quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sicario: Terra de Ninguém

Denis Villeneuve é um cineasta que não cansa de fascinar. Produções como Polytechnique, Incêndios, Os Suspeitos e O Homem Duplicado provam que ele é um realizador que consegue impor com propriedade a força, por vezes descomunal, de suas histórias, conduzindo narrativas instigantes e que trazem atmosferas de tensão absolutamente impressionantes. Se juntando aos filmes citados agora vem este Sicario, onde Villeneuve encara a guerra contra as drogas e os conflitos morais de seus envolvidos, abraçando sem pudores esse material e acrescentando mais um título poderoso em sua filmografia.

Escrito por Taylor Sheridan, Sicario mostra como o combate às drogas está longe de ter um fim, sendo algo tão grande que nenhum esforço para contê-lo parece ter muito impacto. É o que a agente do FBI Kate Macer (Emily Blunt) percebe após uma missão envolvendo um cartel mexicano, na qual encontra cadáveres escondidos em uma casa e vê companheiros serem mortos. Querendo justiça, ela não pensa duas vezes antes de aceitar o convite para fazer parte da força-tarefa liderada por Matt Graver (Josh Brolin) e Alejandro Gillick (Benicio Del Toro), que promete ir atrás dos responsáveis e realmente incomodar os carteis. Mas os métodos deles vão contra aquilo que Kate acredita ser o certo, levantando uma série de dúvidas quanto ao que está sendo realizado na missão.

A guerra vista em Sicario tratou de construir um universo onde a desumanidade aparece por toda parte, e encontrar alguém aqui que seja plenamente bom ou mal não é comum, com quase todos sendo capazes de agir da melhor ou pior forma possível enquanto visam seus objetivos, contribuindo para a complexidade moral dessas pessoas e para a imprevisibilidade quanto ao que encontraremos na trama. Indivíduos como Matt e Alejandro, homens já calejados nessa área, adquiriram uma visão em que ignorar leis e responder com a mesma desumanidade às atrocidades desse universo pode ser o melhor jeito de obter resultados (em resumo, é a velha história de “os fins justificam os meios”). E se digo “pode” é porque não há certeza com relação a isso, detalhe que o roteiro deixa claro quando Matt fica um pouco aliviado pela legitimidade de uma informação conseguida através de tortura, já que, no fim das contas, isso é um verdadeiro golpe de sorte.

A maneira como vemos tais princípios se chocarem com o idealismo seguido por Kate é um dos aspectos mais ricos de Sicario, e isso se deve principalmente ao modo como os personagens são desenvolvidos, mostrando como o conflito no qual eles estão inseridos acaba afetando-os. Vivida brilhantemente por Emily Blunt, a protagonista não demora muito para perceber onde se meteu, e mesmo assim usa suas forças para manter seus ideais, por mais que as circunstâncias supliquem para que ela os deixe de lado, algo que seus líderes fizeram há muito tempo. Falando neles, Matt é um personagem que não ganha muita profundidade, mas mais do que compensa isso com seu jeito manipulador e influente, que Josh Brolin encarna com grande talento. Aliás, a forma como Denis Villeneuve apresenta o sujeito, focando suas roupas casuais e chinelos num ambiente onde a elegância dos ternos parece obrigatória, é perfeita para estabelecer não só a personalidade dele, mas também o poder de sua posição. Já Alejandro é gradualmente estabelecido pelo fantástico Benicio Del Toro como um homem frio e perturbado, dando indícios de que conhece a violência de seu meio de trabalho melhor do que ninguém. Com uma atuação minimalista e magnética, Del Toro rouba quase todas as cenas do filme, dominando principalmente a reta final da trama e merecendo atenção especial na temporada de premiações.

Enquanto isso, Denis Villeneuve comanda uma narrativa onde tranquilidade é um detalhe a ser visto com estranheza, tamanho espaço consumido pelo universo corrompido mostrado na história. Com o auxílio precioso e sutil da trilha de suspense de Jóhann Jóhannsson, da montagem arrebatadora de Joe Walker e da fotografia claustrofóbica do mestre Roger Deakins, Villeneuve mais uma vez se vê criando uma atmosfera de tensão absurdamente intensa ao redor dos personagens. Dando tamanho peso à narrativa, o cineasta praticamente afunda o espectador na cadeira do cinema, nos mantendo quase sem respirar em determinados momentos, como na sequência que se passa em uma rodovia, na breve luta que ocorre em um apartamento ou no pequeno jantar de família no terceiro ato.

Sicario não é um filme particularmente fácil de digerir. Ao retratar de maneira complexa e profundamente inquietante um aspecto da realidade que vivemos, Denis Villeneuve faz um longa exaustivo e que fica regurgitando na cabeça do espectador mesmo após a sessão, causando um impacto difícil de ignorar ou de esquecer. Impacto este que só grandes filmes alcançam, e sem dúvida estamos falando de um dos melhores do ano.

Nota:


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