segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Rei da Comédia

Conferindo a filmografia de Martin Scorsese, são poucos os filmes que tenham tons mais cômicos. Um desses trabalhos é O Rei da Comédia, e que ainda assim não é um título que busca o riso do espectador constantemente. Aqui, o diretor se reuniu pela quinta vez com um de seus grandes parceiros, Robert De Niro, e ainda trouxe para o barco o comediante Jerry Lewis, em uma história que foca bastante a relação entre celebridades e seus fãs. O resultado é um longa muito interessante e que traz De Niro e Lewis em grandes atuações.

Escrito por Paul D. Zimmerman, O Rei da Comédia acompanha Rupert Pupkin (De Niro), um comediante de stand-up que sonha em ser famoso como Jerry Langford (Lewis), apresentador de um talk show. Para alcançar esse sucesso, Rupert passa a perseguir o artista após eles terem uma breve conversa na qual ele acha que uma amizade se construiu. Com a ajuda de Masha (Sandra Bernhard), outra obcecada pelo astro, Rupert faz de tudo para que Jerry veja seu repertório e o coloque entre os convidados de seu programa. Mas a celebridade procura evitar contato com seus admiradores, o que dificulta a vida de Rupert, que ainda assim insiste em querer que o ídolo e todas as outras pessoas vejam seu talento.
A fascinação do fã pelo ídolo é um elemento muito bem desenvolvido por Scorsese, que já trata de mostrá-la logo de cara através dos figurinos e do design de produção. Enquanto o personagem veste ternos e gravatas que remetem diretamente ao apresentador, o porão de sua casa é basicamente uma réplica do palco do programa, com direito a modelos de Liza Minnelli e do próprio Jerry feitos de papelão. Além disso, é curioso acompanhar o quanto a breve conversa que os dois têm no início do filme afeta Rupert psicologicamente, já que a partir daí ele passa a ter fantasias nas quais ele não só é muito próximo de Jerry como também chega a ofuscá-lo, algo que pode ser visto quando os dois estão jantando e uma garota pede seu autógrafo, nem ligando para quem está ao lado dele. Em sequências como essas, vale dizer que o trabalho de montagem de Thelma Schoonmaker (parceira habitual de Scorsese) merece créditos por conseguir mostrar tanto a realidade de Rupert quanto o que ocorre em sua imaginação, intercalando as duas coisas organicamente.
Enquanto isso, Robert De Niro encarna o protagonista com carisma, transformando-o numa figura excêntrica, apropriadamente iludida e até divertida, em mais uma atuação de destaque em sua riquíssima carreira. O momento em que Rupert apresenta seu monólogo de stand-up a uma plateia é um dos melhores do filme, e boa parte disso se deve a De Niro, que segura muito bem a sequência ao longo de seus cinco minutos feitos em uma tomada só por Scorsese. Já Jerry Lewis faz de seu Jerry Langford uma figura diferente dos papeis cômicos que o tornaram famoso, investindo em uma composição mais séria, mas não menos eficiente, conseguindo protagonizar belas cenas, como quando o personagem faz um pequeno desabafo sobre o show business. Ao falar que a fama nem sempre pode melhorar a vida das pessoas, faz uma crítica interessante à visão que as pessoas têm com relação a isso.
No entanto, há de se ressaltar que nem todos os momentos cômicos de O Rei da Comédia funcionam. Se por um lado Scorsese acerta na cena em que Rupert imagina se casar no programa de Jerry e um assistente diz que eles voltarão com o evento após os comerciais (uma boa alfinetada em algo comum na Televisão), por outro ele erra no timing do momento em que Rupert faz uma pequena confusão com alguns cartazes, que não funciona também por ser inserido em uma parte mais séria da história. Para completar, Masha não é uma personagem tão interessante quanto Rupert e Jerry, então quando ela ganha um destaque maior (como no pequeno encontro a sós que ela tem com o apresentador) o filme fica um pouco menos envolvente.
Mesmo assim, O Rei da Comédia chama a atenção com seu excelente protagonista e o caminho que ele percorre na história para realizar seu sonho. Infelizmente, o filme foi um fracasso de bilheteria, mas ainda é um ótimo trabalho de um brilhante cineasta.
Nota:


sábado, 25 de janeiro de 2014

A Um Passo do Estrelato


Nos shows, os backing vocals ficam ao lado ou um pouco atrás dos artistas que estão se apresentando no palco, sempre ajudando a tornar o espetáculo mais completo e brilhante para o público. Na maioria das vezes, não nos preocupamos com essas figuras, principalmente por estarmos concentrados em ver nossos ídolos tocando as músicas que gostamos. Mas eles estão lá e, mesmo que não os percebamos, são tão importantes quanto os músicos por quem pagamos os ingressos para assistir. E A Um Passo do Estrelato é um documentário interessantíssimo exatamente por trazê-los como seu tema central.


Incluindo depoimentos de artistas consagrados como Bruce Springsteen, Sting, Mick Jagger, Bette Midler e Stevie Wonder, A Um Passo do Estrelato conta um pouco sobre a vida de algumas cantoras que trabalham como backing vocals (e digo “cantoras” porque o diretor Morgan Neville não chega a mostrar homens que sigam essa carreira). Ao mesmo tempo, o longa busca fazer um retrato da profissão no sentido dela ser, na maioria das vezes, o primeiro passo rumo ao estrelato absoluto.
Por ter muito o que abordar e várias personagens para acompanhar, como Darlene Love (que muitos cinéfilos devem lembrar como a esposa de Roger Murtaugh, personagem de Danny Glover na franquia Máquina Mortífera) e as “raelettes” Merry Clayton, Mable John e Susaye Greene, A Um Passo do Estrelato demora um pouco para se organizar, pulando de um assunto a outro sem muita lógica. Mas depois que Neville apresenta os elementos do filme, a narrativa transcorre com mais naturalidade, e o trabalho de montagem do trio Douglas Blush, Kevin Klauber e Jason Zeldes traz um ritmo ágil e envolvente ao filme.
Um detalhe curioso é que, apesar de o público não dar tanta atenção as backing vocals, isso não quer dizer que os artistas a quem elas dão suporte nas canções as tratem da mesma forma. Na verdade, o respeito que astros como Sting e Mick Jagger têm por elas é admirável e até mesmo tocante, uma vez que eles têm plena noção de que estão cantando com pessoas que não só são essenciais para que suas músicas funcionem da forma como desejam, como também são tão talentosas quanto eles, donas de grande potencial para serem cantoras famosas no mundo todo.
O que nos traz a Lisa Fischer, cantora com uma voz que deslumbra qualquer um que pare para ouvi-la. Algum tempo depois de começar como backing vocal, ela alcançou o sucesso numa carreira solo, inclusive ganhando o Grammy por seu primeiro disco. Fischer é extremamente elogiada por boa parte das pessoas que aparecem dando depoimentos em A Um Passo do Estrelato. No entanto, não chegou a lançar um segundo disco e voltou a ser backing vocal, o que ilustra um pouco a dificuldade que profissionais da área tem na hora em que deixam de ser coadjuvantes e passam para a  condição de protagonistas. E por Morgan Neville tratar a posição de backing vocal como sendo tão importante quanto a dos outros membros das bandas, é difícil ver a decisão de Fischer como uma espécie de retrocesso em sua carreira, até porque ela continua fazendo aquilo que ama: cantar.
Embalado por canções empolgantes, como “Gimme Shelter”, dos Rolling Stones, A Um Passo do Estrelato é uma bela viagem pelas carreiras de figuras talentosas e admiráveis. E descobrir um pouco mais sobre as profissionais retratadas ao longo do filme acaba sendo realmente fascinante.
Nota:

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Frankenstein: Entre Anjos e Demônios

Personagem clássico da literatura e do cinema, o monstro de Frankenstein não aparecia numa produção de maior escala desde o desastroso Van Helsing, no qual ele ajudava o personagem-título a combater outras criaturas famosas. Curiosamente, o monstro retorna à tela grande em uma obra parecida com essa protagonizada por Hugh Jackman, considerando sua presença como um caçador de figuras sobrenaturais em uma releitura de sua história. Mas este Frankenstein: Entre Anjos e Demônios, infelizmente, mostra ser uma tragédia, tendo semelhanças não só com esse citado, mas também com Anjos da Noite e Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros. E o fato de lembrar filmes tão ruins já é algo triste.

Com roteiro escrito pelo diretor Stuart Beattie e com argumento dele em parceria com Kevin Grevioux (criador da graphic novel que deu origem ao projeto e que, vejam só, ajudou a conceber a franquia Anjos da Noite), Frankenstein: Entre Anjos e Demônios coloca o monstro – agora chamado de Adam (e interpretado por Aaron Eckhart) – no meio de uma grande guerra entre um clã de gárgulas liderado por Leonore (Miranda Otto) e outro de demônios, que por sua vez é comandado por Naberius (Bill Nighy). Adam passa 200 anos de sua vida destruindo todos os demônios que consegue, mas Naberius deseja repetir o experimento de Victor Frankenstein para dar vida a milhares de cadáveres, formando um exército que poderá acabar não só com esse conflito, mas também com a raça humana por inteiro.
Em seus primeiros minutos, Frankenstein: Entre Anjos e Demônios já apresenta problemas que percorrerão ao longo de todo a trama. A narração em off que aparece logo na sequência inicial não poderia ser mais expositiva, simplificando bastante algumas partes da história que só não devem ter sido melhor desenvolvidas por causa da preguiça dos roteiristas. As cenas de ação são prejudicadas pela fotografia escura (que fica ainda pior graças aos óculos 3D, por si só desnecessários, uma vez que a tecnologia é muito mal empregada) e pelos cortes rápidos, detalhes que fazem com que fiquem incompreensíveis em alguns momentos. E Stuart Beattie também não consegue injetar energia nelas, tornando-as aborrecidas do início ao fim, principalmente a luta entre os dois clãs no início do segundo ato e a batalha final. Sem mencionar que ainda são acentuadas por uma trilha épica muito genérica composta por Reinhold Heil e Johnny Klimek.
A história em si também não é das melhores, contando com um ritmo irregular que dificulta muito o envolvimento do público. Há ainda elementos previsíveis, como o envolvimento de Adam com a cientista Terra (Yvonne Strahovski), cujo nome deixa mais do que claro que ela é uma forma de o protagonista se conectar com o mundo que o rejeita. Além disso, o roteiro cria diálogos óbvios (“Eu sou como nenhum outro”, diz o protagonista em uma cena), repetitivos (“É ‘ele’. Não ‘coisa’”, uma fala que aparece quando acham necessário reforçar a humanidade do protagonista) e outros que simplesmente são dolorosos de se ouvir (“Desça sofrendo, demônio!”).
Para completar, os personagens são desinteressantes demais, o que dificulta a tarefa de nos importarmos com o que acontece com eles durante o filme. Nisso, chega a ser decepcionante ver Aaron Eckhart no piloto automático interpretando Adam, já que se trata de um ator talentoso que deveria escolher melhor seus projetos. Miranda Otto faz o possível com Leonore, personagem inicialmente simpática, mas que mostra uma personalidade até impiedosa pouco depois, em uma mudança bem brusca, ao passo que Yvonne Strahovski se revela inexpressiva como Terra. Fechando o elenco, o veterano Bill Nighy tem em Naberius um vilão nada ameaçador, e seu plano ainda lembra muito aquele do Drácula de Van Helsing, que queria dar vida a seus filhos usando o mesmo experimento de Frankenstein. É uma pena ver um personagem tão icônico protagonizando uma obra como Frankenstein: Entre Anjos e Demônios, que é desde já um dos piores filmes do ano.
Nota:

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Machete Mata

Partindo de um trailer falso que acompanhou os filmes Planeta Terror e À Prova de Morte, que por sua vez formavam o projeto Grindhouse, de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, Machete foi uma ideia interessante, mas desperdiçada em uma produção que pouco fazia rir, apesar de contar com o carisma de seu protagonista interpretado por Danny Trejo. O personagem agora retorna em uma nova aventura nessa continuação, Machete Mata, que já havia sido prometida por Robert Rodriguez ao final do filme anterior. Mas o que vemos agora é um verdadeiro desastre.

Escrito por Kyle Ward e com argumento de Robert Rodriguez e seu irmão Marcel Rodriguez, Machete Mata traz o protagonista e sua parceira Sartana (Jessica Alba) em uma missão na qual matam vários indivíduos que faziam parte de uma transação de tráfico de armas. No entanto, ela é assassinada pelo líder de um dos grupos envolvidos, o que faz Machete querer vingança. Ele é convocado por Rathcock (Charlie Sheen), o presidente dos Estados Unidos, para uma missão onde deve capturar e matar Marcos Mendez (Demián Bichir), que ameaça jogar um míssil nuclear em Washington. Mas Machete descobre que o míssil será acionado se Mendez morrer, obrigando-o a ir atrás do fabricante Luther Voz (Mel Gibson) para desarmar a arma. Mal sabe ele que ainda poderá aproveitar para realizar sua vingança.

Voltando a impor um estilo mais trash na condução do longa, Robert Rodriguez tenta levar Machete Mata por um caminho mais cômico, buscando não se levar tão a sério. O problema é todas as tentativas de humor do filme falham miseravelmente, rendendo momentos constrangedores, como quando a Madame Desdemona (Sofía Vergara) usa armas que aproveitam seus atributos físicos. Além disso, mesmo pra algo trash, Rodriguez filma tudo de maneira bastante displicente, sendo que ele subestima constantemente a inteligência do espectador ao achar que qualquer espirro de sangue ou frase de efeito fará o publico rir. As cenas de ação, por exemplo, contam com a violência cartunesca típica do diretor, com tiros que explodem os corpos de várias figuras que aparecem na tela, mas além de elas terem um ritmo envolvente ainda ficam cansativas depois de um tempo. Rodriguez também chega a aparentar um pouco de falta de criatividade ao trazer o protagonista fazendo algo surreal com os intestinos de um capanga, lembrando muito uma cena do filme anterior.

Para azar de Machete Mata, nem o carisma de Danny Trejo dá as caras para tornar as coisas mais suportáveis. Aqui, Trejo surge no piloto automático na maior parte do filme, e também é obrigado a dizer falas como “Machete não tweeta”, “Machete não falha”, “Machete não brinca”, que devem funcionar maravilhosamente bem no roteiro, mas no filme não só aparecem sem a menor graça como ainda são repetitivas. Enquanto isso, o talentoso Demián Bichir investe numa caracterização excêntrica interpretando Marcos Mendez e suas várias personalidades, mas só isso não é o suficiente para tornar o personagem uma figura divertida. E se a ideia de trazer Charlie Sheen (um cara que parece ter enlouquecido nos últimos anos) no papel de presidente dos Estados Unidos é uma sacada curiosa, na prática acaba não funcionando tão bem quanto poderia, ao passo que Mel Gibson (outro ator que ficou em baixa depois de algumas polêmicas) encarna Luther Voz com energia, mas o personagem em si não é muito interessante, sendo até meio ridículo com seu “grande” poder de déjà vu.

Depois de ver Machete Mata, resta esperar que Robert Rodriguez não aproveite o gancho deixado ao final da história e resolva fazer um terceiro capítulo protagonizado por Machete, o que transformaria em filme o trailer falso é exibido logo no início. Esta continuação já foi torturante o bastante.

Nota:

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

De Repente Pai

Meus 533 Filhos, filme de 2011 dirigido por Ken Scott, é um filme canadense que fez certo sucesso em seu país quando foi lançado. No entanto, boa parte dos americanos não gosta muito de legendas, e esse é o único motivo para que Hollywood tenha decidido refilmar o mesmo longa, agora com Vince Vaughn no papel principal, chamando inclusive o próprio Ken Scott para escrever e dirigir. Infelizmente, o que acabamos vendo neste De Repente Pai é um remake desnecessário e pouco divertido.

De Repente Pai mostra a vida de David Wozniak (Vaughn), homem cheio de dívidas, poucas ambições e que trabalha como entregador de carnes no açougue de sua família. Um dia, sua namorada Emma (Cobie Smulders) avisa que está grávida, o que o faz repensar o modo como leva sua vida. Quando começa a achar que ser pai pode ser algo muito bom, David descobre que tem 533 filhos, resultados das várias doações de esperma que fez sob o apelido de Starbuck quando mais jovem, e 142 deles querem conhecê-lo. David então passa a tentar se aproximar deles e ajudá-los de alguma forma, mas sem que saibam quem ele, de fato, é.
Traduzir o roteiro do filme original para o inglês foi o único trabalho que Ken Scott teve ao escrever De Repente Pai. A história é exatamente a mesma de antes, com os mesmo conflitos e os mesmos diálogos. Não há nada de novo por aqui que justifique a refilmagem, o que é uma pena, já que Meus 533 Filhos era bem problemático mesmo com a premissa interessante, e suas falhas poderiam ser corrigidas agora.
Quando David vai começa a encontrar seus filhos, por exemplo, Scott prefere investir numa estrutura episódica, com o personagem ajudando um de cada vez, sendo que tempos depois ele passará a ter contato mais direto com um deles e este se revela uma figura muito aborrecida. Já a subtrama envolvendo a dívida do protagonista com alguns agiotas fica um pouco perdida em meio a história, além de ganhar atenção apenas quando realmente necessário. Como se não bastasse, Ken Scott faz o filme cair demais na pieguice, investindo até em trilhas sentimentais para ilustrar certos momentos entre David e seus filhos, principalmente quando ele aparece com Ryan (Sebastian Réne, que esteve no filme original interpretando o mesmo personagem), garoto deficiente e que fica em uma casa de repouso.
Mas De Repente Pai acaba encontrando um problema que não havia em Meus 533 Filhos, e este é o fato de Vince Vaughn não aparecer tão carismático quanto Patrick Huard era naquele filme, o que faz o espectador se perguntar se o ator não se sente mais confortável quando estrela produções ao lado de amigos como Owen Wilson, Ben Stiller e Will Ferrell. Sozinho, Vaughn não consegue segurar o longa tão bem, surgindo no piloto automático na maior parte do tempo. Enquanto isso, Chris Pratt até consegue arrancar algumas poucas risadas interpretando Brett, o melhor amigo e advogado do protagonista, ao passo que Cobie Smulders não chega a fazer de Emma uma personagem muito interessante.
Meus 533 Filhos não chegava a ser um grande filme, mas possuía alguma simpatia. E isso é algo que De Repente Pai não consegue resgatar diante de tantos problemas.
Nota:

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Blackfish: Fúria Animal

O parque aquático SeaWorld é famoso pelos grandes shows que realiza com orcas e outros animais, mostrando-os executando uma série de exercícios ao lado de seus treinadores. À primeira vista, são eventos absolutamente deslumbrantes, em que os animais parecem não só estar se divertindo com o que fazem como também gostando de maravilhar a plateia com suas habilidades. No entanto, essa impressão é totalmente equivocada, porque os espetáculos podem até ser divertidos para nós, mas são verdadeiras torturas para os animais que os realizam, e é isso que o documentário Blackfish: Fúria Animal busca expor.

Blackfish se concentra basicamente na orca Tilikum, que em 2010 foi responsável pela morte da experiente treinadora Dawn Brancheau. A partir disso, o documentário conta a história da baleia desde sua captura em 1983. À medida que o filme vai desenvolvendo o foco de sua narrativa, é difícil não se sentir irritado com o modo como Tilikum vive na SeaWorld, já que o que se vê é um exemplo inacreditável de crueldade e negligência por parte dos responsáveis pelo parque.
Através de imagens de arquivo e depoimentos de pesquisadores e pessoas que já foram ligadas a SeaWorld (o que inclui vários ex-treinadores do local), a diretora Gabrielle Cowperthwaite conta 30 anos da história de Tilikum de forma bastante fluída e completa, abordando os principais eventos de sua vida, ao mesmo tempo em que mostra como ele e outros animais são tratados. Nisso, vemos que o comportamento agressivo que Tilikum exibe em determinados momentos é resultado do fato de ter sido afastado de seu habitat natural com apenas dois anos de idade (por sinal, é uma cena desoladora, em que presenciamos as orcas sendo separadas de seus filhotes), passando então a viver em cativeiro para o resto de sua vida – em circunstâncias deploráveis na maior parte do tempo, tendo ainda uma existência rotineira. São situações que não fazem parte de sua natureza e acarretam um nível de estresse absurdo. Dessa forma, é lógico que iria responder a esse tratamento de forma violenta em algum momento. O resultado pode ser visto tanto na morte de Dawn Breacheau quanto nas de outras duas pessoas na década de 1990. Sendo assim, o documentário revela que nessas tragédias Tilikum foi apenas a munição de uma arma cujo gatilho foi puxado pelo próprio parque aquático.
Mas o descaso dos responsáveis pela atração não para por aí. Os treinadores, por exemplo, são muito desinformados com relação aos animais que estão cuidando. Ou seja, por melhor que tratem Tilikum e as outras orcas e estes aparentem uma doçura cativante, eles ainda ficam a mercê do comportamento por vezes violento delas, o que pode pegá-los totalmente de surpresa. Nesse sentido, o filme traz uma cena absolutamente angustiante no momento em que Kasatka, outra orca na mesma condição, se prende ao pé de um treinador e quase o afoga.
Tematicamente similar a The Cove, filme que levou o Oscar de Melhor Documentário em 2010, Blackfish: Fúria Animal é um retrato revoltante dos terríveis atos cometidos contra animais em cativeiro. E é lamentável saber que essas coisas continuam acontecendo mesmo após os absurdos expostos em filmes como esses.
Nota:

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Frozen: Uma Aventura Congelante

Logo em seus cinco minutos iniciais, Frozen traz um encantamento tão grande com seus personagens que seria muito decepcionante se o filme se perdesse gravemente no decorrer de sua narrativa. Nesse período de tempo, podemos de certa forma sentir que essa nova animação da Disney, comandada por Chris Buck (diretor de Tarzan e Tá Dando Onda) e Jennifer Lee, nos fará sair satisfeitos do cinema. Até por isso, é realmente gratificante que tal encantamento se mantenha ao longo de toda a projeção, resultando em um dos trabalhos mais divertidos e adoráveis que o estúdio do Mickey fez nos últimos anos, assim como foi com Detona Ralph.

Baseado no conto “The Snow Queen”, de Hans Christian Andersen, o roteiro escrito pela própria Jennifer Lee, e com argumento dela em parceria com Buck e Shane Morris, nos apresenta as princesas Elsa e Anna, do reino de Arendelle. Elsa tem o poder de congelar qualquer coisa, e uma noite acidentalmente acaba ferindo Anna, cuja memória envolvendo as habilidades da irmã é apagada. Para sua própria segurança e das pessoas ao seu redor, Elsa se mantém isolada até o momento em que precisa assumir o trono de Arrendelle, mesmo dia em que Anna conhece o príncipe Hans e fica noiva dele logo de cara. Após uma discussão entre as irmãs, os poderes de Elsa saem do controle e a obrigam a fugir, fazendo Anna partir em uma jornada para encontra-la. Para isso, ela tem a ajuda de Kristoff e sua rena Sven, além do boneco de neve Olaf.

Ao longo de Frozen, vemos uma série de personagens bastante expressivos pelos quais é difícil não nos importarmos, o que acaba sendo essencial para que a história prenda a atenção do público. Elsa, por exemplo, é uma figura trágica, cujo poder mesmo tendo algumas vantagens (como podemos ver logo no início quando ela brinca com a irmã) acaba sendo uma maldição pelo fato de ela não saber controla-lo. Enquanto isso, Anna se revela bastante serelepe e excêntrica (sua entrada quando Elsa é coroada estabelece o quanto elas são diferentes uma da outra), mostrando um carisma arrebatador. E se Kristoff e Sven formam uma bela e divertida amizade, lembrando um pouco a dupla Aladdin e Apu, Hans demonstra ser um homem bondoso, que se preocupa com as pessoas ao seu redor. Já Olaf (que aqui no Brasil ganhou uma dublagem surpreendentemente boa de Fabio Porchat) é um personagem simpático ao mesmo tempo em que é um alívio cômico mais do que eficiente, e seu número musical envolvendo o verão é um dos pontos altos do filme.

Jennifer Lee e Chris Buck tratam a história e os personagens com grande sensibilidade, além de conseguirem colocar algumas gags de modo que estas não atrapalhem a urgência que permeia a história em certos momentos. Os realizadores também conduzem os números musicais com criatividade, inserindo-os no filme sempre organicamente e aproveitando as personalidades dos personagens, enquanto as canções ainda ajudam a desenvolvê-los. Além disso, o design de produção capricha no reino de Arrendelle, que apesar de elegante e confortável é bastante sufocante para Elsa, que se sente uma estranha por lá. Não é à toa que o momento mais tocante do filme é quando ela constrói um grandioso castelo de gelo nas montanhas e troca seu vestido de princesa por um vestido azul, já que ali ela se sente livre para se entregar a sua verdadeira natureza. Pra completar, é interessante ver que quando o roteiro parece que irá seguir a velha história do “beijo salvador”, um dos clichês mais batidos da história das animações da Disney, ele ainda assim mostra ser capaz de surpreender o público inteligentemente.

Falhando apenas com relação a alguns diálogos muito expositivos (“É mais fácil derreter uma cabeça congelada do que curar um coração congelado”) e a uma reviravolta no início do terceiro ato, que muda a personalidade de um personagem de maneira muito brusca e sem lógica, Frozen ainda assim é um filme que contagia com toda sua magia.

Como é bom ver a Disney acertando em cheio.

Obs.: Há uma breve cena após os créditos finais.

Obs. 2: O curta Hora de Viajar, que passou antes do filme e traz uma aventura de Mickey e sua turma, é divertidíssimo.