e pelas pessoas ao seu redor. Mas ao mesmo tempo ele não deixa de se entregar a suas frustrações, que o desmotivam e ditam o rumo de suas ações. Assim, Gibson concebe um Papai Noel que pode até ter sua aura mágica (como vemos nas cenas em que ele mostra saber tudo sobre a vida das pessoas), mas se aproxima muito de ser um indivíduo comum (arrisco dizer que é uma das versões mais humanas que lembro de ver do Papai Noel, ao menos nos últimos anos). Para completar, Gibson ainda forma uma ótima dinâmica com a excelente Marianne Jean-Baptiste, cuja presença como Ruth surge sempre repleta de calor humano.

Assistir a Fatman acaba sendo um verdadeiro deleite. E não consigo evitar de classificar o filme como uma das boas surpresas de 2020.


Nota: