quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Cinco Vezes Favela

Algo que chama um pouco a atenção em filmes divididos em segmentos (ou episódios) é que a irregularidade de um dos episódios pode comprometer um pouco o resultado final do projeto. Ou a produção pode se salvar graças a um capítulo bem realizado. Dito isso, Cinco Vezes Favela não precisa se preocupar com nenhuma dessas possibilidades citadas. Com cinco ótimos segmentos, o filme explora muito bem em suas histórias a miséria e as dificuldades pelas quais várias pessoas passam nas favelas cariocas.
Escrito e dirigido por Marcos Farias, “Um Favelado” inicia o filme brilhantemente, já nos apresentando a uma péssima situação. João (Flávio Migliaccio) está sem dinheiro e desempregado, e tudo piora quando recebe o aviso de que ele e sua família serão despejados caso o aluguel não seja pago. Por isso, ele recorre a Pernambuco, que o envolve em um assalto.
Em alguns detalhes, Marcos Farias mostra que a situação daquele personagem já persiste por algum tempo. No almoço da família de João, por exemplo, vemos apenas o filho dele comer e logo depois afastar o prato com certa raiva, deixando claro o cansaço que deve sentir em ter que viver daquele jeito. Além disso, um dos grandes momentos da atuação de Flávio Migliaccio é quando ele vê um homem contando dinheiro e seu olhar é o mesmo que de uma pessoa no deserto, sedenta por água. No pouco tempo que tem, o diretor-roteirista consegue deixar claro que João é um bom homem que não teve muita sorte na vida, e até por isso o final do segmento é um tanto trágico.
Depois de “Um Favelado”, é a vez de “Zé da Cachorra”, capítulo escrito e dirigido por Miguel Borges e que mostra o personagem-título (interpretado por Waldir Onofre) deixando a família de Raimundo morar em um barraco na favela onde mora, indo contra as ordens de Bruno, um grileiro que não quer que nenhuma outra pessoa vá morar no local por que ele pretende construir um prédio por ali. Sendo assim, surge a ideia de tirar todos de lá, o que Zé da Cachorra é totalmente contra.
“Zé da Cachorra” se concentra bastante no quanto os ricos tentam se aproveitar dos pobres. O protagonista é estabelecido como um personagem rebelde e de pavio curto, e por isso é até compreensível o porquê dos outros moradores da favela quererem deixa-lo de fora de uma reunião. Mas ao mesmo tempo, ele é a única pessoa por ali que não é ingênuo a ponto de aceitar qualquer coisa que lhe proponham, o que o torna uma figura de confiança para o espectador. É até uma pena que o segmento termine sem mostrar o que acontece com o personagem após ele tomar uma decisão, que representa uma completa revolta com o que está acontecendo ao seu redor.
Em seguida vem “Couro de Gato”, o único curta que não foi feito especialmente para o filme, tendo ganho vários prêmios antes de ser incluído no projeto. Dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, que escreveu o roteiro em parceria com Domingos de Oliveira, “Couro de Gato” acompanha um trio de meninos que roubam gatos para vender a fabricantes de instrumentos de escolas de samba. Dois gatos são resgatados, mas o outro fica nas mãos de seu ladrão, se apegando a ele.
A montagem de Jacqueline Aubrey é eficiente ao seguir todos os garotos ao mesmo tempo sem comprometer a fluidez da narrativa, mesmo quando foca eles fugindo dos donos dos gatos em uma sequência bastante agitada. À primeira vista, seria fácil condenar esses meninos pelo que eles estão fazendo, mas isso se torna difícil depois que o roteiro coloca um deles mais no centro da história. Joaquim Pedro de Andrade desenvolve bem a relação entre o garoto e o gato, mas o roteiro deixa mais ou menos claro que a situação na qual ele se encontra não deve ser das melhores, e o pesar que ele sente pelo que se vê obrigado a fazer ao final do curta ajudando a tornar seu ato menos condenável, sendo uma dura realidade das crianças da favela.
Em “Escola de Samba, Alegria de Viver”, Cinco Vezes Favela chega ao mais inferior dos curtas, mas que ainda assim consegue ser muito interessante. Dirigido por Cacá Diegues, e escrito por ele em parceria com Carlos Estevão, o episódio segue uma escola de samba que passa por várias dificuldades até o dia do desfile. Dificuldades estas que são enfrentadas pelo novo diretor da escola, o jovem Gazaneu (Oduvaldo Viana Filho).
A precariedade da escola de samba fica evidente no momento em que todos comemoram bastante a chegada de um dinheiro que conseguiram. E apesar das dificuldades, é interessante ver que Cacá Diegues filma todos os membros da escola realizando suas tarefas com boa vontade, como se o samba fosse a única coisa boa que existe para aquela comunidade.
Finalizando o filme, Leon Hirzman dirige “Pedreira de São Diogo”, segmento que escreveu em parceria com Flávio Migliaccio. A história mostra um operário que, após saber que vai ter de explodir uma encosta com uma carga de 500kg de dinamites, pede para que os moradores da favela que fica logo acima dali tentem impossibilitar seu trabalho.
“Pedreira de São Diogo” tem um dos momentos mais impressionantes de Cinco Vezes Favela: a cena da primeira explosão, feita com uma carga mais leve. Filmada de dois ângulos diferentes, a explosão é um tanto impactante, e faz com que seja possível imaginar a destruição que uma carga de 500kg pode causar. O final do curta, com vários rostos felizes, também finaliza Cinco Vezes Favela perfeitamente, passando a ideia de que apesar de todas as dificuldades focadas ao longo dos cinco segmentos, as pessoas ainda arranjam um jeito de abrir um sorriso.
Ainda que cada um deles tenha sua própria história para contar, os segmentos de Cinco Vezes Favela têm uma característica em comum: poucos diálogos. Isso acaba fazendo bem ao filme, já que dessa forma os cineastas se concentram muito mais nas imagens que filmam e nos atos de seus personagens, que agem de acordo com a situação em que se encontram e da necessidade que sentem.
Cinco Vezes Favela é o esforço de vários realizadores (além dos nomes citados, há também a participação de figuras como Eduardo Coutinho, Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra em algumas funções) que conseguiram deixar suas marcas no Cinema brasileiro. E assistindo ao filme, é muito bom ver que todo o esforço valeu a pena, resultando em um dos grandes clássicos do nosso Cinema.
Cotação:

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