segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Foxcatcher: Uma História Que Chocou o Mundo

Tendo lido detalhes de Foxcatcher quando ele estava em desenvolvimento, devo dizer que acabei entrando no filme já sabendo que ele não teria um final feliz. E como se isso não fosse o suficiente, a produção ainda ganhou o subtítulo “Uma História Que Chocou o Mundo” no Brasil para tornar tudo um pouco mais claro. No entanto, mesmo que não houvesse essas coisas, logo nos primeiros minutos já daria para perceber que este novo trabalho do talentoso Bennett Miller (de Capote e O Homem Que Mudou o Jogo) não seria particularmente leve ou fácil de digerir. Isso porque o diretor monta uma narrativa inquietante no modo como trata sua história baseada em fatos, o que ocorre principalmente graças a seus personagens complexos.

Escrito por E. Max Frye e Dan Futterman, Foxcatcher tem início em 1987 e acompanha o campeão olímpico de luta greco-romana Mark Schultz (Channing Tatum), que deseja ser o melhor do mundo. Para isso, ele sempre treina com seu irmão, Dave (Mark Ruffalo), que é um dos mais reconhecidos lutadores da modalidade. É então que Mark vê uma grande chance para avançar mais na carreira quando o milionário John du Pont (Steve Carell) o convida para entrar em sua equipe, a Foxcatcher, onde receberia todo o apoio necessário para se tornar um lutador ainda melhor. Mas ao aceitar a proposta, Mark não faz ideia de que as intenções de du Pont em termos psicológicos não é exatamente ajudar jovens atletas a realizarem seus sonhos, algo que se deve a relação dele com sua mãe, Jean (Vanessa Redgrave).

Foxcatcher é um conto envolvendo personagens que querem sair da sombra das pessoas que consideram superiores, ao mesmo tempo em que se sentem dependentes delas de alguma maneira. Enquanto John passa por isso com sua mãe, que inclusive não vê a luta greco-romana como um esporte, Mark passa com seu irmão, ainda que em um grau menor. Assim, não é à toa que eles sejam as figuras que mais passem estranhamento para o público quando aparecem em cena, revelando-se introspectivos e com certa dificuldade para se expressar, e a amizade que surge entre eles parece vir pela necessidade que ambos têm de se destacarem.

Explorando a complexidade desses relacionamentos, Bennett Miller inteligentemente cria uma atmosfera que incomoda por sua calmaria por vezes excessiva, detalhe perceptível até pelo uso bastante econômico da trilha de Rob Simonsen. Dessa forma, quando os personagens agem de um jeito explosivo (como quando Mark destrói um quarto), tais cenas causam uma impressão maior pelo contraste que é criado. Mas isso também ajuda a compor o tom melancólico que permeia o filme, algo que Miller ainda estabelece de maneira muito natural, seja através de planos longos ou pela bela fotografia de Greig Fraser, que tira parte da vida que se vê na tela.

Mas considerando seus personagens, Foxcatcher é uma obra cuja força poderia se perder caso contasse com um elenco pouco talentoso, o que felizmente não é o que acontece. Channing Tatum (que cresceu muito como ator nos últimos anos) se destaca ao encarnar Mark como um jovem solitário, que passa a maior parte do tempo pensando apenas em quanto quer se aprimorar no esporte, e até por isso ele parece se indignar com o fato de seu irmão ter constituído uma família para a qual tem que dar atenção. Dave, por sua vez, é interpretado pelo excelente Mark Ruffalo com uma sensibilidade admirável, deixando claro desde o início o amor e o cuidado que ele tem com o caçula, desenvolvendo uma brilhante dinâmica com Tatum, com quem compartilha uma curiosa postura em cena, já que ambos parecem sempre estar em um ringue. Mas é Steve Carell quem rouba o filme com sua fantástica atuação como John du Pont. Apostando em um jeito meio desconfortável e em uma fala pausada, Carrell transforma du Pont num homem cujas boas ações escondem um indivíduo desequilibrado e imprevisível. É um trabalho que comprova de vez que Carell não é só o ótimo comediante com o qual nos acostumamos, mas um ator talentosíssimo.

Foxcatcher é um drama esportivo diferente de boa parte das produções do gênero. Não é um trabalho inspirador, que mostra uma espécie de superação. Ao invés disso, ele prefere se estabelecer como um grande estudo de personagem enquanto faz um retrato impactante de acontecimentos trágicos, encontrando nisso a melhor forma de contar sua história e rendendo um grande filme.

Nota:

sábado, 17 de janeiro de 2015

Livre

Em determinada cena de Livre, poucas horas depois da protagonista Cheryl Strayed iniciar sua longa caminhada pelo Pacific Crest Trail, ela olha para trás e contempla o quanto percorreu até então, ainda pensando se não deveria desistir. No entanto, é evidente que ela não está olhando apenas para um simples trajeto, mas para uma existência repleta de maus momentos que a colocaram ali. E desistir daquilo que começou seria o mesmo que voltar para esse passado sombrio. Em parte, é isso que torna Livre um estudo de personagem tão interessante, representando mais um trabalho admirável do diretor Jean-Marc Vallée (do ótimo Clube de Compras Dallas), além de contar com uma das melhores atuações da carreira de Reese Witherspoon.

Escrito pelo talentoso Nick Hornby a partir do livro autobiográfico de Strayed, Livre nos apresenta a ela já em 1995, quando está lidando com todas as dores e dificuldades naturais do percurso do PCT. É então que passamos a acompanhar intercaladamente o que a levou a encarar tal desafio, desde a relação que tinha com a mãe, Bobbi (Laura Dern), e com o marido, Paul (Thomas Sadoski), até sua vida autodestrutiva, repleta de irresponsabilidades. Completar o trajeto do PCT, nesse caso, é o que daria à Cheryl a confiança e a segurança que ela tanto precisa para seguir adiante em uma vida nova.

Ao se estruturar de forma que possamos seguir a protagonista ao longo da trilha e ver como ela era antes disso, Livre traz uma série de flashbacks que desenvolvem a personagem de maneira bastante aprofundada, e que no processo conseguem fazer com que compreendamos rapidamente seus atos. Nesse quesito, é impossível não destacar a excelente montagem de Martin Pensa e do próprio Jean-Marc Vallée. Incluindo pequenas motivações para os flashbacks (uma música começa a tocar, por exemplo), a dupla os estabelece na maior parte do tempo como lembranças de Cheryl, o que não só concede naturalidade à narrativa como também ajuda a história a nunca perder seu ritmo e ganhar uma força ainda maior. É uma surpresa que o filme não tenha sido reconhecido nos mais variados prêmios nesse aspecto.

Conduzindo tudo com grande segurança, Vallée trata os passos de Cheryl de um jeito que eles ficam exaustivos tanto para ela quanto para o público, de forma que quando vemos na tela que chegamos ao “Maldito dia 36” da caminhada é possível sentir seu cansaço. O diretor também mostra sensibilidade no modo como aborda a protagonista e os obstáculos que ela encontra em meio ao PCT, sendo que estes chamam atenção por claramente serem uma representação de todas as dificuldades que a personagem teve no passado. Quando Cheryl perde uma bota e grita para pôr sua raiva para fora, ela não está fazendo isso apenas por causa da bota, mas também por todos os erros que cometeu e problemas que enfrentou, algo que traz um ótimo peso emocional ao longa.

Se Livre já é interessante por tudo isso, a atuação de Reese Witherspoon é a cereja do bolo. Tendo passado alguns anos em baixa ao se dedicar a projetos não muito bons, a atriz vinha há algum tempo ensaiando um retorno, e aqui ela completa isso brilhantemente. Aparecendo em 99% das cenas do filme, Witherspoon carrega a narrativa com propriedade, fazendo de Cheryl uma personagem inicialmente vulnerável, mas que aos poucos fica mais segura quanto ao que está realizando, encarnando ainda muito bem toda a parte do sofrimento físico causado pelo PCT. Com relação a esses detalhes, não é à toa que várias pessoas passam a admirar Cheryl por seus esforços, até porque são raras as mulheres no percurso. Mas não é só Witherspoon quem brilha, já que Laura Dern surge com uma doçura encantadora interpretando Bobbi, tornando-a uma mulher que consegue apreciar o que tem ao seu redor exatamente por ter conseguido driblar, de um jeito ou de outro, as pedras que foram colocadas em seu caminho, o que acaba ecoando bastante em sua filha.

Livre talvez seja um tanto simplista no desfecho de sua história. Mas isso não chega a tirar os méritos do filme de ser uma bela jornada de autodescoberta, que nos faz pensar se uma eventual perdição não terá valido a pena caso nos ajude a achar o caminho certo para nossas vidas.

Nota:


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Os Pinguins de Madagascar

Surgindo ocasionalmente nos filmes de Madagascar (que não chegam a ser grandes coisas), Capitão, Kowalski, Rico e Recruta, também conhecidos como Os Pinguins de Madagascar, conseguiam causar o riso com seu lado espião, sendo um pouco mais inteligentes que Alex, Marty e as outras figuras que apareciam na franquia. Dito isso, é compreensível a vontade das mentes por trás da série de realizar uma animação que seja centrada nesses personagens, principalmente se considerarmos que eles já protagonizam um seriado de sucesso na TV. Mas este spin-off acaba indicando que, ao menos no cinema, o quarteto funcionava melhor no formato conta-gotas.

Escrito por Michael Colton em parceria com John Aboud e Brandon Sawyer, Os Pinguins de Madagascar coloca os personagens-título (dublados por Tom McGrath, Chris Miller, Conrad Vernon e Christopher Knights) enfrentando o Dr. Octavius Brine (John Malkovich), que na verdade trata-se do polvo Dave, um velho conhecido que quer se vingar por eles terem sido o centro das atenções no zoológico onde ficaram expostos, fazendo com que ele ficasse completamente ofuscado no local. No entanto, o grupo de espionagem Vento do Norte, liderada pelo lobo Secreto (Benedict Cumberbatch), também está no encalço do vilão, fazendo com que eles juntem forças com Capitão e os outros para evitar que Dave use uma máquina para transformar vários animais em monstros.

Se os protagonistas foram responsáveis por boas risadas ao longo dos três Madagascar, isso vinha, em parte, do contraste que se criava entre o jeito anárquico deles e a ingenuidade dos outros personagens. Mas esse é um elemento que os diretores Eric Darnell e Simon J. Smith praticamente não resgatam neste novo filme, já que o protagonismo dos Pinguins faz com que a produção assuma sem pudores o gênero espionagem e busque desenvolver uma trama em volta dessa fórmula. É claro que isso rende algumas risadas (como na cena em que o grupo passa despercebido pelos guardas do Fort Knox), mas infelizmente cansa rapidamente, detalhe que inclusive prejudica um pouco dois momentos particularmente inspirados: a perseguição em Veneza e o plano-sequência que segue os personagens por alguns aviões.

Enquanto isso, o roteiro desenvolve uma história insossa e com uma série de subtramas tolas, superficiais e até previsíveis, seja aquela do romance inusitado entre Kowalski e a coruja Eva (Annet Mahendru), que parece servir só para ocupar espaço desnecessariamente no filme, ou a outra envolvendo a birra que se cria entre Capitão e Secreto graças ao senso de liderança dos dois. Dessa forma, Os Pinguins de Madagascar se vê tendo que se sustentar no carisma do quarteto principal, o que até torna algumas coisas simpáticas, como o arco dramático clichê percorrido pelo adorável Recruta. Mas isso não chega a ser o bastante para deixar o filme como um todo mais eficiente.

Por serem as figuras mais cativantes que Madagascar apresentou, os Pinguins mereciam um filme bacana, até por que eles têm um bom potencial para diversão. Uma pena que isso não tenha acontecido aqui, onde acabamos tendo um trabalho tão bobo quanto àqueles da franquia que o originou.

Obs.: Há uma cena durante os créditos finais.

Nota:


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Whiplash: Em Busca da Perfeição

O que o diretor Damien Chazelle faz em uma escola de música neste Whiplash lembra o que Stanley Kubrick fez ao focar os militares em seu Nascido Para Matar. Naquela obra-prima de 1987, víamos o Sargento Hartman judiar de seus soldados ao extremo, até que um deles cede à própria fraqueza, tanto física quanto psicológica. A mesma “linha educacional” é seguida pelo instrutor vivido por J.K. Simmons nesta nova produção. A diferença é que aqui ainda temos um protagonista que quer provar constantemente seu talento, de maneira que isso rende um embate interessantíssimo entre dois grandes personagens em um filme admirável.

Escrito pelo próprio Chazelle (que, acreditem, é responsável pelos roteiros do desastroso O Último Exorcismo: Parte 2 e do fraco Toque de Mestre), Whiplash segue Andrew Neyman (Miles Teller), jovem baterista que estuda na melhor escola de música do país e deseja ser um dos melhores de todos os tempos em sua especialidade. Uma grande chance surge quando ele é convidado por Terence Fletcher (Simmons) para fazer parte da banda de jazz da escola, que está ensaiando para competições musicais. No entanto, a oportunidade não se revela tão empolgante quanto poderia considerando que Fletcher é bastante abusivo com seus alunos quando estes não tocam perfeitamente, tentando arrancar o máximo do potencial de cada um na base do grito e da humilhação, o que faz Andrew treinar à exaustão para alcançar a perfeição.

A primeira cena de Whiplash (que, inclusive, abre com uma tela preta enquanto ouvimos um “rufar de tambores”, como se estivéssemos sendo preparados para um espetáculo) estabelece bem o que acompanharemos ao longo da projeção. Andrew dá o máximo de si na bateria apenas para ver Fletcher desistir dele rapidamente. É recorrente a imagem do rapaz se esforçando para provar a si mesmo e ao instrutor que não só é bom na arte que exerce como também pode fazer jus a ídolos como Buddy Rich. Nesse sentido, aliás, Damien Chazelle torna fácil a identificação do público com o personagem, até por que qualquer um busca dar o melhor de si em suas respectivas áreas, e seria um prazer se isso resultasse em ser lembrado ao lado de alguns ídolos.

É notável também que Chazelle escape de convenções de obras do tipo, optando por realizar um retrato quase brutal da paixão que seus personagens têm por aquilo que fazem. É o que acontece, principalmente, nas sequências envolvendo ensaios e apresentações, momentos nos quais o cineasta usa desde planos-detalhe que mostram sangue e suor nos instrumentos até a ágil montagem de Tom Cross, que chega a inserir cortes no mesmo ritmo das músicas, uma jogada que deixa a narrativa ainda mais cativante.

Mas é nas atuações de Miles Teller e J.K. Simmons que o filme realmente conquista o espectador. Interpretando Andrew, Teller prova mais uma vez ser um dos grandes talentos que surgiram nos últimos anos, fazendo dele um rapaz cuja personalidade vai ficando mais forte no decorrer da história, além de encarnar sua ocasional arrogância e determinação com uma segurança impressionante. E é incrível que o jovem ator não se deixe ofuscar por Simmons, intérprete que nos acostumamos a ver roubando cenas com papeis menores em outras produções, mas que aqui transforma Terence Fletcher no primo do Sargento Hartman que faria o Capitão Nascimento desistir de qualquer coisa. Se Whiplash é carregado de tensão na maior parte do tempo, isso se deve a intensidade monstruosa que o veterano ator tem em cena, de forma que quando Fletcher aparece sua importância já é estabelecida pela naturalidade com a qual ele age diante do silêncio que passa a envolver a tela. Mesmo assim, o jeito manipulador e os métodos de ensino do personagem acabam se tornando compreensíveis, ainda que não menos cruéis (“Não há duas palavras mais prejudiciais do que ‘bom trabalho’”, ele afirma em uma das melhores falas do filme), ao passo que seu amor pela boa música fica comprovado quando ele reconhece e apoia o talento de alguém quando menos esperamos.

Whiplash faz o público sair entusiasmado do cinema, caprichando em seus aspectos da mesma forma que uma música acerta em seus acordes. Um filme surpreendente, que se estabelece com propriedade como um belo destaque do cinema independente americano.

Nota:


domingo, 4 de janeiro de 2015

A Entrevista

Até pouco tempo atrás, A Entrevista era apenas mais uma comédia que reunia novamente James Franco, Seth Rogen e Evan Goldberg, cuja parceria já rendeu longas divertidos como Segurando as Pontas e É o Fim. Mas nas últimas semanas o filme virou o centro das atenções quando um grupo de hackers que vêm infernizando a vida da Sony, estúdio responsável pelo projeto, ameaçou realizar ataques terroristas nos cinemas que o exibissem, o que chegou a fazer com que sua estreia nos cinemas, ao menos num primeiro momento, fosse cancelada por completo. Tudo porque a história traz um retrato satírico do ditador norte-coreano Kim Jong-un. Mas depois de toda a confusão, a produção foi lançada em algumas salas e em plataformas na internet, numa jogada um tanto frouxa por parte de seus envolvidos, mas que ao menos venceu uma das maiores inimigas da arte (a censura) e fez a obra chegar ao alcance do público. De qualquer forma, teria tudo isso sido em volta de um bom filme ou de uma bobagem que esqueceríamos assim que chegássemos aos créditos finais?

Escrito por Dan Sterling a partir do argumento concebido por ele em parceria com Rogen e Goldberg (que ficaram a cargo da direção), A Entrevista acompanha o apresentador Dave Skylark (Franco) e seu produtor Aaron Rapaport (Rogen), responsáveis pelo famoso talk show Skylark Tonight, no qual segredos obscuros das celebridades são revelados. Ao decidirem trazer um conteúdo relevante para seus telespectadores, a dupla descobre que Kim Jong-un (Randall Park) é um grande fã de seu trabalho, conseguindo uma entrevista exclusiva com o sujeito. No entanto, as pretensões dos dois mudam um pouco quando a CIA, liderada pela agente Lacey (Lizzy Caplan), resolve usá-los em seu plano para matar o ditador, que aparentemente pode ser uma figura mais sensível do que o imaginado.
Ao longo da história, A Entrevista se revela uma comédia que usa um humor estúpido e infantil, aspecto que poderia ser um grande demérito à primeira vista. Mas, na verdade, isso é uma das principais qualidades do projeto nas mãos de Evan Goldberg e Seth Rogen, sendo utilizado com inteligência para provocar riso a partir dos atos dos personagens. Assim, vale dizer que os diretores são muito bem sucedidos na maior parte do tempo, desde situações inocentes (como quando Dave chega na Coreia do Norte e termina seu discurso com um “Konichiwa”) até àquelas que ultrapassam limites do absurdo (como a junção de um tanque de guerra com uma música de Katy Perry), sabendo aproveitar ainda a ótima dinâmica entre o próprio Rogen e James Franco, o que é comum em se tratando deles.
Enquanto isso, o retrato que o roteiro produz de Kim Jong-un e seu regime totalitário não poderia ser mais curioso, já que de modo geral ele os encara da maneira como são, mas conseguindo fazer graça pelo jeito que opta para cutucá-los. Aqui, Jong-un é alguém que busca passar uma imagem hagiográfica de si mesmo para a população (a ideia envolvendo seus sistemas excretor e urinário é inspirada nesse sentido) e cujos atos desprezíveis vêm de um sério problema emocional, consequência de como ele era tratado pelo pai, sendo mais delicado do que qualquer um poderia esperar. E mesmo que a maioria das críticas ao filme se direcione ao ditador, é uma grata surpresa constatar que o roteiro também não se esquiva de fazer comentários internos, mencionando, por exemplo, o modo como os Estados Unidos geralmente gostam de resolver seus problemas.
A Entrevista é um filme cuja coragem surpreendente é utilizada a serviço de um trabalho divertido em seus excessos e relevante em seus comentários. E se é lamentável o fato de sua distribuição ter encontrado problemas pelo caminho, ao menos isso foi compensado pela curiosidade das pessoas quanto a assisti-lo.
Nota:

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba

Uma Noite no Museu é uma franquia que basicamente tenta se sustentar em sua premissa curiosa e em seus efeitos visuais. No entanto, se isso funcionou razoavelmente bem no primeiro filme, que serviu como um passatempo aceitável e ainda tinha a seu favor um ar de novidade, o mesmo não pode ser dito sobre sua continuação, que pouco fez graça. Compreensivelmente, a série foi meio que esquecida com o passar do tempo, mas mesmo assim alguém acha que ela ainda pode render uns trocados. É o que nos traz a este Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba, já que em termos de qualidade esse novo exemplar não melhora em nada a situação da franquia.

Escrito por David Guion e Michael Handelman, a partir do argumento que eles conceberam com Mark Friedman, Uma Noite no Museu 3 traz Larry Daley (Ben Stiller) dessa vez se deparando com uma espécie de corrosão na placa de Ahkmenrah (Rami Malek), que dá vida a todas as figuras de cera do Museu de História Natural. Como consequência, eles agem de maneira estranha ou simplesmente voltam ao seu estado original. Para resolver o problema, Larry e seu filho, Nick (Skyler Gisondo), acompanhados pelo Presidente Rooselvelt (o saudoso Robin Williams), Jedediah (Owen Wilson), Octavius (Steve Coogan) e outros amigos, vão até o Museu Britânico em Londres visitar Merenkahre e Shepseheret (Ben Kingsley e Anjali Jay, respectivamente), os pais de Ahkmenrah, na esperança de que eles saibam o que está acontecendo. Mas a tarefa se revela mais complicada do que o esperado quando as exposições locais mostram não estar acostumadas a ganhar vida.

Apesar de levar seu universo até a Europa, Uma Noite no Museu 3 não chega a seguir a regra de que a cada novo filme a escala da produção deve aumentar um pouco mais, e a história até que explora pouca coisa com sua premissa. Não há aqui a tonelada de personagens novos que apareceram no segundo filme, com o roteiro se limitando a um Sir Lancelot (Dan Stevens) que acredita ser real, lembrando o velho complexo de Buzz Lightyear, além de inserir perigos como um esqueleto de triceratops e uma estátua de Xiangliu. No entanto, esses poucos elementos não chegam a empolgar ou ter graça, considerando que tudo fica à mercê de uma história desinteressante, enrolada e previsível, conduzida sem criatividade alguma por Shawn Levy, que perde tempo até mesmo com uma subtrama conflituosa batida de pai e filho entre Larry e Nick. Levy, inclusive, prova sua falta de imaginação na condução da narrativa ao repetir uma gag que já havia usado nos dois longas anteriores, brincando com a pequenez de Jedediah e Octavius ao cortar para um calmo plano geral enquanto eles estão passando por uma situação “grandiosa”.

Não que Uma Noite no Museu 3 não cause risadas. O modo como Jedediah e Octavius (de novo eles) fazem comentários no YouTube rende a cena mais divertida do filme, sem falar que ainda temos uma participação especial no mínimo curiosa de um certo ator famoso. Mas momentos como esses são poucos ao longo da projeção, ficando até um tanto apagados diante das bobagens que acompanhamos na maior parte do tempo. E isso é uma pena, principalmente, porque o elenco é repleto de atores conhecidos por seu talento para a comédia e que certamente poderiam ser melhor aproveitados, desde Ben Stiller até Robin Williams, passando por Owen Wilson, Steve Coogan, Ricky Gervais e até Rebel Wilson, que aparece interpretando a guarda noturna do Museu Britânico.

“O fim chegará”, diz certo personagem logo no início do filme. Considerando o desperdício de talento e pouca diversão vistos neste terceiro capítulo, é melhor que o fim realmente tenha chegado para a série Uma Noite no Museu. Até porque o suco já foi espremido por completo e aqui começam a aproveitar (sem sucesso) os bagaços.

Nota: