quarta-feira, 16 de março de 2022

Os Caras Malvados

Ao longo de Os Caras Malvados é um pouco difícil não lembrar do excelente Zootopia. A animação da Disney apresentava um universo habitado por animais antropomórficos, uma trama policial bem amarrada que fazia comentários sociais bastante pertinentes, algo que este novo trabalho da Dreamworks em menor escala também almeja fazer (com a diferença que aqui os animais ainda dividem o mundo com os humanos). Porém, onde Zootopia exibia maturidade, ambição e criatividade, Os Caras Malvados traz superficialidade e obviedade, o que não contribui para que o filme seja algo além de esquecível.

Baseado na série de livros infantis escrita por Aaron Blabey, Os Caras Malvados apresenta o vilanesco grupo formado por Lobo (voz de Sam Rockwell na versão original), Cobra (Marc Maron), Tarântula (Awkwafina), Tubarão (Craig Robinson) e Piranha (Anthony Ramos), que ganham a vida realizando grandes assaltos que os tornaram as figuras mais temidas da cidade. O que eles não esperavam é que finalmente cometeriam erros e seriam presos pela polícia. Buscando evitar a prisão a qualquer custo, Lobo propõe a Governadora Diane Raposina (Zazie Beetz) que os dê uma chance de fazerem o bem e mudarem a percepção de todos sobre eles, proposta esta que é feita sem intensão de ser levada a sério e coloca o grupo em um experimento liderado pelo renomado Professor Marmelada (Richard Ayoade).

Os Caras Malvados traz em determinados momentos as ideias de “não julgar o livro pela capa”, trabalhando também o preconceito ao mostrar como é difícil mudar o que as pessoas pensam de nós, principalmente depois que estabelecemos uma impressão negativa. Mas são comentários que nunca ganham muito aprofundamento, sendo que o roteiro não deixa de argumentar de maneira rasa a motivação por trás dos bons atos dos personagens. Nisso, o filme acaba dando entender muitas vezes que fazer o bem é legal não tanto por ser o certo a se fazer, mas sim porque faz a própria pessoa se sentir bem consigo mesma.

São coisas inseridas pontualmente em uma história que tem toques de gêneros de heist movies (filmes de assalto, basicamente) e policial, e nessa mistura o diretor estreante em longas-metragens Pierre Perifel, com auxílio da montagem de John Venzon, cria uma narrativa ágil e dinâmica, de forma que Os Caras Malvados não chega a ser aborrecido de assistir. Aliás, a sequência inicial que apresenta os protagonistas em meio a um assalto seguido de uma perseguição de carros se revela a melhor parte do filme, divertindo ao exibir até certa irreverência enquanto Lobo se comunica diretamente com o público, quebrando a quarta parede. É uma pena, porém, que o resto do longa careça dessa inspiração vista inicialmente, nos colocando diante de uma trama que não sai muito do lugar-comum e cujas maiores reviravoltas podem ser previstas há quilômetros de distância.

Assim, Os Caras Malvados acaba sendo uma animação pouco imaginativa e que não tem tanta graça quanto poderia, encontrando dificuldades para nos envolver emocionalmente em sua narrativa e chegando aos créditos finais sem conseguir deixar grandes marcas no espectador.

Nota:



domingo, 6 de março de 2022

Reacher - 1ª temporada

Protagonista da série de livros escrita por Lee Child, Jack Reacher é um personagem que, inicialmente, qualquer um poderia imaginar apenas como um mero brutamontes de quase dois metros de altura. Mas à medida que o vemos se envolver em grandes investigações policiais, ele mostra ter também uma inteligência absurda até para os padrões de Sherlock Holmes e Hercule Poirot, aspectos que acabam tornando suas aventuras interessantes e divertidas. Mesmo sem ter o físico pelo qual o personagem é conhecido originalmente, Tom Cruise foi bem sucedido em sua interpretação de Reacher em dois filmes, servindo até para apresenta-lo a um público maior. Agora, porém, o personagem ganha ares completamente novos ao migrar para o streaming da Amazon Prime Video, onde recebe o rosto e os músculos de Alan Ritchson, este sim um ator bem mais próximo da descrição feita por Lee Child nos livros. E até que a nova adaptação não decepciona.

Nessa primeira temporada, Reacher traz o personagem-título passando casualmente pela pequena cidade de Margrave, onde uma série de assassinatos começam a acontecer. Com os casos provando ser muito mais complexos que o imaginado, Jack Reacher eventualmente se vê obrigado a se juntar ao capitão e detetive-chefe da polícia Oscar Finlay (Malcolm Goodwin) e a policial Roscoe Conklin (Willa Fitzgerald), ajudando-os nas investigações para tentar descobrir o que está por trás do terror na cidade.

Reacher não é uma série com grandes surpresas e reviravoltas, mesmo se tratando de uma trama policial. Mas ela ainda é capaz de entreter tanto pelo lado investigativo do protagonista quanto pelas pancadarias em que ele frequentemente se mete. As habilidades de Jack Reacher como detetive às vezes mostram ser exageradas demais para que levemos a sério, algo que podemos ver, por exemplo, quando ele usa o ângulo em que a Lua se encontra para definir se um local estava iluminado no momento de um crime. Mas é o tipo de absurdo que causa risos e por isso acaba sendo divertido de acompanhar. O mesmo ocorre nas cenas de ação, que não trazem nenhum tipo de tensão, já que Reacher além de parecer indestrutível ainda tem plena consciência de que estará de pé ao final dos embates, de forma que se esses momentos ainda são interessantes é exatamente pela curiosidade que geram quanto a maneira como o protagonista derrotará seus oponentes.

Apesar de não ter nem um terço do talento e da expressividade de Tom Cruise, Alan Ritchson ainda faz um bom trabalho encarnando Jack Reacher, tendo uma presença naturalmente imponente e intimidadora, sendo que o personagem ainda ganha a simpatia do público com seu jeito mais protetivo. Além disso, Malcolm Goodwin e Willa Fitzgerald também criam em Oscar Finlay e Roscoe Conklin, respectivamente, personagens fortes e de muita personalidade, com a dinâmica entre eles e Ritchson contribuindo para que o público torça e se importe com os personagens.

Em um sinal de que em termos de público a série já é um sucesso, Reacher foi renovada para uma segunda temporada pouquíssimo tempo depois de estrear. É algo que até me deixou contente, considerando que lá pelo segundo episódio eu já estava me sentindo tão entretido pela série que passei a torcer por tal renovação. E enquanto Jack Reacher não volta a dar as caras em carne e osso, felizmente há 26 livros e 15 contos (até o momento) protagonizados pelo personagem que podem suprir qualquer falta que a série possa fazer.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Batman (2022)

“O Maior Detetive do Mundo”.

Essa é uma das várias formas como o Batman é conhecido em suas origens nos quadrinhos, sendo que as habilidades investigativas do personagem podem ser vistas em maior ou menor grau em suas adaptações cinematográficas. Mas esse aspecto do super-herói nunca foi tão explorado como é neste Batman dirigido por Matt Reeves (dos dois filmes mais recentes de Planeta dos Macacos). Dessa vez, o Homem-Morcego surge em uma história que exibe claros ecos de clássicos policiais como Operação França e Seven.

Escrito por pelo próprio Matt Reeves e por Peter Craig, Batman nos apresenta a Bruce Wayne (Robert Pattinson) dois anos depois de ele ter começado sua carreira no combate ao crime. Ganhando cada vez mais notoriedade em Gotham City, o herói se junta ao tenente James Gordon (Jeffrey Wright) para encarar a ameaça do Charada (Paul Dano), um serial killer que parece saber todos os podres dos poderosos da cidade, punindo-os brutalmente e desafiando Batman com os enigmas que deixa nas cenas de seus crimes.


O filme ter um tom e um visual sombrio não é uma grande novidade considerando que esse é o tipo de abordagem que impera quando falamos de Batman no cinema (com exceção, claro, das pérolas dirigidas por Joel Schumacher). Talvez a diferença que podemos dizer que o longa tem em relação aos trabalhos de Tim Burton, Christopher Nolan e Zack Snyder é que Matt Reeves, com auxílio da fotografia de Greg Fraser e do design de produção de James Chinlund, coloca um pouco mais de crueza em sua ambientação de Gotham City, que surge com um visual cinzento e sujo que reflete a corrupção que tanto a ocupa. É algo que até ajuda os atos de violência que surgem na tela a terem um pouco mais de impacto.

Mas como falei inicialmente, Batman é primordialmente uma história de detetive, sendo interessante ver como sua narrativa chega a beber direto da fonte dos filmes noir, tendo elementos comuns do gênero como a narração em off, a femme fatale (aqui representada pela Selina Kyle/Mulher-Gato interpretada por Zoë Kravitz) e o já citado tom mais sombrio em uma história que envolve violência e corrupção, detalhes que ajudam a narrativa a ser tão instigante. Além disso, as investigações do herói para tentar parar o Charada mantêm o espectador curioso quanto ao que está acontecendo, com Matt Reeves trazendo o protagonista utilizando suas tecnologias avançadas, sua inteligência e seu raciocínio lógico para analisar as pistas que encontra e conectar os pontos necessários. E o roteiro é hábil ao levar a história de um ponto a outro com naturalidade, o que contribui para que as quase três horas de projeção não soem tão cansativas. Já as cenas de ação que pontuam a trama também são bem conduzidas por Reeves, que capricha para que as pancadarias e perseguições sejam empolgantes e envolventes, além de chamarem a atenção por um ponto de vista puramente estético, como podemos ver na luta em que tiros de metralhadoras iluminam os movimentos rápidos do herói.

Ao mesmo tempo, Batman também não deixa de ser um belo estudo de personagem. Ao situar a trama nos anos iniciais de Bruce Wayne como Batman, o filme aproveita a oportunidade para apresentar o protagonista como alguém que ainda está aprendendo a melhor forma de agir e de encarar sua cruzada contra o crime, vendo gradualmente como vingança pode não ser o melhor foco para se ter diante de uma luta tão grande. E o ótimo Robert Pattinson encarna bem a inexperiência do personagem, criando ainda um Bruce Wayne mais afastado da sociedade e mergulhado em seus traumas. Já Zoë Kravitz, além de conceber uma clássica femme fatale com objetivos próprios em Selina Kyle, tem uma dinâmica bastante contrastante com o Batman de Pattinson, sendo ela uma figura muito mais impulsiva, e por conta disso os personagens agregam bastante à visão de mundo um do outro.

Jeffrey Wright, por sua vez, esbanja segurança encarnando a integridade de James Gordon, ao passo que Andy Serkis se destaca ao fazer do mordomo Alfred alguém que não serve só como uma figura paterna para Bruce Wayne, sendo também a única conexão forte que o protagonista tem com o resto do mundo e com o passado de sua família. E se John Turturro e, principalmente, Colin Farrel (por baixo de um montante de maquiagem) aproveitam bem seu pouco tempo de tela como Carmine Falcone e o Pinguim, Paul Dano surge intimidador desde sua primeira cena como o Charada. Lembrando muito o Assassino do Zodíaco com toques do Jigsaw da série Jogos Mortais, o vilão de Dano é totalmente desequilibrado, uma hora assustando com seus gritos durante um ataque e em outra deixando o espectador tenso com sua frieza e sua respiração abafada.

Acredito que ainda é cedo para afirmar se este novo Batman será lembrado como um clássico do gênero de super-heróis como ocorre com O Cavaleiro das Trevas. Mas por ora, acho que é seguro dizer que temos aqui mais uma adaptação muito digna do Homem-Morcego. E se muitos filmes do gênero pouco têm se arriscado a fazer coisas diferentes, uma produção como essa acaba sendo um sopro de ar fresco.

Nota: