sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
Lincoln
Todos sabem que Abraham Lincoln é uma das figuras mais importantes e icônicas da história da política americana, e chega a ser uma surpresa que um filme sobre ele seja feito só agora. Sendo o projeto dos sonhos de Steven Spielberg, que o desenvolvia há mais de uma década, Lincoln é uma obra tecnicamente impecável e que conta com um protagonista que não poderia ser mais interessante. No entanto, é uma pena que o entusiasmo de Spielberg não apareça na tela, resultando em um filme que parece não ter energia alguma, o que é decepcionante principalmente se levarmos em conta o quanto seu diretor queria realizá-lo.
Escrito por Tony Kushner, baseado no livro “Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln”, de Doris Kearns Goodwin, Lincoln se concentra no mês de janeiro de 1865, quando a Guerra Civil estava quase chegando ao fim e o 16º presidente dos Estados Unidos (vivido por Daniel Day-Lewis) tentava acabar com a escravidão no país. Para isso, Lincoln busca ao lado de seus colegas do Partido Republicano aprovar a 13ª Emenda na Câmara dos Deputados, tornando a escravidão proibida por lei, mas para isso eles ainda terão que ganhar os votos de membros do Partido Democrata. E é necessário que a emenda seja aprovada antes do fim da guerra, caso contrário os poucos escravos que Lincoln havia libertado em sua Proclamação de Emancipação, em 1863, podem correr o risco de voltar para suas vidas de serviçais.
Focando nas dificuldades que Abraham Lincoln e seus companheiros tiveram com a 13ª Emenda, o roteiro quase nunca mostra a Guerra Civil em si, sendo a única exceção a cena que abre o filme. Ao invés disso, Kushner e Spielberg desenvolvem uma outra guerra na Câmara dos Deputados, entre os que são contra e os que são a favor da lei. A diferença é que no lugar de armas, temos argumentos de todos os lados, o que é muito interessante. Mesmo assim, o roteiro tenta acompanhar a grande guerra que está acontecendo, como quando sai uma notícia com o número de baixas que ocorre em determinado momento.
No entanto, para algo que foi tão importante para a sociedade de modo geral, principalmente para os negros, é uma pena que o roteiro prefira mostrar apenas a visão dos brancos sobre o que está acontecendo com a escravidão. Os negros ganham uma atenção mínima por parte de Kushner, que ocasionalmente mostra os empregados da família Lincoln, além de colocar um grupo de ex-escravos na Câmara dos Deputados no dia da votação, mas isso ainda é muito pouco para um filme que procura explorar um período historicamente importante como esse.
Dessa forma, Abraham Lincoln acaba sendo o grande expoente do filme, o que já era de se esperar em uma produção centrada nele. E Spielberg claramente tenta trata-lo como uma espécie de Deus, sendo que um exemplo disso são todos os momentos em que Lincoln está prestes a proferir um belo discurso. Nessas cenas, o diretor vai aproximando sua câmera do rosto do presidente e inclui aos poucos a trilha de John Williams (que praticamente não se destaca ao longo da projeção). Mas, infelizmente, isso se torna algo cansativo depois de algum tempo.
Além disso, Spielberg tem que lidar com um material muito grande, que inclui subtramas que acabam não sendo tão interessantes quanto poderiam, como o sofrimento de Mary Todd Lincoln (Sally Field) com relação ao filho que a família perdeu três anos antes, ou o relacionamento distante entre Lincoln e seu primogênito, Robert (Joseph Gordon-Levitt), e a vontade que este tem de se alistar e ter alguma participação na guerra. São elementos importantes para desenvolver de maneira fiel a vida do protagonista, mas que são tratados artificialmente pelo diretor, surgindo de maneira abrupta no filme, e por isso acabam tirando muito da força da narrativa. Tal artificialidade também aparece na morte de determinado personagem, que infelizmente não tem muito impacto no filme.
Já a equipe habitual de Spielberg faz seu trabalho maravilhosamente bem. O design de produção de Rick Carter faz uma belíssima reconstrução de época, desde a Câmara dos Deputados até o escritório de Lincoln. O mesmo vale para os figurinos de Joanna Johnston, enquanto que a bela fotografia acinzentada de Janusz Kaminski ressalta muito bem o quanto aqueles tempos foram difíceis para o país. E a montagem de Michael Kahn merece créditos por conseguir fazer com que todo o período abordado flua bem, nunca soando episódico, ainda que o ritmo se torne um pouco aborrecido em alguns momentos.
Quanto ao elenco, Sally Field até faz de Mary Todd Lincoln uma mulher angustiada, mas exagera um pouco no sofrimento da personagem. Enquanto isso Tommy Lee Jones ganha quase que o papel de alívio cômico do projeto, sendo eficiente ao fazer de Thaddeus Stevens um cara sarcástico, ao mesmo tempo em que é uma figura com grandes convicções, além de não hesitar em abrir mão de um desejo para facilitar a aprovação da emenda. Mas o que se destaca acima de qualquer coisa em Lincoln é mesmo a atuação de Daniel Day-Lewis, que encarna o presidente com seu brilhantismo habitual. Investindo em uma voz suave e arrastada que deixa muito clara a calma e o cansaço do sujeito, Day-Lewis faz de Abraham Lincoln um homem carismático desde o princípio, levantando a voz para usar o poder que tem em mãos apenas quando acha ser realmente necessário.
Lincoln é, em suma, um Spielberg menor. É um filme com qualidades inegáveis, mas que tinha potencial para ser muito melhor, não chegando a fazer jus a grande figura que tem como protagonista. E é frustrante ver que ele é um dos favoritos ao Oscar desse ano.
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Um comentário:
Foi exatamente o que achei quando assisti, ontem. Podia ser muito melhor, mas se perdeu e acabou sendo apenas bom, apenas interessante. A morte da tal personagem aparece de maneira abrupta e gratuita, uma pena. Com tanto tempo de filme, podiam ter explorado melhor várias coisas.
Alan Noronha
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