terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Whiplash: Em Busca da Perfeição

O que o diretor Damien Chazelle faz em uma escola de música neste Whiplash lembra o que Stanley Kubrick fez ao focar os militares em seu Nascido Para Matar. Naquela obra-prima de 1987, víamos o Sargento Hartman judiar de seus soldados ao extremo, até que um deles cede à própria fraqueza, tanto física quanto psicológica. A mesma “linha educacional” é seguida pelo instrutor vivido por J.K. Simmons nesta nova produção. A diferença é que aqui ainda temos um protagonista que quer provar constantemente seu talento, de maneira que isso rende um embate interessantíssimo entre dois grandes personagens em um filme admirável.

Escrito pelo próprio Chazelle (que, acreditem, é responsável pelos roteiros do desastroso O Último Exorcismo: Parte 2 e do fraco Toque de Mestre), Whiplash segue Andrew Neyman (Miles Teller), jovem baterista que estuda na melhor escola de música do país e deseja ser um dos melhores de todos os tempos em sua especialidade. Uma grande chance surge quando ele é convidado por Terence Fletcher (Simmons) para fazer parte da banda de jazz da escola, que está ensaiando para competições musicais. No entanto, a oportunidade não se revela tão empolgante quanto poderia considerando que Fletcher é bastante abusivo com seus alunos quando estes não tocam perfeitamente, tentando arrancar o máximo do potencial de cada um na base do grito e da humilhação, o que faz Andrew treinar à exaustão para alcançar a perfeição.

A primeira cena de Whiplash (que, inclusive, abre com uma tela preta enquanto ouvimos um “rufar de tambores”, como se estivéssemos sendo preparados para um espetáculo) estabelece bem o que acompanharemos ao longo da projeção. Andrew dá o máximo de si na bateria apenas para ver Fletcher desistir dele rapidamente. É recorrente a imagem do rapaz se esforçando para provar a si mesmo e ao instrutor que não só é bom na arte que exerce como também pode fazer jus a ídolos como Buddy Rich. Nesse sentido, aliás, Damien Chazelle torna fácil a identificação do público com o personagem, até por que qualquer um busca dar o melhor de si em suas respectivas áreas, e seria um prazer se isso resultasse em ser lembrado ao lado de alguns ídolos.

É notável também que Chazelle escape de convenções de obras do tipo, optando por realizar um retrato quase brutal da paixão que seus personagens têm por aquilo que fazem. É o que acontece, principalmente, nas sequências envolvendo ensaios e apresentações, momentos nos quais o cineasta usa desde planos-detalhe que mostram sangue e suor nos instrumentos até a ágil montagem de Tom Cross, que chega a inserir cortes no mesmo ritmo das músicas, uma jogada que deixa a narrativa ainda mais cativante.

Mas é nas atuações de Miles Teller e J.K. Simmons que o filme realmente conquista o espectador. Interpretando Andrew, Teller prova mais uma vez ser um dos grandes talentos que surgiram nos últimos anos, fazendo dele um rapaz cuja personalidade vai ficando mais forte no decorrer da história, além de encarnar sua ocasional arrogância e determinação com uma segurança impressionante. E é incrível que o jovem ator não se deixe ofuscar por Simmons, intérprete que nos acostumamos a ver roubando cenas com papeis menores em outras produções, mas que aqui transforma Terence Fletcher no primo do Sargento Hartman que faria o Capitão Nascimento desistir de qualquer coisa. Se Whiplash é carregado de tensão na maior parte do tempo, isso se deve a intensidade monstruosa que o veterano ator tem em cena, de forma que quando Fletcher aparece sua importância já é estabelecida pela naturalidade com a qual ele age diante do silêncio que passa a envolver a tela. Mesmo assim, o jeito manipulador e os métodos de ensino do personagem acabam se tornando compreensíveis, ainda que não menos cruéis (“Não há duas palavras mais prejudiciais do que ‘bom trabalho’”, ele afirma em uma das melhores falas do filme), ao passo que seu amor pela boa música fica comprovado quando ele reconhece e apoia o talento de alguém quando menos esperamos.

Whiplash faz o público sair entusiasmado do cinema, caprichando em seus aspectos da mesma forma que uma música acerta em seus acordes. Um filme surpreendente, que se estabelece com propriedade como um belo destaque do cinema independente americano.

Nota:


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