domingo, 4 de novembro de 2012

O Pagador de Promessas

Vários filmes brasileiros foram apresentados no Festival de Cannes ao longo de sua história. Mas desde 1946, ano de sua fundação, apenas uma das obras do nosso cinema teve o privilégio de receber a Palma de Ouro, o prêmio máximo concedido pelo júri do evento. Além disso, ainda conseguiu ser o primeiro filme brasileiro a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Esta obra é O Pagador de Promessas. Lançado em 1962, o clássico de Anselmo Duarte parte de uma história bastante simples, mas que acaba sendo uma bela crítica a sociedade.
Baseado na peça de Dias Gomes, o roteiro escrito pelo próprio diretor acompanha a jornada de Zé do Burro (Leonardo Villar), que após ter seu burro de estimação gravemente ferido, faz uma promessa para Iansã, ou Santa Bárbara, em um templo de Candomblé. Se o burro melhorasse, Zé sairia a pé de sua cidade e levaria uma cruz para dentro da igreja de Santa Bárbara, em Salvador. O milagre acontece e Zé imediatamente vai cumprir sua promessa. Ao chegar no local ao lado de sua esposa, Rosa (Glória Menezes), e explicar para o padre Olavo (Dionísio Azevedo) toda a situação, Zé é proibido de entrar na igreja com a cruz, já que ele teria feito uma promessa ao diabo e não a Santa Bárbara.
Logo no começo, durante os créditos iniciais, Anselmo Duarte mostra de maneira rápida e eficiente as dificuldades pelas quais Zé do Burro passa para levar a cruz até a igreja. Ao colocar Zé do Burro passando diversos locais e lutando contra todo tipo de clima, seja o calor, o frio ou a chuva, em uma sequência repleta de elipses, Duarte consegue passar muito bem o desgaste que o protagonista sente ao longo do caminho até chegar à igreja, e o resultado disso está em seu ombro muito machucado.
Mas não é só sobre Zé do Burro e sua promessa que o filme se trata. Diante de toda a confusão que ele causa junto à igreja e ao padre Olavo, ele começa a chamar a atenção nos arredores, chegando aos ouvidos do editor do jornal da cidade, que envia um repórter (Othon Bastos) para cobrir a história. Nisso, O Pagador de Promessas mostra brilhantemente o quê certas pessoas estão dispostas a fazer apenas para atingir seus objetivos. O repórter quer vender mais jornais, então não hesita em fazer manchetes que dizem “Novo Cristo prega a revolução”, usando as palavras de Zé do Burro como discurso pela reforma agrária, tentando transformá-lo numa figura muito maior do que ele realmente é ou deseja ser (afinal, dizer que o homem está apenas tentando cumprir uma promessa não seria algo muito interessante para ser vendido).
Mas mais do que a exploração da mídia, O Pagador de Promessas inclui outras pessoas tentando tirar algum lucro em cima da ingenuidade do protagonista. Quando um fotógrafo vai tirar uma foto de Zé para colocar no jornal, um comerciante aproveita para pedir que mostrem seu estabelecimento, já que assim ficará famoso. Até a própria igreja tenta passar para as pessoas o quanto ela é justa, dando a Zé a oportunidade de trocar de promessa para que possa entrar na igreja. E é por estar extremamente vulnerável à exploração das pessoas que a situação de Zé ganha traços de desespero, pois ali está um homem que tinha um objetivo bastante simples, mas que parece ter chegado ao inferno depois de toda a viagem que fez para estar ali.
O fato de Zé do Burro se manter sempre fiel a promessa que fez o torna uma figura muito admirável. Juntando isso com o modo como Anselmo Duarte faz com que ele se refira a Nicolau vemos o quanto o animal é importante para ele, o que é fundamental considerando que não há nenhuma cena que mostre os dois lado a lado como companheiros. A relação entre essas duas figuras, aliás, chega a ser mais importante do que a que Zé tem com sua esposa, o que até acaba sendo um empurrãozinho para que ela o traia com Bonitão (Geraldo Del Rey). E Leonardo Villar é brilhante ao retratar a angústia de seu personagem quando este se vê em um momento difícil. Depois de passar por tantas coisas ruins, Zé do Burro claramente parece querer colocar a cruz dentro da igreja e sair correndo dali imediatamente.
Enquanto isso, Glória Menezes consegue fazer de Rosa uma mulher que apoia o marido em suas decisões, ao mesmo tempo em que procura impedir que a situação dele piore, o que mostra que ela se importa com Zé do Burro ainda que ele não a trate da forma como ela gostaria. Já Geraldo Del Rey e Othon Bastos aparecem apropriadamente desagradáveis como Bonitão e o repórter, respectivamente. Mas o grande destaque do filme ao lado de Leonardo Villar é mesmo Dionísio Azevedo, que transforma o padre Olavo em uma figura muito forte e suas discussões com Villar resultam em alguns dos melhores momentos do filme.
O Pagador de Promessas representa um grande momento na história do cinema no Brasil, e ajudou a chamar mais atenção para o trabalho que era feito por aqui. É mesmo uma das grandes obras-primas do cinema nacional.
Cotação:

2 comentários:

Hugo disse...

Um dos melhores filmes da história do cinema brasileiro.

Abraço

Dóris lopes Rodrigues disse...

Thomás,adorei teu blog. Tudo é muito bem escrito,com muita coerência e uma base crítica superior. Sou fã!Abraços