quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Não! Não Olhe!

Uma das coisas que me chamou a atenção recentemente quando assisti ao ótimo documentário Pacto Brutal, sobre o assassinato da atriz Daniella Perez, foi ver o tratamento dado ao local do crime. Nas imagens ali apresentadas, víamos o lugar ser invadido não só por toda a movimentação da polícia e pelo desespero de familiares da vítima, mas também pela cobertura sensacionalista da imprensa e por um alto número de transeuntes que nada tinham a ver com a história, tendo saído de suas casas e se locomovendo até o local apenas para... Bem, acho que apenas para ver o ocorrido como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Basicamente, as imagens do documentário mostram muito como ser humano pode ser sanguessuga, sentindo uma necessidade/curiosidade de ver coisas horríveis (e até aumentar sua escala) apenas para ser estimulado de alguma forma. Foi nesse sentido que acabei lembrando de Pacto Brutal enquanto assistia a este Não! Não Olhe!, novo longa de Jordan Peele após ele comandar os excepcionais Corra e Nós. Em meio a uma trama que mistura terror e ficção científica, o cineasta faz comentários pertinentes sobre o impulso que as pessoas têm de espetacularizar eventos horríveis, pouco se importando com a natureza deles.

Em Não! Não Olhe!, Jordan Peele nos apresenta aos irmãos OJ e Emerald Haywood (Daniel Kaluuya e Keke Palmer, respectivamente), que perdem o pai (Keith David) durante um inexplicável acontecimento em que objetos caíram do céu. Por conta disso, eles assumem aos trancos e barrancos o negócio da família, treinando cavalos para produções audiovisuais, sendo que eles também dizem ser descendentes do homem que montava o cavalo na famosa sequência de fotos de Eadweard Muybridge (uma das primeiras tentativas de fazer imagens em movimento). Mas quando OJ passa a suspeitar de uma presença extraterrestre na região, ele e Emerald passam a tentar capturar evidências disso em vídeo, tendo a ajuda de Angel Torres (Brandon Perea), o vendedor de uma loja de eletrônicos. Ao mesmo tempo vemos a relação dos irmãos com Jupe (Steven Yeun), um ex-ator mirim que comanda um parque de diversões nas redondezas e parece ter ele próprio certo interesse no que está acontecendo.

Assim como fez em Corra e em Nós, Jordan Peele desenvolve os temas de seu filme com sutileza, evitando martelar demais suas mensagens através de diálogos, permitindo que as imagens falem por si. Assim, o diretor procura deixar que as ações de seus personagens apontem como as pessoas podem subestimar a natureza das coisas e dar tão pouco valor a vida humana, não vendo problema em explorar eventos assustadores e capitalizar em cima disso, além de sempre haver uma garantia de que haverá público para tal sensacionalismo. Além disso, é bacana notar como o diretor faz isso ao mesmo tempo em que dá a família de OJ e Emerald o protagonismo que lhe foi negado no início. Afinal, apesar de ter aparecido em frente à câmera, pouco ou nada se sabe sobre o homem que montou o cavalo na obra de Eadweard Muybridge, tornando o protagonismo (mesmo que ficcional) de seus descendentes uma reparação interessante.


Mas Não! Não Olhe! também mostra riqueza como exercício de gênero, já que além de mesclar muito bem os elementos de terror com os de ficção científica, Jordan Peele novamente exibe uma habilidade admirável para manter o espectador na ponta da cadeira, concebendo sequências intrigantes que vão desde àquela envolvendo um jovem Jupe e que se passa num set de filmagem até a outra em que OJ investiga uma movimentação em seu celeiro. E se pontualmente o diretor insere um ou outro momento mais cômico, estes surgem naturalmente e sem tirar o peso da narrativa. Para completar, o roteiro é rico ao estabelecer sutilmente certas peças que ganharão sentido apenas mais tarde (como um poço no parque de Jupe ou um equívoco que Emerald comete em seu monólogo inicial), algo que Jordan Peele também já havia feito brilhantemente em Corra.

Instigante e tenso como as obras anteriores de seu diretor, Não! Não Olhe! é capaz de entreter sem deixar de colocar um dedo na ferida do público. E Jordan Peele mais uma vez mostra ser uma das vozes criativas mais interessantes no cinema atualmente.


Nota:


quinta-feira, 16 de junho de 2022

Lightyear

É difícil não ver Lightyear como uma produção caça-níquel feita pela Pixar. Com uma aparente falta de planos para Toy Story, franquia carro-chefe do estúdio, realizar um longa focado na figura que inspirou o brinquedo coprotagonista daqueles filmes parece ser só mais uma nova maneira encontrada de explorar aquela boa e velha propriedade. E nem podemos dizer que isso não foi feito de alguma forma antes, já que há 20 anos tivemos a série animada Buzz Lightyear do Comando Estelar. Mas motivações do projeto à parte, o diretor Angus MacLane aproveita bem o material que tem em mãos para realizar uma divertida aventura de ficção científica, ainda que longe do que o estúdio já fez de melhor.

Em Lightyear, encontramos o personagem-título (dublado na versão original por Chris Evans) em meio a uma missão com sua equipe em um planeta hostil, onde ele e toda sua tripulação acabam ficando presos após um acidente. Se sentindo culpado pela situação, Buzz não desiste por nada da ideia de levar todos de volta para a Terra, se juntando no processo a um grupo de recrutas iniciantes liderados por Izzy (Keke Palmer) e enfrentando ameaças robóticas inesperadas.

Além de contar com o perfeccionismo técnico comum dos filmes da Pixar (dessa vez fiquei particularmente surpreso com a verossimilhança dos rostos suados dos personagens), Lightyear claramente se inspira em grandes clássicos de ficção científica (como 2001: Uma Odisseia no Espaço e Star Wars) até clássicos mais recentes (como Gravidade) para montar uma narrativa que entretenha. E nisso o filme não desaponta, apresentando sequências de ação divertidas e chegando a exibir até certa ambição ao brincar com o espaço-tempo. É algo que inclusive serve para realçar o próprio arco dramático de Buzz, que aqui surge como uma figura determinada e leal (como já havíamos visto em Toy Story), e que por isso mesmo tem um foco tão grande em cumprir uma missão que acaba deixando de viver e notar o que ocorre ao seu redor. Mas por melhor que o roteiro se saia ao desenvolver os dramas de Buzz e outros personagens humanos, é preciso dizer que o gato robótico SOX (dublado por Peter Sonh) rouba o filme sempre que aparece, nos conquistando com seu carisma e suas tiradas.

Lightyear perde pontos mesmo é em seu terceiro ato, que frustra ao exibir certa pressa para finalizar a trama, resolvendo alguns pontos de maneira excessivamente simples. A sensação acaba sendo de que ganhamos uma recompensa que não chega à altura de todo o trabalho que foi feito. De qualquer forma, trata-se de uma aventura válida no universo de um personagem carismático, e não ficarei surpreso se isso futuramente nos levar a uma produção mostrando os casos de Woody e companhia no Velho Oeste.

Obs.: Há algumas cenas adicionais durante os créditos finais.

Nota:



quinta-feira, 26 de maio de 2022

Top Gun: Maverick

Talvez eu vá ser julgado por muitos ao dizer isso, mas não vejo Top Gun: Ases Indomáveis como um dos grandes filmes da década de 1980. É sem dúvidas um dos mais conhecidos, além de eficaz como filme de ação, mas tinha também alguns dos piores vícios de Hollywood naquela época (só de lembrar das montagens musicais do filme bate certo constrangimento). Vícios estes que até voltam a dar as caras 36 anos depois neste Top Gun: Maverick, uma continuação que sabe-se lá por que foi ser feita somente agora. Mas surpreendentemente, eis que Tom Cruise e companhia realizam aqui o tipo de continuação que supera o original.

Top Gun: Maverick reencontra o Pete “Maverick” Mitchell vivido por Tom Cruise já de cara concertando um avião, mostrando que ainda vive e respira o trabalho aéreo. Depois de confrontar as ordens de um superior, ele recebe como “castigo” ter que voltar ao seu velho conhecido programa de caças da marinha norte-americana, onde terá que treinar um grupo de jovens pilotos para uma missão de alto risco. Entre esses pilotos está Bradley Bradshaw (Miles Teller), também conhecido como “Rooster”, o filho de seu falecido melhor amigo Goose (vivido por Anthony Edwards no original) e com quem tem sérias desavenças para resolver.

Certamente querendo retomar o espírito do longa original, Top Gun: Maverick introduz cenas, personagens, relacionamentos e clichês que às vezes fazem a produção parecer uma refilmagem. Isso vai desde a rivalidade entre Rooster e o arrogante Hangman (Glen Powell), que lembra àquela entre Maverick e Iceman (Val Kilmer), até o romance entre Maverick e Penny (Jennifer Connelly), que chega a render o momento mais risível da projeção em uma sequência romântica extremamente cafona. E são elementos tratados de maneira tão óbvia pelo roteiro que até tiram muito do frescor que o longa poderia ter.

Mas mesmo assim o filme consegue envolver o espectador e fazer com que este se importe com os personagens, sendo que muito se deve ao elenco. Tom Cruise, por exemplo, volta ao papel de Maverick sem se acomodar, compondo o protagonista como alguém que, mais uma vez, parece fazer sempre questão de exibir o prazer que tem de voar e superar desafios. Mas ao mesmo tempo, o ator é hábil ao mostrar como a perda do melhor amigo no longa anterior impactou Maverick mais do que poderíamos imaginar há 36 anos, um peso que vemos na dinâmica dele com o ótimo Miles Teller. Teller, aliás, já entra em cena mostrando uma segurança invejável como Rooster, tendo muito do espírito e da presença que Anthony Edwards tinha como Goose. E se é um pouco decepcionante ver Jennifer Connelly ser relegada a interesse romântico e apoio emocional do protagonista, ao menos ela ainda faz de Penny uma figura carismática e que diverte em determinados momentos, enquanto Glen Powell se destaca com a arrogância de Hangman, não deixando de ter ele próprio um arco dramático que chama a atenção.


Mas é no ar que Top Gun: Maverick realmente impressiona, já que o diretor Joseph Kosinski (que, por sinal, já havia feito um retorno a uma obra da década de 1980 em Tron: O Legado) cria sequências de ação absolutamente fantásticas e de tirar o fôlego – me desculpem por usar essa expressão, mas não resisti ao contexto com a famosa canção do filme original. Sempre deixando clara a geografia espacial desses momentos, Kosinski conduz o espectador magistralmente por sequências aéreas bastante complexas, merecendo destacar também o ótimo trabalho do montador Eddie Hamilton, que evita o uso de cortes rápidos que poderiam deixar o público perdido em meio a ação. E apesar de seguir o que Tony Scott fez originalmente, exibindo certo maniqueísmo ao evitar dar rostos para os inimigos (afinal, é mais fácil torcer por Maverick e companhia quando não vemos humanidade do outro lado da trincheira), o terceiro ato com a missão dos personagens acaba sendo mesmo o auge da ação, fazendo eu lembrar também que “não importa sobre o que é um filme, e sim como ele é” (já diria o saudoso Roger Ebert). Assim, podemos até prever uma ou outra coisa que acontecerá, mas o filme ainda mantém o espectador curioso quanto a como ele irá se desenrolar.

Posso não ter sido alguém que esperou tantos anos para que Top Gun ganhasse uma continuação. Mas vendo Top Gun: Maverick, certamente posso dizer que sou alguém que ficou feliz por tal continuação ter sido feita.

Nota:



quinta-feira, 12 de maio de 2022

O Peso do Talento

Nicolas Cage é um ator que acho fascinante. Tendo vivido o auge de sua carreira entre o início dos anos 90 e meados dos anos 2000, quando conquistou um Oscar e enfileirou sucessos, Cage passou boa parte dos últimos anos realizando filmes que, à primeira vista, são indignos de seu talento e serviam basicamente para que ele pudesse pagar dívidas, com boa parte desses trabalhos mirando mais o mercado de home video do que propriamente um lançamento nos cinemas. Mas o que é curioso nisso é que a presença de Cage nessas obras tornava estas um pouco mais divertidas, muito por conta do estilo de atuação do ator, que sabe misturar overacting e canastrice de um jeito ímpar, e talvez por isso ele tenha se revelado uma espécie de guilty pleasure (quando gostamos de algo, ainda que não possamos dizer que se trata de uma coisa boa). E o próprio Nicolas Cage parece ter percebido o tipo de impressão que passou para o público, de forma que não é raro vê-lo fazer piada consigo mesmo. Isso chega ao ápice nesse seu mais novo filme, O Peso do Talento, onde ele interpreta uma versão fictícia de si próprio.

Escrito por Kevin Etten e pelo diretor Tom Gormican, O Peso do Talento traz Nick Cage tendo dificuldades para conseguir novos papeis no cinema, o que o faz aceitar uma proposta de 1 milhão de dólares para ir à festa de aniversário do bilionário Javi Gutierrez (Pedro Pascal), um de seus maiores fãs. Mas o que na teoria seria apenas um dinheiro fácil acaba se complicando quando a CIA, representada pela dupla de agentes Vivian e Martin (Tiffany Haddish e Ike Barinholtz, respectivamente), resolve aproveitar a proximidade entre Nick e Javi para fazer o ator espionar o ricaço, que supostamente concebeu seu império graças ao tráfico de armas.

É curioso ver que Nicolas Cage tem logo em sua versão ficcional um papel que lhe dá a oportunidade de explorar habilidades cômicas que ele há tempos não explorava. E o ator se sai muitíssimo bem, criando um personagem que diverte com seu jeito excêntrico e por vezes exagerado. Além disso, a natural metalinguagem da produção entretém não só pelas várias referências a carreira de Cage, mas também por colocar o ator tendo que encarnar o que viveu em seus filmes a fim de espionar Javi. Isso, aliás, rende uma sequência que já se coloca desde já entre as mais hilárias da carreira de Nicolas Cage (direi apenas que envolve LSD). Mas a graça do filme não impede o roteiro de mostrar vulnerabilidades do protagonista, principalmente no que diz respeito a suas inseguranças, sejam elas como ator ou como pai, algo que o faz constantemente sentir que precisa se provar de alguma forma, ganhando maiores contornos quando ele tem visões de sua versão mais jovem chamada de Nicky.

Mas o coração de O Peso do Talento certamente se encontra na dinâmica entre Cage e Pedro Pascal, que não demoram muito para fazer a relação de ídolo e fã entre seus personagens se tornar uma relação de amizade mesmo, com a admiração de um servindo como o apoio que o outro tanto precisa. E Pascal (um ator que gosto desde que o vi interpretando o fantástico Oberyn Martell de Game of Thrones) surge tão carismático no papel de Javi e tem uma química tão boa com Nicolas Cage que é difícil não simpatizar e torcer pelo personagem, mesmo com as suspeitas que a CIA joga em cima dele.

Sabendo equilibrar bem sua narrativa entre o lado cômico e o lado de ação, Tom Gormican concebe em O Peso Talento uma obra que diverte com seu grande astro ao mesmo tempo que o homenageia. E é um filme que certamente se soma a trabalhos como Mandy e Pig, contribuindo para que Nicolas Cage volte a ganhar o destaque que merece.

Nota:



quarta-feira, 16 de março de 2022

Os Caras Malvados

Ao longo de Os Caras Malvados é um pouco difícil não lembrar do excelente Zootopia. A animação da Disney apresentava um universo habitado por animais antropomórficos, uma trama policial bem amarrada que fazia comentários sociais bastante pertinentes, algo que este novo trabalho da Dreamworks em menor escala também almeja fazer (com a diferença que aqui os animais ainda dividem o mundo com os humanos). Porém, onde Zootopia exibia maturidade, ambição e criatividade, Os Caras Malvados traz superficialidade e obviedade, o que não contribui para que o filme seja algo além de esquecível.

Baseado na série de livros infantis escrita por Aaron Blabey, Os Caras Malvados apresenta o vilanesco grupo formado por Lobo (voz de Sam Rockwell na versão original), Cobra (Marc Maron), Tarântula (Awkwafina), Tubarão (Craig Robinson) e Piranha (Anthony Ramos), que ganham a vida realizando grandes assaltos que os tornaram as figuras mais temidas da cidade. O que eles não esperavam é que finalmente cometeriam erros e seriam presos pela polícia. Buscando evitar a prisão a qualquer custo, Lobo propõe a Governadora Diane Raposina (Zazie Beetz) que os dê uma chance de fazerem o bem e mudarem a percepção de todos sobre eles, proposta esta que é feita sem intensão de ser levada a sério e coloca o grupo em um experimento liderado pelo renomado Professor Marmelada (Richard Ayoade).

Os Caras Malvados traz em determinados momentos as ideias de “não julgar o livro pela capa”, trabalhando também o preconceito ao mostrar como é difícil mudar o que as pessoas pensam de nós, principalmente depois que estabelecemos uma impressão negativa. Mas são comentários que nunca ganham muito aprofundamento, sendo que o roteiro não deixa de argumentar de maneira rasa a motivação por trás dos bons atos dos personagens. Nisso, o filme acaba dando entender muitas vezes que fazer o bem é legal não tanto por ser o certo a se fazer, mas sim porque faz a própria pessoa se sentir bem consigo mesma.

São coisas inseridas pontualmente em uma história que tem toques de gêneros de heist movies (filmes de assalto, basicamente) e policial, e nessa mistura o diretor estreante em longas-metragens Pierre Perifel, com auxílio da montagem de John Venzon, cria uma narrativa ágil e dinâmica, de forma que Os Caras Malvados não chega a ser aborrecido de assistir. Aliás, a sequência inicial que apresenta os protagonistas em meio a um assalto seguido de uma perseguição de carros se revela a melhor parte do filme, divertindo ao exibir até certa irreverência enquanto Lobo se comunica diretamente com o público, quebrando a quarta parede. É uma pena, porém, que o resto do longa careça dessa inspiração vista inicialmente, nos colocando diante de uma trama que não sai muito do lugar-comum e cujas maiores reviravoltas podem ser previstas há quilômetros de distância.

Assim, Os Caras Malvados acaba sendo uma animação pouco imaginativa e que não tem tanta graça quanto poderia, encontrando dificuldades para nos envolver emocionalmente em sua narrativa e chegando aos créditos finais sem conseguir deixar grandes marcas no espectador.

Nota:



domingo, 6 de março de 2022

Reacher - 1ª temporada

Protagonista da série de livros escrita por Lee Child, Jack Reacher é um personagem que, inicialmente, qualquer um poderia imaginar apenas como um mero brutamontes de quase dois metros de altura. Mas à medida que o vemos se envolver em grandes investigações policiais, ele mostra ter também uma inteligência absurda até para os padrões de Sherlock Holmes e Hercule Poirot, aspectos que acabam tornando suas aventuras interessantes e divertidas. Mesmo sem ter o físico pelo qual o personagem é conhecido originalmente, Tom Cruise foi bem sucedido em sua interpretação de Reacher em dois filmes, servindo até para apresenta-lo a um público maior. Agora, porém, o personagem ganha ares completamente novos ao migrar para o streaming da Amazon Prime Video, onde recebe o rosto e os músculos de Alan Ritchson, este sim um ator bem mais próximo da descrição feita por Lee Child nos livros. E até que a nova adaptação não decepciona.

Nessa primeira temporada, Reacher traz o personagem-título passando casualmente pela pequena cidade de Margrave, onde uma série de assassinatos começam a acontecer. Com os casos provando ser muito mais complexos que o imaginado, Jack Reacher eventualmente se vê obrigado a se juntar ao capitão e detetive-chefe da polícia Oscar Finlay (Malcolm Goodwin) e a policial Roscoe Conklin (Willa Fitzgerald), ajudando-os nas investigações para tentar descobrir o que está por trás do terror na cidade.

Reacher não é uma série com grandes surpresas e reviravoltas, mesmo se tratando de uma trama policial. Mas ela ainda é capaz de entreter tanto pelo lado investigativo do protagonista quanto pelas pancadarias em que ele frequentemente se mete. As habilidades de Jack Reacher como detetive às vezes mostram ser exageradas demais para que levemos a sério, algo que podemos ver, por exemplo, quando ele usa o ângulo em que a Lua se encontra para definir se um local estava iluminado no momento de um crime. Mas é o tipo de absurdo que causa risos e por isso acaba sendo divertido de acompanhar. O mesmo ocorre nas cenas de ação, que não trazem nenhum tipo de tensão, já que Reacher além de parecer indestrutível ainda tem plena consciência de que estará de pé ao final dos embates, de forma que se esses momentos ainda são interessantes é exatamente pela curiosidade que geram quanto a maneira como o protagonista derrotará seus oponentes.

Apesar de não ter nem um terço do talento e da expressividade de Tom Cruise, Alan Ritchson ainda faz um bom trabalho encarnando Jack Reacher, tendo uma presença naturalmente imponente e intimidadora, sendo que o personagem ainda ganha a simpatia do público com seu jeito mais protetivo. Além disso, Malcolm Goodwin e Willa Fitzgerald também criam em Oscar Finlay e Roscoe Conklin, respectivamente, personagens fortes e de muita personalidade, com a dinâmica entre eles e Ritchson contribuindo para que o público torça e se importe com os personagens.

Em um sinal de que em termos de público a série já é um sucesso, Reacher foi renovada para uma segunda temporada pouquíssimo tempo depois de estrear. É algo que até me deixou contente, considerando que lá pelo segundo episódio eu já estava me sentindo tão entretido pela série que passei a torcer por tal renovação. E enquanto Jack Reacher não volta a dar as caras em carne e osso, felizmente há 26 livros e 15 contos (até o momento) protagonizados pelo personagem que podem suprir qualquer falta que a série possa fazer.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Batman (2022)

“O Maior Detetive do Mundo”.

Essa é uma das várias formas como o Batman é conhecido em suas origens nos quadrinhos, sendo que as habilidades investigativas do personagem podem ser vistas em maior ou menor grau em suas adaptações cinematográficas. Mas esse aspecto do super-herói nunca foi tão explorado como é neste Batman dirigido por Matt Reeves (dos dois filmes mais recentes de Planeta dos Macacos). Dessa vez, o Homem-Morcego surge em uma história que exibe claros ecos de clássicos policiais como Operação França e Seven.

Escrito por pelo próprio Matt Reeves e por Peter Craig, Batman nos apresenta a Bruce Wayne (Robert Pattinson) dois anos depois de ele ter começado sua carreira no combate ao crime. Ganhando cada vez mais notoriedade em Gotham City, o herói se junta ao tenente James Gordon (Jeffrey Wright) para encarar a ameaça do Charada (Paul Dano), um serial killer que parece saber todos os podres dos poderosos da cidade, punindo-os brutalmente e desafiando Batman com os enigmas que deixa nas cenas de seus crimes.


O filme ter um tom e um visual sombrio não é uma grande novidade considerando que esse é o tipo de abordagem que impera quando falamos de Batman no cinema (com exceção, claro, das pérolas dirigidas por Joel Schumacher). Talvez a diferença que podemos dizer que o longa tem em relação aos trabalhos de Tim Burton, Christopher Nolan e Zack Snyder é que Matt Reeves, com auxílio da fotografia de Greg Fraser e do design de produção de James Chinlund, coloca um pouco mais de crueza em sua ambientação de Gotham City, que surge com um visual cinzento e sujo que reflete a corrupção que tanto a ocupa. É algo que até ajuda os atos de violência que surgem na tela a terem um pouco mais de impacto.

Mas como falei inicialmente, Batman é primordialmente uma história de detetive, sendo interessante ver como sua narrativa chega a beber direto da fonte dos filmes noir, tendo elementos comuns do gênero como a narração em off, a femme fatale (aqui representada pela Selina Kyle/Mulher-Gato interpretada por Zoë Kravitz) e o já citado tom mais sombrio em uma história que envolve violência e corrupção, detalhes que ajudam a narrativa a ser tão instigante. Além disso, as investigações do herói para tentar parar o Charada mantêm o espectador curioso quanto ao que está acontecendo, com Matt Reeves trazendo o protagonista utilizando suas tecnologias avançadas, sua inteligência e seu raciocínio lógico para analisar as pistas que encontra e conectar os pontos necessários. E o roteiro é hábil ao levar a história de um ponto a outro com naturalidade, o que contribui para que as quase três horas de projeção não soem tão cansativas. Já as cenas de ação que pontuam a trama também são bem conduzidas por Reeves, que capricha para que as pancadarias e perseguições sejam empolgantes e envolventes, além de chamarem a atenção por um ponto de vista puramente estético, como podemos ver na luta em que tiros de metralhadoras iluminam os movimentos rápidos do herói.

Ao mesmo tempo, Batman também não deixa de ser um belo estudo de personagem. Ao situar a trama nos anos iniciais de Bruce Wayne como Batman, o filme aproveita a oportunidade para apresentar o protagonista como alguém que ainda está aprendendo a melhor forma de agir e de encarar sua cruzada contra o crime, vendo gradualmente como vingança pode não ser o melhor foco para se ter diante de uma luta tão grande. E o ótimo Robert Pattinson encarna bem a inexperiência do personagem, criando ainda um Bruce Wayne mais afastado da sociedade e mergulhado em seus traumas. Já Zoë Kravitz, além de conceber uma clássica femme fatale com objetivos próprios em Selina Kyle, tem uma dinâmica bastante contrastante com o Batman de Pattinson, sendo ela uma figura muito mais impulsiva, e por conta disso os personagens agregam bastante à visão de mundo um do outro.

Jeffrey Wright, por sua vez, esbanja segurança encarnando a integridade de James Gordon, ao passo que Andy Serkis se destaca ao fazer do mordomo Alfred alguém que não serve só como uma figura paterna para Bruce Wayne, sendo também a única conexão forte que o protagonista tem com o resto do mundo e com o passado de sua família. E se John Turturro e, principalmente, Colin Farrel (por baixo de um montante de maquiagem) aproveitam bem seu pouco tempo de tela como Carmine Falcone e o Pinguim, Paul Dano surge intimidador desde sua primeira cena como o Charada. Lembrando muito o Assassino do Zodíaco com toques do Jigsaw da série Jogos Mortais, o vilão de Dano é totalmente desequilibrado, uma hora assustando com seus gritos durante um ataque e em outra deixando o espectador tenso com sua frieza e sua respiração abafada.

Acredito que ainda é cedo para afirmar se este novo Batman será lembrado como um clássico do gênero de super-heróis como ocorre com O Cavaleiro das Trevas. Mas por ora, acho que é seguro dizer que temos aqui mais uma adaptação muito digna do Homem-Morcego. E se muitos filmes do gênero pouco têm se arriscado a fazer coisas diferentes, uma produção como essa acaba sendo um sopro de ar fresco.

Nota: