quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Caça aos Gângsteres

Os Intocáveis se passava na década de 1930, no auge da Lei Seca, e mostrava como o agente Eliot Ness juntou um grupo de policiais para tentar derrubar aquele que na época era o grande chefe da máfia de Chicago: Al Capone. Mas esta é a crítica de Caça aos Gângsteres, então por que falar da obra-prima de Brian De Palma? Simplesmente porque é impossível não lembrar desse clássico enquanto se assiste a esse novo filme, já que ele conta com uma história e momentos que são muito parecidos com o que se via naquela produção, algo que inclusive é assumido dentro da história quando vemos um tiroteio em uma escadaria. Mas, infelizmente, este novo filme de Ruben Fleischer é problemático demais para ser um novo Os Intocáveis, desperdiçando o brilhante elenco que tem em mãos.
Escrito por Will Beall, baseado no livro de Paul Lieberman, Caça aos Gângsteres se passa na Los Angeles de 1949, quando John O’Mara (Josh Brolin) recebe a missão de reunir um grupo de policiais honestos e destemidos para destruir o poder do gângster Mickey Cohen (Sean Penn). Trabalhando secretamente, já que Cohen possui a lealdade de boa parte do departamento de polícia, O’Mara encontra seu “Esquadrão Anti-Gângsteres” nas figuras de Coleman Harris (Anthony Mackie), Conway Keeler (Giovani Ribisi), Max Kennard (Robert Patrick) e Navidad Ramirez (Michael Peña), além de seu parceiro Jerry Wooters (Ryan Gosling), que está começando um romance com ninguém menos do que a mulher de Cohen, Grace (Emma Stone).
Se em Os Intocáveis os personagens eram desenvolvidos a ponto de nós nos importarmos com o destino deles, em Caça aos Gângsteres isso é quase inexistente. Aqui, os membros da equipe de John O’Mara são basicamente relegados a suas funções: Harris é o cara das facas, Keeler é quem cuida da parte técnica (como escutas telefônicas), Kennard é o atirador e Ramirez é o novato. Isso faz com que o eles soem tão desinteressantes quanto os vários anões de O Hobbit. Há apenas uma figura desse pequeno grupo que é um pouco mais desenvolvida junto com os personagens principais, mas apenas para que um ponto do roteiro tenha um impacto no final do segundo ato da trama. Impacto este que acaba não ocorrendo, já que essa parte é um tanto previsível.
O roteiro ainda parece não saber se está fazendo uma comédia ou um filme de gângsteres com um pé no noir. Em determinado momento, por exemplo, O’Mara e Harris se preparam para fugir da prisão, mas a tensão da cena acaba graças a uma tentativa desengonçada de fazer uma gag com um carro. Em outro, Jerry se refere a Cohen como Mickey Mouse enquanto fala com Grace. São gags que além de não funcionarem como deveriam, ainda destoam um pouco do filme, que chega a ser excessivamente violento em algumas cenas, como na sequência de abertura, que traz Cohen usando dois carros para partir um homem ao meio.
Ruben Fleischer (responsável pelo ótimo Zumbilândia e o mediano 30 Segundos ou Menos) ainda não consegue investir muita emoção em sua narrativa, o que torna sua direção quase que um mero exercício de estilo. Fleischer utiliza desde rápidos freeze frames até o slow motion nas cenas de ação, mas infelizmente esses são recursos que nada acrescentam ao filme, servindo mais como distração. Mas vale dizer que o diretor conduz bem algumas cenas, como a tensa sequência que se passa em Chinatown e uma grande perseguição de carros envolvendo o Esquadrão Anti-Gângsteres e os traficantes de Mickey Cohen. Enquanto isso, o design de produção reconstrói com eficiência a Los Angeles da década de 1940, desde suas boates até o departamento de polícia, ao passo que a bela fotografia de Dion Beebe oscila entre um tom mais escuro e o sépia, contribuindo muito para o clima de filme noir da narrativa.
Já o elenco faz o que pode com seus personagens. Josh Brolin e Ryan Gosling trazem carisma para a O’Mara e Wooters, mas infelizmente não desenvolvem uma grande química entre a dupla. Enquanto isso, a bela Emma Stone surge como uma femme fatale até eficiente, ainda que o romance entre sua personagem e Jerry não soe tão interessante. E Sean Penn consegue fazer de Mickey Cohen uma figura ameaçadora durante a maior parte do tempo, investindo sempre em uma voz calma antes de matar as pessoas, o que dá alguma falsa esperança para elas. Mas é uma pena que Penn exagere um pouco nos ataques de irritação do sujeito, além de ser triste ter que ver o ator falar algo tão ridículo como “Aí vai o Papai Noel!” em meio a um tiroteio no terceiro ato.
Por causa da tragédia na sessão de pré-estreia de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge ano passado, Caça aos Gângsteres teve uma cena (aparentemente decisiva) trocada. Mas mesmo que não houvesse tido nenhuma mudança, é muito provável que o filme ainda iria ter seus problemas e continuaria sendo uma decepção.
Cotação:

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Os Miseráveis

O livro “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, já saiu do papel para outras mídias várias vezes, desde filmes (o último foi lançado em 1998, com Liam Neeson e Geoffrey Rush no elenco), obras feitas para a TV e chegando finalmente a um musical de muito sucesso nos palcos, e é esta última que agora ganha uma adaptação para as telonas. Mas Os Miseráveis acaba tendo sorte de contar com algumas grandes qualidades em meio aos seus problemas, porque se dependesse de seu diretor, Tom Hooper, o filme seria um desastre total, já que ele é um dos elementos que mais comprometem o resultado final. E considerando que ele já havia feito um trabalho problemático em O Discurso do Rei, agora não há dúvidas de que ele não é um diretor dos mais talentosos.
Escrito por William Nicholson, Os Miseráveis se passa no século 19 e conta a história de Jean Valjean (Hugh Jackman), homem que é preso depois de roubar um pedaço de pão para alimentar o filho de sua irmã. Passadas duas décadas como prisioneiro, ele ganha a liberdade condicional e foge para recomeçar sua vida. Mas mesmo tornando-se um homem honrado, sendo inclusive o prefeito da cidade de Montreuil-sur-Mer, Valjean nunca consegue se livrar do Inspetor Javert (Russell Crowe), que fica em seu encalço ao longo dos anos.
Sendo um musical que tem praticamente todos seus diálogos cantados (assim como ocorre na versão original dos palcos), Os Miseráveis merece créditos por ter canções que prendem a atenção do espectador ao longo do filme, resultado do belo trabalho de Herbert Kretzmer. No entanto, não deixa de ser incomodo ver que em algumas cenas esse detalhe parece servir para tirar a atenção de diálogos que mastigam demais a trama, como quando Jean precisa fugir com Cosette (Amanda Seyfried), menina que adotou de uma de suas funcionárias, Fantine (Anne Hathaway), e canta exatamente o que fará mesmo que isso já tenha ficado óbvio.
Mas a verdade é que comparado à direção de Tom Hooper, esse se torna um problema minúsculo no filme. Durante as duas horas e meia de duração de Os Miseráveis, o que se vê na tela é um diretor que parece querer chamar a atenção mais para si mesmo do que para o que está filmando. Hooper utiliza excessivamente o ângulo holandês (aquele que traz a imagem meio torta) e a câmera subjetiva, além de colocar seus atores incontáveis vezes no canto do quadro. Esse último artifício a princípio parece querer mostrar o isolamento de figuras como Fantine e o próprio Jean Valjean, mas essa lógica é quebrada pelo fato de ele ser usado com todos os personagens da história. São recursos que acabam servindo mais como distração, já que em nada contribuem para a narrativa, assim como foi em O Discurso do Rei. No fim, o cineasta parece fazer tudo isso apenas para satisfazer a si mesmo e tentar se estabelecer (de maneira negativa) como um autor.
Mesmo com o diretor picareta, o roteiro de William Nicholson tem uma história com grande força e desenvolve seus personagens com eficiência, e nisso as canções também são importantes porque nelas se encontram boa parte da trajetória deles. No entanto, Nicholson falha com relação ao modo como trata algumas mortes que acontecem ao longo da história, inserindo esses momentos de maneira abrupta e dando a impressão de que os personagens simplesmente perdem a vontade de viver. Mas há de se admitir que, pelo menos nesse quesito, Tom Hooper acerta ao mostrar que não está em busca do choro de seu público, e se isso acontece não é por mera manipulação e sim por causa dos personagens. Além disso, o pequeno triângulo amoroso entre Cosette, Marius (Eddie Redmayne) e Éponine (Samantha Barks) não chama muito a atenção, até porque o trio de atores não consegue fazer dos personagens figuras muito interessantes, o que é uma pena por que esse elemento ocupa um bom tempo de tela.
O design de produção se mostra absolutamente impecável, fazendo um brilhante trabalho de recriação de época ao mesmo tempo em que cria lugares bastante angustiantes (como o submundo extremamente sujo onde Fantine fica ao lado de prostitutas). Enquanto isso, os figurinos e até mesmo a maquiagem passam imediatamente o estado em que os personagens se encontram, como quando Jean aparece inicialmente vestindo trapos velhos de prisioneiro e depois muda radicalmente de visual, já indicando estar em uma posição muito melhor na sociedade.
Mas é no elenco que se encontram as pedras preciosas de Os Miseráveis. Duas especificamente: Hugh Jackman e Anne Hathaway. Em uma das melhores atuações de sua carreira, Jackman interpreta Jean Valjean com grande determinação, se destacando não só por cantar e atuar brilhantemente, mas também por retratar com talento os conflitos internos pelos quais o personagem passa ao longo da história, como quando ele considera se entregar as autoridades para salvar alguém que foi preso em seu lugar. Já Hathaway merece aplausos por conseguir, no pouco tempo que tem em tela, fazer de Fantine uma figura trágica e marcante, protagonizando cenas particularmente tocantes, como quando canta “I Dreamed a Dream” ou em uma cena específica ao lado do personagem de Jackman. Enquanto isso, Helena Bonham Carter e Sasha Baron Cohen fazem do casal Thérnardier um alívio cômico que funciona homeopaticamente, ao passo que Russell Crowe surge um tanto desconfortável como Javert, além de não ser um grande cantor.
Mesmo com suas virtudes, Os Miseráveis fica muito longe de ser a produção memorável que poderia se tornar, sendo mais uma prova de que Tom Hooper é um dos diretores mais superestimados que surgiram nos últimos anos. Assim como seu concorrente no Oscar, Lincoln, este é um filme que parece estar recebendo créditos muito mais por sua grandiosidade do que propriamente por sua qualidade.
Cotação:

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Lincoln

Todos sabem que Abraham Lincoln é uma das figuras mais importantes e icônicas da história da política americana, e chega a ser uma surpresa que um filme sobre ele seja feito só agora. Sendo o projeto dos sonhos de Steven Spielberg, que o desenvolvia há mais de uma década, Lincoln é uma obra tecnicamente impecável e que conta com um protagonista que não poderia ser mais interessante. No entanto, é uma pena que o entusiasmo de Spielberg não apareça na tela, resultando em um filme que parece não ter energia alguma, o que é decepcionante principalmente se levarmos em conta o quanto seu diretor queria realizá-lo.
Escrito por Tony Kushner, baseado no livro “Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln”, de Doris Kearns Goodwin, Lincoln se concentra no mês de janeiro de 1865, quando a Guerra Civil estava quase chegando ao fim e o 16º presidente dos Estados Unidos (vivido por Daniel Day-Lewis) tentava acabar com a escravidão no país. Para isso, Lincoln busca ao lado de seus colegas do Partido Republicano aprovar a 13ª Emenda na Câmara dos Deputados, tornando a escravidão proibida por lei, mas para isso eles ainda terão que ganhar os votos de membros do Partido Democrata. E é necessário que a emenda seja aprovada antes do fim da guerra, caso contrário os poucos escravos que Lincoln havia libertado em sua Proclamação de Emancipação, em 1863, podem correr o risco de voltar para suas vidas de serviçais.
Focando nas dificuldades que Abraham Lincoln e seus companheiros tiveram com a 13ª Emenda, o roteiro quase nunca mostra a Guerra Civil em si, sendo a única exceção a cena que abre o filme. Ao invés disso, Kushner e Spielberg desenvolvem uma outra guerra na Câmara dos Deputados, entre os que são contra e os que são a favor da lei. A diferença é que no lugar de armas, temos argumentos de todos os lados, o que é muito interessante. Mesmo assim, o roteiro tenta acompanhar a grande guerra que está acontecendo, como quando sai uma notícia com o número de baixas que ocorre em determinado momento.
No entanto, para algo que foi tão importante para a sociedade de modo geral, principalmente para os negros, é uma pena que o roteiro prefira mostrar apenas a visão dos brancos sobre o que está acontecendo com a escravidão. Os negros ganham uma atenção mínima por parte de Kushner, que ocasionalmente mostra os empregados da família Lincoln, além de colocar um grupo de ex-escravos na Câmara dos Deputados no dia da votação, mas isso ainda é muito pouco para um filme que procura explorar um período historicamente importante como esse.
Dessa forma, Abraham Lincoln acaba sendo o grande expoente do filme, o que já era de se esperar em uma produção centrada nele. E Spielberg claramente tenta trata-lo como uma espécie de Deus, sendo que um exemplo disso são todos os momentos em que Lincoln está prestes a proferir um belo discurso. Nessas cenas, o diretor vai aproximando sua câmera do rosto do presidente e inclui aos poucos a trilha de John Williams (que praticamente não se destaca ao longo da projeção). Mas, infelizmente, isso se torna algo cansativo depois de algum tempo.
Além disso, Spielberg tem que lidar com um material muito grande, que inclui subtramas que acabam não sendo tão interessantes quanto poderiam, como o sofrimento de Mary Todd Lincoln (Sally Field) com relação ao filho que a família perdeu três anos antes, ou o relacionamento distante entre Lincoln e seu primogênito, Robert (Joseph Gordon-Levitt), e a vontade que este tem de se alistar e ter alguma participação na guerra. São elementos importantes para desenvolver de maneira fiel a vida do protagonista, mas que são tratados artificialmente pelo diretor, surgindo de maneira abrupta no filme, e por isso acabam tirando muito da força da narrativa. Tal artificialidade também aparece na morte de determinado personagem, que infelizmente não tem muito impacto no filme.
Já a equipe habitual de Spielberg faz seu trabalho maravilhosamente bem. O design de produção de Rick Carter faz uma belíssima reconstrução de época, desde a Câmara dos Deputados até o escritório de Lincoln. O mesmo vale para os figurinos de Joanna Johnston, enquanto que a bela fotografia acinzentada de Janusz Kaminski ressalta muito bem o quanto aqueles tempos foram difíceis para o país. E a montagem de Michael Kahn merece créditos por conseguir fazer com que todo o período abordado flua bem, nunca soando episódico, ainda que o ritmo se torne um pouco aborrecido em alguns momentos.
Quanto ao elenco, Sally Field até faz de Mary Todd Lincoln uma mulher angustiada, mas exagera um pouco no sofrimento da personagem. Enquanto isso Tommy Lee Jones ganha quase que o papel de alívio cômico do projeto, sendo eficiente ao fazer de Thaddeus Stevens um cara sarcástico, ao mesmo tempo em que é uma figura com grandes convicções, além de não hesitar em abrir mão de um desejo para facilitar a aprovação da emenda. Mas o que se destaca acima de qualquer coisa em Lincoln é mesmo a atuação de Daniel Day-Lewis, que encarna o presidente com seu brilhantismo habitual. Investindo em uma voz suave e arrastada que deixa muito clara a calma e o cansaço do sujeito, Day-Lewis faz de Abraham Lincoln um homem carismático desde o princípio, levantando a voz para usar o poder que tem em mãos apenas quando acha ser realmente necessário.
Lincoln é, em suma, um Spielberg menor. É um filme com qualidades inegáveis, mas que tinha potencial para ser muito melhor, não chegando a fazer jus a grande figura que tem como protagonista. E é frustrante ver que ele é um dos favoritos ao Oscar desse ano.
Cotação:

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Mestre

“Se você descobrir um jeito de viver sem um Mestre, qualquer Mestre, então se certifique de nos avisar, por que você seria o primeiro da história do mundo”, diz um personagem em determinado momento deste O Mestre, sexto longa-metragem de Paul Thomas Anderson. Se pegarmos essa frase e trocarmos a palavra “Mestre” por “Deus”, a questão levantada pelo diretor fica ainda mais interessante. Afinal, vivemos em um mundo em que muitas pessoas seguem uma religião muito mais por obrigação do que por uma crença verdadeira. Nesse sentido, porque devemos seguir alguém ou alguma coisa? Porque o fato de não ter religião define a pessoa como alguém que não sabe o que pensa e por isso deve ser tratada com desdém? Essas são apenas algumas das reflexões que o filme proporciona.
Escrito pelo próprio Paul Thomas Anderson, O Mestre nos apresenta a Freddie Quells (Joaquin Phoenix), um veterano da Segunda Guerra Mundial psicologicamente perturbado e que tenta se encaixar na sociedade pós-guerra, mas sem sucesso. Até que ele encontra o iate de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), líder de um culto filosófico chamado apenas de “A Causa”, que envolve teorias sobre reencarnações e cura espiritual através da psicologia. Freddie se torna aprendiz e braço direito de Dodd, mas mesmo seguindo o estilo de vida do movimento, seu comportamento problemático não muda. Isso faz várias pessoas, inclusive a esposa de Dodd, Peggy (Amy Adams), questionarem sua presença no grupo e também a veracidade das ideias do “Mestre”.
Uma polêmica que O Mestre vem levantando desde sempre é se A Causa seria a famosa Cientologia, religião seguida por astros como Tom Cruise e John Travolta. Ao longo do filme, fica claro que Paul Thomas Anderson usou algumas características dessa religião para compor aquela que se vê na história, seja um método de perguntas e respostas ou como os seguidores atacam aqueles que os questionam. Mas a verdade é que sendo a cientologia ou não, Anderson usa isso para discutir religião de modo geral, e isso é um dos principais elementos que fazem de O Mestre um filme tão interessante. Por que, por exemplo, as pessoas que veem “furos” em movimentos como esse ainda continuam como suas seguidoras? Seria algum medo ou é muito grande a necessidade de acreditar em alguma coisa? E mais: se o estilo de vida dessa religião não traz nenhum bom resultado, isso significa que a pessoa é que não tem uma fé bem desenvolvida ou as teorias é que realmente não funcionam?
O que nos traz a Lancaster Dodd, personagem que é magnificamente interpretado por Philip Seymour Hoffman. Surgindo em cena sempre como um grande sábio, que dá belos discursos e usa seu carisma como ótimo poder de persuasão, Dodd é alguém que as pessoas passam a gostar quase que imediatamente. Mas por trás de todo esse carisma, há um homem inseguro com relação às próprias ideias que defende, o que fica claro nas duas cenas em que ele se irrita com pessoas que o questionam sobre a Causa, xingando-as ao invés de procurar discutir com argumentos válidos. Nas mãos de Hoffman, Dodd se torna uma figura que nunca conseguimos confiar plenamente, principalmente por conta de sua imprevisibilidade, que acaba fazendo com que ele seja alguém perigoso de certa forma. Enquanto isso, sua esposa é quem mais tenta mantê-lo focado naquilo que realmente importa, soando até bastante controladora, e Amy Adams (talvez no papel mais pesado que já teve em sua carreira) consegue torná-la tão confiável quanto Dodd.
Mas não é só Hoffman e Adams quem se destacam em O Mestre. Voltando a atuar depois de toda a confusão que fez com seu falso documentário, Joaquin Phoenix tem nada menos do que a melhor e mais intensa atuação de sua carreira até agora. Investindo em uma postura encurvada e falando com a boca entreaberta, o ator faz de Freddie alguém que parece estar sempre com raiva de alguma coisa. E não deixa de ser interessante que ele diminua um pouco esses trejeitos quando o protagonista vai ver sua antiga paixão, Doris (Madisen Beaty), o que passa perfeitamente a ideia que ela é única pessoa com quem ele realmente se importa, a ponto de procurar ficar um pouco mais apresentável para ela. Além disso, o relacionamento entre Freddie e Dodd chama a atenção por ser muito parecido com o que um cachorro teria com seu dono, algo indicado não só pela maneira infantil como o Mestre se refere a ele (“Meu garoto!”), mas também pela cena em que Freddie defende seu líder atacando os policiais que tentam prendê-lo.
Comandando a narrativa com sua segurança habitual, Paul Thomas Anderson realiza em O Mestre alguns dos melhores momentos de sua filmografia, desde a tensa cena em que Freddie responde perguntas sobre seu passado até a fuga de determinado personagem pelo deserto. O diretor também é inteligente ao trazer Lancaster Dodd sempre de pé em seus discursos, complementando a ideia de sua superioridade, além de ser interessante o fato de ele colocar o personagem em uma sala enorme em determinada cena, passando de maneira clara e econômica o alcance que a Causa está tendo. (Atenção: possíveis spoilers à frente, então recomendo que pule para o próximo parágrafo) E o cineasta não deixa de se posicionar contra a religião que aborda na história, fazendo um personagem preferir sua antiga vida a ter que viver sob a batuta de um líder e suas ideias.
Por ter uma narrativa com grande força e levantar tantas questões interessantes, O Mestre acaba sendo um filme intrigante ao longo de suas quase duas horas e meia de duração, representando mais um belíssimo trabalho daquele que é, sem dúvida, um dos melhores diretores de sua geração.
Cotação:

João e Maria: Caçadores de Bruxas

Seguindo a linha de Alice no País das Maravilhas, A Garota da Capa Vermelha e Branca de Neve e o Caçador, João e Maria: Caçadores de Bruxas é mais uma versão sombria de um famoso conto infantil. E chega a ser uma surpresa que filmes assim continuem sendo feitos, considerando que nenhuma produção mostrou ser algo memorável. Esta releitura de "João e Maria" tem uma ideia interessante que poderia render algo bastante divertido. Mas, infelizmente, isso se perde em meio a um roteiro problemático e a direção caótica que conduz a narrativa.
Escrito pelo diretor Tommy Wirkola em parceria com D.W. Harper, João e Maria: Caçadores de Bruxas acompanha os personagens-título (interpretados por Jeremy Renner e Gemma Arterton) muitos anos depois de eles terem matado a bruxa da casinha de doces. Viajando pelo mundo, os irmãos se tornam famosos caçadores de recompensa que acabam com as bruxas que assombram as pessoas. Ao chegarem à cidade de Augsburg, na Alemanha, eles se deparam com Muriel (Famke Janssen), que além saber detalhes sobre o passado da dupla, ainda pretende sacrificar doze crianças em uma reunião de bruxas no dia da Lua Sangrenta.
É interessante ver uma abordagem mais próxima de um filme de ação, mas Tommy Wirkola parece não ter ideia do que está fazendo. Sempre que a dupla de irmãos enfrenta uma bruxa, o diretor resolve conduzir as cenas investindo em cortes e movimentos de câmera rápidos demais, o que torna boa parte da ação incompreensível e nenhum pouco empolgante. Para piorar tudo há o absolutamente desnecessário 3D (que nada acrescenta ao filme, mesmo sendo parte real e parte convertido), já que a fotografia é naturalmente escura e os óculos tornam tudo muito difícil de acompanhar, servindo apenas para engordar um pouco a bilheteria do filme. Além disso, Wirkola parece viciado em alguns movimentos de câmera, usando cerca de quatro vezes uma panorâmica para seguir bruxas escapando dos tiros dos personagens, e que parece mostrar apenas que eles são bons de mira só de vez em quando.
O roteiro tenta entreter o espectador incluindo algumas gags ao longo da projeção, e ocasionalmente acerta (como quando João se defende de uma explosão sangrenta colocando uma pessoa a sua frente), mas muito pouco perto dos resultados que realmente busca alcançar. Para completar, são tantas coincidências inacreditáveis e reviravoltas previsíveis que é difícil assistir ao filme sem balançar a cabeça negativamente várias vezes. Em determinado momento, por exemplo, João e Maria procuram uma criança que nasceu no mês de abril, e ficam sabendo que há apenas UMA na cidade inteira. Outro exemplo é o fato de João ser diabético e isso se tornar um problema em um momento que não poderia ser mais crucial. Já a verdadeira natureza de Mina (Pihla Viitala), uma jovem salva pelos irmãos assim que eles chegam à cidade, se mostra óbvia praticamente desde sua primeira cena, o que mostra que o roteiro até subestima a inteligência do público.
João e Maria são desenvolvidos de um jeito muito comum, sendo ela mais séria e ele um pouco mais simpático, e Gemma Arterton e Jeremy Renner conseguem resultados diferentes interpretando os personagens. Enquanto Arterton surge inexpressiva durante a maior parte do tempo, Renner aparece carismático e até mais descontraído, como na cena em que João acorda preso no topo de uma árvore. Já Famke Janssen não consegue fazer de Muriel uma figura realmente ameaçadora, ao passo que Peter Stormare aparece irritante no papel do xerife Beringer, mais um “segundo vilão” interpretado pelo ator (assim como foi na estreia de sexta-feira passada, O Último Desafio), que poderia ter sido descartado sem maiores problemas, já que o personagem não tem muita utilidade dentro da história.
Finalizado claramente com a ideia de fazer uma continuação (o que vai depender de seu sucesso nas bilheterias, que já começa duvidoso devido à alta censura que recebeu), João e Maria: Caçadores de Bruxas é apenas mais uma amostra de que os contos infantis não estão dando certo em suas novas versões. Mas Jack: O Matador de Gigantes e Malévola (releituras de "João e o Pé de Feijão" e "A Bela Adormecida", respectivamente) estão vindo aí, e se estes não forem grandes coisas, então talvez terá chegado a hora de deixar os contos em paz.
Cotação:

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O Resgate

Uma das coisas mais tristes de se acompanhar atualmente é, sem dúvida alguma, a carreira de Nicolas Cage, que parece se aproximar cada vez mais do fundo do poço. Olhando sua filmografia dos últimos cinco anos, é incrível constatar que o ator estrelou nada menos do que treze filmes (um número muito grande para alguém como ele) e apenas quatro deles se salvam (Vício Frenético, Astro Boy, Presságio e Kick-Ass, respectivamente). Agora, Cage tenta pagar suas dívidas com O Resgate, filme que a campanha de divulgação vem dando destaque ao fato de ser comandado pelo “mesmo diretor de Os Mercenários 2” como se isso fosse grande coisa, passando a ideia de que o ator já não é mais um grande atrativo, o que é lamentável (e sendo seu fã, fico triste por ter que ver essa queda).
Escrito por David Guggenheim, O Resgate traz Cage interpretando Will Montgomery, um ladrão que é preso em uma de suas empreitadas, quando tentava roubar 10 milhões de dólares de um banco. Solto após oito anos de reclusão, Will não quer mais saber de sua vida de criminoso, tendo como objetivo tentar reconquistar o amor de sua filha, Alison (Sami Gayle). Mas quando seu antigo parceiro de crimes, Vincent (Josh Lucas), sequestra a garota querendo os 10 milhões do roubo que não deu certo, Will se vê em uma corrida contra o tempo, tendo 12 horas para conseguir o dinheiro e salvar sua filha. Enquanto isso, o FBI liderado pelo agente Harlend (Danny Huston) continua o seguindo caso ele resolva cometer mais roubos.
Logo de cara, O Resgate apresenta elementos que irão permear a narrativa ao longo de toda a projeção, indo desde os péssimos diálogos (“O meu casamento, o nascimento dos meus gêmeos e este dia são os melhores momentos da minha vida”, diz Harlend ao prender Will) até as cenas de ação desinteressantes. Sem falar na incompetência dos agentes do FBI, principalmente de seu líder, que não acredita em Will quando este o avisa do sequestro da filha e em nenhum momento estranha a urgência de suas ações.
Além disso, o roteiro inclui cenas que são absurdas demais até para o padrão dos filmes de Nicolas Cage, e por isso acabam rendendo belos risos involuntários, como quando Will quebra a mão com grande facilidade para se livrar de um par de algemas, resultando em um acidente que o faz sair com o celular na mão tranquilamente e sem nenhum arranhão. Mas nada supera a cena em que Alison está no porta-malas do táxi de Vincent e tenta (sem olhar!) chamar a polícia usando a pontinha dos dedos para discar o número em um celular. E é inacreditável que alguém tenha escrito cenas como essas e achado que renderiam um bom filme.
Com um roteiro com tais cenas e que ainda conta com um amontoado de clichês, é até difícil para o diretor Simon West conseguir fazer da história algo minimamente envolvente. Para piorar, West ainda dirige as cenas de ação de maneira genérica, desde a sequência da tentativa de fuga de Will no início do filme ou uma perseguição de carros, e isso faz com que O Resgate seja muito aborrecido e não empolgue em nenhum momento. E o tempo de 12 horas estabelecido para Will arranjar o dinheiro surge no filme apenas quando o roteiro acha ser necessário, não sendo usado nem para causar algum tipo de tensão.
Já Nicolas Cage, ainda que um pouco mais contido do que de costume, aparece em cena no piloto automático, o que é normal nessas produções rasteiras que têm sua participação. Enquanto isso, Danny Huston e Malin Ackerman pouco tem a fazer com seus personagens, ao passo que Josh Lucas adota uma perna metálica, um cabelo desgrenhado, dentes podres e alguns dedos arrancados, tendo em mãos um dos vilões mais ridículos que deram as caras no cinema nos últimos anos. Vincent chega até a fazer um grande discurso quando está prestes a matar o protagonista, em um diálogo que não poderia ser pior.
No final das contas, O Resgate é só mais um filme que chega aos cinemas de maneira incompreensível, já que um lançamento direto em home vídeo seria muito mais apropriado. E se isso não aconteceu é por que Nicolas Cage ainda tem algum prestígio. Mas se ele continuar sua carreira dessa forma, prefiro não imaginar onde ele estará daqui uns cinco anos. Pensar nisso já é triste o bastante.
Cotação:

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Um Tributo a Heath Ledger

Depois de se despedir de sua filha, Ennis Del Mar entra de volta em seu trailer e abre seu guarda-roupa, se emocionando ao encontrar a camisa de seu amado Jack Twist ao lado de uma foto da Brokeback Mountain. O Segredo de Brokeback Mountain é excepcional e este momento que acabei de descrever é um dos melhores do filme. É uma cena na qual Ennis mostra um misto de dor, tristeza, arrependimento, abatimento. Tudo passado na belíssima atuação de seu intérprete, Heath Ledger.
Não é à toa que Ledger foi indicado ao Oscar por este grande trabalho no filme de Ang Lee. Eis um ator que sempre mostrou ter grande talento, e é difícil não admirar seu carisma em filmes como 10 Coisas Que Eu Odeio em Você, Coração de Cavaleiro, Os Irmãos Grimm e Casanova. Ou sua determinação e grande presença em cena em produções como Não Estou Lá e Ned Kelly.
Mesmo assim, foi uma surpresa ver que Ledger seria o Coringa no segundo capítulo da trilogia do Cavaleiro das Trevas, concebida por Christopher Nolan. Afinal, o ator ainda não havia interpretado um personagem como este, então não dava para prever como ele se sairia. Mas qualquer dúvida com relação a isso se desfez após o lançamento do primeiro trailer em dezembro de 2007. Ledger como Coringa seria brilhante.
Sendo um fã do ator, foi com choque e tristeza que em 22 de janeiro de 2008 vi a notícia de sua morte prematura, aos 28 anos de idade. Para a surpresa de todos, Heath Ledger se juntou a um grupo trágico que já incluía atores como James Dean e River Phoenix. É o tipo de coisa que à primeira vista parece ser uma daquelas brincadeiras de internet que vivem acontecendo (o Twitter, por exemplo, vive "assassinando" celebridades).
Um ator que estava no auge de sua carreira, prestes a ganhar todos os prêmios possíveis por uma atuação soberba, que viria a imortalizar um personagem e suas falas (“Why so serious?”, “Let’s put a smile on that face!”, entre outras). Infelizmente, Ledger não pôde coletar tudo o que conquistou. É triste constatar que um cara como esse nunca mais irá estrelar um filme, criar um personagem, ser indicado a prêmios e mais prêmios, ver sua filha crescer. Na verdade, um pensamento que ocorre com qualquer pessoa que parte cedo demais é “O que ela estaria fazendo hoje?”.
Hoje fazem cinco anos desde que o cinema perdeu um grande ator. Mas o legado deixado por ele ainda vive e certamente nunca será esquecido. Além do mais, é sempre um prazer assistir a uma de suas atuações.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Django Livre

Ao longo de toda sua carreira, Quentin Tarantino fez filmes que são diferentes entre si, mas que têm algo em comum: deixam clara a paixão que o cineasta tem pela Sétima Arte. Nisso, é curioso ver que a cada nova obra ele homenageia o Cinema de um jeito diferente, seja fazendo um filme de gângsteres (Pulp Fiction), de guerra (Bastardos Inglórios), de artes marciais (Kill Bill) ou referenciando as produções B das décadas de 1960 e 1970 (À Prova de Morte). Em Django Livre, Tarantino parte para o faroeste, gênero que já o havia influenciado bastante em Kill Bill. O resultado é uma bela homenagem com todas as marcas registradas do estilo do diretor.
Django Livre se passa em 1958, dois anos antes da Guerra Civil, e conta a jornada do escravo Django (Jamie Foxx), que depois de ser comprado e libertado pelo Dr. King Schultz (Christoph Waltz) passa a acompanha-lo em sua vida de caçador de recompensa. O principal objetivo de Django é resgatar sua esposa, Broomhilda (Kerry Washington), que foi vendida para o intimidador e cruel Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), dono de uma plantação chamada Candyland. Schultz entra na missão ao lado de Django, e acaba sendo a única ajuda que ele terá no território de Candie.
A homenagem do diretor começa pelo seu protagonista. Django é um personagem icônico do famoso subgênero dos westerns spaghetti, e que já apareceu em dezenas de produções. Logo nos primeiros minutos de Django Livre, Tarantino coloca a canção original do excelente Django, dirigido por Sergio Corbucci em 1966 e estrelado por Franco Nero, primeiro filme a trazer o personagem. Nero inclusive chega a fazer uma ponta neste novo filme, tendo um belo diálogo com Jamie Foxx. Além disso, em determinado momento o cineasta chega a incluir a trilha do ótimo Os Abutres Têm Fome, e ver um faroeste com músicas de Ennio Morricone é sempre algo interessante, mesmo que estas sejam apenas resgatadas. Aliás, em termos musicais Tarantino realmente mostra ter um bom gosto, embalando Django Livre em canções que combinam com a narrativa, ainda que algumas tenham um tom até bem mais moderno do que a época retratada na história.
Django Livre leva cerca de 40 minutos para chegar ao ponto principal da trama. Se por um lado Tarantino consegue usar esse tempo para estabelecer um bom relacionamento de mestre e aprendiz entre Schultz e Django, por outro ele estica o filme de maneira desnecessária. A divertida sequência que se passa em El Paso, por exemplo, poderia muito bem ocupar um tempo de tela um pouco menor. Mesmo assim, o filme nunca se torna entediante e as quase três horas de duração passam rápido, porque o diretor consegue envolver o espectador na história, além de manter um ritmo cativante ao longo de toda a projeção.
A montagem de Fred Ruskin (por sinal, é a primeira vez que Tarantino não trabalha com sua fiel colaboradora Sally Menke, que faleceu em 2010) merece créditos por conseguir acompanhar a história e inserir os flashbacks de maneira orgânica na narrativa, sendo um belo momento a cena em que Schultz lembra o que aconteceu com um dos escravos de Calvin Candie. Enquanto isso, o design de produção e os figurinos ainda fazem uma belíssima recriação de época, ganhando também a contribuição da ótima fotografia do sempre eficiente Robert Richardson, que estabelece muito bem o clima dos lugares por onde os personagens passam. Em El Paso, por exemplo, Richardson deixa tudo um pouco escuro, combinando com a hostilidade com a qual Django e Schultz são recebidos. Já na casa de Calvin Candie, onde eles são tratados educadamente, vemos algo mais próximo do sépia, o que até mesmo ajuda a deixar clara a posição de prestígio que o vilão parece ter na sociedade. E é interessante o detalhe de que, à primeira vista, Candyland seja muito parecida com a Casa Branca, o que dá uma ideia do tamanho do ego de Candie.
Tarantino também volta a mostrar seu lado mais cômico, criando cenas divertidas como aquelas em que Django e Schultz escapam de alguns problemas na base do palavreado. O diretor chega até mesmo a ridicularizar os racistas daquela época. Nesse sentido, vale ressaltar a parte em que os membros da Ku Klux Klan começam a discutir uns com os outros por um motivo extremamente fútil. E já que falei nesse grupo, vale dizer que nunca em um filme de Quentin Tarantino se ouviu tão poucos “fucks”, que dessa vez dão lugar a palavra “nigger” (crioulo), o que transmite com eficiência como eram aqueles anos de preconceito. Já as cenas de ação são um verdadeiro banho de sangue tarantinesco, onde um tiro faz um personagem praticamente sair voando, como é de se esperar do cineasta. Mas todas as sequências são muito bem coordenadas por ele, sendo a maior delas um grande tiroteio que ocorre no terceiro ato.
Jamie Foxx tenta ao máximo transformar Django em uma figura que merece atenção, trazendo certa virilidade para o personagem mesmo que investindo em uma voz mais suave em alguns momentos. Mas a verdade é que por mais esforçado que Foxx seja, seu Django é um ser que quase não se destaca ao longo da história, se tornando mais interessante apenas no terceiro ato. Até lá, o ator é ofuscado por três brilhantes coadjuvantes. A começar pelo indicado ao Oscar Christoph Waltz, que deixa para trás toda a malevolência do Hans Landa de Bastardos Inglórios e traz um carisma admirável para King Schultz, além de demonstrar ter um perfeito timing cômico, o que é essencial para algumas cenas.
Enquanto isso, Leonardo DiCaprio cria um Calvin Candie meio ingênuo, mas absolutamente imprevisível, e o monólogo em que o vilão pega uma caveira para mostrar algo para Django e Schultz é um dos melhores momentos do filme (além de ser possível perceber que DiCaprio cortou a mão acidentalmente e continuou a cena mesmo assim). E Samuel L. Jackson, apesar de ter um tempo de tela menor do que seus companheiros, se destaca sempre que aparece interpretando Stephen, o criado de Candie, sendo divertido e ameaçador em medidas iguais. Fechando o elenco, apesar de Broomhilda não ser mais uma grande personagem feminina de Tarantino, Kerry Washington consegue fazer dela uma personagem interessante o bastante para que seu resgate seja algo importante também para o espectador. No entanto, é uma pena que Tarantino seja excessivamente frio em meio a tudo o que acontece no filme, demonstrando não ter muita sensibilidade com relação a seus personagens, o que faz com que algumas coisas importantes envolvendo eles não tenham o peso que a história precisava.
De qualquer forma, Django Livre entretém do início ao fim, representando mais uma obra de destaque de seu talentoso diretor, que em 20 anos de carreira ainda não fez um filme ruim.
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