domingo, 13 de janeiro de 2013

A Viagem

Tom Tykwer e os irmãos Andy e Lana Wachowski são três diretores que foram grandes revelações do final da década de 1990. Apesar de terem feito o ótimo Ligadas Pelo Desejo em 1996, os Wachowski emplacaram mesmo só três anos depois com o excepcional Matrix, enquanto que em 1998 Tykwer ficou conhecido pelo excelente e frenético Corra Lola, Corra. Sendo cineastas com estilos bastante distintos, é uma surpresa vê-los reunidos em um mesmo projeto. Mas A Viagem mostra todo o talento e o cuidado que o trio tem para contar histórias ambiciosas, e isso acaba fazendo com que o filme faça jus ao título que ganhou aqui no Brasil, representando uma viagem grandiosa e absolutamente fantástica.
Escrito pelos próprios diretores, baseado no livro de David Mitchell, A Viagem mostra a jornada de várias almas que reencarnam ao longo de seis histórias, que vão desde o século 19 até o futuro pós-apocalíptico. Nisso vemos como as decisões que eles tomam em uma vida afeta suas encarnações seguintes. A primeira história, em 1849, mostra o advogado Adam Ewing (Jim Sturgess), que passa a ajudar o escravo Autua (David Gyasi) e muda seus conceitos quanto à escravidão. A segunda, em 1930, mostra o amor proibido entre o compositor Robert Frobisher (Ben Whishaw) e o estudante Rufus Sixmith (James D’Arcy), enquanto o primeiro tenta ajudar o também compositor Vyvyan Ayrs (Jim Broadbent) a criar uma obra-prima. Na terceira, em 1973, a jornalista Luisa Rey (Halle Berry) é envolvida em uma perigosa trama sobre o projeto de um reator nuclear, após conhecer o agora velho Rufus Sixmith. Na quarta, em 2012, o editor Timothy Cavendish (Broadbent) é vitima de uma vingança de seu irmão (Hugh Grant), e acaba indo parar em um asilo onde os funcionários maltratam todos os pacientes, o que o faz dar início a um plano de fuga. Na quinta, que se passa na Coréia do Sul de 2144, mais especificamente na Nova Seul, Sonmi-451 (Donna Bae) é uma clone programada para trabalhar em um restaurante, mas após descobrir sua própria natureza se junta a Hae-Jo Im (Sturgess) para uma grande revolução. E na sexta e última história, no futuro pós-apocalíptico, Zachry (Tom Hanks) é o líder de uma tribo que considera Sonmi uma espécie de deusa, mas tudo muda após a chegada de Meronym (Berry), membro de um grupo conhecido como Prescients.
O grande desafio que os diretores enfrentam está no modo como eles estruturaram o roteiro, já que todas as passagens são contadas ao mesmo tempo ao longo da projeção. O trio apresenta logo de cara todas as histórias, como elas serão contadas e quem é a alma protagonista de cada uma delas (o personagem que aparecer com a marca de um cometa). E apesar de a narrativa ser um pouco confusa no início, depois de um tempo o jogo dos diretores fica muito claro e fácil de acompanhar. Aliás, o trabalho de montagem de Alexander Berger é digno de todos os prêmios do mundo (para ter ficado de fora do Oscar, os membros da Academia devem ter tomado algum tipo de sonífero forte antes da sessão), conseguindo intercalar todas as histórias de maneira compreensível, realizando belíssimos raccords (como quando o velho Sixmith pede ajuda no telefone em 1973, e na cena seguinte vemos Cavendish também no telefone explicando seu problema em 2012) e nunca comprometendo o ritmo do filme.
Mas não é só isso. O roteiro de A Viagem mostra praticamente seis filmes em um só. Afinal, as seis histórias representam um gênero cinematográfico diferente, o que mostra toda a grandiosidade do projeto. Temos desde o drama histórico (Ewing e a escravidão) até a ficção científica pós-apocalíptica (a realidade de Zachry e Meronym), passando pelo drama (Frobisher e sua composição), pelo thriller político (Luisa Rey e a trama do reator nuclear), a comédia (Cavendish na clínica) e finalmente a ficção futurística (a revolução com Sonmi-451). E todos os gêneros funcionam maravilhosamente dentro da narrativa, além de causarem diversos tipos de emoções no espectador. Se em um momento rimos do que acontece com Cavendish, no seguinte ficamos tensos com Luisa correndo perigo. Além disso, a belíssima trilha composta por Reinhold Heil, Johnny Klimek e Tom Tykwer (como sempre compondo as músicas de seus filmes) dá o tom que cada gênero precisa, do mais emotivo ao mais cômico.
O design de produção e os figurinos também merecem aplausos por retratar seis épocas diferentes com um cuidado admirável (e mais uma vez, os membros da Academia devem ter apenas fingido assistir ao filme, já que sua perfeição técnica é inegável). O mesmo vale para a belíssima fotografia de Frank Griebe e John Toll, que transita por todas as histórias deixando uma marca diferente, seja ressaltando o clima conspiratório da década de 1970, estabelecendo o ar mais descontraído de 2012 ou o tom um pouco mais acinzentando na era pós-apocalíptica.
Com segurança absoluta na condução do filme, o trio de diretores não só consegue fazer com que a narrativa seja algo envolvente, como ainda mostram talento tanto na construção de cenas mais divertidas (um momento muito engraçado envolvendo Cavendish, outros velhinhos da clínica e os funcionários em um bar) quanto para sequências de ação (como toda a guerra no futuro com Somni e Hae-Jo Im). Para completar, o modo como os cineastas ligam todas as histórias umas nas outras é admirável, fazendo elementos acrescentados no início do filme fazerem sentido mais adiante. Mas mais interessante ainda é ver que todas as histórias se conectam não só por elementos como esses, mas também por um sentimento universal que traz um calor humano incomparável para qualquer pessoa: o amor.
Com um elenco impecável que consegue interpretar com eficiência seus diferentes personagens mesmo sob a excelente e pesada maquiagem (que até causa certo estranhamento inicialmente, mas nada que o costume não resolva), A Viagem é desde já um dos melhores filmes do ano. Tom Tykwer e os irmãos Wachowski realizaram um verdadeiro espetáculo visual e narrativo, que poucas vezes tem se visto no cinema ultimamente.
Cotação:

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