Passando de crítico da Cahiers du Cinéma a cineasta, um dos grandes nomes da Nouvelle Vague, François Truffaut emocionou a maioria das pessoas logo em sua estreia por trás das câmeras, com a obra-prima Os Incompreendidos. Algo que um realizador, de um jeito ou de outro, sempre cria
depois de ter esse tipo de recepção é certa expectativa com relação ao
seu filme seguinte. O de Truffaut veio a ser Atirem no Pianista,
adaptação do livro do americano David Goodis. Aqui o diretor tem em
mãos uma trama completamente diferente da apresentada em sua primeira
realização, conduzida de maneira a render um thriller muito eficiente,
com suas marcas do início ao fim.
Escrito pelo próprio Truffaut em parceria com Marcel Moussy (colaborador habitual do diretor), o roteiro segue Charlie Kohler (Charles Aznavour), que na verdade é Edouard Saroyan, pianista outrora famoso, mas que agora trabalha tocando em um bar, enquanto tenta cuidar de seu irmão mais novo, Fido (Richard Kanayan). Tudo isso para fugir de sua família e de seu passado, que incluí o suicídio da esposa, Theresa (Nicole Berger). Então, seu outro irmão, Chico (Albert Rémy), se encrenca com os gângsteres locais Momo e Ernest (Claude Mansard e Daniel Boulanger), obrigando-o a abraçar novamente as coisas que pensava ter deixado para trás, tendo para isso a ajuda da garçonete Léna (Marie Dubois).
É uma história que poderíamos ver em um filme noir hollywoodiano, e se considerarmos que na época Truffaut havia feito apenas Os Incompreendidos, muitos poderiam pensar nele como inadequado para esse tipo de material. No entanto, estamos falando de um cineasta que era grande conhecedor do cinema e que tinha Alfred Hitchcock como ídolo. Portanto, é difícil acompanhar Atirem no Pianista sem vê-lo como uma homenagem de Truffaut a um gênero pelo qual tinha apreço particular.
E é uma homenagem muito interessante, já que, por mais que Truffaut siga a cartilha dos thrillers, ele imprime sua própria identidade no filme. Assim, ele não deixa de criar uma surpreendente verossimilhança em volta daquele universo, seja com relação à maneira como filma ou às locações utilizadas, fazendo isso sem sacrificar o ritmo envolvente da história e a tensão que passa por ela pontualmente, seja em uma briga entre Charlie e seu chefe, Plyne (Serge Davri), ou no intenso terceiro ato, em momentos que põe à prova o quanto nos importamos com o protagonista.
Falando nele, há de se ressaltar que Charles Aznavour segura a narrativa com propriedade. Tendo no físico franzino um de seus grandes trunfos para a trama, o ator traz um senso de vulnerabilidade surpreendente para Charlie/Edouard, algo que combina com o jeito tímido, sensível e até solitário do personagem. Enquanto isso, a bela Marie Dubois faz de Léna uma figura carismática na tela, fugindo um pouco da posição de femme fatale, ao passo que Albert Rémy, Claude Mansard e Daniel Boulanger deixam fortes impressões como Chico, Momo e Ernest, respectivamente.
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