terça-feira, 29 de março de 2016

Voando Alto

Em alguns momentos de Voando Alto, o roteiro traz à tona com certa ênfase uma frase de Pierre de Coubertin, o fundador das Olimpíadas, que dizia que “A coisa mais importante nos Jogos Olímpicos não é vencer, mas participar”. Não é à toa que a medalha que leva seu nome é concedida àqueles que valorizam o espírito esportivo mais até do que as possíveis medalhas. Pois a frase de Coubertin resume bem o britânico Eddie “A Águia” Edwards. Primeira pessoa a representar seu país no salto de esqui, nas Olimpíadas de Inverno de 1988, Edwards tinha como sonho participar dos jogos, não se importando tanto com seu desempenho. E Voando Alto diverte ao contar a história do grande feito pessoal do sujeito.

Escrito por Sean Macaulay e Simon Kelton, o filme mostra os esforços de Eddie Edwards (Taron Egerton) em chegar às Olimpíadas, algo para o qual ele se prepara desde a infância. Encontrando no salto de esqui uma possibilidade de realizar esse sonho, ele ignora o fato de quase todas as pessoas não o levarem a sério e dá início aos treinamentos, conhecendo no processo o americano Bronson Peary (Hugh Jackman), outrora campeão da modalidade, mas que agora é uma figura decadente, alcoólatra e sem perspectivas. Encontrando em Peary um treinador inesperado, Eddie passa a fazer seu caminho para provar a todos o potencial que possui.

Naturalmente, trata-se de uma história clássica de underdog, e o roteiro não se esforça nenhum pouco em tentar fazer com que o que vemos na tela seja levemente diferente do que já vimos em uma série de outras produções. Esse é o grande problema enfrentado pelo filme. Desde os obstáculos enfrentados por Eddie até a própria estrutura utilizada para desenvolver a trama, Voando Alto se apresenta como uma obra claramente formuláica e clichê. De tão comuns que as coisas se revelam, o espectador é até capaz de prever certas direções que a história toma, como o conflito desnecessário que surge no fim do segundo ato.

Apesar disso, o diretor Dexter Fletcher (mais conhecido por sua carreira de ator em filmes como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e que comanda aqui seu terceiro trabalho atrás das câmeras) ainda mostra ser capaz de organizar uma narrativa ágil, cheia de energia e calor humano, algo que reflete na fotografia de George Richmond, que aposta em cores quentes durante todo o filme, ajudando até mesmo na recriação de época. Assim, o diretor naturalmente consegue fazer com que o longa várias vezes leve o espectador a sorrir no decorrer da jornada de seu protagonista. Aliás, Fletcher exibe um timing cômico eficiente em determinados momentos, como quando várias pessoas vibram de boca aberta e em câmera lenta, em uma das sequências mais divertidas do filme.

Mas a maior parte do charme de Voando Alto encontra-se mesmo em Taron Egerton e Hugh Jackman, sendo o primeiro um ator que vem merecendo atenção desde seu trabalho em Kingsman: Serviço Secreto e o segundo um cara que já dispensa apresentações. Como Eddie Edwards, o jovem ator conquista o público com seu carisma, criando um personagem cativante, persistente e cujas excentricidades combinam com sua coragem maluca, que o faz não se concentrar tanto nas dificuldades daquilo que deseja fazer. Já Jackman concebe em Bronson Peary (que, por sinal, é um personagem ficcional) uma figura mais rebelde, mas não menos interessante, compensando seu arco dramático previsível. E a dinâmica que ele constrói com Egerton é, sem dúvida, o ponto alto do filme.

De certa forma, Voando Alto não deixa de ser como seu admirável protagonista. Pode não ser um dos melhores naquilo que se propõe, mas ainda assim proporciona um divertimento que é capaz de conquistar a simpatia do espectador, que sai da sala de cinema com o sentimento agradável de ter visto um bom filme.

Nota:

Máquina Mortífera 4

(Crítica originalmente publicada no Papo de Cinema)

Protagonizada por Mel Gibson e Danny Glover, a série Máquina Mortífera se estabeleceu entre as décadas de 1980 e 1990 como um dos principais expoentes do cinema de ação norte-americano, mais especificamente do subgênero dos buddy cops. Martin Riggs (Gibson) e Roger Murtaugh (Glover) são personagens interessantes, humanos e que, apesar de suas personalidades completamente distintas, desenvolveram ao longo dos filmes uma amizade que veio a ser o coração da série, em uma dinâmica onde um fortalece o outro. Máquina Mortífera 4 foi a última vez (ao menos por enquanto, já que um seriado de TV está a caminho) que a dupla entrou em ação. Mesmo sendo o pior longa da franquia, ainda se revela relativamente eficiente.
Com roteiro escrito por Channing Gibson, a partir do argumento concebido por Jonathan Lemkin em parceria com Alfred Gould e Miles Millar, Máquina Mortífera 4 traz os protagonistas em momentos importantes de suas vidas. Riggs descobre que sua amada, Lorna Cole (Rene Russo), está grávida, o que o faz ficar ainda mais em dúvida quanto à possibilidade de casar novamente, enquanto Murtaugh descobre que sua filha, Rianne (Traci Wolfe), também está esperando um filho, cujo pai é mantido em segredo para não irrita-lo. Mas é claro que mesmo assim as coisas não ficam plenamente em paz, já que em meio a isso a dupla de policiais passa a investigar um grupo chinês de contrabando de imigrantes, responsável por trazer para os Estados Unidos a bondosa família Hong, algo que faz parte dos misteriosos planos de Wah Sing Ku (Jet Li, em sua estreia no cinema hollywoodiano).
Assim como nos exemplares anteriores, Máquina Mortífera 4 já começa com os personagens no meio de uma sequência de ação, mostrando tanto o lado ágil da narrativa, com os absurdos em que Riggs e Murtaugh se metem, quanto a comicidade presente na série. No entanto, o diretor Richard Donner (que comandou todos os longas da franquia) encontra dificuldades para achar um equilíbrio entre esses dois aspectos, algo problemático, principalmente porque o humor aqui é excessivamente bobo durante boa parte do tempo. Se por um lado podemos nos divertir com as brincadeiras que os protagonistas fazem um com o outro, como quando uma reportagem inusitada é colada num corredor do departamento de polícia, por outro o filme cria situações ineficientes, que indicam certo desespero para causar o riso, como na cena em que Riggs cai em uma lata de lixo, ou em algumas discussões entre o detetive Lee Butters (Chris Rock) e o insuportável Leo Getz (Joe Pesci), com ambos assumindo as posições de alívios cômicos.
Além disso, a história infelizmente não se mostra tão interessante, servindo mais como uma desculpa para ligar as sequências de ação, sendo que estas são comandadas por Richard Donner com agilidade, impressionando por sua escala. Exemplos, a sequência inicial e sua grande explosão,  e a perseguição que ocorre em uma rodovia. Aliás, nesse aspecto do filme, o diretor ainda tem a vantagem de contar com Jet Li como vilão, um papel que mesmo não sendo tão bem desenvolvido permite que o astro chinês mostre pontualmente suas excepcionais habilidades em artes marciais. É algo que não só rende bons embates entre ele e os heróis (a luta final até volta a ser na chuva, numa autorreferência ao primeiro filme), mas também traz um elemento novo à ação que nos acostumamos a ver ao longo da série.
Mas não há dúvidas de que, se a narrativa de Máquina Mortífera 4 se segura firme dentro do possível, isso é por conta de seus protagonistas. Mel Gibson e Danny Glover voltam confortavelmente aos papeis de Martin Riggs e Roger Murtaugh, tendo novamente uma dinâmica cativante na tela. Na verdade, é bom ver que, apesar da franquia ter caído de qualidade a cada filme, ao menos isso não pode ser dito sobre seus carismáticos personagens, que formam uma verdadeira família, conquistando com facilidade o espectador. E isso acaba sendo um motivo muito válido para que entremos junto deles nas insanidades proporcionadas por seu trabalho, por mais narrativamente problemático que isso seja.
Nota:

quinta-feira, 24 de março de 2016

Batman vs. Superman: A Origem da Justiça

O que Zack Snyder apresenta em Batman vs. Superman: A Origem da Justiça é algo que o cinema já mostrou vontade de retratar em outras ocasiões e os fãs, claro, há tempos gostariam de ver. Dando início a um universo cinematográfico com os super-heróis da DC Comics, o que não deixa de ser uma resposta lógica ao que a Marvel vem fazendo nos últimos anos, o longa finalmente traz para as telonas o encontro entre as principais vertentes dos quadrinhos da editora. É um material que tinha potencial para render um filme bacana, e até por conta disso acaba sendo triste que após a sessão a única coisa que fique seja o gosto amargo da decepção.

Escrito por Chris Terrio e David S. Goyer, o filme traz um Clark Kent (Henry Cavill) ainda tentando se estabelecer como Superman diante dos humanos, que se encontram divididos entre admirá-lo, exaltando suas ações, e questioná-lo/temê-lo. Neste último grupo está o bilionário Bruce Wayne (Ben Affleck), que viu nos estragos causados na cidade de Metropolis (vistos em O Homem de Aço) a possível ameaça representada pelo novo herói, e em seu papel como Batman, vigilante de Gotham City, passa a tentar encontrar formas para detê-lo. É um objetivo parecido com o do jovem empresário Lex Luthor (Jesse Eisenberg), que trabalha ao lado de membros do governo para achar a arma ideal contra Superman.

Assim tem início um filme que mostra querer lidar com muitas coisas e não consegue dar conta de tudo. Ao mesmo tempo em que precisa contar a história que tem em mãos, Batman vs. Superman busca plantar sementes que contribuam para a expansão de seu universo (como aponta o próprio subtítulo), mas estes só serão melhor desenvolvidos em filmes posteriores, denotando certa pressa por parte dos realizadores em criar uma base para tudo o que veremos por ali. O roteiro várias vezes pula entre essas duas partes da narrativa sem muita lógica, como se não soubesse o que desenvolver primeiro, resultando não só em graves problemas de ritmo, que dificultam o envolvimento do espectador, mas também em uma narrativa inchada. Esse último detalhe piora considerando o tempo gasto com momentos como as sequências de sonho que pouco acrescentam a trama, em especial aquela envolvendo a captura de um personagem.

Aliás, ainda sobre a história, o roteiro até traz pontos interessantes em meio aos conflitos dos personagens. Batman e Superman mostram ser figuras com ideias diferentes quanto ao heroísmo um do outro, detalhe que ajuda a criar o atrito entre eles, sem falar na discussão que questiona a necessidade de ter um alienígena poderosíssimo entre os humanos quando se sabe que ele, se quiser, pode destruir o mundo todo. Mas são coisas que, infelizmente, são deixadas de lado depois de um tempo, com o filme preferindo dar mais espaço para a ação.

Esse é um aspecto no qual Zack Snyder (um cineasta que admiro, como já falei várias vezes) não chega a caprichar como em 300 e Watchmen. Investindo em cortes rápidos que imprimem uma energia artificial ao que se vê na tela, o diretor não consegue criar momentos de ação particularmente interessantes, por mais grandiosos que eles sejam. Boa parte do problema se deve ao fato de Snyder dar a entender que quanto maior for o nível de destruição, melhor serão as cenas, ideia equivocada que ele já havia seguido em O Homem de Aço e que aqui volta a culminar em embates repetitivos, nos quais os personagens parecem estar jogando pingue-pongue ao se socarem de um lado para o outro, chegando ao ápice em um terceiro ato vazio em seu espetáculo destrutivo de efeitos visuais. Para completar, Snyder tenta emular o tom sombrio visto, principalmente, na trilogia Batman de Christopher Nolan, o que pouco adianta quando a narrativa não chega nem perto de ter a densidade daqueles longas.

Mas se há algo que não se pode reclamar em Batman vs. Superman é a forma como os personagens-título são retratados com seus dilemas. Clark Kent/Superman pode ser uma figura poderosa e indestrutível à primeira vista, mas isso não o impede de ser emocionalmente vulnerável, enquanto que Bruce Wayne/Batman aparece como alguém mais experiente e, por isso mesmo, cansado, permitindo que sua indignação aflore em suas ações, e vale dizer que as motivações por trás do confronto entre eles são construídas de maneira plausível e natural. Além disso, tanto Henry Cavill quanto Ben Affleck exibem segurança em seus respectivos papeis, especialmente o segundo. É algo que não pode ser dito sobre o restante do elenco. Se Amy Adams surge pouco interessante como Lois Lane, Jesse Eisenberg usa sua persona meio nerd e de fala rápida para compor um Lex Luthor psicótico e levemente cômico, mas nada ameaçador, tendo também motivações excessivamente tolas. Já atores como Jeremy Irons e Holly Hunter mal tem tempo para se destacar, ao passo que a Mulher-Maravilha de Gal Gadot tem uma participação especial quase insignificante, em um exemplo claro de fan service forçado (caberá a seu filme-solo estabelece-la como uma grande super-heroína).

Trazendo um final desnecessariamente óbvio, Batman vs. Superman é um filme que vê suas boas ideias se perderem em meio a uma narrativa bagunçada e surpreendentemente insossa. Mas, de qualquer forma, a base desse novo universo de super-heróis no cinema foi lançada, e tomara que renda produções melhores futuramente.

Nota:


segunda-feira, 21 de março de 2016

Séries: Demolidor - 2ª temporada

Ao escrever sobre a excelente primeira temporada de Demolidor, no ano passado, mencionei que um dos aspectos interessantes do personagem-título é o fato de seus atos o fazerem andar em uma linha tênue. Por um lado, ele é um herói que busca fazer o bem por sua cidade, mas por outro sua agressividade não deixa de torna-lo parecido com as pessoas que ele condena. Pois discutir os aspectos morais e as consequências pessoais do heroísmo visto no universo violento de Hell’s Kitchen são os pontos que regem essa segunda temporada, que assim como a anterior (e a primeira de Jessica Jones) exibe uma densidade narrativa que a Marvel não coloca tanto nos longas que lança nos cinemas.

Trazendo Doug Petrie e Marco Ramirez como showrunners (substituindo Steven S. DeKnight, que cuidou da primeira temporada), a série volta mostrando logo de cara que a vida de Matt Murdock (Charlie Cox) não mudou tanto depois que ele ajudou a colocar Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio) atrás das grades, mantendo a rotina de ser advogado de dia, ao lado de Foggy (Elden Henson) e da secretária Karen Page (Deborah Ann Woll), e Demolidor à noite. Mas Nova York e seu herói levam um belo choque quando grupos criminosos passam a ter seus membros brutalmente assassinados, obras de um único homem: o ex-fuzileiro Frank Castle (Jon Bernthal), que recebe o apelido de Justiceiro. Ao mesmo tempo, Matt se vê tendo que lidar com o retorno de sua antiga paixão, Elektra Natchios (Élodie Yung), precisando ajuda-la a derrubar planos da Yakuza – ou de um grupo muito maior.

Como podem ver, em termos de trama, essa segunda temporada se diferencia daquilo que vimos na primeira. Antes tínhamos acompanhado uma narrativa mais direta, focada no embate com Wilson Fisk, mas agora a série tenta lidar com mais coisas de uma só vez ao dividir sua história entre Frank Castle e Elektra. É curioso ver como os roteiros desenvolvem essas duas tramas centrais, criando pequenos arcos narrativos dentro de cada uma e fazendo com que, ao menos durante boa parte do tempo, elas se complementem tematicamente e causem impacto uma na outra. O único problema com relação a isso é que a série não consegue manter o ótimo ritmo que estabelece em seus primeiros episódios, principalmente em seu terço final quando uma das tramas vira o centro quase absoluto da narrativa, de forma que é inevitável sentir que a temporada começa muito melhor do que como termina, ao contrário do que aconteceu na anterior.

No entanto, a série ainda impressiona em vários aspectos, a começar pela forma como aborda a discussão moral envolvendo os ideais dos personagens, algo que ganha maiores contornos quando Frank Castle está em cena. Por mais violento que Matt Murdock seja ao pegar os criminosos, ele tem plena noção de que o que o separa deles é o fato de ele não mata-los, limite que pode vir desde seu lado religioso (ele menciona que Deus é quem decide essas coisas) até de seu lado advogado, que acredita que matar é errado e que quer provar que o sistema judiciário funciona. É um limite com o qual Frank Castle, obviamente, não se importa. Se referindo ao protagonista como um covarde que não termina o serviço (“Você bate neles e eles levantam, eu bato e eles ficam no chão”, ele diz), Castle é uma figura incrivelmente brutal, movido pela raiva/tristeza proporcionada por um trauma pessoal, que o fez perder grande parte de sua humanidade. Mas é claro que, mesmo assim, uma parcela da população de Nova York (e desconfio que dos espectadores também) aplaude os atos do personagem, que esquece que está limpando a sujeira das ruas com mais sujeira. Até por isso o julgamento que ocorre durante alguns episódios é uma jogada inspirada por parte dos realizadores quanto a como conduzir a introdução de Castle nesse universo.

Enquanto isso, a série também volta a mostrar um alto nível no que diz respeito à ação, apresentando várias sequências ágeis e muito bem coreografadas, como pode ser visto nos primeiros encontros entre o Demolidor e o Justiceiro ou na luta que se passa no corredor de uma prisão (e que não economiza no sangue, em um dos momentos mais violentos da temporada). Mas o maior destaque nesse quesito é a longa sequência no terceiro episódio na qual o protagonista enfrenta uma gangue de motoqueiros. Feita em plano-sequência, a cena tem como claro objetivo superar a excepcional luta no corredor vista na primeira temporada, sendo ainda mais complexa e empolgante, de forma que nem os cortes claramente mascarados durante sua execução diminuem seu brilhantismo.

Se a ação mantém a eficiência, o mesmo vale para o elenco. No papel de Matt Murdock, Charlie Cox volta a exibir carisma, sendo hábil também ao deixar claro o desgaste físico e emocional do personagem em meio a sua vida dupla, e ele até chega a ter dúvidas quanto a eficácia de seus esforços como herói, o que o torna um pouco mais humano. Enquanto isso, o Foggy de Elden Henson ganha oportunidades para provar ser muito mais do que um alívio cômico, mostrando seu talento como advogado e sua preocupação com o melhor amigo mesmo quando a amizade deles está balançada. Algo parecido ocorre com Deborah Ann Woll, que tem em Karen uma personagem que não fica apenas na função de interesse amoroso, revelando-se uma investigadora dedicada e persistente. E chegamos, claro, a Jon Bernthal e Élodie Yung, as duas principais adições da série. Sendo o quarto intérprete de Frank Castle (Dolph Lundgreen, Thomas Jane e Ray Stevenson já encarnaram o personagem no cinema), Bernthal traz intensidade a um homem que, por trás de sua faceta monstruosa, não deixa de ser essencialmente trágico, e seu excelente monólogo no quarto episódio é prova disso. Já Yung cria uma Elektra diferente daquela de Jennifer Garner, interpretando-a como uma figura rebelde e inconsequente. Mas vale dizer que nem sempre ela é interessante, sendo que a dinâmica levemente tensa construída entre ela e o protagonista também não foge muito da obviedade.

Mais preocupada em contar sua história do que em ficar fazendo conexões com o restante do universo Marvel (quando isso ocorre, é sempre de maneira orgânica), essa segunda temporada de Demolidor pode ter algumas irregularidades, mas seus acertos compensam isso satisfatoriamente. Com a força vista aqui, a produção mantém o ótimo nível das séries que a Marvel está fazendo com a Netflix, além de deixar a curiosidade quanto ao que virá a seguir.


quinta-feira, 3 de março de 2016

Um Homem Entre Gigantes

“Deus não nos concebeu para jogar futebol”, afirma o patologista forense Bennet Omalu (Will Smith) em determinado momento deste Um Homem Entre Gigantes. Considerando que o filme foca a descoberta de Omalu sobre as consequências letais das concussões sofridas por jogadores de futebol americano ao longo de suas carreiras, algo que ele persistentemente buscou comprovar, é claro que afirmações como a que abre este texto não são muito interessantes para os envolvidos no esporte mais popular dos Estados Unidos, em especial os cabeças da poderosa NFL (a Liga Nacional de Futebol). É a partir desse choque de interesses que o longa de Peter Landesman se constrói, mas é uma pena que o filme em si não se mostre tão intrigante.

Escrito pelo próprio Peter Landsman a partir do artigo de Jeanne Marie Laskas publicado em 2009 na revista GQ, o filme tem início em 2002, quando o jogador aposentado Mike Webster (David Morse) é encontrado morto após se isolar do restante do mundo e virar um sem-teto, tudo devido à demência. Omalu, um imigrante nigeriano extremamente qualificado em sua área de trabalho, é chamado para examinar o corpo, concluindo que o problema de Webster veio de sérios danos no cérebro, resultantes das frequentes pancadas na cabeça que o ex-jogador recebeu nos vários jogos que participou. Chamada de Encefalopatia Traumática Crônica, a doença pode atingir qualquer jogador. Mas, ao tentar comprovar suas descobertas, Omalu bate de frente com a NFL, que passa a tentar desacreditá-lo, não querendo correr riscos de ver prejudicado o esporte que rende bilhões de dólares.

É uma história clássica de David e Golias, sendo que o longa até lembra um pouco o recente e excepcional Spotlight, no sentido de trazer pessoas comuns enfrentando uma grande corporação, que até chega a justificar sua negligência através das coisas boas que realiza (assim como a Igreja Católica naquele filme). No entanto, as semelhanças entre as duas produções param por aí, já que Um Homem Entre Gigantes se estrutura de um jeito pouco interessante ao contar sua história. Por um lado, Peter Landesman tenta fazer um drama que siga os passos de obras brilhantes como O Informante (clássico de Michael Mann), mas a execução não deixa de ser um tanto burocrática na forma como aborda a investigação científica de Omalu e as consequências de encarar uma instituição do nível da NFL. Por outro, o roteiro desenvolve o romance entre o protagonista e Prema Mutiso (Gugu Mbatha-Raw), mas essa parte da trama, cuja grande função parece ser humanizar Omalu para o público, não só se desenrola de maneira óbvia como ainda desvia o foco daquilo que o filme realmente quer contar.

Sendo assim, Landesman encontra dificuldades para criar uma narrativa instigante, algo que se complica também por ele não conseguir desviar dos graves problemas de ritmo que assolam o filme durante a história. Não é à toa que em determinados momentos ele parece mais longo do que realmente é. Além disso, o diretor falha em seus esforços de dar peso ao que está acontecendo, como quando Omalu e Prema recebem uma notícia trágica, em uma cena que carece de qualquer impacto, revelando um pouco a falta de sensibilidade com a qual é conduzido o lado mais humano da narrativa.

Interpretando Bennet Omalu como um homem cheio de maneirismos e cujas excentricidades são vistas com distanciamento por algumas pessoas (sua mania de falar com os mortos é exemplo disso), Will Smith exibe um sotaque nigeriano convincente e o carisma que marcou a maior parte de sua carreira. Mas ainda assim, este não é um trabalho particularmente digno de prêmios como chegou a ser considerado. Já Gugu Mbatha-Raw faz o possível no papel de Prema, ao passo que Alec Baldwin e Albert Brooks trazem credibilidade a Julian Bailes, médico que trabalhava para a NFL e que busca uma espécie de redenção, e Cyril Wecht, o chefe de Omalu.

Um Homem Entre Gigantes poderia ser um filme melhor considerando os eventos que retrata. As informações vistas aqui são obviamente importantes, servindo de exemplo sobre como grandes corporações se preocupam mais com os próprios interesses do que com fazer o certo pelas pessoas. Mas isso infelizmente não chega a ser o suficiente para sustentar o filme.

Nota: