sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Séries: Luke Cage

Introduzido no universo Marvel na ótima primeira temporada de Jessica Jones, Luke Cage rapidamente se estabeleceu como um personagem interessante, tendo sido bom ver que sua participação na série da anti-heroína interpretada por Krysten Ritter teve um destaque maior do que ser apenas uma mera apresentação ao público. Ganhando agora sua própria série, este novo herói tem a chance de ter seu potencial mais explorado, além de ser por si só um ponto para a representatividade, já que não é sempre que minorias aparecem protagonizando grandes produções como esta, que é a primeira empreitada do universo Marvel centrada em um personagem negro. O que se vê aqui é uma série eficiente, ainda que inferior a Demolidor e Jessica Jones no que diz respeito aos trabalhos da parceria Marvel/Netflix.

Desenvolvida por Cheo Hodari Coker (cujos créditos incluem Ray Donovan e a cinebiografia Notorious B.I.G.), essa primeira temporada de Luke Cage traz o indestrutível personagem-título (novamente interpretado por Mike Coulter) vivendo no Harlem, bairro famoso por ser um grande centro da comunidade negra em Nova York. Por ali, Luke tenta não chamar a atenção de ninguém, mantendo suas habilidades em segredo e se dividindo entre seus empregos na barbearia comandada pelo bondoso Pop (Frankie Faison em uma participação pequena, mas marcante) e na boate de Cornell “Boca de Algodão” Stokes (Mahershala Ali). Este último é um dos maiores mafiosos da região e primo da vereadora Mariah Dillard (Alfre Woodard), com quem tem uma parceria corrupta que ajuda a mantê-los em suas respectivas posições de poder, e ambos ganham ainda a ajuda de Shades (Theo Rossi). Mas é claro que não demora até que eles batam de frente com Luke, desencadeando uma série de conflitos pelo Harlem que acabam sendo investigados pela detetive Misty Knight (Simone Missick) e seu parceiro Rafael Scarfe (Frank Whaley).

Claramente inspirada por produções de blaxploitation, movimento de filmes feitos e protagonizados por negros e que tomou as telas na década de 1970, Luke Cage logo mostra seguir um tom diferente de qualquer coisa que a Marvel já produziu. Com uma ótima trilha repleta de toques de soul, jazz e hip-hop composta por Ali Shaheed Muhammad e Adrian Younge, a ambientação no Harlem e as discussões pontuais envolvendo a cultura negra e seus principais expoentes, a série ganha uma personalidade muito particular graças à natureza de seu material, algo que ela abraça sem pestanejar. Além disso, os episódios não deixam de abordar questões sociais importantes, inserindo comentários sobre escravidão, racismo e sexismo, ainda que por vezes isso ocorra de um jeito óbvio e superficial.

Sabendo que os poderes de Luke Cage quase anulam as possibilidades de ele ficar em risco nas cenas de ação (ênfase no “quase”), a série acerta ao se concentrar bastante nos dramas pessoais do herói e nas rixas que ele cria com os vilões, e nesses aspectos estão alguns dos melhores pontos dessa temporada. Inicialmente, Luke vê seus poderes como uma maldição que o impede de ser uma pessoa normal, mas é bacana ver que, depois que ele os abraça como uma possibilidade de fazer o bem, o personagem utiliza-os não só como uma forma de derrubar bandidos e tornar seu mundo um pouco mais limpo, mas também de impedir que pessoas que ele quer proteger sujem as mãos (o quinto episódio mostra isso muito bem). Para completar, melhor do que ver os embates diretos entre o protagonista e seus inimigos é acompanhar as estratégias de ambos os lados para derrubar um ao outro, com a imagem que a população tem deles sendo um dos aspectos mais utilizados para isso.

Voltando confortavelmente ao papel de Luke Cage, o carismático Mike Coulter tem uma presença em cena que mistura imponência, charme e virilidade, características que acabam combinando perfeitamente com o personagem. E é bom ver como o ator ainda mostra saber entreter com o controle que Luke tem quanto os próprios poderes, divertindo com a calma que exibe enquanto alguns capangas desesperados o enfrentam (como não rir em momentos como aquele em que ele coloca alguém para dormir com um peteleco?). Já no elenco de apoio, Rosario Dawson volta a interpretar a enfermeira Claire Temple dando continuidade ao arco da personagem iniciado na primeira temporada de Demolidor, fazendo dela uma figura cada vez mais interessante, ao passo que Simone Missick se destaca ao estabelecer Misty Knight como uma policial que conquista o espectador com sua força e integridade. E se Theo Rossi compensa a unidimensionalidade de Shades ao torna-lo um braço-direto cuja racionalidade é vital para os chefes impulsivos, Mahershala Ali cria em Cornell Stokes um mafioso que segue a linha Wilson Fisk (ou seja, se meter com ele é assinar a própria sentença de morte), enquanto que Alfre Woodard faz de Mariah Dillard uma figura por vezes mais inteligente e ameaçadora que o primo, e ambos os atores formam uma bela dinâmica vilanesca entre seus personagens. É exatamente por a dupla ser tão bacana que é uma pena vê-la perder espaço na segunda metade da temporada para Kid Cascavel, cuja aparição é preparada desde o começo, mas que se revela um vilão um tanto aborrecido quando finalmente surge em cena, por mais que o roteiro e seu intérprete, Erik LaRay Harvey, se esforcem para fazer dele um sujeito intrigante.

Este, porém, não é o único problema que impede essa temporada de Luke Cage de ser um pouco mais consistente. Tendo que cumprir a demanda de treze episódios, a série infelizmente enrola demais a trama, como ao esticar por dois capítulos o momento em que o protagonista invade um esconderijo de Cornell Stokes, se estruturando de um jeito que passa a impressão de que não há material suficiente para a temporada toda. Isso, inclusive, leva os roteiristas a fazer algo parecido com o que ocorreu no recente segundo ano de Demolidor, organizando dois arcos narrativos que se dividem fragilmente a partir da metade da temporada, e por precisar lidar com isso e mais algumas subtramas a série acaba ganhando um ritmo irregular, mesclando grandes momentos com outros não tão interessantes, não conseguindo ser constantemente envolvente.

Mas por mais que haja uma sensação de que a temporada talvez pudesse ser melhor, felizmente os elementos ricos que ela apresenta sustentam bem os episódios. Assim, Luke Cage consegue ficar marcada como um exemplar satisfatório da franquia que a Marvel vem concebendo. E considerando que antes de uma provável segunda temporada o protagonista retornará em Os Defensores, minissérie que reunirá os heróis das produções da Marvel/Netflix, é inevitável ficar interessado em ver como a história dele e dos outros personagens irão se encontrar.

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