quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Retratos Fantasmas

Astor, Central, Imperial, Guarany, São João, Vogue, Cacique, Ritz, Rosário, Presidente...

Esses são nomes de alguns dos cinemas de rua que por décadas marcaram presença no cenário de Porto Alegre, mas que com o passar do tempo e a chegada de negócios que se tornaram mais populares (como os cinemas de shopping) acabaram perdendo espaço na cidade. Se formos ver hoje os lugares onde estes cinemas estavam, talvez nem consigamos ver sinais de que eles existiram, já que muitos deram lugar a coisas que nada tem a ver com exibições cinematográficas. Tais sinais talvez só sejam encontrados em velhas fotografias e nas memórias de quem os frequentava (anos atrás, por exemplo, escrevi brevemente sobre uma experiência que meu pai teve no São João). Apesar de eu nunca ter frequentado esses cinemas, tendo nascido logo quando os cinemas de shopping já haviam se estabelecido, foi inevitável lembrar deles ao longo da sessão de Retratos Fantasmas, documentário de Kleber Mendonça Filho.

Em Retratos Fantasmas, o diretor faz um verdadeiro resgate histórico dos cinemas de rua de Recife, relembrando a popularidade que tinham ao mesmo tempo em que ele faz uma conexão entre esses espaços e sua própria vida e formação cinematográfica. A partir daí, Kleber Mendonça Filho realiza um filme que fala muito sobre como nós temos a capacidade de nos conectarmos a determinados espaços (sejam eles cinemas ou simplesmente as nossas casas) e como, dessa forma, tais espaços acabam ajudando a formar os seres humanos que somos. É algo que o diretor ilustra através de histórias sobre os cinemas (aliás, as imagens de arquivo que ele traz são um primor) e falando até sobre a evolução de sua própria casa, exibindo cenas de curtas que ele dirigiu na residência. Mas essas experiências que ele relata soam tão cotidianas que acaba sendo difícil para o espectador não relacionar com suas próprias experiências de vida e espaços que frequentou. Sendo assim, Kleber Mendonça Filho merece créditos por conseguir tornar universal um projeto que poderia soar puramente pessoal.

Mas, como bem sabemos, são poucos os cinemas de rua que ainda estão firmes no Brasil, de maneira que o destino daqueles de Recife não é muito diferente daqueles de Porto Alegre (e arrisco dizer que isso vale para o país todo). Tendo isso em mente, Kleber Mendonça Filho não deixa de trazer para o centro de sua narrativa uma discussão sobre preservação da memória, focando muito no nosso descaso, já que não é incomum a sociedade escantear ou até abrir mão de determinados lugares mesmo que eles tenham uma importância inegável, fazendo eles se tornarem fantasmas nas áreas em que se situavam. E o diretor pode até iniciar a discussão em um ponto (no caso, os cinemas), mas podemos facilmente incluir outros espaços na conversa, como parques, bibliotecas, teatros e universidades, o que contribui ainda mais com a universalidade da narrativa que ele concebe.

Retratos Fantasmas é nada menos que brilhante. Um filme que serve tanto como um documento histórico quanto como uma celebração da memória e do cinema como espaço de imaginação. Até por isso é ideal que Kleber Mendonça Filho encerre o filme com uma sequência divertidíssima que, situada dentro de um carro, ilustra muito bem o tipo de criatividade que apenas o cinema (como arte ou como espaço físico) pode nos proporcionar em toda sua potencialidade.

Nota:



terça-feira, 5 de setembro de 2023

A Chamada

Recentemente resolvi assistir a Legado Explosivo, um dos vários filmes de ação que Liam Neeson estrelou nos últimos anos. Não darei spoilers, ainda que o longa não seja daqueles que precise ser preservado, mas em determinado momento na história um personagem se vê preso dentro de seu carro, já que há uma bomba embaixo do banco que será acionada caso ele se levante para sair dali. Coincidência ou não, este novo filme protagonizado por Neeson, A Chamada, basicamente não deixa de ser uma versão estendida dessa cena.

Refilmagem do filme espanhol El Desconocido (que não assisti), A Chamada traz Neeson no papel de Matt Turner, um executivo de banco morando na Alemanha e (no modo mais clichê) dá atenção excessiva ao trabalho, relegando sua família. Um dia ele está em seu carro levando seus filhos, Zach e Emily (Jack Champion e Lilly Aspel, respectivamente), para a escola. O que ele não esperava era que durante o trajeto ele receberia uma ligação avisando que há uma bomba no carro, que explodirá caso ele ou seus filhos saiam do veículo e não façam tudo o vilão lhes mandar fazer.

Apesar de o conceito por trás do filme não ser nada novo, lembrando produções como Velocidade Máxima, é preciso dizer que ele é simples o bastante para poder render algo eficaz. Aliás, o próprio Liam Neeson protagonizou Sem Escalas, um longa que não é grande coisa, mas ainda funciona ao colocar o ator em um avião e precisando obedecer ao vilão a fim de salvar os passageiros. Mas A Chamada desde o princípio se mostra distante de conseguir entreter o espectador, conseguindo falhar até mesmo no que deveria ser básico em uma produção como essa: fazer o público se importar com os personagens, que se revelam medíocres. Matt Turner, para começo de conversa, é um marido e pai ausente que faz seu banco ganhar dinheiro mesmo que isso signifique fazer seus clientes perderem fortunas (em determinado momento ele é até descrito como “um orgulho para o capitalismo”). Já seus filhos nos fazem revirar os olhos com suas rebeldias adolescentes e bobas, como ao não gostarem que desliguem seus celulares, sendo que Zach ainda chama o pai pelo nome (um dos clichês que, ao menos para mim, automaticamente estabelece um personagem como uma criatura irritante). E é claro que o arco narrativo ao longo do filme é fazer os personagens mudarem diante da situação de risco em que se encontram, mas a verdade é que além de essa ideia ser tediosamente óbvia, os sinais de evolução dessas figuras são superficiais no máximo, e nem um ator talentoso como Liam Neeson consegue salvar.

Sendo assim, ao invés de torcermos para que os personagens sobrevivam, o único desejo que surge durante a projeção é que o carro exploda de uma vez e encurte a história. Possivelmente isso faria até com que não precisássemos ser guiados pela direção de Nimród Antal, que é burocrática no melhor dos casos, não conseguindo criar tensão em momento algum, nem criar sequências de ação minimamente envolventes (as perseguições com o carro chegam a ser risíveis). Aliás, permitam-me dizer que torcer para a bomba explodir não necessariamente significa torcer pelo vilão, já que até mesmo ele se mostra uma figura estúpida, algo que piora quando vemos o roteiro tentar fazer o personagem parecer muito inteligente, fazendo-o gritar que “pensou em tudo” e “está muitos passos a frente dos outros” mesmo que, na verdade, seu plano seja pavorosamente ruim.

Se Liam Neeson não fosse o protagonista, creio que A Chamada seria um daqueles filmes que nem são exibidos nos cinemas, sendo jogados direto na obscuridade do mercado de video-on-demand. Trata-se de uma experiência sem a menor graça, com reviravoltas previsíveis que fazem jus a pobreza criativa que vemos durante toda a narrativa.

Nota: