Creed não deixa de ficar um pouco na mesma posição de seu
protagonista. Enquanto este se vê tentando fugir da sombra de seu falecido pai,
o longa em si faz o mesmo com relação aos filmes da série Rocky, não querendo ser um spin-off
caça-níquel e que usa um dos personagens mais icônicos e adorados do cinema apenas
como um mero atrativo. Na verdade, a ideia do jovem diretor Ryan Coogler (do excepcional
Fruitvale Station) é até corajosa
considerando que, de um jeito ou de outro, ele precisa lidar com o belo legado concebido
por Sylvester Stallone e que parecia tão bem concluído no ótimo Rocky Balboa. Mas Coogler exibe segurança
na forma como trata todo esse material, resgatando muito das melhores qualidades
da série ao contar a história do novo protagonista.
Escrito pelo próprio Coogler em
parceria com Aaron Covington, Creed nos
apresenta a Adonis Johnson (Michael B. Jordan), filho ilegítimo de Apollo Creed
(Carl Weathers) que nasceu depois da morte do boxeador em Rocky IV (o pior da série). Tendo como objetivo seguir os passos do
pai, ele vai até a Filadélfia, onde o velho rival e amigo de Apollo, Rocky
Balboa, mantém uma vida solitária como aposentado e comandando seu restaurante.
Após convencer um relutante Rocky a treiná-lo, Adonis começa a dar seus
primeiros passos na construção de seu próprio legado.
Creed não demora a fazer referências à série, colocando Adonis
assistindo aos vídeos de uma das lutas entre Apollo e Rocky e até mencionando o
secreto terceiro embate entre eles (aquele que finaliza Rocky III), detalhes que podem ser vistos como pequenos, mas que
não soam gratuitos e ajudam a inserir organicamente a narrativa no universo da
franquia. Aliás, é interessante perceber como, ao ter que levar em consideração
tudo o que aconteceu ao longo dos filmes anteriores, Ryan Coogler consegue
enriquecê-los a partir do que os acontecimentos deles significam para este exemplar,
como a morte de Apollo e o pupilo mal sucedido de Rocky V, que certamente deixaram cicatrizes nos personagens. Sustentando
o longa a partir disso, o diretor traz uma grande carga emocional não só para a
história de Adonis, mas também para a do próprio Rocky Balboa, com ambos
encontrando um no outro o apoio que precisavam para superar frustrações e bater
de frente com a realidade que enfrentam.
Esses aspectos dramáticos da
narrativa são tratados com imensa sensibilidade por Coogler, que demonstra ter carinho
pelos personagens que tem em mãos e desenvolve com cuidado o caminho que eles
percorrem. Assim, o filme se mantém fiel ao espírito da série e de vários
outros longas do tipo, onde os dramas pessoais são muito mais importantes do
que qualquer coisa que aconteça no ringue. Além disso, o diretor impõe uma energia
admirável e se mostra disposto a se arriscar, como pode ser notado até em sua
preferência por planos-longos, chegando ao ponto de filmar uma luta inteira
dessa forma, o que traz intensidade a narrativa e prova que ele tem uma noção
espacial invejável.
Mas o coração de Creed está mesmo nas atuações de
Michael B. Jordan e Sylvester Stallone. Enquanto o primeiro traz seu carisma
habitual a Adonis, um rapaz que, para diminuir o peso e a sombra do sobrenome
que carrega, constantemente sente que precisa provar seu talento para as
pessoas ao seu redor e até para si mesmo, o segundo faz mais do que voltar
confortavelmente a seu principal personagem, trazendo para a narrativa a
humanidade e a honestidade que tornaram Rocky uma figura tão fascinante, com a
diferença que dessa vez Stallone merece elogios também pela forma como encarna
a decadência física de Rocky, que nunca pareceu tão frágil quanto agora. E a
dinâmica entre os dois atores é fantástica, refletindo muito a relação de afeto
que Rocky tinha com seu antigo treinador, Mickey (interpretado por Burgess
Meredith), sendo que ele e Adonis ainda mostram ser capazes de protagonizar momentos
hilários (a cena envolvendo uma “nuvem”) e outros de apertar o coração (como aquela
no vestiário).
Em um ano em que franquias há
muito tempo estabelecidas resolveram voltar (Mad Max e Star Wars
foram os grandes destaques nesse sentido), Creed
se revela uma surpresa mais do que agradável. É um filme que dá uma bela e
natural continuidade a história de um ídolo enquanto apresenta outro personagem
com potencial para brilhar. Se isso foi uma passagem de bastão, foi muito bem
realizada.
Nota:
Um comentário:
Gostei desse filme, muito bem sucedido! Uma acertada escolha que traz peso dramático ao personagem de Sylvester Stallone (muito talentoso, muito em breve vai estrear o filme Fahrenheit 451 ), que não desperdiça a oportunidade e faz aqui uma interpretação memorável. Assim como Michael B. Jordan consegue passar a veracidade exigida para o seu Adonis, sempre muito conectado e lembrando em alguns andamentos os trejeitos de Carl Weathers. A fita também abre espaço para Tessa Thompson, onde faz uma figura que por sua vez enfrenta uma triste realidade que a cada dia parece mais próxima. Creed é um filme que consegue homenagear respeitosamente a obra de 76, apresentando personagens profundos e dando uma despedida digna a um dos maiores personagens do cinema.
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