Desde que o Homem-Aranha começou
a fazer sucesso nos cinemas (e lá se vão 17 anos), nenhum filme do personagem
se esforçou tanto para fazer coisas novas como ocorre neste Homem-Aranha no Aranhaverso. Depois de
seis longas live-action focados em
Peter Parker, que por sua vez já teve três encarnações cinematográficas
diferentes, eis que agora nos deparamos com uma obra que, além de ser uma animação,
prefere colocar o clássico protagonista da franquia como coadjuvante, abrindo
espaço para um jovem negro e seus próprios dilemas em meio a um universo
incrivelmente vasto. Tratam-se de ideias válidas tanto em termos de
representatividade entre os filmes de super-heróis (e que ajudou Pantera Negra a ser um marco em 2018) quanto
para conter uma possível saturação do público com a franquia. E tais ideias ainda
funcionam maravilhosamente para a construção de uma produção absolutamente
espetacular.
Em Homem-Aranha no Aranhaverso somos apresentados ao humilde Miles
Morales (voz de Shameik Moore), que se vê tendo que se adaptar à nova escola,
tentando não decepcionar sua família, que tanto aposta em seu futuro. Se isso
já seria pressão suficiente para um adolescente, as coisas pioram quando ele é
mordido por uma aranha e ganha poderes semelhantes aos de seu herói favorito, o
Homem-Aranha (Chris Pine). E um dos problemas que acabam surgindo a partir
disso é Wilson Fisk, o Rei do Crime (Liev Schreiber), que quer abrir um portal
para outra dimensão a qualquer custo, ainda mais depois de tirar o Homem-Aranha
de seu caminho. Para detê-lo, Miles conta com a ajuda de heróis aracnídeos de
outras dimensões, entre eles um Peter Parker mais experiente e desiludido (e dublado
por Jake Johnson).
O próprio conceito do tal
Aranhaverso e seus vários heróis já é um prato cheio para que o roteiro explore
coisas novas, divertindo com a concepção dos personagens e a influência que
suas respectivas realidades exercem neles, desde o Homem-Aranha versão noir (dublado por Nicolas Cage), que surge
em preto e branco e com uma constante ventania a sua volta, até o Porco-Aranha
(John Mulaney), que parece ter saído direto do universo dos Looney Tunes. No
entanto, o roteiro não utiliza o Aranhaverso apenas para isso, sabendo aproveita-lo
também nos dramas vividos pelos personagens, em especial Miles e seu desejo de encaixar
todas as peças de sua vida (e se encaixar nelas no processo).
É ao seguir esse caminho, aliás,
que Homem-Aranha no Aranhaverso
encontra uma forma de abordar a essência do super-herói do título (seja qual
for a pessoa por trás da máscara). Sendo uma das figuras mais humanas dos
quadrinhos, algo que facilita sua identificação com o público, o Homem-Aranha
mostra, entre outras coisas, que mesmo heróis com grandes poderes e
responsabilidades podem exibir medos e inseguranças diante do cotidiano que
levam. E apesar de Miles ser o foco principal aqui, sendo até inspirador
acompanhar o arco-dramático que ele percorre, podemos ver esses detalhes em maior
ou menor grau em cada um dos heróis e heroínas que surgem em cena, que assim
são humanizados e fortalecidos.
Mas o encantamento proporcionado pelo
filme não para por aí, já que o trio de diretores formado por Peter Ramsey, Bob
Persichetti e Rodney Rothman ainda concebe um visual deslumbrante com suas
cores vibrantes, sendo que a narrativa não deixa de se aproximar dos trabalhos das
irmãs Wachowski e de Edgar Wright em seus fantásticos Speed Racer e Scott Pilgrim
Contra o Mundo. Seja explorando os animes japoneses, o preto e branco
típico dos jornais ou ao exibir na tela pequenos quadros descritivos e onomatopeias,
Homem-Aranha no Aranhaverso abraça
com gosto suas origens quadrinísticas, sendo fascinante notar também como
alguns detalhes das cenas por vezes aparecem com suas cores desbotadas, reforçando
a impressão de estarmos vendo uma história em quadrinhos se desenrolando diante
de nossos olhos. E o fato de a montagem apostar pontualmente em telas divididas
e em transições de cenas que simulam páginas sendo viradas é apenas a cereja do
bolo.
Conseguindo divertir e empolgar
ao mesmo tempo que conquista o público com seu coração e sua energia
contagiante, Homem-Aranha no Aranhaverso
se estabelece desde já como uma das melhores adaptações de seu super-herói, que
mostra ter ainda muito potencial a ser explorado.
Obs.: Há uma cena depois dos
créditos finais.
Nota:
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