sábado, 30 de maio de 2015

Turbo Kid


(Crítica originalmente publicada no Papo de Cinema)

Assistir a Turbo Kid é testemunhar o que aconteceria caso Mad Max se encontrasse com uma aventura de super-herói típica da década de 1980, adicionando a isso vários litros de sangue. É uma mistura inusitada, para dizer o mínimo, e que à primeira vista até pode parecer uma receita destinada ao fracasso. Mas o trio de diretores François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell acerta nessa abordagem, conseguindo realizar um longa que, por mais insano que seja pontualmente, é surpreendentemente divertido e até mesmo adorável. E acreditem, eu não esperava usar a palavra “adorável” para descrever um filme que, em certo momento, traz uma cena bem gráfica na qual um personagem usa uma serra circular para partir alguém em pedaços.

Escrito pelos próprios diretores, Turbo Kid se passa no futuro pós-apocalíptico de 1997 (sim, é isso mesmo), quando chuvas ácidas já arrasaram o mundo, que agora é chamado de Terra Devastada e está completamente em ruínas, tendo a água como um bem valioso (novamente voltamos a Mad Max). Nessa realidade, um solitário Garoto (Munro Chambers) tenta sobreviver como pode, ganhando quando menos espera uma companheira, a jovem Apple (Laurence Leboeuf). No entanto, quando ela é sequestrada, o rapaz repentinamente encontra uma maneira de encarnar seu super-herói favorito – Turbo Rider – tornando-se o Turbo Kid. É então que ele se vê tendo que encarar a vilania do líder desse mundo arrasado, Zeus (Michael Ironside), e para derrotá-lo tem a ajuda não só de Apple, mas também do cowboy Frederic (Aaron Jeffery).
Turbo Kid é tão oitentista que praticamente pertence àquela década. Seja pelo visual, pelas músicas ou pelos efeitos sonoros, no momento em que entramos no filme já se tem a impressão imediata de que não se trata de um terreno contemporâneo, de forma que não é uma surpresa que a história se passe no “futuro” de 1997. E isso não é nenhum demérito, muito pelo contrário. Seu objetivo é ser assim, representando uma homenagem até nostálgica. Dessa forma, seguindo suas influências, o design de produção faz um ótimo trabalho ao conceber aquele universo a partir de sucatas, exibindo a falta de recursos existente por ali, detalhe que também atinge um pouco os figurinos e sua aparência um tanto surrada, o que não os impede de serem bastante chamativos em suas particularidades, como a máscara de metal do capanga de Zeus ou o visual “Homem sem Nome” de Frederic.
Considerando que se trata de uma história pós-apocalíptica, é notável que as cores em Turbo Kid não sejam drenadas da tela como é de costume em boa parte das produções do gênero. O trio de diretores aposta em um visual bastante colorido que vemos desde o uniforme vermelho que o Garoto usa na maior parte do tempo até as roupas azuis de Apple, sem falar nos cenários e no sangue que espirra diversas vezes. E, novamente, esses são detalhes que se encaixam perfeitamente, combinando com a energia contagiante que os realizadores impõem à narrativa, que entretém mesmo quando o gore ganha espaço, já que este é tratado de maneira tão absurda e cartunesca que acaba divertindo junto com outros aspectos do filme (e quando não leva ao riso, ao menos dá algum peso às ações dos personagens).
Mas além dessas qualidades, Turbo Kid ainda conta com um bom elenco. Munro Chambers revela um bem-vindo carisma, fazendo do Garoto alguém que se acostumou com a solidão, mas que eventualmente vê o valor que uma amizade pode ter naquele universo. Nisso, a dinâmica entre ele e Apple é importantíssima, sendo responsável por boa parte do porquê de o filme ser “adorável”, e aqui a atuação sempre sorridente da encantadora Laurence Leboeuf também merece destaque. E se Frederic é um cara durão e cativante nas mãos de Aaron Jeffery, Zeus é um contraponto até curioso a todos eles, representando mais um vilão para a coleção de Michael Ironside, cuja carreira ao longo dos anos ficou marcada por personagens do tipo.
É verdade que nem tudo corre às mil maravilhas em Turbo Kid. Apesar de momentos inspirados (como o corte de uma martelada para um quadrinho escrito “splash”), a montagem não insere organicamente alguns flashbacks da história, principalmente no início, ao passo que as cenas de ação são conduzidas de um jeito meio desengonçado. Mas no fim são pormenores que não chegam a atrapalhar o conjunto da obra, que surpreende com toda a diversão e a nostalgia que proporciona com suas sacadas e personagens.
Nota:


O Que Fazemos nas Sombras


O Que Fazemos nas Sombras é uma espécie de Keeping Up With the Kardashians com vampiros. Usando o formato mockumentary para realizar algo que podemos considerar como um reality show com as criaturas da noite, o filme dirigido por Jemaine Clement e Taika Waititi explora de maneira inventiva e divertida essas figuras. Basicamente, esta comédia está para os vampiros da mesma forma que o genial Isto é Spinal Tap está para as bandas de rock.


O Que Fazemos nas Sombras apresenta os vampiros Viago (Waititi), Vladislav (Clement), Deacon (Jonathan Brugh) e Petyr (Ben Fransham), que convivem juntos em um castelo, enfrentando as dificuldades da vida, sejam estas quem será o responsável por lavar a louça ou como conseguirão “se alimentar” sem fazer uma grande sujeira na residência. Uma equipe de filmagem (com crucifixos nas câmeras, porque todo cuidado é pouco) os acompanha nessa rotina, que ganha alguns incômodos quando arranjam em Nick (Cori Conzalez-Macuer) um novo colega com quem dividir o castelo.
Como o próprio título indica, o filme busca jogar uma luz (à sua própria maneira, é claro) na existência dentro do submundo vampiresco, em que os personagens principais tem um modo de vida cheio de particularidades, e na forma como isso se choca com o cotidiano dos humanos. Aliás, não seria surpresa se Clement e Waititi tivessem tido a ideia do filme ao pensarem no jeito com que os vampiros se encaixariam no nosso mundo, somando o modo como eles próprios lidariam com isso, já que os tempos estão em constante mudança, principalmente nas últimas décadas. Se vampiros precisam ser convidados para entrar nos lugares, como eles entrariam em uma boate? Como sabem que estão se vestindo bem para os padrões atuais se não têm um reflexo no espelho para olhar?
A partir destes tipos de detalhes, o filme vai construindo um humor muito eficiente, que brinca com a mitologia dos vampiros e leva constantemente o espectador ao riso. Algumas das boas sacadas do roteiro são uma briga de morcegos ou quando mostra lados bons e ruins de ser vampiro, bolando em meio a isso diálogos inspirados (“Cansei de ser vampiro. É uma droga. Não acreditem no hype”, declara Nick em determinado momento). Contribui também o fato dos personagens, além de serem carismáticos e terem uma boa dinâmica, se revelarem absolutamente hilários, desde Viago e seu jeito excêntrico em sua timidez até Petyr, que apesar de não ter um único diálogo e ser um cara parado, é muito bem utilizado pelo roteiro. Além disso, por Clement e Waititi montarem o filme como um “documentário”, os diálogos expositivos não incomodam, soando até naturais na narrativa e cruciais para estabelecerem os personagens.
Contando ainda com um tom bastante descontraído, o que pode até ser consequência da grande improvisação que ocorreu ao longo das filmagens por parte dos atores, O Que Fazemos Nas Sombras é uma grata surpresa. Um filme de vampiro que tem um bem-vindo frescor enquanto diverte com inteligência, merecendo destaque entre as comédias lançadas recentemente.
Nota:


Zumbis na Neve 2


Continuações geralmente servem para que um longa não só dê seguimento a sua história, mas também possa aumentar a escala do que havia mostrado originalmente, buscando fazer coisas novas no universo criado. Se levarmos essa ideia em consideração, o que ela poderia fazer com o divertido  Zumbis na Neve, um filme que colocava seus personagens enfrentando zumbis nazistas? A resposta pode não vir em uma produção memorável, mas Zumbis na Neve 2 volta a divertir com a ideia lançada por seu antecessor, e o diretor Tommy Wirkola ainda aproveita a oportunidade para melhorar certos aspectos em que o anterior pecou.

Zumbis na Neve 2 continua exatamente a partir do ponto em que o primeiro havia parado, com Martin (Vegar Hoel) totalmente arrebentado lutando contra o líder dos zumbis, Coronel Herzog (Ørjan Gamst), enquanto foge de carro. Nisso, ele sofre um acidente, mas arranca o braço de seu inimigo no processo. É então que, ao acordar em um hospital, descobre que no lugar de seu braço amputado (que ele mesmo cortou no filme anterior) foi colocado o membro zumbificado, que age maleficamente por conta própria. Ainda assim, o rapaz parte para tentar atrapalhar os planos do inimigo, que monta um exército de zumbis para finalizar uma antiga missão.
Assim como no primeiro filme, Tommy Wirkola aposta em uma série de bobagens para tentar divertir ao longo da história, e faz isso sem subestimar o público. Ele tem noção da idiotice que está colocando na tela, mas constrói bem as gags e consegue fazer graça com detalhes, no mínimo, inusitados. Dessa forma, Zumbis na Neve 2 consegue levar o público ao riso diversas vezes, seja pelo puro non sense ou simplesmente pelo grotesco, e há ainda momentos em que o diretor até chuta o balde, tamanho o absurdo do que se vê em cena. Se uma hora rimos de como uma música pop é usada para quebrar a tensão de uma briga, em outra é de uma respiração boca a boca inacreditável. Aliás, a maneira como os personagens agem novamente diverte, sendo que o Esquadrão Zumbi que surge em determinado momento, formado pelos irmãos Daniel (Martin Starr), Monica (Jocelyn DeBoer) e Blake (Ingrid Haas), chama a atenção por parecerem nerds inofensivos, mas realmente funcionarem como um elite de guerra quando necessário.
No entanto, o que surpreende um pouco em Zumbis na Neve 2 é que o roteiro escrito por Wirkola, Stig Frod Henriksen e Vegar Hoel parece reconhecer que seu antecessor, principalmente em termos de história, era bem pobre, tendo se mostrado eficiente graças à forma como explorava o humor. Considerando isso, nessa continuação é possível ver que o trio tenta fazer algo mais criativo ao abordar suas ideias. Os zumbis, por exemplo, até ganham em sua missão uma motivação mais interessante do que apenas “mexeram na nossa caixinha de joias e agora pagarão por isso” ao saírem matando as pessoas, sendo que seu jeito racional continua causando bons risos. E a trama em si foge do lugar-comum, culminando em uma batalha que diverte com todo seu clímax.
Claro que esses detalhes não compensam certos problemas. As referências constantes que Monica faz a Star Wars cansam rapidamente, além de serem óbvias e de chamarem atenção para si mesmas, assim como as gags com o simpático amigo zumbi do protagonista, personagem que sofre tantos maus bocados durante o filme que chega a ser possível prever quando ele será alvo de uma piada. Além disso, o roteiro vez que outra se concentra em um núcleo descartável envolvendo alguns policiais, elemento que não acrescenta muito à história e quebra o ritmo da narrativa. Mas, mesmo assim, Zumbis na Neve 2 consegue se sustentar muito bem, e se não chega a ser absolutamente hilário, é hábil em entreter o espectador durante seus pouco mais de 90 minutos de duração.
Obs.: Há uma cena depois dos créditos finais.
Nota:

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Mad Max: Estrada da Fúria

Max Rockatansky é um andarilho que se adaptou ao caos ao seu redor. Um homem vivendo em um mundo infernal onde as pessoas encontram liderança em figuras persuasivas e monstruosas, sendo mais recomendável não deixar aflorar o que restou de sua humanidade caso queira que a sobrevivência ainda seja uma opção. Mas Max também sabe que acionar essa característica pode ser o único jeito de não enlouquecer nesse lugar e resgatar um pouco a pessoa que costumava ser. E assim, depois de trinta anos longe das telonas e tendo como legado uma trilogia admirável, Max retorna neste Mad Max: Estrada da Fúria, uma continuação com toques de reboot que aproveita uma escala maior do que a dos longas anteriores para atualizar o personagem e seu universo pós-apocalíptico, resultando no processo em um filme de ação absolutamente fantástico.

Escrito por Brendan McCarthy, Nick Lathouris e pelo diretor George Miller, Mad Max: Estrada da Fúria traz um Max Rockatansky (agora interpretado por Tom Hardy) atormentado pelas mortes daqueles que não pôde proteger, em especial sua família. Ele acaba batendo de frente com Imperator Furiosa (Charlize Theron), que está fugindo da Cidadela, lugar comandado pelo atroz Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne, que volta a série após interpretar o vilão do primeiro filme), levando consigo as Cinco Esposas dele. Joe, obviamente, parte para recuperar suas mulheres, e Furiosa ganha o auxílio de Max para que todas cheguem vivas ao outro lado do deserto, onde supostamente há um lugar no qual poderão recomeçar suas vidas.

A partir disso, a história dá início a uma verdadeira montanha-russa, que entra com tudo no caos pós-apocalíptico, saindo de lá apenas quando chegam os créditos finais. Com isso em mente, o roteiro aproveita maravilhosamente bem a trama simples que desenvolve, sendo que esta é mais do que o suficiente para que o filme se estruture praticamente como um road movie, só que recheado de grandiosas set pieces. É então que George Miller usa o cenário desértico para conduzir com maestria as longas e espetaculares cenas de ação, que quase não permitem que o espectador relaxe durante as duas horas de viagem. Calcando o filme em perseguições na estrada, Miller consegue a proeza de realizar uma cena melhor que a outra, mantendo a lógica visual delas sempre clara, impondo o ritmo agitado característico da série e explorando ao máximo as diversas características dos veículos em ação, que basicamente provam o nível de insanidade dos habitantes daquele mundo. E a trilha composta por Tom Holkenborg (ou Junkie XL) embala as sequências brilhantemente, chegando até a surgir diegeticamente durante boa parte do tempo, já que um dos carros dos homens liderados por Immortan Joe conta com uma orquestra particular (eu disse que os caras são loucos).

No entanto, vale dizer que tais cenas provavelmente não seriam tão envolventes ou empolgantes caso não tivessem um elemento humano em meio a tudo o que acontece. É algo que o roteiro estabelece ao desenvolver eficientemente os principais personagens e suas motivações, que vão desde o bom e velho desejo por redenção até a esperança de morrer de maneira honrada e grandiosa, de forma que o filme encontra um bem-vindo peso dramático no caráter pessoal de tudo isso. Como se não bastasse, Max em determinados momentos vira um mero coadjuvante, já que George Miller faz questão de explorar a força do poder feminino na história, com Furiosa e as Cinco Esposas constantemente indo contra ideias relacionadas à como as mulheres supostamente devem agir e o que devem ser (a cena em que as Esposas afirmam “Nós não somos objetos!” é exemplo disso). Ver toques desse tipo em uma produção teoricamente voltada ao público masculino é uma das maiores e mais agradáveis surpresas do filme.

Pegando um papel que Mel Gibson tornou icônico, Tom Hardy (um ator que não canso de admirar) em nenhum momento tenta imitar seu predecessor ao interpretar Max Rocktansky, fazendo um ótimo trabalho em sua própria versão do personagem. O Max de Hardy logo de cara mostra ser uma figura animalesca, seja em sua postura, seus gestos ou na maneira como fala, e é muito significativo que ele passe a maior parte da primeira metade do filme usando uma espécie de mordaça, ganhando a chance de tirá-la apenas ao permitir que seu lado humano se manifeste. Já Charlize Theron assume com gosto a posição de co-protagonista, conseguindo até roubar a cena encarnando a grande força de Imperator Furiosa, que se revela uma heroína de ação sensacional, do tipo que infelizmente não se tem visto muito no cinema. E Nicholas Hoult merece créditos pelo carisma que traz a Nux, jovem ingênuo que passa por mudanças interessantes durante a história.

Mad Max: Estrada da Fúria passa a impressão de que, ao longo dos últimos trinta anos, essa série acumulou uma enorme energia e resolveu soltá-la de uma vez só em um retorno triunfal. É um filme que impressiona de várias formas e traz tudo o que os exemplares anteriores tinham de melhor. George Miller não fez apenas o melhor blockbuster da temporada, mas também um dos melhores filmes do ano.

Nota:


terça-feira, 12 de maio de 2015

Mad Max 2: A Caçada Continua

Em 1979, Mad Max foi aquele típico filme modesto que surpreendeu com sua qualidade e fez um sucesso estrondoso, ajudando o protagonista Mel Gibson e o diretor George Miller a darem seus primeiros passos rumo ao reconhecimento internacional. Já nessa época, esse tipo de recepção era suficiente para que uma continuação pudesse ser planejada. Mas diferente de muitas sequências desnecessárias, Mad Max 2: A Caçada Continua mostra que o realizador realmente tinha outra história para contar naquele universo, aproveitando a chance (e o orçamento maior) para abordar essa ambientação de um jeito diferente. E o que se vê na tela é um segundo episódio que consegue a façanha de ser ainda melhor que o original.

Escrito pelo próprio Miller em parceria com Terry Hayes e Bryan Hannant, Mad Max 2 traz o protagonista Max Rockatansky (Gibson) vivendo como um andarilho na Austrália distópica e desértica, onde a gasolina virou o bem mais valioso. Ao entrar em contato com Capitão Gyro (Bruce Spence), ele fica sabendo da existência de uma pequena refinaria, onde uma comunidade se estabeleceu. Com a ameaçadora gangue de motoqueiros liderada por Humungus (Kjell Nilsson) querendo tomar o lugar nem que seja a força, um relutante Max se torna a única esperança para ajudar estas pessoas a protegerem seus suprimentos de combustível.
Se essa realidade violenta e arrasadora já havia sido apresentada no primeiro filme, George Millerconsegue expandi-la neste segundo capítulo de forma muito mais acabada. Antes ainda era possível ver estabelecimentos e casas em meio ao deserto que rodeava as rodovias australianas, mas agora nem isso aparece em cena, com o excepcional design de produção montando um universo caótico em sua precariedade, o que contribui para dar um tom de urgência à narrativa. Além disso, enquanto no filme anterior víamos como aquele mundo poderia desumanizar um homem incorruptível, inserindo-o em uma verdadeira história de vingança a partir de determinado momento, em Mad Max 2 o foco fica no que é preciso ser feito para sobreviver ali, agora que todos estão em um ambiente realmente sem regras, no qual quem sai vencedor geralmente é aquele que se revelar mais impiedoso.
Com isso ganhando atenção, abre-se espaço para que a humanidade do próprio Max Rockatansky possa continuar sendo desenvolvida, até porque o estado no qual o personagem ficou ao final do primeiro filme, inicialmente, seria o ideal para o cenário que encontramos aqui. Depois de perder a esposa, o filho e o melhor amigo nas mãos das gangues, Max parece ter aprendido que cuidar apenas de seus próprios interesses é a melhor forma de sobreviver, mostrando-se frio ao ver, por exemplo, um homem preso nos escombros de um veículo capotado, não fazendo nada para ajudá-lo. E se ele abre uma exceção ao auxiliar as pessoas na refinaria, isso ocorre porque ele pode ganhar algo em troca. Afinal, por mais que aquele grupo acabe resgatando o que ainda há de bom nele, a ideia de criar laços afetivos não passa por sua cabeça, pois pode resultar na tristeza da qual ele quer passar longe. Assim, Max vira uma figura mais complexa do que aquela que conhecemos no longa anterior, e Mel Gibson merece aplausos por encarnar o personagem e todas suas nuances com segurança absoluta.
Enquanto isso, George Miller constrói com calma a atmosfera do filme, além de impor um ritmo cativante que envolve o espectador do início ao fim, partindo para algo mais agitado apenas nas cenas de ação. Nesse aspecto, aliás, Miller impressiona com as acrobacias e colisões envolvendo os carros nas rodovias australianas, criando uma tensão que deixa o público na ponta da cadeira. No entanto, ainda que todas as cenas desse tipo mereçam destaque no filme, é impossível ignorar que a sequência final se sobressai. Durando cerca de quinze minutos na tela e trazendo Max no comando de um caminhão cheio de gasolina enquanto as gangues o perseguem, esta cena é o ápice do filme e um dos melhores momentos de toda a série Mad Max.
Mad Max 2 não se atém a repetir tudo o que seu original fez de certo. Muito pelo contrário. É uma obra que se aprofunda um pouco mais no que havíamos visto, resultando no processo em uma experiência eletrizante e inesquecível. Perto disso, o fato de ter se estabelecido como um filme de ação seminal dentro do gênero é quase um ponto extra.
Nota:

007 Contra o Homem Com a Pistola de Ouro

A era Roger Moore é a menos interessante da franquia 007. Não necessariamente por culpa do ator, mas porque os filmes constantemente se viram caindo de vez na mais pura bobagem, e nem sempre de um jeito divertido, algo que chegaria ao ápice em 007 Contra o Foguete da Morte, um dos piores da série. Levando isso em conta, 007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro, segunda produção a trazer Moore como James Bond, é um dos exemplares aceitáveis que o ator estrelou dentro da franquia, ainda que se destaque mais graças ao vilão interpretado por Christopher Lee.

Escrito por Richard Maibaum (que assinou grande parte dos filmes da série) em parceria com Tom Mankiewics, 007 contra o Homem com a Pistola de Ouro traz James Bond enfrentando a ameaça de Francisco Scaramanga (Lee), assassino profissional conhecido por cobrar um milhão de dólares por cada um de seus alvos e por utilizar uma pistola de ouro para eliminá-los (como aponta o próprio título do filme). Bond talvez seja o próximo em sua lista e, mesmo assim, o agente decide investigar seu novo nêmesis, eventualmente entrando no meio da corrida pelo agitador Solex, aparelho importante para uma máquina conversora de energia solar que chama a atenção tanto de Scaramanga quanto do governo.
É muito claro durante a história que os realizadores querem muito mais divertir o público que empolgá-lo e envolvê-lo numa tensão comum aos filmes de espionagem, mesmo que o pano de fundo seja uma crise de energia, referência à crise do petróleo que atormentava aqueles anos. Sendo assim, o roteiro insere um nível alto de comicidade em meio à trama, de tal maneira que é uma surpresa a produção não entrar em definitivo na área da autoparódia. Nesse sentido, 007 contra o Homem com a Pistola de Ouro diverte em alguns momentos (como quando o protagonista derruba um lutador com apenas um chute), mas em outros soa muito bobo, perdendo tempo com elementos desnecessários, como o insuportável xerife Pepper (Clifton James), que infelizmente retorna depois de sua participação em Com 007 Viva e Deixe Morrer.
Considerando tudo isso, o diretor Guy Hamilton (em sua quarta e última passagem pelo universo de 007) acaba apostando num tom leve durante boa parte do tempo, o que tira um pouco o peso da trama, que sempre fica melhor quando investe na tensão dos eventos. Isso serve também para as cenas de ação. Se por um lado, o grande jogo de gato e rato que Scaramanga faz em sua ilha se destaca pelo suspense, assim como a perseguição de barco no segundo ato, por outro, o mesmo não pode ser dito sobre a luta em que duas colegiais arrebentam vários homens enquanto Bond assiste, ou a briga no final entre o protagonista e o capanga baixinho do vilão, Nick Nack (Hervé Villechaize). São cenas que apelam demais para o ridículo. Em determinado momento, isso parece até fazer Hamilton esquecer o tipo de filme que está comandando, já que ele realiza uma manobra tecnicamente impressionante com um carro, mas arruína o esforço com um desnecessário efeito sonoro de desenho animado.
Já Roger Moore surge claramente mais confortável no papel de James Bond, encaixando naturalmente no personagem seu senso de humor sem sacrificar sua determinação e energia, trazendo um carisma imprescindível no processo. E se Britt Ekland e Maud Adams não conseguem fazer com que a ajudante de Bond, Mary Goodnight, e a amante de Scaramanga, Andrea Anders, sejam Bond girls interessantes (a primeira até irrita por ser o estereótipo da loira burra), Hervé Villechaize aparece como uma presença curiosa interpretando Nick Nack. Mas é inegável que Christopher Lee rouba a cena com seu vilão. Mesmo quando contracena com o James Bond de Moore, o Francisco Scaramanga de Lee é um personagem que surge mais cativante, com o ator encarnando-o com charme e elegância, sendo que ele ainda tem habilidades que o tornam um sujeito tão letal quanto o próprio protagonista.
007 contra o Homem com a Pistola de Ouro segue uma fórmula estabelecida por muito tempo na franquia 007. Dentro disso, equilibra pontos altos e baixos, conseguindo funcionar como entretenimento, mas ficando longe de ser um grande exemplar na longa história cinematográfica de James Bond.
Nota:

007 - A Serviço Secreto de Sua Majestade

Quando um ator decide não voltar a interpretar determinado personagem que o deixou famoso numa franquia lucrativa, sempre fica a expectativa de quem será seu substituto e de como serão os filmes seguintes. Hoje em dia, a série 007 talvez seja a que mais chama a atenção com relação a eventuais trocas de elenco, algo compreensível considerando sua longevidade e o quão icônico James Bond se tornou. Depois de Com 007 só se Vive Duas Vezes, a série sofreu a primeira mudança de protagonista, com Sean Connery preferindo não retornar como Bond neste 007: A Serviço Secreto de Sua Majestade, que poderia ter sido sua sexta encarnação do personagem. Em seu lugar, surge o australiano George Lazenby que, logo no início, depois de uma luta na praia, solta a famosa fala Isso nunca aconteceu com o outro cara, brincadeira divertida por parte dos realizadores. No entanto, Lazenby infelizmente revela-se um James Bond irregular, o que surpreendentemente não impede este exemplar de ser um dos melhores da franquia.

Escrito por Richard Maibaum, 007: A Serviço Secreto de Sua Majestade coloca James Bond no caminho da bela e problemática Teresa “Tracy” di Vicenzo (Diana Rigg), com quem inicia um relacionamento conturbado. Mas a cabeça de 007 está mais concentrada em tentar localizar Ernst Stavro Blofeld (Telly Savalas, substituindo Donald Pleasence). Para isso, ele aceita uma proposta do pai de Tracy, o chefe do crime Marc-Ange Draco (Gabriele Ferzetti), continuando o relacionamento com a garota em troca de informações importantes sobre o paradeiro do vilão. É então que Bond se apaixona inesperadamente por Tracy ao mesmo tempo em que tenta parar Blofeld, cujo plano é espalhar um vírus em várias partes do mundo.
A série 007 como um todo é conhecida por colocar James Bond em grandes missões que o expõe constantemente ao perigo. Levando isso em conta, é uma surpresa que quase toda a primeira hora de 007: A Serviço Secreto de Sua Majestade se dedique ao relacionamento do protagonista com Tracy. Apesar de Bond se meter em algumas brigas aqui e ali, o longa não soa como um filme de ação durante essa parte inicial, mas sim como um romance, decisão corajosa do roteiro que, de quebra, ainda faz esse aspecto ser um dos pontos altos do filme. É interessante ver James Bond sendo finalmente conquistado por uma mulher como Tracy, algo que inclusive ajuda a humaniza-lo. Além disso, ao desenvolver o romance entre os personagens com calma no início para só depois se concentrar na grande missão com Blofeld, o roteiro exibe inteligência na forma como estrutura a história, já que mais tarde ambas as partes se juntam, contribuindo para que o terceiro ato seja muito envolvente.
Com um roteiro desses nas mãos, o diretor Peter Hunt (estreante na função depois de ser montador e diretor de segunda unidade nos filmes anteriores) faz um ótimo trabalho ao impor um ritmo cativante, mantido do início ao fim da narrativa, além de ter uma bem-vinda sensibilidade na forma como trata a relação de Bond com Tracy. Em termos de ação, Hunt merece aplausos pelo dinamismo que traz às cenas, surpreendendo ao realizar alguns momentos memoráveis da franquia nesse aspecto, como nas perseguições na neve, que contam com uma avalanche de escala impressionante (e vale dizer que poucas vezes foi tão eletrizante acompanhar um capanga caindo de uma montanha).
Então chegamos a George Lazenby, ator que não é páreo para Sean Connery como o agente 007. É difícil não simpatizar com o Bond de Lazenby, mas isso se deve mais ao roteiro que ao intérprete em si, que se mostra um tanto inexpressivo, além de claramente tentar emular sem sucesso seu predecessor (e por mais que a Era Roger Moore tenha sido a pior da franquia no quesito qualidade dos filmes, ao menos o britânico tinha personalidade). Em contrapartida, Diana Rigg é simplesmente uma das melhores Bond girls que a série teve, fazendo de Tracy uma personagem feminina forte, que mostra ser capaz de se cuidar sozinha, tendo um lado sensível e encantador. É fácil compreender como o protagonista se apaixona por ela. Telly Savalas, por sua vez, encarna Blofeld com naturalidade, ficando completamente distante dos maneirismos da icônica composição de Donald Pleasence no longa anterior, decisão que faz o vilão parecer mais real.
007: A Serviço Secreto de Sua Majestade foi um fracasso quando lançado e George Lazenby não voltou a interpretar James Bond. Sean Connery aceitou retomar o papel em 007: Os Diamantes São Eternos em troca de um salário astronômico. Mas, de qualquer forma, o australiano acabou marcando seu nome num filme excepcional, que acrescentou detalhes importantes à mitologia do personagem e ainda teve o desfecho mais trágico de um exemplar 007. Uma obra que ao longo dos anos, felizmente, vem sendo reconhecida como a preciosidade que é.
Nota:

Zumbis na Neve

A primeira cena de Zumbis na Neve traz uma jovem em pânico, correndo desesperadamente pela neve enquanto zumbis a perseguem. Ela é encurralada e, claro, vira comida nas mãos das criaturas. É uma imagem teoricamente aterrorizante, sem dúvida, mas quando percebemos que “Ode à Alegria”, de Beethoven, é a trilha que toca ao fundo, é impossível não sentir um tom de comicidade no jeito como o diretor Tommy Wirkola conduz a sequência. E é um tom que se mantém durante todo o filme, contribuindo para fazer deste um exemplar divertido dentro do subgênero dos zumbis, ainda que não tenha nada de novo ou surpreendente.

Escrito pelo próprio Wirkola em parceria com Stig Frode Henriksen (que também atua no filme), Zumbis na Neve traz uma história que não poderia ser mais comum. Um grupo de jovens estudantes noruegueses decide aproveitar suas férias nas montanhas nevadas, onde uma amiga deles tem uma cabana. Tudo ocorre na maior tranquilidade, com todos aproveitando a estadia da melhor forma possível. Mas quando menos esperam, obviamente, são rodeados por zumbis. Aliás, zumbis nazistas, como se as coisas não pudessem piorar. Tem-se início, então, a boa e velha luta pela sobrevivência.
Há um grau de idiotice que é praticamente inerente à história que Tommy Wirkola conta, e ao longo do filme parece que o diretor e sua equipe dão mais atenção ao gore e ao humor que tomam a tela do que a qualquer outra coisa. Como narrativa, então, Zumbis na Neve não deixa de ser um tanto pobre, não só pela trama preferir seguir uma fórmula batida, mas também por ser difícil de se envolver com os personagens unidimensionais que nos guiam por aquilo tudo, sendo que eles nem se diferenciam muito uns dos outros. Aliás, a construção dos personagens é tão irregular que Martin (vivido por Vegar Hoel) mostra em uma cena que não gosta de ver sangue, o que é totalmente esquecido depois, logo quando o filme começa a tocar sangue para todos os lados. A impressão que fica diante disso tudo é a de que o diretor teve uma ideia curiosa e preferiu ancorá-la em uma narrativa simples, por mais que esta se revele pouco inspirada.
No entanto, para a sorte de Wirkola, ele consegue fazer com que sua premissa renda boas e constantes risadas. O nazismo dos zumbis até soa interessante, mesmo não acrescentando muita coisa à trama. As criaturas chamam mais atenção por serem figuras racionais que sabem exatamente o que estão fazendo, detalhe que causa risos por ser um tanto inusitado. Mas a maneira como os personagens reagem à situação na qual se encontram é o que Zumbis na Neve tem de melhor, e aqui o roteiro chega a apresentar bons toques de non senseDessa forma, é engraçado que um deles veja uma cena chocante e solte um “Eu disse que deveríamos ter ido à praia!”, assim como quando ligam para a emergência e dizem o que realmente está acontecendo (porque ser perseguido por zumbis é perfeitamente normal, certo?). Mas Tommy Wirkola também usa o gore eficientemente nesse aspecto, algo que fica evidente em cenas como a luta contra os zumbis no terceiro ato ou em bizarrices como entranhas sendo usadas como corda em um penhasco.
Zumbis na Neve não é uma produção memorável. Na verdade, é uma pequena bobagem. Mas dentro disso, o filme cumpre seu objetivo de ser uma diversão agradável enquanto dura. No fim, isso acaba deixando uma impressão mais forte do que os problemas narrativos.
Nota:

My Life Directed by Nicolas Winding Refn

My Life Directed by Nicolas Winding Refn lembra em alguns aspectos O Apocalipse de um Cineasta. Ambos são documentários intimistas, que trazem diretores sendo filmados por suas esposas durante a produção de um novo filme, captando os bastidores das obras. Mas se Eleanor Coppola conseguiu pegar seu marido Francis Ford Coppola em meio à pressão e ao caos no qual ele se meteu durante as conturbadas gravações de Apocalypse Now, gerando uma obra complexa e vista como um dos melhores documentários sobre bastidores de produções cinematográficas, Liv Corfixen não arranja o mesmo tipo de material ao filmar Nicolas Winding Refn, obtendo como resultado um filme que não chega a ser tão interessante.

Corfixen não filma seu marido no meio de um Apocalypse Now, mas sim na produção de algo bem mais modesto: o belo e violento Apenas Deus Perdoa, seu primeiro trabalho após o grande sucesso alcançado pelo excepcional Drive e, claro, segunda parceria com o ator Ryan Gosling. A partir disso, ela foca desde o fim da pré-produção do longa, passando pelas gravações e chegando finalmente ao lançamento e recepção no Festival de Cannes de 2013. No processo, a diretora capta a pressão que o marido sente por querer fazer um filme tão bom quanto seu anterior, e que ao mesmo tempo não pareça que está se repetindo.
My Life Directed by Nicolas Winding Refn tem pouco menos de uma hora de duração, e só por isso é possível prever que Liv Corfixen não conseguiu material o suficiente para realizar um longa aprofundado. Assistindo ao filme isso fica evidente, e talvez seja consequência do fato de Refn se sentir um tanto incomodado com a presença da câmera da esposa, não a deixando penetrar muito em seu processo criativo (“Você não me deixa filmar nenhuma de suas crises”, ela diz para ele em determinado momento). Assim, as coisas que Corfixen consegue mostrar não deixam de soar um tanto superficiais e até comuns, sendo que o método de trabalho de seu marido também não tem nada de muito peculiar. E apesar do estresse de seu realizador, as filmagens de Apenas Deus Perdoa revelam-se bastante tranquilas, algo que, inclusive, é completamente oposto à sua narrativa. Ou seja, o documentário não tem nada de revelador com relação ao filme, e o que vemos aqui sobre ele não é muito diferente do que aparece nos costumeiros making ofs, podendo ter sido montado de forma a ser colocado nos extras dos DVDs e blu-rays do longa.
No entanto, isso não impede o documentário de ter detalhes curiosos que o ajudam a ser, no mínimo, cativante. É bacana ver, por exemplo, o grande companheirismo existente entre Nicolas Winding Refn e Ryan Gosling, com o ator sendo não só um ótimo parceiro de trabalho (além de produtor, ele foi diretor de segunda unidade em Apenas Deus Perdoa), mas também uma espécie de membro da família, e os momentos nos quais brinca com as filhas do cineasta são genuinamente graciosos. Além disso, Liv Corfixen mostra que seu marido não é um diretor que pensa que tudo que filma é ouro, como alguns de seus colegas de profissão (sim, estou olhando para você, M. Night Shyamalan). Boa parte de seu constante estresse, na verdade, vem do fato dele se cobrar muito, e não à toa as críticas para as quais ele dá mais atenção no final das contas são as negativas, já que são as que podem ressaltar detalhes sobre seu trabalho que ele pode tentar melhorar em projetos futuros.
Uma pena que isso não seja o bastante para tornar My Life Directed by Nicolas Winding Refn um documentário particularmente essencial como outros do tipo. É um filme que não traz grandes insights sobre bastidores, servindo mais como uma pequena curiosidade sobre um diretor talentoso.
Nota:

Tucker: Um Homem e Seu Sonho

Consagrado nos anos 1970 como um dos grandes nomes do cinema norte-americano, ao lado dos amigos Martin Scorsese e Steven Spielberg, Francis Ford Coppola não chegou a mostrar toda a força de seu talento nas décadas seguintes. Sim, de lá pra cá ele realizou belos filmes, como O Selvagem da Motocicleta, mas nada que se compare aos dois O Poderoso Chefão, A Conversação ou Apocalypse Now (a não ser, é claro, O Poderoso Chefão 3 que, diferentemente do que muitos dizem, fecha a trilogia dos Corleone com brilhantismo). Isso pode ser visto em Tucker: Um Homem e Seu Sonho, projeto caro ao cineasta. Mesmo sendo uma obra eficiente, fica longe de seus melhores trabalhos.

Com roteiro de Arnold Schulman e David Seidler, Tucker se passa pouco depois da Segunda Guerra Mundial e mostra a história real do empresário Preston Tucker (Jeff Bridges) concebendo o Tucker 48, carro inovador no quesito segurança de motoristas e passageiros, atributo visto hoje como fundamental em qualquer veículo. Tendo o apoio da família e conseguindo financiamento com Abe Karatz (Martin Landau), Preston forma uma equipe para ajudá-lo na empreitada. Mas, sua ambição bate de frente com figuras poderosas, o que o faz enfrentar alguns problemas durante o processo.
Mesmo que Tucker seja um projeto dos sonhos de Coppola e bastante pessoal (muito se fala sobre o cineasta paralelizar a situação do protagonista com o Tucker 48 e a dele com sua produtora American Zoetrope), é difícil não pensar que o filme é guiado no piloto automático. Coppola parece apertar os botõezinhos certos para agradar o público inofensivamente, apostando até em um tom leve mesmo quando a narrativa poderia ganhar toques mais sérios, como no julgamento que vemos no terceiro ato. Dentro desse objetivo, Coppola acaba sendo bem-sucedido, mas é uma pena ele se arriscar tão pouco, não exibindo muita imaginação ou ambição.
Se o diretor peca um pouco nesses aspectos, curiosamente o contrário pode ser dito sobre o protagonista. Tratado por Coppola com um respeito notável (isso pode ser visto nos ângulos baixos que o engrandecem ocasionalmente), Preston Tucker é a ambição e o entusiasmo em pessoa, empolgado com as próprias ideias e sem dúvidas de que elas darão certo. Além disso, é bacana notar que ele não é arrogante a ponto de barrar as ideias de sua equipe, como podemos ver no tratamento dado ao designer Alex Tremulis (Elias Koteas). E, apesar de o personagem ser essencialmente unidimensional (devido mais ao roteiro), Jeff Bridges traz seu carisma habitual ao papel, além de ter uma boa dinâmica com o restante do elenco (destaque para o ótimo Martin Landau como Abe Karatz e Joan Allen como a esposa de Preston), o que contribui para que a história se torne cativante ao espectador.
Considerando o que aconteceu com Preston Tucker após os eventos retratados aqui (e que é estabelecido superficialmente por meio de letreiros finais), talvez a abordagem que Coppola dá à história seja excessivamente bonitinha, até um pouco desonesta. Mas, mesmo com seus problemas, Tucker não chega a representar um ponto baixo na carreira do diretor. É um Coppola menor, lançado numa época em que ele tinha dificuldades para reencontrar o prestígio recebido quando estava no auge.
Nota:

Jessabelle: O Passado Nunca Morre

É possível constatar ao longo deste terror Jessabelle que os realizadores estão realmente se esforçando para tentar causar sustos e arrepios no público. Isso não deixa de ser louvável, mas é uma pena quando o talento por trás destes esforços não é dos melhores, incapaz de cumprir seus objetivos. Aqui, acabamos tendo em mãos um filme que praticamente passa batido pelo espectador, e isso para uma obra de terror é terrível se considerarmos que, quando bem realizado, o gênero é capaz de manter seus espectadores assustados por um bom tempo.

Escrito por Robert Ben Garant (cuja carreira é calcada em comédias como Uma Noite no Museu)Jessabelle nos apresenta a jovem Jessie Laurent (Sarah Snook), que volta para sua cidade-natal na Louisiana para se recuperar de um acidente de carro. Nesta tragédia ela perdeu o namorado, o bebê que estava esperando e os movimentos das pernas. Ficando sob os cuidados de seu mal-encarado pai (David Andrews), Jessie tenta recomeçar a vida, mas aos poucos começa a ser assombrada por fantasmas e pesadelos. Ao encontrar algumas fitas VHS que sua falecida mãe (Joelle Carter) gravou antes dela nascer, Jessie é avisada quanto a uma estranha presença na casa. Contando apenas com a ajuda de seu amigo Preston (Marc Webber), ela tentará entender o que está acontecendo, em um mistério que traz à tona um passado conturbado.
Misturando terror psicológico com sobrenatural e alguns toques de magia negra, Jessabelle tem uma história que se revela bastante clichê, seja pela forma como traz elementos vistos em outras obras do gênero ou pela própria estrutura usada no desenrolar da trama. Nesse sentido, ele lembra um pouco produções como o ótimo O Chamado ou até mesmo o mediano A Chave Mestra. No entanto, em nenhum momento o filme consegue envolver por completo o espectador, tendo uma trama desinteressante e contando com algumas resoluções que são óbvias desde o princípio, já que o roteiro não é sutil ao usar as fitas da mãe da protagonista para apresentar pistas importantes sobre os mistérios.
O diretor e montador Kevin Greutert (responsável pelos sexto e sétimo exemplares da série Jogos Mortais) ainda assim tenta construir uma atmosfera inquietante, mas acaba não sendo muito eficaz ao utilizar desde uma fotografia que separa de maneira bem clara os momentos sombrios daqueles mais tranquilos até uma trilha que não poderia ser mais batida. Há cenas que até provocam alguns arrepios, como aquela em que Jessie tem uma alucinação na banheira. Mas em outras é possível nos adiantarmos aos sustos que estão sendo preparados, já que a condução não é nenhum pouco criativa, tirando completamente o impacto que as cenas poderiam ter. Bons exemplos disso são o acidente de Jessie ou quando Preston é atacado pela tal assombração.
Esses problemas são ainda mais lamentáveis se levarmos em conta que o filme tem uma atriz competente em seu centro. Após a grande atuação na ótima ficção científica O Predestinado, Sarah Snook mostra mais uma vez que é uma intérprete que merece atenção, conseguindo fazer de Jessie uma personagem carismática e que exibe força em meio a situação vulnerável na qual se encontra. Uma pena que seu talento não seja suficiente para compensar os vários problemas do filme, que é esquecido rapidamente após o fim da sessão.
Nota:

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O Franco-Atirador

Sean Penn é um ator excepcional. Extremamente versátil, ele pode encarnar com propriedade desde a frieza de um pai vingativo, em Sobre Meninos e Lobos, até a delicadeza de um político homossexual que luta pelos direitos de sua comunidade, em Milk, sem falar no jeito maluco de um surfista maconheiro, em Picardias Estudantis. Até em papeis pequenos ele é capaz de brilhar, como o do fotógrafo que aprecia o mundo ao seu redor em A Vida Secreta de Walter Mitty. Em maior ou menor grau, todos são papeis que soam normais na carreira do ator. Mas é então que Penn surge em O Franco-Atirador (não, não é um remake do famoso filme com Robert De Niro) como um herói de ação a la Stallone, Schwarzenegger e tantos outros, algo bastante diferente dos personagens que ele interpretou ao longo dos anos. À primeira vista isso pode ser curioso, mas é uma pena que o ator tenha escolhido um projeto tão medíocre para explorar essa faceta.

Baseado no livro de Jean-Patrick Machette, o roteiro escrito a seis mãos pelo próprio Penn em parceria com Don MacPherson e Pete Travis tem início em 2006, em meio à guerra civil no Congo, onde Jim Terrier (Penn) mata o Ministro das Minas local em uma operação liderada por Felix (Javier Bardem). Seu contrato ainda o manda fugir do país, obrigando-o a abandonar sua amada Annie (Jasmine Trinca). Oito anos depois, Jim volta ao Congo buscando corrigir seus erros do passado, trabalhando em uma ONG e levando uma existência pacífica. Mas quando alguns homens tentam mata-lo, ele se vê tendo que abraçar sua antiga vida para descobrir quem está por trás disso.

Dirigido por Pierre Morel (que coincidentemente foi quem lançou o veterano Liam Neeson como herói de ação no primeiro Busca Implacável), O Franco-Atirador inicialmente parece querer ser um filme de ação com um lado político, focando logo de cara o conflito no Congo, o trabalho de ONGs e os interesses de grandes corporações, algo que até combina com Sean Penn, que é conhecido por seu engajamento político em causas sociais. Mas o roteiro se mostra bastante raso nesse aspecto, sendo que não demora muito até ele ceder lugar à pancadaria e aos objetivos do protagonista. É então que o filme cai em um amontoado de clichês enquanto desenvolve uma trama desinteressante e lugar-comum, que inclusive dá um espaço maior do que devia a um triângulo amoroso novelesco entre Jim, Felix e Annie, elemento que irrita pela forma quase infantil como os personagens constrangem uns aos outros.

Mas estamos falando de um filme de ação, então O Franco-Atirador obviamente precisa parar a história de vez em quando para se concentrar em suas sequências de tiroteios e explosões. Nisso, Pierre Morel claramente se esforça para envolver o espectador ao ditar um ritmo frenético. Mas as sequências não deixam de ser um tanto burocráticas, sendo que o diretor ainda peca por não conseguir impor tensão nelas, de maneira que nunca tememos pelo destino do protagonista, o que só contribui para torna-las aborrecidas. Como se não bastasse, no terceiro ato o filme chega ao ápice da bobagem ao conseguir colocar um touro em seu grande clímax em uma arena de Barcelona.

Enquanto isso, Sean Penn merece créditos por convencer como herói de ação, e considerando o número de vezes em que ele aparece sem camisa ou com os braços à mostra durante o longa, eu não duvidaria se ele tiver topado fazer o filme só para exibir sua forma física invejável aos 54 anos. No entanto, quaisquer tentativas de Penn para tentar humanizar o personagem vão por água a baixo quando o roteiro praticamente faz dele uma figura indestrutível. Em determinado momento, por exemplo, ele descobre ter um problema de saúde, mas nem isso ajuda a torna-lo vulnerável, por mais que seus efeitos apareçam ocasionalmente. E se Javier Bardem (outro ator que dispensa apresentações) engata o overacting interpretando o insuportável Felix, a bela Jasmine Trinca pouco pode fazer com Annie, sendo esta o típico interesse amoroso que segue o herói por todo canto. Fechando o elenco, atores talentosos como Ray Winstone e Idris Elba são desperdiçados em papeis menores (até o já citado touro ganha mais o que fazer no filme).

Espero que O Franco-Atirador não seja para Sean Penn o que Busca Implacável foi para Liam Neeson: o início de um novo rumo na carreira. Se for, é melhor o ator escolher projetos mais interessantes para estrelar. Caso contrário será um enorme desperdício de talento.

Nota: