quinta-feira, 29 de março de 2012

Fúria de Titãs 2

O Fúria de Titãs original, de 1981 (que ainda não assisti), é muito lembrado por contar com o trabalho do grande Ray Harryhausen na criação de algumas criaturas do filme, vistas em stop motion. O remake, de 2010, comandado por Louis Leterrier, infelizmente rendeu um filme fraco, usando mal as belas figuras da mitologia grega. Mas apesar de ter fracassado na opinião da crítica, o filme fez sucesso nas bilheterias, devendo boa parte disso a fraquíssima conversão 3D pela qual passou. E como tudo que traz dinheiro tem continuação, vemos Perseu e companhia voltarem em Fúria de Titãs 2, que apesar de contar com uma história boba, pelo menos consegue divertir.
Escrito por Dan Mazeau e David Johnson, com argumento feito por eles em parceria com Greg Berlanti, Fúria de Titãs 2 coloca Perseu (Sam Worthington) como um viúvo e pai do jovem Hélio (John Bell). Sem querer ter nenhuma relação com os deuses do Olimpo, ele renega ajuda a seu pai, Zeus (Liam Neeson), que embarca em uma missão ao lado de Poseidon (Danny Huston) e seu outro filho, Ares (Édgar Ramirez), para impedir que Hades (Ralph Fiennes) de libertar o poderoso Cronus. Mas Ares acaba traindo a todos, juntando forças com o Deus da Morte e fazendo Zeus prisioneiro. Com a ajuda da rainha Andromeda (Rosamund Pike) e de seu primo Agenor (Toby Kebbell), filho de Poseidon, Perseu vai até o submundo libertar seu pai e tentar fazer com que os planos da dupla não se concretizem.
O filme é montado praticamente como um jogo de videogame. Perseu enfrenta vários desafios ao longo do caminho, até chegar a um “chefão” e depois em um “chefão final”. Tais desafios são bem feitos pelo diretor Jonathan Liebesman (o mesmo do desastroso Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles), que consegue fazer cenas de ação interessantes, como o ataque de um Quimera a aldeia de Perseu. Liebesman falha ao mexer rapidamente a câmera para todos os lados, tentando mostrar toda a destruição que está ocorrendo ao redor dos personagens. Ao invés disso, ele apenas torna alguns momentos incompreensíveis. E é decepcionante ver que a grande luta final revele ser mais fácil do que o confronto envolvendo o Kraken no primeiro filme.
Ao longo do filme, os roteiristas parecem gostar de martelar a trama na cabeça do público. Para derrotar Cronus, Perseu precisa da Lança de Trium, instrumento composto pelas armas de Zeus, Hades e Poseidon. Nada mais do que três vezes é repetido o que é a lança, sendo uma delas no momento em que o objeto finalmente aparece. Por outro lado, Fúria de Titãs 2 assume um tom mais descontraído em alguns momentos, o que o filme antecessor não teve. Nesse caso, a figura de Agenor cumpre um interessante papel de alívio cômico, sendo um pouco atrapalhado e muito abusado. Divertida também é a participação de Bill Nighy como Hefesto, deus que criou as armas que formam a Lança de Trium.
Fúria de Titãs 2 chega a surpreender quando Perseu diz para seu filho que as pessoas não vão mais ao templo dos deuses rezar por eles, mas pouco tempo depois vemos alguns personagens rezarem quando estão em perigo. Isso pode até mesmo ser uma alfinetada nas pessoas que não são muito religiosas, mas quando precisam muito de alguma coisa não hesitam em pedir para um ser superior, ou algo do tipo. É interessante ver isso em um filme como esse, que não tem ambição alguma para fazer uma crítica social, tanto que faz isso apenas de passagem, o que me faz pensar que isso provavelmente tenha acontecido por acidente.
Interpretando Perseu mais eficientemente do que no filme anterior, Sam Worthington consegue manter a atenção do público do início ao fim. Uma pena que Perseu monte uma “armadura” de não querer saber nada do que os deuses tenham a dizer apenas para depois falar que é filho de Zeus com um sorriso no rosto, o que revela um certo orgulho que não combina com o que o personagem mostra ser até então. Enquanto isso, Rosamund Pike aparece forte como Andromeda, ao passo que Liam Neeson e Ralph Fiennes criam uma química de irmãos interessante para Zeus e Hades, embora isso seja um pouco inacreditável. E Édgar Ramirez consegue fazer de Ares um bom vilão, apesar de surgir ameaçador na tela não por sua presença, mas sim pela força do personagem.
Fúria de Titãs 2 consegue prender a atenção muito mais do que os outros filmes recentes envolvendo mitologia grega, como seu antecessor e o fraco Imortais. Por não usar figuras interessantes displicentemente e divertir, o filme já merece créditos. Mesmo que seja esquecido pouco depois da sessão.
Cotação:

sábado, 24 de março de 2012

Jogos Vorazes

Quando os filmes de Harry Potter estavam chegando ao fim, os estúdios começaram a tentar encontrar uma espécie de substituto. Percy Jackson e o Ladrão de Raios e a "saga" Crepúsculo receberam essa tarefa, mas resultaram apenas em sucessos financeiros, já que são fracos como filmes. Eis que mais uma nova história chega aos cinemas com o mesmo objetivo de tentar preencher a lacuna deixada pelo bruxo e seus amigos. Mas diferente dos outros candidatos, Jogos Vorazes parece ter um universo e uma protagonista interessantes para render uma franquia satisfatória.
Escrito pelo diretor Gary Ross em parceria com Billy Ray e Suzanne Collins, baseado no livro desta última (que não li ainda), Jogos Vorazes se passa no futuro, em um país chamado Panem, que é dividido em 12 distritos e a controladora Capital. Todo ano, um casal de jovens de cada distrito é selecionado para participar dos violentos Jogos Vorazes, evento no qual os competidores lutam até a morte e apenas um pode sair vencedor. Quando sua irmã mais nova é chamada para participar, Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) se oferece para ir no lugar dela, formando ao lado de Peeta Mellark (Josh Hutcherson) o casal do Distrito 12.
Logo no início, Gary Ross mostra muito bem a precariedade do Distrito 12, um local onde um mero pãozinho pode ser motivo de comemoração e uma fala de Katniss para seu gato (“Ainda vou te cozinhar”) não surge como uma piada engraçada. Vendo esse mundo triste, a conversa entre ela e o amigo Gale (Liam Hemsworth) sobre não querer ter filhos é bastante compreensível. A boa fotografia de Tom Stern e os figurinos investem muito em cores acinzentadas, tirando com sucesso qualquer sinal de felicidade do lugar. Isso cria um ótimo contraste com o que vemos na Capital, lugar repleto de cores quentes e pessoas ricas e sorridentes.
Ross utiliza a câmera na mão durante quase todo o filme, o que trás pontos positivos e negativos. Por um lado, o diretor consegue deixar as cenas de ação tensas, e como tudo acontece muito rapidamente, a confusão e o nervosismo de Katniss são muito bem retratados pelo tremer da câmera e pela redução no som. Por outro, Ross acaba deixando algumas lutas e ações incompreensíveis, como a corrida de um personagem pela floresta. Apesar disso, Ross consegue mostrar o quanto os Jogos Vorazes são violentos (tive a leve impressão de ter visto uma perna ser decepada), o que faz nós temermos pelo destino da protagonista e de Peeta.
O roteiro estabelece os Jogos Vorazes como algo imprevisível, já que os tributos (como são chamados os selecionados para participar) podem morrer de diversas formas, sejam assassinados ou por causas naturais. O torneio é o entretenimento do povo da Capital, que se diverte vendo as apresentações dos competidores em programas de televisão e ainda apostam em quem vai chegar vivo no final. Por colocarem jovens inocentes em situações tão perigosas, os organizadores do evento tornam-se figuras desprezíveis, e isso faz com que torçamos ainda mais para que Katniss, Peeta e outros personagens, como Rue (Amandla Stenberg, que tem uma participação marcante, apesar do pouco tempo em cena), sobrevivam. As consequências que os Jogos Vorazes podem trazer ao seu campeão podem ser vistas no mentor de Katniss e Peeta, Haymitch (o excelente Woody Harrelson), que me arrisco a dizer que se tornou alcoólatra após ter sido obrigado a fazer coisas que não queria com o objetivo de sobreviver.
A afeição que criamos pelos os personagens ao longo da história é o que segura Jogos Vorazes até o final. E isso se deve não só ao roteiro, que os desenvolve muito bem, mas também ao elenco. Desde que foi indicada ao Oscar pelo excelente Inverno da Alma Jennifer Lawrence vem mostrando ser uma atriz que merece atenção, tendo neste filme uma presença em cena absolutamente incrível. Katniss é uma garota de personalidade forte e que não se intimida diante de grandes desafios. Corajosa e independente, ela não se importa apenas com a sua própria sobrevivência, o que é bastante admirável em um torneio bárbaro pelo qual alguns competidores treinam a vida inteira para entrar e matar qualquer um sem piedade.
Enquanto isso, Josh Hutcherson tem em Peeta um personagem parecido com Katniss, mas aparentemente mais fraco, o ele mesmo admite em determinada cena. Algo interessante nele é o fato de não se importar se vai morrer (uma ideia que eles se veem obrigados a se acostumar), desde que sua personalidade não seja mudada pelas circunstâncias. Isso o faz ser digno da confiança do público mesmo quando está ao lado dos competidores “vilões”.
No entanto, é uma pena que o roteiro perca tempo explicando elementos desnecessários, como o que acontece após ser picado por um determinado inseto, e não explique outras coisas mais importantes, como o sinal que Katniss e outros membros do Distrito 12 fazem. Além disso, a resposta para o porquê de os Jogos Vorazes terem sido criados soa um pouco rasa, embora surja na tela de forma bastante natural. E a atenção que Gary Ross concede a uma competidora do Distrito 5 é incompreensível, criando expectativas em volta de algo que não resulta em nada.
A julgar por este primeiro filme, Jogos Vorazes surge como uma franquia promissora. Ao final da projeção, fica a curiosidade sobre qual será o caminho que os próximos capítulos seguirão. Talvez estejamos vendo o início de uma saga interessante. Repito, talvez.
Cotação:

quarta-feira, 21 de março de 2012

Entrevista no Jornal do Povo

Para aqueles que não sabem, tenho um blog de cinema no site do Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul. Semana passada, o editor do jornal, Vinicius Severo, me contatou por e-mail querendo fazer uma entrevista comigo. Fiquei muito feliz com a oportunidade de falar um pouco sobre cinema e meu relacionamento com essa arte fantástica.
A entrevista saiu ontem no jornal. Com a autorização do Vinicius, estou colocando ela aqui no blog.
Quem é Thomás Boeira e qual sua ligação com Cachoeira do Sul?
"Sou um cinéfilo inveterado, que quer saber tudo sobre cinema e trabalhar de algum jeito com essa arte, nem que seja como atendente de locadora, algo que funcionou muito bem para Quentin Tarantino (diretor de cinema americano). Minha ligação com Cachoeira do Sul está no sangue. Minha mãe nasceu e cresceu em Cachoeira e tenho parentes e amigos que moram na cidade".
Como começou a paixão pelos filmes?
"Sempre gostei muito de cinema. Nunca vou esquecer da primeira vez em que coloquei os pés em uma sala de cinema, quando minha irmã me levou para ver "Simão: o fantasma trapalhão". Eu tinha seis anos na época e ri muito com o filme. Mas a paixão mesmo começou quando passei a ir mais frequentemente e comecei a assistir à Rede Telecine sem parar. Uma coisa levou à outra e comecei a ver qualquer filme que me chamasse a atenção. E agora que estou estudando cinema na Ulbra e escrevendo críticas, a paixão aumenta a cada dia. Hoje, a crítica cinematográfica é a área pela qual tenho maior interesse em seguir, mas se for possível pretendo fazer filmes nas horas vagas.
Pode descrever que magia é essa que acontece em uma sala de cinema?
"É difícil descrever a experiência de ver um filme, principalmente na sala de cinema. Essa arte nos faz acreditar que tudo é possível. Acreditamos até mesmo que robôs lutam em um ringue ou que um carro DeLorean serve como máquina do tempo. Quando estou no cinema, não quero que a experiência de ver essas coisas na tela seja interrompida".

sábado, 17 de março de 2012

Irreversível

É incrível como o formato em que um filme é feito pode fazer uma história simples tornar-se tão surpreendente e arrebatadora. Em Irreversível, Gaspar Noé consegue fazer uma crítica social ao mesmo tempo em que nos faz acompanhar uma história triste e trágica, contada de trás para frente, mesma técnica usada no sensacional Amnésia. Ao longo do filme, o cineasta mostra o nosso mundo da maneira mais crua possível, ou seja, como um lugar onde uma pessoa comum pode ser levada a querer matar alguém.
Escrito pelo próprio Gaspar Noé, Irreversível nos apresenta ao trio Alexandra (Monica Bellucci), seu ex-namorado, Pierre (Albert Dupontel), e o atual parceiro dela, Marcus (Vincent Cassel). Em uma noite, Alex está voltando para casa, mas acaba sendo estuprada e surrada, o que a faz entrar em coma. Marcus e Pierre vão atrás do responsável e se vingam brutalmente.
Quando escrevo que Marcus e Pierre conseguem se vingar do estuprador de Alex não estou dando spoiler algum. Com a história sendo contada de trás para frente, toda a sequência da vingança é mostrada logo no início do filme. Nesse primeiro ato, Noé faz com que julguemos os personagens, mais especificamente Marcus, que surgem revoltados. Quando eles procuram pelo estuprador, Marcus mostra ser um homem capaz de passar por cima de qualquer um que esteja em seu caminho. Isso nos faz pensar que ele é uma pessoa violenta por natureza. Mas ao longo do filme, Noé faz com que repensemos essa ideia, já que Marcus mostra ser uma pessoa comum, que foi levado àquele estado de extrema raiva pelas circunstâncias. É aí que percebemos o quanto a sociedade, de modo geral, é injusta ao definir uma pessoa pela primeira impressão que ela passar. Vincent Cassel é brilhante ao conseguir retratar esses dois momentos do personagem, nos fazendo simpatizar com ele ao longo da projeção. A revelação feita pelo roteiro no terceiro ato do filme é algo que faz a história ser ainda mais trágica, além de tornar as ações de Marcus mais compreensíveis. É difícil dizer o que uma pessoa faria estando na situação na qual ele se encontra.
Gaspar Noé mostra em Irreversível uma realidade brutal. O diretor não hesita em nenhum momento esconder o que acontece nas cenas mais violentas, mostrando as ações dos personagens e seus horríveis resultados, sendo uma das cenas mais marcantes do filme aquela em que um homem tem seu rosto destruído por pancadas feitas com um extintor de incêndio. Outro exemplo é a cena do estupro de Alex, feita em um longo plano sequência. Aliás, a atuação de Monica Bellucci nessa cena é esplêndida, com a atriz conseguindo retratar muito bem o desespero e a impotência da personagem. É até importante que Noé não tenha censurado essas cenas, já que a violência é algo que infelizmente faz parte de nossa realidade e corrói cada vez mais as nossas ruas. Mostrar essas cenas é uma tentativa interessante do diretor de tentar dar um tapa na cara dos espectadores e fazê-los acordarem e verem o que acontece ao seu redor.
O início do filme é bastante incompreensível, com Gaspar Noé movimentando a câmera rapidamente, mas nunca focando em um objeto específico. É uma representação perfeita do quanto os personagens estão confusos em cena, sem saber o que fazer. O filme ainda é repleto de longos planos sequência, além de contar sempre com o uso da câmera na mão. São elementos que ajudam o filme a ganhar tons mais reais, já que este movimento de câmera é algo muito usado em documentários, enquanto que os planos sequência mostram a vida como ela é: sem cortes, com os segundos passando ininterruptamente. Mesmo quando há cortes (por exemplo, entre a cena da vingança e o momento em que Pierre e Marcus estão em um táxi procurando o bar no qual o estuprador se encontra), a montagem do filme faz com que eles passem despercebidos, dando a ideia de que continuamos em determinada cena quando, na verdade, já avançamos (ou retrocedemos) na história.
Devo dizer que Irreversível acabou comigo, e até me fez compreender o porquê de algumas pessoas terem saído no meio da sessão na época de seu lançamento. Mas azar o delas, que perderam de assistir a um filme que tem em suas cenas mais chocantes o retrato do quanto nosso mundo pode ser cruel.
Cotação:

sexta-feira, 16 de março de 2012

Personagens Marcantes - Hannibal Lecter

Em 2005, o American Film Institute (AFI) elegeu os cinquenta maiores vilões da história do cinema. Vários personagens, que são obrigação em qualquer lista de vilões, foram selecionados: Norman Bates (Anthony Perkins, em Psicose), Alex De Large (Malcolm McDowell, em Laranja Mecânica), Darth Vader (David Prowse/James Earl Jones, em Star Wars), Enfermeira Ratched (Louise Fletcher, em Um Estranho no Ninho). Mas nenhum deles conseguiu tirar o primeiro lugar do homenageado desta edição de Personagens Marcantes do Brazilian Movie Guy.
Poucos personagens são tão frios, cruéis, perigosos e carismáticos como o assassino canibal Dr. Hannibal Lecter, que foi interpretado por três atores diferentes: Brian Cox, que teve muito pouco espaço no mediano Dragão Vermelho de 1986, dirigido por Michael Mann; Anthony Hopkins, que o imortalizou na trilogia composta pela obra-prima O Silêncio dos Inocentes, o ótimo Hannibal e o excelente Dragão Vermelho; e Gaspard Ulliel, que tentou convencer como uma versão mais jovem de Hopkins, mas não se saiu muito bem no fraco Hannibal: A Origem do Mal.
Criado pelo autor Thomas Harris, Hannibal ficou conhecido por ajudar o FBI quando o departamento não conseguia avançar em suas investigações de assassinatos. Sendo um grande psiquiatra, Lecter entregaria de bandeja o perfil psicológico do assassino, o que poderia iluminar um caminho para que os agentes envolvidos pudessem encontra-lo e encerrar o caso. Em Dragão Vermelho, Will Graham recebe a ajuda de Lecter para capturar o assassino conhecido como Fada do Dente, e em O Silêncio dos Inocentes foi a vez de Clarice Starling e o caso de Buffalo Bill. Mas é durante esses auxílios que Lecter mostra ser ameaçador, já que ele pede em troca de seus serviços que os agentes falem um pouco sobre suas vidas e acabem admitindo o que são realmente (“Quid pro quo”, como ele diz em O Silêncio dos Inocentes). São embates psicológicos tensos, e um agente mais fraco que Will e Clarice provavelmente não aguentaria ficar dez segundos na presença do canibal.
Lecter encontrou em Anthony Hopkins seu intérprete perfeito, lhe rendendo um Oscar muito merecido. Hannibal tem falas carregadas que mostram toda sua inteligência, ao mesmo tempo que o retratam como um homem extremamente ameaçador. O fato de Hopkins impor um tom de voz mais fino e controladíssimo faz com que cada palavra saia de sua boca como um corte na pele das pessoas ao seu redor. Ele inclusive usa sua voz para fazer Miggs, um de seus companheiros de prisão, se matar.
Algo genial na composição do personagem é o que o diretor Jonathan Demme faz antes do primeiro encontro entre Hannibal e Clarice, em O Silêncio dos Inocentes. À medida que ela avança pelo corredor a fim de encontrar Lecter, Demme coloca em seu caminho vários presos absolutamente insanos, nos fazendo imaginar “Se eles são assim, imagine Hannibal Lecter”. Mas acabamos sendo surpreendidos ao ver que Hannibal é um homem calmo e educado, aparentemente inofensivo. Esse “revestimento” é exatamente o que faz o personagem ser tão carismático, e nos faz gostar dele mesmo sabendo que ele é um indivíduo perigosíssimo. E como podemos ver o nível de ameaça de Lecter? Sua cela é diferente das de seus companheiros, sendo feita de vidro revestido, com alguns buracos. Isso me faz pensar que é uma bela comparação com os lugares nos quais pequenos e perigosos animais (aranhas, cobras, etc.) são guardados.
O Dragão Vermelho de Michael Mann e o último filme, Hannibal: A Origem do Mal, podem ter marcado um início e um fim não muito interessantes para a história de Hannibal Lecter nos cinemas. Mas os três filmes que trazem Anthony Hopkins no papel deste monstro trataram de coloca-lo entre os personagens mais célebres que os cinéfilos já tiveram o prazer de ver. Sua presença em qualquer lista de “Melhores Vilões”, ou até mesmo de “Melhores Personagens”, é nada mais do que justa.

sábado, 10 de março de 2012

Drive

Antes de assistir a Drive, o único trabalho do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn com o qual eu era familiarizado era o ótimo Bronson, estrelado por Tom Hardy. O que se percebe vendo os dois filmes é que o cineasta usa a violência (às vezes excessiva) como forma de mostrar traços importantes da personalidade de seus personagens. Em Drive, Refn tem em mãos um roteiro que à primeira vista pode ser uma produção de ação como muitas outras, mas na verdade é completamente diferente, não se concentrando em cenas de perseguição e lutas, e sim naquilo que realmente importa: os personagens.
Escrito por Hossein Amini, baseado no livro de James Sallis, Drive segue o Motorista (Ryan Gosling), um homem que trabalha ajudando fugas de ladrões, nunca participando dos roubos, mas dando um tempo de cinco minutos para que eles façam o serviço e voltem para o carro. Além disso, ele trabalha como dublê de filmes de ação e ajuda o amigo Shannon (Bryan Cranston) em sua oficina. Ele acaba se envolvendo com sua vizinha, Irene (Carey Mulligan) e o filho dela. Quando Standard (Oscar Isaacs), marido de Irene, sai da cadeia devendo dinheiro para alguns malfeitores, o Motorista decide ajuda-lo em um roubo para quitar a dívida. Mas algo dá errado, o que desencadeia uma série de problemas.
Logo no início, vemos que o Motorista é uma pessoa que só ultrapassa limites quando a situação não é boa. No trabalho que ele faz antes dos créditos iniciais, ao invés de vermos um piloto que sai queimando o asfalto assim que os ladrões entram no carro, vemos uma saída tranquila, com o protagonista dirigindo como se nada estivesse acontecendo, mas pisando no acelerador quando é descoberto. Às vezes ele simplesmente para em algum lugar seguro, o que mostra ser muito mais eficiente do que uma corrida insana para escapar dos policiais. Essas cenas são dirigidas com grande elegância por Nicolas Winding Refn, que usa o silêncio como um elemento que revela a calma do protagonista, tornando-o digno da confiança não só daqueles que o contratam, mas também do público.
O Motorista lembra muito uma famosa figura da história do cinema: o Homem Sem Nome, imortalizado por Clint Eastwood. Nós começamos o filme sem saber nada sobre seu passado, e terminamos da mesma maneira. Há uma cena em que ele diz que os dias ao lado de Irene e de seu filho foram a melhor coisa em sua vida, e considerando que são as cenas mais felizes do filme, pode-se dizer que a vida do personagem se limita ao que é visto na tela e nada mais. Ele mostra ser alguém que está disposto a fazer algo ruim para o bem de alguém e é essa disposição que acaba revelando muito de sua personalidade e suas habilidades monstruosas. O fato de Ryan Gosling ter um rosto de “bom moço" é algo que ajuda suas ações a se tornarem ainda mais surpreendentes.
Gosling, aliás, mostra mais uma vez ser um grande ator. O Motorista é uma pessoa de pouca fala, e o uso de um tom de voz baixo por parte do ator durante quase todo o filme contribui para tornar o personagem um ser misterioso. É interessante, ainda, ver que ele é um sujeito que pode sair rapidamente de um estado calmo para um nível mais sério e até mesmo assustador. E nas cenas em que o Motorista mostra suas habilidades violentas, Gosling tem um controle absolutamente admirável sobre o personagem (reparem como ele treme ao segurar um martelo em um momento específico).
Além de Gosling, Carey Mulligan também se sai muito bem como Irene, fazendo dela uma pessoa bondosa que procura por um pouco de paz em sua vida, algo que o Motorista também parece precisar, o que justifica o porquê de ele se envolver com ela. Enquanto isso, Bryan Cranston (um ator que passei a gostar muito depois de assistir a série Breaking Bad) interpreta Shannon com eficiência, sendo quase como um pai para o protagonista, cuidando dos negócios e sempre se preocupando com ele. E apesar de Ron Perlman transformar seu Nino em uma figura temível, é mesmo o Bernie Rose de Albert Brooks quem revela ser uma grande ameaça. Tendo boa parte de sua carreira dedicada às comédias, é surpreendente ver Brooks interpretando um personagem que chega a matar alguém apenas para mostrar um ponto de vista. “Agora é a sua vez de limpar a minha sujeira”, ele diz em uma cena.
Drive lembra um pouco os filmes das décadas de 1970 e 1980. Detalhes como alguns carros vistos em cena, a jaqueta usada pelo Motorista ao longo do filme e a trilha sonora de Cliff Martinez, muito bem utilizada por Nicolas Winding Refn, são alguns dos principais motivos para isso. E se já citei que o diretor utiliza o silêncio para mostrar a calma do Motorista, vale dizer também que este mesmo elemento é usado eficientemente para trazer tensão, como nas cenas em que o protagonista espera seus contratantes no carro.
Aqueles que forem assistir Drive esperando um grande filme de ação provavelmente ficarão decepcionados. Essa é uma obra que tem em seu ritmo calmo e clima triste exatamente o que identifica seu protagonista. É uma pena que tenha sido tão ignorado na temporada de premiações.
Cotação:

John Carter: Entre Dois Mundos

É interessante ver diretores conhecidos do gênero da animação partirem para projetos em live-action. Existe uma certa expectativa para ver como eles se sairão na nova empreitada. Há pouco tempo, Brad Bird (que comandou O Gigante de Ferro, Os Incríveis e Ratatouille) revelou ter competência para dirigir filmes de ação no ótimo Missão Impossível: Protocolo Fantasma. Agora chegou a vez de Andrew Stanton (de Procurando Nemo e Wall-E) mostrar do que é capaz neste John Carter: Entre Dois Mundos, um filme que apesar de ter momentos interessantes, conta com um roteiro fraco e uma história muito previsível.
Escrito pelo próprio Stanton ao lado de Mark Andrews e Michael Chabon, baseado no livro de Edgar Rice Burroughs, John Carter nos apresenta ao personagem-título (Taylor Kitsch), um soldado da Guerra Civil que está à procura de uma caverna de ouro, e quando a encontra acaba sendo transportado para Marte (ou Barsoom, como é chamado ao longo do filme) por um ser misterioso. Lá, ele é feito prisioneiro pelos Tharks, habitantes liderados por Tars Tarkas (Willem Dafoe). O planeta está no meio de uma guerra entre dois reinos, Zodanga e Helium. Graças à princesa de Helium, Dejah Thoris (Lynn Collins), que está sendo obrigada a se casar com o líder de Zodanga, Sab Than (Dominic West), John Carter acaba entrando na briga.
A história do filme conta com vários clichês. Temos o vilão que quer dominar o mundo, a princesa que é obrigada a casar com ele, e o mocinho que surge na hora certa para salvar a todos. Ou seja, se olharmos por esse lado, John Carter parece uma repetição de Aladdin (para citar o único exemplo que lembrei). São elementos que já foram tão vistos nos filmes que agora estão desgastados. O roteiro em nenhum momento consegue usar esses clichês a favor da história, contribuindo para sua previsibilidade ao invés de torná-la mais interessante.
Iniciando o filme com uma narração em off que explica um pouco a situação atual de Barsoom, o roteiro já nos situa um pouco no universo da história. Infelizmente, ele também não hesita em repetir um pouco dessa explicação inicial ao longo da projeção, como quando o protagonista pergunta em certo momento “O que aconteceu aqui?”, ao que tem como resposta “Zodanga aconteceu”. Além disso, o trio de roteiristas consegue a proeza de criar diálogos como o do primeiro encontro entre John Carter e Dejah Thoris, em que ele pede para ela ficar atrás dele se protegendo. Mas ao ver que isso não é preciso, ele responde “Talvez eu devesse ficar atrás de você”, uma fala com uma certa conotação sexual que a torna pavorosa.
Algo que impressiona é ver que apesar de ter sido feito prisioneiro por criaturas altas e verdes, ganhar a habilidade de pular grandes alturas e jogar longe objetos pesadíssimos, John Carter ainda pense que está na Terra, como se essas coisas realmente tivessem alguma possibilidade de acontecer no nosso planeta. Em nenhum momento ele pensa estar sonhando, algo que seria muito mais crível. Ele só acredita que está em solo extraterrestre quando vê o sistema solar com Dejah Thoris, em uma cena que acontece quase na metade do filme. Aliás, o romance entre ele e Dejah Thoris é tratado de maneira muito infantil pelo roteiro, com direito a troca de olhares sem jeito.
Andrew Stanton tenta compensar essas falhas com as cenas de ação, e até consegue, principalmente nas batalhas que são bem executadas, em especial a maior delas que ocorre no terceiro ato. A montagem de Eric Zumbrunnen representa alguns dos momentos mais inspirados do filme. Quando John Carter enfrenta sozinho um exército de guerreiros Tharks, vemos através de belos raccords os golpes do protagonista serem intercalados com suas lembranças de um momento terrível no passado. Outro momento interessante é quando Carter é preso pelos Tharks e logo depois é visto gritando junto com vários bebês alienígenas, representando seu “nascimento” no planeta. A direção de arte e os figurinos fazem um bom trabalho de recriação de época nas cenas que se passam na Terra, ambientada no final do século XIX.
Taylor Kitsch interpreta John Carter sem muito carisma, e em alguns momentos o ator simplesmente não convence, como quando emprega um tom de voz arrastado para representar o cansaço do protagonista quando ele é preso pelo Coronel Powell (Bryan Cranston, um grande ator, mas que não tem espaço na história) no início do filme. Kitsch não consegue criar nem uma boa química com a bela Lynn Collins, que surge pouco expressiva como Dejah Thoris. Enquanto isso, Dominic West não consegue evitar que seu Sab Than vire uma vilão caricato, e Mark Strong já começa a cansar com seu typecasting. Quem se destaca mesmo no filme é Willem Dafoe e Samantha Morton, como Tars Tarkas e Sola, respectivamente. Mesmo por trás do motion capture, os dois atores conseguem transformar seus personagens em figuras interessantes.
Depois de duas grandes produções na Pixar, é um pouco decepcionante ver Andrew Stanton estrear nos filmes live-action com um filme tão mediano como John Carter. Mas esperemos que ele volte a este formato com uma obra melhor.
Cotação:

sábado, 3 de março de 2012

Amigos Bizarros do Ricardinho

Bem-vindos ao espaço de curtas-metragens no Brazilian Movie Guy!
Há algum tempo eu estava com a ideia deste espaço, mas não colocava por receio de as pessoas acharem que estou copiando de outros lugares. Depois do apoio de alguns amigos, resolvi não me importar com isso e começar logo a colocar os filmes por aqui. Futuramente, também pretendo colocar os curtas que eu fizer na faculdade (até agora fiz apenas O Invisível, com meus colegas).
Para começar este espaço, escolhi Amigos Bizarros do Ricardinho, curta-metragem dirigido e escrito por Augusto Canani. O filme acompanha Ricardo Lilja (interpretado por ele mesmo), excêntrico estagiário de uma empresa de publicidade. Ricardinho, como é chamado por seus colegas, gosta de compartilhar histórias estranhas de seus conhecidos. São histórias tão absurdas e engraçadas que todos pensam se tratar de piadas.
É um filme divertido e que até foi exibido no programa Curtas Gaúchos, da RBS TV. Vale a pena conferir.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Poder Sem Limites

O estilo found footage virou moda. Já tivemos desde um ataque de um monstro alienígena, em Cloverfield: Monstro, até um espírito atormentando uma garota, na franquia Atividade Paranormal, passando até mesmo por uma viagem à Lua, em Apollo 18: A Missão Proibida. Agora temos jovens que ganham superpoderes neste Poder Sem Limites. Mas o que poderia ser apenas um filme repleto de clichês de produções baseadas nos quadrinhos da Marvel ou da DC Comics, na verdade, acaba sendo uma história de origem de super-heróis e super-vilões interessante.
Escrito por Max Landis, baseado no argumento que fez em parceria com o diretor Josh Trank, Poder Sem Limites segue o jovem Andrew Detmer (Dane DeHaan), um garoto comum e tímido, considerado estranho pelos colegas abusivos. Uma noite, ao lado de seu primo Matt (Alex Russell) e do amigo dele, Steve (Michael B. Jordan), Andrew entra um buraco e passa por uma transformação. Quando o trio sai dali (não se sabe como), eles descobrem que ganharam poderes de telecinésia. Ao longo do filme, os três vão aprendendo a controlar e a fortalecer seus poderes, o que se torna um verdadeiro vício. Mas a vida de Andrew não é nada fácil, e aos poucos ele vai perdendo o controle, para o desespero de seus amigos.
Logo no início, o roteiro procura estabelecer como é a vida do protagonista em casa e na escola. Isso acaba sendo importante por que Andrew não tem uma vida feliz, e as amizades que tem com Matt e Steve surgem como uma luz que está ali para salvá-lo. Sendo uma pessoa que não tem muitos amigos, ele se apega muito aos dois “semelhantes”, mas sempre querendo saber se eles o acham estranho ou se realmente gostam dele, e como alguém que está sempre sofrendo bullying dos colegas mais populares, o sentimento de desconfiança de Andrew é contínuo e compreensível.
Apesar de o filme se concentrar nos três personagens, é mesmo Andrew quem desperta maior interesse (aliás, algo que acontece muito com vilões). O garoto é uma figura perturbada. Sua mãe está morrendo, seu pai é alcóolatra e agressivo, e seus colegas de escola o tratam como uma aberração no meio da multidão. Algo que muitas vezes passa pela minha cabeça é por que temos vilões que querem destruir o mundo, sem qualquer motivo aparente? E acho que Poder Sem Limites tem em Andrew uma resposta muito clara para esta pergunta. Afinal, por que se importar com um mundo que parece não dar a mínima para você?
Mas todo super-vilão tem um super-herói. Sendo assim, como surge esta figura em Poder Sem Limites? Aqui, o herói é uma pessoa que sempre contou com o apoio e o carinho daqueles a sua volta. Isso é fundamental para que se tenha um pouco de compaixão pelo mundo que está salvando, mesmo que ele esteja repleto de pessoas medíocres. Além disso, o herói é aquele que não deixa o poder subir a cabeça a ponto de querer brincar de Deus, tem consciência sobre seus atos e faz de tudo para manter o controle. Para ressaltar algo óbvio: o herói é completamente o oposto do vilão.
O fato de o filme ser rodado no formato found footage e com atores não muito conhecidos consegue dar um tom bastante realista para o filme. Josh Trank se preocupa tanto em manter o formato de seu filme que em certos momentos faz montagens de plano e contra-plano usando não só a câmera de Andrew, mas também a de outros personagens em cena. E isso chega ao ápice no terceiro ato, quando vemos dois personagens lutarem enquanto são filmados por câmeras de helicópteros, filmadoras e celulares, algo que reflete até mesmo o mundo no qual vivemos hoje, onde é raro encontrar uma pessoa que não tenha uma câmera de alguma maneira.
A montagem, cheia de cortes rápidos, consegue impor grande tensão até nas cenas em que os personagens estão apenas se divertindo e consegue fazer isso mesmo tornando a ação incompreensível em alguns momentos. E os bons efeitos visuais são usados apenas quando necessários, surgindo organicamente e mostrando muito bem a capacidade dos poderes dos personagens.
Algo lamentável em Poder Sem Limites, no entanto, é o fato de o roteiro esticar a história desnecessariamente. Quando Andrew usa suas habilidades para roubar pessoas e alguns estabelecimentos para poder comprar os remédios de sua mãe, isso mostra o que o garoto faria pela única coisa boa que tem na vida. Mas se é para usar os poderes, por que não atacar direto a farmácia e pegar todos os remédios?
O trio principal surpreende em seus papéis. Vivendo Andrew com um olhar tímido e temeroso no início e transbordando raiva mais tarde, Dane DeHaan aparece eficiente em cena, construindo um personagem interessante, e os atos de Andrew trazem motivos compreensíveis, o que torna quase impossível não simpatizar com o personagem. Enquanto isso, Alex Russell consegue passar para o público o fato de que Matt está disposto a ajudá-lo mesmo em momentos complicados, e Michael B. Jordan aparece carismático desde sua primeira cena como Steve, personagem que vê os poderes como algo divertido, mas que pode sim trazer sérias consequências graves quando usados erroneamente.
Poder Sem Limites já surge como uma das gratas surpresas neste ano que está começando. Um filme de super-heróis e super-vilões com uma linguagem diferente, mas envolvente do início ao fim.
Cotação: