O que o diretor Damien Chazelle
faz em uma escola de música neste Whiplash
lembra o que Stanley Kubrick fez ao focar os militares em seu Nascido Para Matar. Naquela obra-prima
de 1987, víamos o Sargento Hartman judiar de seus soldados ao extremo, até que um
deles cede à própria fraqueza, tanto física quanto psicológica. A mesma “linha
educacional” é seguida pelo instrutor vivido por J.K. Simmons nesta nova
produção. A diferença é que aqui ainda temos um protagonista que quer provar
constantemente seu talento, de maneira que isso rende um embate interessantíssimo
entre dois grandes personagens em um filme admirável.
Escrito pelo próprio Chazelle
(que, acreditem, é responsável pelos roteiros do desastroso O Último Exorcismo: Parte 2 e do
fraco Toque de Mestre), Whiplash segue Andrew Neyman (Miles
Teller), jovem baterista que estuda na melhor escola de música do país e deseja
ser um dos melhores de todos os tempos em sua especialidade. Uma grande chance
surge quando ele é convidado por Terence Fletcher (Simmons) para fazer parte da
banda de jazz da escola, que está ensaiando para competições musicais. No
entanto, a oportunidade não se revela tão empolgante quanto poderia
considerando que Fletcher é bastante abusivo com seus alunos quando estes não
tocam perfeitamente, tentando arrancar o máximo do potencial de cada um na base
do grito e da humilhação, o que faz Andrew treinar à exaustão para alcançar a
perfeição.
A primeira cena de Whiplash (que, inclusive, abre com uma
tela preta enquanto ouvimos um “rufar de tambores”, como se estivéssemos sendo
preparados para um espetáculo) estabelece bem o que acompanharemos ao longo da
projeção. Andrew dá o máximo de si na bateria apenas para ver Fletcher desistir
dele rapidamente. É recorrente a imagem do rapaz se esforçando para provar a si
mesmo e ao instrutor que não só é bom na arte que exerce como também pode fazer
jus a ídolos como Buddy Rich. Nesse sentido, aliás, Damien Chazelle torna fácil
a identificação do público com o personagem, até por que qualquer um busca dar
o melhor de si em suas respectivas áreas, e seria um prazer se isso resultasse
em ser lembrado ao lado de alguns ídolos.
É notável também que Chazelle
escape de convenções de obras do tipo, optando por realizar um retrato quase brutal
da paixão que seus personagens têm por aquilo que fazem. É o que acontece, principalmente,
nas sequências envolvendo ensaios e apresentações, momentos nos quais o
cineasta usa desde planos-detalhe que
mostram sangue e suor nos instrumentos até a ágil montagem de Tom Cross, que chega
a inserir cortes no mesmo ritmo das músicas, uma jogada que deixa a narrativa ainda
mais cativante.
Mas é nas atuações de Miles
Teller e J.K. Simmons que o filme realmente conquista o espectador. Interpretando
Andrew, Teller prova mais uma vez ser um dos grandes talentos que surgiram nos
últimos anos, fazendo dele um rapaz cuja personalidade vai ficando mais forte
no decorrer da história, além de encarnar sua ocasional arrogância e determinação
com uma segurança impressionante. E é incrível que o jovem ator não se deixe
ofuscar por Simmons, intérprete que nos acostumamos a ver roubando cenas com
papeis menores em outras produções, mas que aqui transforma Terence Fletcher no
primo do Sargento Hartman que faria o Capitão Nascimento desistir de qualquer
coisa. Se Whiplash é carregado de tensão
na maior parte do tempo, isso se deve a intensidade monstruosa que o veterano
ator tem em cena, de forma que quando Fletcher aparece sua importância já é
estabelecida pela naturalidade com a qual ele age diante do silêncio que passa
a envolver a tela. Mesmo assim, o jeito manipulador e os métodos de ensino do personagem
acabam se tornando compreensíveis, ainda que não menos cruéis (“Não há duas
palavras mais prejudiciais do que ‘bom trabalho’”, ele afirma em uma das
melhores falas do filme), ao passo que seu amor pela boa música fica comprovado
quando ele reconhece e apoia o talento de alguém quando menos esperamos.
Whiplash faz o público sair entusiasmado do cinema, caprichando em
seus aspectos da mesma forma que uma música acerta em seus acordes. Um filme surpreendente,
que se estabelece com propriedade como um belo destaque do cinema independente
americano.
Nota:
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