sábado, 19 de janeiro de 2013

Django Livre

Ao longo de toda sua carreira, Quentin Tarantino fez filmes que são diferentes entre si, mas que têm algo em comum: deixam clara a paixão que o cineasta tem pela Sétima Arte. Nisso, é curioso ver que a cada nova obra ele homenageia o Cinema de um jeito diferente, seja fazendo um filme de gângsteres (Pulp Fiction), de guerra (Bastardos Inglórios), de artes marciais (Kill Bill) ou referenciando as produções B das décadas de 1960 e 1970 (À Prova de Morte). Em Django Livre, Tarantino parte para o faroeste, gênero que já o havia influenciado bastante em Kill Bill. O resultado é uma bela homenagem com todas as marcas registradas do estilo do diretor.
Django Livre se passa em 1958, dois anos antes da Guerra Civil, e conta a jornada do escravo Django (Jamie Foxx), que depois de ser comprado e libertado pelo Dr. King Schultz (Christoph Waltz) passa a acompanha-lo em sua vida de caçador de recompensa. O principal objetivo de Django é resgatar sua esposa, Broomhilda (Kerry Washington), que foi vendida para o intimidador e cruel Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), dono de uma plantação chamada Candyland. Schultz entra na missão ao lado de Django, e acaba sendo a única ajuda que ele terá no território de Candie.
A homenagem do diretor começa pelo seu protagonista. Django é um personagem icônico do famoso subgênero dos westerns spaghetti, e que já apareceu em dezenas de produções. Logo nos primeiros minutos de Django Livre, Tarantino coloca a canção original do excelente Django, dirigido por Sergio Corbucci em 1966 e estrelado por Franco Nero, primeiro filme a trazer o personagem. Nero inclusive chega a fazer uma ponta neste novo filme, tendo um belo diálogo com Jamie Foxx. Além disso, em determinado momento o cineasta chega a incluir a trilha do ótimo Os Abutres Têm Fome, e ver um faroeste com músicas de Ennio Morricone é sempre algo interessante, mesmo que estas sejam apenas resgatadas. Aliás, em termos musicais Tarantino realmente mostra ter um bom gosto, embalando Django Livre em canções que combinam com a narrativa, ainda que algumas tenham um tom até bem mais moderno do que a época retratada na história.
Django Livre leva cerca de 40 minutos para chegar ao ponto principal da trama. Se por um lado Tarantino consegue usar esse tempo para estabelecer um bom relacionamento de mestre e aprendiz entre Schultz e Django, por outro ele estica o filme de maneira desnecessária. A divertida sequência que se passa em El Paso, por exemplo, poderia muito bem ocupar um tempo de tela um pouco menor. Mesmo assim, o filme nunca se torna entediante e as quase três horas de duração passam rápido, porque o diretor consegue envolver o espectador na história, além de manter um ritmo cativante ao longo de toda a projeção.
A montagem de Fred Ruskin (por sinal, é a primeira vez que Tarantino não trabalha com sua fiel colaboradora Sally Menke, que faleceu em 2010) merece créditos por conseguir acompanhar a história e inserir os flashbacks de maneira orgânica na narrativa, sendo um belo momento a cena em que Schultz lembra o que aconteceu com um dos escravos de Calvin Candie. Enquanto isso, o design de produção e os figurinos ainda fazem uma belíssima recriação de época, ganhando também a contribuição da ótima fotografia do sempre eficiente Robert Richardson, que estabelece muito bem o clima dos lugares por onde os personagens passam. Em El Paso, por exemplo, Richardson deixa tudo um pouco escuro, combinando com a hostilidade com a qual Django e Schultz são recebidos. Já na casa de Calvin Candie, onde eles são tratados educadamente, vemos algo mais próximo do sépia, o que até mesmo ajuda a deixar clara a posição de prestígio que o vilão parece ter na sociedade. E é interessante o detalhe de que, à primeira vista, Candyland seja muito parecida com a Casa Branca, o que dá uma ideia do tamanho do ego de Candie.
Tarantino também volta a mostrar seu lado mais cômico, criando cenas divertidas como aquelas em que Django e Schultz escapam de alguns problemas na base do palavreado. O diretor chega até mesmo a ridicularizar os racistas daquela época. Nesse sentido, vale ressaltar a parte em que os membros da Ku Klux Klan começam a discutir uns com os outros por um motivo extremamente fútil. E já que falei nesse grupo, vale dizer que nunca em um filme de Quentin Tarantino se ouviu tão poucos “fucks”, que dessa vez dão lugar a palavra “nigger” (crioulo), o que transmite com eficiência como eram aqueles anos de preconceito. Já as cenas de ação são um verdadeiro banho de sangue tarantinesco, onde um tiro faz um personagem praticamente sair voando, como é de se esperar do cineasta. Mas todas as sequências são muito bem coordenadas por ele, sendo a maior delas um grande tiroteio que ocorre no terceiro ato.
Jamie Foxx tenta ao máximo transformar Django em uma figura que merece atenção, trazendo certa virilidade para o personagem mesmo que investindo em uma voz mais suave em alguns momentos. Mas a verdade é que por mais esforçado que Foxx seja, seu Django é um ser que quase não se destaca ao longo da história, se tornando mais interessante apenas no terceiro ato. Até lá, o ator é ofuscado por três brilhantes coadjuvantes. A começar pelo indicado ao Oscar Christoph Waltz, que deixa para trás toda a malevolência do Hans Landa de Bastardos Inglórios e traz um carisma admirável para King Schultz, além de demonstrar ter um perfeito timing cômico, o que é essencial para algumas cenas.
Enquanto isso, Leonardo DiCaprio cria um Calvin Candie meio ingênuo, mas absolutamente imprevisível, e o monólogo em que o vilão pega uma caveira para mostrar algo para Django e Schultz é um dos melhores momentos do filme (além de ser possível perceber que DiCaprio cortou a mão acidentalmente e continuou a cena mesmo assim). E Samuel L. Jackson, apesar de ter um tempo de tela menor do que seus companheiros, se destaca sempre que aparece interpretando Stephen, o criado de Candie, sendo divertido e ameaçador em medidas iguais. Fechando o elenco, apesar de Broomhilda não ser mais uma grande personagem feminina de Tarantino, Kerry Washington consegue fazer dela uma personagem interessante o bastante para que seu resgate seja algo importante também para o espectador. No entanto, é uma pena que Tarantino seja excessivamente frio em meio a tudo o que acontece no filme, demonstrando não ter muita sensibilidade com relação a seus personagens, o que faz com que algumas coisas importantes envolvendo eles não tenham o peso que a história precisava.
De qualquer forma, Django Livre entretém do início ao fim, representando mais uma obra de destaque de seu talentoso diretor, que em 20 anos de carreira ainda não fez um filme ruim.
Cotação:

Um comentário:

Anônimo disse...

Nice bro! you are a badass!!! you are written very well!! congrats!!