sábado, 10 de março de 2012

Drive

Antes de assistir a Drive, o único trabalho do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn com o qual eu era familiarizado era o ótimo Bronson, estrelado por Tom Hardy. O que se percebe vendo os dois filmes é que o cineasta usa a violência (às vezes excessiva) como forma de mostrar traços importantes da personalidade de seus personagens. Em Drive, Refn tem em mãos um roteiro que à primeira vista pode ser uma produção de ação como muitas outras, mas na verdade é completamente diferente, não se concentrando em cenas de perseguição e lutas, e sim naquilo que realmente importa: os personagens.
Escrito por Hossein Amini, baseado no livro de James Sallis, Drive segue o Motorista (Ryan Gosling), um homem que trabalha ajudando fugas de ladrões, nunca participando dos roubos, mas dando um tempo de cinco minutos para que eles façam o serviço e voltem para o carro. Além disso, ele trabalha como dublê de filmes de ação e ajuda o amigo Shannon (Bryan Cranston) em sua oficina. Ele acaba se envolvendo com sua vizinha, Irene (Carey Mulligan) e o filho dela. Quando Standard (Oscar Isaacs), marido de Irene, sai da cadeia devendo dinheiro para alguns malfeitores, o Motorista decide ajuda-lo em um roubo para quitar a dívida. Mas algo dá errado, o que desencadeia uma série de problemas.
Logo no início, vemos que o Motorista é uma pessoa que só ultrapassa limites quando a situação não é boa. No trabalho que ele faz antes dos créditos iniciais, ao invés de vermos um piloto que sai queimando o asfalto assim que os ladrões entram no carro, vemos uma saída tranquila, com o protagonista dirigindo como se nada estivesse acontecendo, mas pisando no acelerador quando é descoberto. Às vezes ele simplesmente para em algum lugar seguro, o que mostra ser muito mais eficiente do que uma corrida insana para escapar dos policiais. Essas cenas são dirigidas com grande elegância por Nicolas Winding Refn, que usa o silêncio como um elemento que revela a calma do protagonista, tornando-o digno da confiança não só daqueles que o contratam, mas também do público.
O Motorista lembra muito uma famosa figura da história do cinema: o Homem Sem Nome, imortalizado por Clint Eastwood. Nós começamos o filme sem saber nada sobre seu passado, e terminamos da mesma maneira. Há uma cena em que ele diz que os dias ao lado de Irene e de seu filho foram a melhor coisa em sua vida, e considerando que são as cenas mais felizes do filme, pode-se dizer que a vida do personagem se limita ao que é visto na tela e nada mais. Ele mostra ser alguém que está disposto a fazer algo ruim para o bem de alguém e é essa disposição que acaba revelando muito de sua personalidade e suas habilidades monstruosas. O fato de Ryan Gosling ter um rosto de “bom moço" é algo que ajuda suas ações a se tornarem ainda mais surpreendentes.
Gosling, aliás, mostra mais uma vez ser um grande ator. O Motorista é uma pessoa de pouca fala, e o uso de um tom de voz baixo por parte do ator durante quase todo o filme contribui para tornar o personagem um ser misterioso. É interessante, ainda, ver que ele é um sujeito que pode sair rapidamente de um estado calmo para um nível mais sério e até mesmo assustador. E nas cenas em que o Motorista mostra suas habilidades violentas, Gosling tem um controle absolutamente admirável sobre o personagem (reparem como ele treme ao segurar um martelo em um momento específico).
Além de Gosling, Carey Mulligan também se sai muito bem como Irene, fazendo dela uma pessoa bondosa que procura por um pouco de paz em sua vida, algo que o Motorista também parece precisar, o que justifica o porquê de ele se envolver com ela. Enquanto isso, Bryan Cranston (um ator que passei a gostar muito depois de assistir a série Breaking Bad) interpreta Shannon com eficiência, sendo quase como um pai para o protagonista, cuidando dos negócios e sempre se preocupando com ele. E apesar de Ron Perlman transformar seu Nino em uma figura temível, é mesmo o Bernie Rose de Albert Brooks quem revela ser uma grande ameaça. Tendo boa parte de sua carreira dedicada às comédias, é surpreendente ver Brooks interpretando um personagem que chega a matar alguém apenas para mostrar um ponto de vista. “Agora é a sua vez de limpar a minha sujeira”, ele diz em uma cena.
Drive lembra um pouco os filmes das décadas de 1970 e 1980. Detalhes como alguns carros vistos em cena, a jaqueta usada pelo Motorista ao longo do filme e a trilha sonora de Cliff Martinez, muito bem utilizada por Nicolas Winding Refn, são alguns dos principais motivos para isso. E se já citei que o diretor utiliza o silêncio para mostrar a calma do Motorista, vale dizer também que este mesmo elemento é usado eficientemente para trazer tensão, como nas cenas em que o protagonista espera seus contratantes no carro.
Aqueles que forem assistir Drive esperando um grande filme de ação provavelmente ficarão decepcionados. Essa é uma obra que tem em seu ritmo calmo e clima triste exatamente o que identifica seu protagonista. É uma pena que tenha sido tão ignorado na temporada de premiações.
Cotação:

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