domingo, 29 de outubro de 2017

Tempestade: Planeta em Fúria

Tendo se firmado como roteirista e, mais frequentemente, produtor ao longo das últimas duas décadas, Dean Devlin toma um novo rumo neste Tempestade: Planeta em Fúria, no qual ele se arrisca pela primeira vez na cadeira de diretor. E não chega a ser exatamente uma surpresa que ele tenha recorrido a um filme-desastre para isso, considerando sua parceria com Roland Emmerich, um dos nomes mais conhecidos no que diz respeito a esse tipo de filme (juntos eles produziram e escreveram Independence Day e o Godzilla de 1998, ambos dirigidos por Emmerich). No entanto, apesar de buscar entreter o público com toda a ação que se desenrola na tela, o máximo que Devlin consegue fazer nessa sua estreia é... Bem, um desastre.

Escrito por Devlin e Paul Guyot, Tempestade apresenta um futuro próximo no qual o mundo todo se uniu para se salvar de catástrofes climáticas que ameaçaram a humanidade, algo que os governos resolveram com a criação do Dutch Boy, uma rede de satélites cuja tecnologia mantém tais catástrofes sob controle. Anos depois, quando a máquina começa a apresentar problemas, seu criador, Jake Lawson (Gerard Butler), é convocado para ir até a estação espacial que a controla a fim de ver o que está acontecendo e impedir um desastre global.


Filmes-desastre têm uma fórmula clássica, buscando apresentar personagens com os quais o espectador possa se identificar para que, assim, tenhamos algum elo emocional em meio as destruições que ganham a tela. Com isso, quando os principais personagens chegam vivos ao final da projeção, o próprio espectador pode sentir que sobreviveu junto com eles. O filme até tem noção de tudo isso, mas segue esses pontos de um jeito extremamente rasteiro ao longo da história, com um roteiro que desenvolve os personagens e seus dramas pessoais de maneira superficial e boba, chegando ao ponto de trazer Jake e seu irmão, Max (Jim Sturgess), discutindo seus problemas (ou melhor, birras) durante uma transmissão via satélite ao invés de se concentrarem em salvar o mundo. Além disso, a própria trama não poderia ser mais clichê, ficando pior por tomar direções que beiram o ridículo em determinados momentos, seja pela previsibilidade de certas reviravoltas ou pelo terceiro ato conveniente.


Na verdade, o que vemos é um fiapo de trama que acaba servindo apenas para que o filme tenha uma base na qual Dean Devlin possa tentar criar um espetáculo de efeitos visuais. Mas é difícil se importar com qualquer coisa que surja na tela quando a narrativa em si não tem nenhum peso dramático. Se Devlin concebesse aqui a maior destruição da história do cinema, ela ainda não teria impacto por não haver nenhum elemento humano palpável diante do que está acontecendo. Assim, nem o elenco se salva, já que, mesmo tendo nomes interessantes como Gerard Butler (que está com o dedo cada vez mais podre pra escolher projetos), Ed Harris, Alexandra Maria Lara e Jim Sturgess, pouco pode fazer com a gama de personagens unidimensionais que carregam a narrativa. Para completar, as próprias sequências focadas nos diversos desastres que ocorrem são conduzidas sem a menor criatividade pelo diretor, podendo até ser bem realizadas no quesito efeitos visuais, mas ficando muito longe de impressionar, de forma que o que temos no fim das contas é só uma superprodução vazia e, consequentemente, aborrecida.

É possível ver boas intenções em Tempestade, considerando que ele situa sua trama em um universo no qual as pessoas estão unidas, pouco ligando para suas diferenças e tentando resolver os problemas ambientais causados por elas mesmas. Mas de boas intenções o inferno está cheio, e é uma pena que Dean Devlin insira esses detalhes em meio a uma narrativa tão pobre.

Nota:

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A Morte Te Dá Parabéns

Feitiço do Tempo logo vem em mente sempre que surge um novo filme que utiliza a estrutura de loop temporal para contar sua história, focando em um protagonista preso em um determinado período de tempo que se repete várias vezes e exatamente da mesma forma. É um recurso capaz de render uma narrativa que mantém o espectador curioso quanto a seu desenvolvimento, tendo originado outras obras admiráveis além da clássica comédia de Harold Ramis, com No Limite do Amanhã, Contra o Tempo e Corra Lola, Corra sendo exemplos disso. No entanto, infelizmente não consigo dizer que este A Morte Te Dá Parabéns se junta a essas produções.

Escrito por Scott Lobdell, A Morte Te Dá Parabéns acompanha Tree Gelbman (Jessica Rothe), jovem e arrogante estudante que inicia seu aniversário acordando no dormitório do tímido Carter (Israel Broussard) após uma noite de festa. Mas depois de seguir com seus compromissos ao longo do dia, ela é assassinada por um maníaco mascarado, ficando surpresa por isso fazê-la voltar a acordar no início do mesmo dia e nas mesmas condições de antes. Vendo-se presa nesse tempo, Tree passa a tentar descobrir quem está querendo mata-la, tendo diversas chances para resolver isso e contando com a ajuda de Carter.


A Morte Te Dá Parabéns não deixa de ser uma espécie de remake de Feitiço do Tempo, tendo em vista o arco dramático percorrido por Tree, que é basicamente o mesmo que o de Bill Murray naquele longa. Mas não é tanto isso que impede a produção de cativar o espectador, já que a ideia de usar essa estrutura de loop temporal em um filme de slasher (o subgênero de terror conhecido por ter um assassino geralmente mascarado que coleciona vítimas) não deixa de ser curiosa. A maneira como as coisas se desenvolvem por aqui é que incomoda por sua obviedade, algo que vale mesmo quando o roteiro tenta ser sutil, como na cena em que a protagonista desliga a TV em meio a uma notícia importante (aliás, é triste que esse recurso batido e preguiçoso ainda seja usado para apresentar informações). Com isso, o filme pode até querer surpreender com algumas reviravoltas, mas acaba não causando impacto por não conseguir impedir o espectador de antecipa-las.


Isso ocorre até por conta da direção de Christopher Landon (responsável pelo razoável Como Sobreviver a um Ataque Zumbi e pelo pavoroso Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal), aspecto que se revela meio pedestre durante boa parte do tempo. Apesar de criar um ou outro momento divertido (um personagem repentinamente surge na tela após uma breve queda de luz, por exemplo) e exibir coordenação na condução das diversas vezes em que Tree acorda e sai andando pelo campus da universidade, Landon ainda assim não evita de cair em clichês como o uso da trilha para ressaltar sustos, além de não criar tensão quando precisa, seja nas várias sequências de assassinato de Tree ou nos embates do terceiro ato. Para completar, o lado mais humano da história (calcado no passado da protagonista com a mãe e os atuais problemas dela com o pai) acaba apenas sendo fonte para o cineasta apostar num sentimentalismo barato, como se isso compensasse o desenvolvimento superficial dessa subtrama do filme.

É até louvável o esforço de A Morte Te Dá Parabéns para fazer algo de diferente em uma produção cujo subgênero é tão engessado por fórmulas e convenções. Mas ao mesmo tempo é lamentável que o máximo que os envolvidos no projeto conseguiram fazer foi um filme bobo e facilmente esquecível.

Nota:

sábado, 7 de outubro de 2017

Blade Runner 2049

Lançado em 1982, Blade Runner é um exemplo de como o tempo pode ser importante para a recepção de uma obra de arte. Adaptado a partir do livro de Philip K. Dick, o filme de Ridley Scott precisou de alguns anos (e várias versões) para ser reconhecido como um grande clássico, sendo não só um excelente neo-noir, mas também uma ficção científica que mergulha de cabeça em discussões sobre humanidade, rendendo até hoje belos debates. Trata-se também de um filme que termina de maneira bem resolvida, fazendo a ideia de uma continuação naturalmente soar desnecessária. Por sorte, com Blade Runner 2049, o diretor Denis Villeneuve e sua equipe conseguem levar essa ideia às telonas em um longa que mantém o espírito do original, fazendo jus a este.

Escrito por Michael Green e Hampton Fancher (um dos roteiristas do original) a partir do argumento deste último, Blade Runner 2049 se situa trinta anos após os eventos do longa anterior e segue os passos de K (Ryan Gosling), replicante que trabalha como blade runner (ou caçador de androides) para a polícia de Los Angeles, no departamento liderado por Joshi (Robin Wright). Após um encontro com o fazendeiro Sapper Morton (Dave Bautista), K embarca em uma grande investigação que pode revelar segredos importantes e que ainda o leva até o antigo blade runner Rick Deckard (Harrison Ford).


É uma investigação muito bem estruturada, por sinal, permitindo que Denis Villeneuve até repita muito do que havia feito no excepcional Os Suspeitos. Ou seja, além de desenvolver a história com calma, o diretor apresenta determinadas peças com naturalidade e sutileza, de forma que elas podem aparentar não ter importância inicialmente, mas surpreendem ao ganharem sentido mais tarde. No entanto, vale dizer que tudo isso na verdade é usado mais como base narrativa pelo roteiro, cuja ambição principal nivela com aquela do filme original ao ter um interesse maior em dar continuidade aos temas com os quais nos familiarizamos há 35 anos, evitando seguir por caminhos simples para isso.

Sendo assim, Blade Runner 2049 aproveita a riqueza de seu universo para expandir ideias fascinantes, o que faz a investigação conduzida por K representar uma espécie de jornada tanto pela natureza humana quanto pela natureza replicante. E com humanos e replicantes se parecendo cada vez mais (estes até já contam com uma certa divisão ideológica), o filme levanta questões curiosas. Afinal, o que realmente diferencia um do outro? O fato de humanos nascerem e replicantes serem construídos? Isso faz os primeiros supostamente terem alma e os outros não? E se este é o caso, como seria se replicantes pudessem se reproduzir? Questões como essas sempre fizeram parte do cerne de Blade Runner (tanto do primeiro filme quanto do livro de Philip K. Dick), e aqui ajudam a tornar a narrativa muito intrigante, sendo capaz de nos fazer refletir sobre o que é ser humano no fim das contas. E o roteiro é inteligente ao instigar esses pontos sem sentir a necessidade de entregar respostas fáceis, presando muito pela ambiguidade e convidando o espectador a tirar suas próprias conclusões em cima de tudo o que é apresentado.


Ao mesmo tempo, assim como Ridley Scott havia feito em 1982, entrar nesse universo distópico não é uma experiência que Denis Villeneuve torna agradável, já que por mais que ele renda imagens esteticamente belas, ainda se trata de um mundo futurista desesperançoso, dominado por grandes corporações e habitado em boa parte por figuras renegadas. Com isso em mente, Villeneuve impõe um ritmo bastante cadenciado, o que ajuda na ambientação opressiva pela qual passamos durante todo o filme. Além disso, o design de produção faz um trabalho primoroso ao conceber a Los Angeles de 2049 como um lugar que, apesar de ter evoluído tecnologicamente ao longo dos anos, ainda é a metrópole imponente e desolada que conhecíamos, ao passo que a belíssima fotografia do mestre Roger Deakins (desde já um forte concorrente ao Oscar) preenche aqueles espaços com tons sombrios que refletem o estado de espírito dos personagens e da própria narrativa. Isso entra em contraste direto com locais como a empresa do vilão Niander Wallace (Jared Leto) e o esconderijo de Deckard, que surgem na tela com tons mais vivaz que ressaltam o poder do primeiro e o deserto que domina os arredores do segundo. Já a trilha composta por Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch consegue dar toques melancólicos e tensos a narrativa, sendo eficiente também em seus esforços para manter o estilo da clássica trilha que Vangelis fez para o primeiro filme.


Mostrando admirável segurança interpretando K, Ryan Gosling faz do novo protagonista uma figura que se deixa agir pela frieza, evitando exibir um senso de empatia até por outros replicantes, algo que naturalmente o ajuda em seu trabalho. É como se o fato de ele saber que é um replicante o fizesse não ver razão para exibir humanidade, algo sinalizado até pelo desinteresse dele em querer compartilhar uma de suas memórias em determinada cena (“Não são reais, são só implantes”, ele diz). Exatamente por conta desses detalhes é que o arco dramático percorrido por ele se revela tão rico. E se Ana de Armas vive Joi, a namorada digital de K, com uma bem-vinda doçura, formando com Gosling um elo emocional que ajuda a dar peso dramático aos dois personagens, Harrison Ford retorna ao papel de Rick Deckard com uma sensibilidade até maior que a da primeira vez em que encarnou o velho blade runner, dando mais densidade àquele que é, ao lado de Indiana Jones e Han Solo, um de dos personagens icônicos de sua carreira. Fechando o elenco principal, Robin Wright se destaca ao fazer de Joshi uma figura forte em sua autoridade, ao passo que Jared Leto vive o ambicioso Niander Wallace de maneira contida e com um constante ar de mistério que o torna um vilão imprevisível.

Ultimamente temos visto franquias famosas ganharem nova vida nos cinemas, com exemplos admiráveis em Mad Max, Star Wars e Caça-Fantasmas. Em meio a isso, Blade Runner 2049 surge como uma experiência surpreendente e enriquecedora. Uma continuação digna da obra-prima que a originou.

Nota: