Ao longo de Spotlight, é praticamente impossível não lembrar do clássico Todos os Homens do Presidente, um dos filmes
de jornalismo essenciais e que certamente lhe serviu de inspiração. Ambos os
projetos usam o ponto de vista jornalístico para abordar grandes escândalos,
investigando cada peça envolvida até chegar a algo muito maior do que o imaginado
originalmente. As propostas deles não deixam de ser as mesmas, com a diferença
residindo, claro, nos assuntos tratados. Enquanto a obra-prima de Alan J.
Pakula retratava a investigação do caso Watergate (o maior escândalo político
da história dos Estados Unidos e que culminou na renúncia do então presidente
Richard Nixon), o longa de Tom McCarthy encara os vários casos de pedofilia cometidos
por padres e que foram encobertados pela Igreja Católica. E McCarthy utiliza
muito bem suas inspirações, fazendo um filme que prova que o jornalismo bem
realizado pode ser fascinante de se acompanhar.
Escrito pelo próprio McCarthy em
parceria com Josh Singer, o filme apresenta a equipe Spotlight do The Boston
Globe, que se dedica essencialmente ao jornalismo investigativo e, no início da
década passada, se debruçou nos casos envolvendo padres católicos na cidade de
Boston, seguindo a dica do recém-chegado editor-chefe Marty Baron (Liev
Schreiber). Com apoio do editor Ben Bradlee Jr. (John Slattery) e liderados por
Walter Robinson (Michael Keaton), os repórteres Mike Menezes (Mark Ruffalo),
Sasha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James) andam por
um caminho longo e árduo para chegar a uma verdade assustadora e que mira altos
escalões da Igreja.
Apesar do subtítulo que ganhou no
Brasil (Segredos Revelados), Spotlight
não chega a revelar nada de particularmente novo com relação ao que está
tratando, tendo esses casos sido amplamente abordados em documentários fortes
como Mea Maxima Culpa e Livrai-nos do Mal, que já mostravam o modus operandi dos predadores e os
passos dados pela Igreja Católica para proteger a eles e, principalmente, a si
mesma. Mas mesmo que já saibamos de tudo isso, o que chama atenção aqui é ver como
essas informações foram tratadas no lado jornalístico. Nesse sentido, Tom
McCarthy faz um belo filme de detetive, onde uma pista leva a outra e os repórteres
da Spotlight montam gradualmente o quebra-cabeça que está na frente deles,
sendo que o diretor conduz tudo com segurança e não esquecendo de dar o peso
necessário às histórias das vítimas.
Em meio a isso, o filme acaba dando
uma verdadeira aula de jornalismo. Em determinado momento, por exemplo, alguém
pergunta aos repórteres se eles são católicos e, ainda que cada um tenha uma
resposta diferente, todos mostram que isso não lhes interessa diante da importância
de contar a história, deixando claro que seu comprometimento profissional é com
a verdade. O objetivo de todos ali é seguir as pistas, apurar as informações, passa-las
para o público e, no processo, fazer justiça pelas vítimas. Para completar,
ainda que fiquemos sabendo poucos detalhes sobre a vida dos personagens, isso
não os impede de serem multifacetados e humanos, exibindo a competência, a
determinação e a paciência necessárias para a realização de seu trabalho, sem
falar que eles não conseguem evitar serem afetados emocionalmente pelo que descobrem,
aspectos que Tom McCarthy e o fantástico elenco retratam maravilhosamente.
Aliás, a dinâmica entre os atores não poderia ser melhor, com todos formando
uma equipe de trabalho fabulosa tanto em termos de organização quanto por um
lado mais afetivo.
McCarthy ainda é hábil ao impor
um tom de urgência na narrativa não só a partir dos obstáculos que a Spotlight
enfrenta para cumprir seu objetivo (como o sigilo de documentos importantes ou
a fragilidade de certas informações), mas também da própria corrida contra o
tempo. Afinal, enquanto a equipe está fazendo seu trabalho, crianças podem
estar sendo abusadas e há chances de outro jornal sair na frente deles com uma
história incompleta, pouco impactante e que a Igreja poderá superar facilmente.
E é exatamente na completude da revelação que o grupo tem em mãos, somada ao
empenho de todos, que reside o grande poder para bater de frente com uma
instituição tão grande, que usa quaisquer influências para manter sua imagem limpa,
como se as coisas boas que realiza entre seus seguidores compensassem os atos horríveis
de muitos de seus padres.
Em um mundo justo, o jornalismo visto
em Spotlight seria praticado por
todos os veículos de imprensa. Mas, infelizmente, certas publicações não veem
problema em manipular informações a fim de saciar os próprios interesses, sejam
estes quais forem. Mas se elas ainda têm um pouco de ética e noção guardadas em
algum canto de suas redações, então este é, assim como Todos os Homens do Presidente, o tipo de filme que, além de retratar
eventos importantes, pode fazê-las sentir vergonha.
Nota:
Nenhum comentário:
Postar um comentário