2016 chegando ao fim e com isso vem
também o momento das costumeiras listas de fim de ano com o que o cinema nos
proporcionou de bom e de ruim, um balanço sempre bacana de se fazer.
Como havia comentado no final do
ano passado, dessa vez decidi compor as listas me concentrando não só nos
filmes lançados nos cinemas brasileiros, mas também nas produções que não
tiveram a chance de passar por nossas salas, indo parar direto no mercado de home video, nos serviços de streaming (como a Netflix) e na
televisão. Caso alguém tenha interesse, a lista com todos os 316 longas-metragens
que vi em 2016 (e suas respectivas notas) está à disposição no meu perfil no
Letterboxd, que pode ser acessado aqui.
Dito isso...
Os dez piores filmes lançados no
Brasil em 2016:
Terceiro filme a adaptar um livro
da série protagonizada pelo professor Robert Langdon e escrita por Dan Brown, Inferno coloca o personagem (novamente
interpretado por Tom Hanks) no modo desmemoriado e em meio a uma nova correria
internacional, tendo a ajuda da médica Sienna Brooks (Felicity Jones) para
desvendar o porquê de algumas pessoas estarem o perseguindo enquanto ele tem
visões sobre o Inferno concebido por Dante Alighieri. É uma trama que deveria
render uma narrativa instigante com as pistas seguidas pelos personagens e o
grande mistério envolvendo um cientista (vivido por Ben Foster), mas infelizmente
o filme é desinteressante do início ao fim, contando com um desenvolvimento
absurdo e até conveniente que parece subestimar a inteligência do público,
sendo que a direção de Ron Howard ainda se revela burocrática e nada envolvente.
Acaba sendo o pior capítulo da trilogia, que já não era grande coisa com O Código Da Vinci e Anjos & Demônios.
9) A 5ª Onda (The 5th Wave), de J Blakeson:
Tentativa de emplacar mais um sucesso
entre as adaptações de livros destinados ao público jovem-adulto, A 5ª Onda traz Chloë Grace-Moretz no
papel de Cassie, que se vê tendo que lidar com uma invasão alienígena
determinada a acabar com a raça humana, algo feito gradualmente a partir de “ondas”
que tiram nossos recursos para sobreviver e causam uma série de desastres. Depois
de estabelecer sua premissa, o filme descarrilha com um desenrolar bastante
genérico, não só por seguir a fórmula que vem servindo de base para longas como
esse (com direito a um triângulo amoroso aborrecido), mas também por a trama
ser montada com peças que já vimos em produções infinitamente melhores, como Vampiros de Almas. O que se tem aqui acaba
sendo algo terrivelmente insípido e previsível, sem quaisquer personagens com
os quais possamos nos importar, e se não torcemos pelos alienígenas é porque
estes se revelam estúpidos demais para serem levados a sério.
8) Tirando
o Atraso (Dirty Grandpa), de Dan Mazer:
Ver uma lenda como Robert De Niro
embarcar em um longa como Tirando o
Atraso é algo que até dói. No filme ele interpreta Dick, veterano do
exército que, após a morte da esposa, passa a querer viver a vida ao máximo,
dando em cima de garotas adolescentes e frequentando altas festas durante uma
viagem que ele faz ao lado do neto, Jason (Zac Efron), a fim de salvar o rapaz
de um futuro infeliz. Tentando ser uma comédia politicamente incorreta, o filme
infelizmente fracassa ao não conseguir fazer graça com as situações exageradas
que joga na tela, como quando Jason flagra o avô se masturbando ou as cenas que
Dick protagoniza ao lado de Lenore (Aubrey Plaza), momentos que acabam sendo
apenas ridículos. Para completar, a história é previsível desde o princípio e
engessada por uma série de clichês que não poderiam ser mais batidos, sendo até
uma surpresa que ainda sejam usados.
7) Visões
do Passado (Backtrack), de Michael Petroni:
Adrien Brody é um ator que curto
muito. Muito mesmo. É exatamente por isso que acho uma pena ele estar há anos na
mesma maré que atores como Nicolas Cage e Bruce Willis (admiro ambos também),
aceitando qualquer projeto que aparecer em sua frente ao invés de ambicionar
coisas mais criativas. Visões do Passado
entra na área de porcarias protagonizadas pelo ator, que aqui interpreta um
psicólogo abatido pela morte da filha pequena e que, gradualmente, se envolve
no mistério de uma tragédia que ocorreu quando ele era mais jovem. Trata-se de
um filme que se desenvolve de maneira bagunçada e até absurda a partir das
peças que tem em mãos, além de falhar em suas tentativas de criar um clima de
suspense e irritar com os sustos baratos que aparecem pontualmente. E ainda que
Adrien Brody se esforce, a verdade é que nem ele consegue se destacar em meio
ao caos narrativo no qual está inserido.
6) Caçadores
de Emoção: Além do Limite (Point Break), de Ericson Core:
Dirigido por Kathryn Bigelow e
protagonizado por Keanu Reeves e Patrick Swayze em 1991, Caçadores de Emoção não é exatamente um grande filme. No entanto,
qualquer coisa que ele apresente consegue ser infinitamente melhor do que este remake dirigido por Ericson Core. Tendo
a mesma premissa do anterior ao trazer o jovem agente do FBI Johnny Utah (Luke
Bracey, um Chris Hemsworth sem um pingo de carisma) se infiltrando em uma
gangue de esportistas que organiza grandes roubos sob a liderança de Bodhi
(Édgar Ramirez, ator talentoso que merecia papeis melhores), o longa é praticamente
um sonífero, não tendo nada de cativante que possa segurar a narrativa e a
atenção do público, contando com uma história que não foge da obviedade,
personagens desinteressantes e cenas de ação sem energia alguma, por mais que
lidem com esportes radicais. O máximo que este novo filme consegue fazer é nos
deixar com saudades do longa original. Ao menos aquele era uma diversão
razoável.
5) 13
Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi (13 Hours: The Secret Soldiers of
Benghazi), de Michael Bay:
Baseado na história real dos
ataques feitos por militantes libaneses ao posto diplomático norte-americano na
cidade de Benghazi, em 11 setembro de 2012, 13 Horas acompanha a equipe de soldados americanos que se viu tendo
que proteger o local, numa missão feita por baixo dos panos e que durou o tempo
que dá título ao filme. Mostrando a mania dos Estados Unidos de querer invadir
outros países com a desculpa de querer acabar com seus conflitos, o filme
infelizmente surge como uma propaganda ufanista que trata com respeito o
poderio americano e sua arrogância enquanto chama a Líbia de fracasso. E se em
quesitos como esse o longa já incomoda, ele ainda tem o azar de contar com a
incompetência de Michael Bay na direção, que conduz as cenas de ação de maneira
caótica e sem o menor apuro técnico. No fim, o que se vê aqui é tão aborrecido
e ignorante que os 140 minutos de duração parecem intermináveis.
4) Zerando
a Vida (The Do-Over), de Steven Brill:
Segundo filme da parceria entre
Adam Sandler e Netflix, Zerando a Vida mostra
que os responsáveis pelo serviço de streaming estavam malucos quando concluíram
que Sandler era uma aposta interessante em termos criativos, algo que o
catastrófico The Ridiculous 6 também
havia apontado. Aqui, Sandler e seu velho amigo David Spade interpretam
sujeitos que simulam a própria morte a fim de resetar suas vidas, se metendo em
uma grande encrenca pelo fato de suas novas identidades serem de figuras que
estavam metidas em atividades ilícitas. Uma trama boba por natureza e que rende
um filme típico da filmografia de Sandler, tentando causar o riso a partir de
piadas nada engraçadas e que muitas vezes se revelam preconceituosas. E se as
reviravoltas do roteiro são previsíveis, as pontuais cenas de ação não poderiam
ser mais ridículas, como a luta que acompanhamos no terceiro ato. Ainda faltam
dois filmes para que Sandler e a Netflix concluam seu contrato, mas já torço
para que este não seja renovado.
3) Invasão
a Londres (London Has Fallen), de Babak Najafi:
Invasão a Casa Branca já era fraco, mas Invasão a Londres mostra que nada é tão ruim que não possa piorar.
Dando continuidade a rotina de seus personagens, o longa troca o local da ação
e mantém mais ou menos a mesma história de antes, com o segurança Mike Banning
(Gerard Butler) tendo que salvar o presidente americano Ben Asher (Aaron
Eckhart) e outros líderes mundiais das mãos de terroristas implacáveis. A
partir daí, o filme não só não sai do lugar comum, tanto em termos de trama
quanto de cenas de ação (a exceção talvez fique com um plano-sequência em meio
a um tiroteio), como ainda exibe uma boa dose de ufanismo e xenofobia através
das ações e dos diálogos de seu protagonista. Desconfio que caras como Donald
Trump devem adorar um filme como esse. E pensar que um terceiro capítulo da
franquia já foi confirmado e deve estrear em 2018 (suspiros).
2) É
Fada!, de Cris D’Amato:
Se É Fada! foi usado como veículo para lançar Kéfera Buchmann ao estrelato
no cinema, a maneira como faz isso é insuportável. Colocando a youtuber no
papel da fada Geraldine, que tem como objetivo ajudar a jovem Julia (Klara
Castanho) a superar alguns problemas, o filme é uma produção que mostra não ter
a menor noção de desenvolvimento de história e personagens, além de nos colocar
diante de situações que tentam (sem sucesso) brincar com a incompetência da fada
em seu trabalho, algo que piora quando percebemos que Julia se sairia muito
melhor sem a tal ajuda, tornando descartável tudo o que vemos e passando de
maneira bastante óbvia a mensagem de “Seja você mesmo(a)”. É um longa
aborrecido e constantemente irritante, no qual Buchmann ainda cria uma
personagem que termina suas falas com um palavrão como se isso fosse o suficiente
para causar o riso. E prefiro nem comentar o hábito de Geraldine de tirar a
varinha do ânus. Só de lembrar fico com vergonha alheia.
1) Cinquenta
Tons de Preto (Fifty Shades of Black), de Michael Tiddes:
Cinquenta Tons de Cinza é um desastre cujos problemas deixam
ganchos para que ele seja ridicularizado, principalmente em um filme que tem
como objetivo parodiá-lo. Mas quando o trabalho de criar as piadas em cima
disso fica nas mãos de figuras como Marlon Wayans, o resultado é esta grande
porcaria chamada Cinquenta Tons de Preto.
Seguindo à risca a história do longa baseado no livro de E.L. James, esta
comédia parece uma metralhadora ao atirar piadas para todos os lados a fim de
fazer o espectador rir, o que é impossível quando o que se vê são sequências
longas, repetitivas e incrivelmente idiotas como aquela em que a protagonista
Hannah Steele (vivida por Kali Hawk) chupa um lápis, ou a outra em que as
portas de um elevador ficam batendo na cabeça dela. Torturante do início ao fim,
esta “paródia” só impressiona por conseguir ser mais estúpida do que o longa
com o qual tenta (se é que podemos usar essa palavra) tirar sarro. Um feito
realmente notável.
Outros 27 filmes que merecem menção desonrosa (em ordem alfabética):
Alice Através do Espelho (Alice Through the Looking Glass),
de James Bobin
Assassino a Preço Fixo 2: A
Ressurreição (Mechanic: Ressurection), de Dennis Gansel
Batman vs. Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice), de Zack Snyder
Ben-Hur, de Timur
Bekmambetov
O Bom Gigante Amigo (The
BFG), de Steven Spielberg
O Bom Dinossauro (The Good
Dinosaur), de Peter Sohn
O Caçador e a Rainha do Gelo
(The Huntsman: Winter’s War), de Cedric Nicolas-Troyan
Café Society, de Woody Allen
Como Ser Solteira (How to Be Single), de Christian Ditter
Demônio de Neon (The Neon Demon), de Nicolas Winding Refn
A Era do Gelo: O Big Bang
(Ice Age: Collision Course), de Michael Thurmeier
Um Espião e Meio (Central
Intelligence), de Rawson Marshall Thurber
Esquadrão Suicida (Suicide
Squad), de David Ayer
Floresta Maldita (The
Forest), de Jason Zada
Um Homem Entre Gigantes
(Concussion), de Peter Landesman
Independence Day: O Ressurgimento (Independence
Day: Resurgence), de Roland Emmerich
Jack Reacher: Sem Retorno (Jack Reacher: Never Go Back), de
Edward Zwick
Joy: O Nome do Sucesso
(Joy), de David O. Russell
Julieta, de Pedro Almodóvar
O Maior Amor do Mundo
(Mother’s Day), de Garry Matshall
Mente Criminosa (Criminal),
de Ariel Vromen
Meu Amigo Hindu (My Hindu
Friend), de Hector Babenco
Pai em Dose Dupla (Daddy’s
Home), de Sean Anders
Perfeita é a Mãe (Bad Moms),
de Jon Lucas e Scott Moore
Pets: A Vida Secreta dos Bichos (The Secret Life of Pets), de Chris
Renaud e Yarrow Cheney
A Série Divergente: Convergente (The Divergent Series: Allegiant), de Robert Schwentke
Truque de Mestre: O 2º Ato
(Now You See Me 2), de Jon M. Chu
E agora...
Os melhores filmes lançados no
Brasil em 2016:
10) Sing Street: Música e Sonho (Sing Street), de John Carney:
Algo que John Carney já deixou claro
em sua curta filmografia é seu interesse por histórias que trazem a música não
só como uma forma de os personagens darem voz a sua criatividade, mas também de
encarar seus problemas e evoluírem pessoalmente. Foi assim no maravilhoso Apenas Uma Vez, no ótimo Mesmo Se Nada Der Certo e neste lindo Sing Street. Nos levando até a Dublin da
década de 1980, o diretor conta a história do jovem Conor (Ferdia Walsh-Peelo),
que vive uma realidade conturbada com a família e dá início a uma banda (a Sing
Street do título) para impressionar a adorável Raphina (Lucy Boynton). E assim
passamos a acompanhar uma narrativa que diverte e toca o espectador com seus
personagens carismáticos e os dilemas que eles vivem, além de encantar com cada
uma das canções que surgem pontualmente e ajudam a marcar a evolução de Conor e
seus amigos como artistas (aliás, será uma tremenda injustiça se o filme ficar de
fora do Oscar de Melhor Canção, já que sua trilha inteira é digna de prêmios).
É uma obra que empolga tanto com suas qualidades que acaba sendo capaz de
aquecer até o mais gelado dos corações.
Mostrando os bastidores da crise
financeira que estourou no final da década passada, A Grande Aposta foca em indivíduos que perceberam que um desastre
ia acontecer, mas que preferiram ganhar dinheiro ao invés de impedir que
milhões de pessoas fossem prejudicadas. Usando sua vasta experiência com
comédias para lidar com o material que tem em mãos, Adam McKay parece apontar que
é preciso “rir para não chorar” ao apresentar as situações absurdas da história.
Em meio a isso, ele cria uma narrativa ágil, cheia de energia e com um mais do
que apropriado tom documental, conseguindo prender a atenção do público e
divertir sem tirar o peso da gravidade do que está acontecendo. E por o mercado
financeiro ser bastante complexo com seus vários termos, é bacana ver como o diretor
consegue ser didático quando precisa explicar determinadas coisas ao público, detalhe
que rende algumas das cenas mais divertidas do filme. Contando ainda com
grandes atuações de todo o elenco (em especial Christian Bale no papel do
gestor financeiro Michael Burry), o longa surgiu como uma bela surpresa,
ajudando a formar uma visão cinematográfica interessante e relevante sobre um acontecimento
marcante em suas consequências.
8) Anomalisa, de Charlie Kauffman e Duke Johnson:
Primeira investida do genial
Charlie Kauffman nas animações, Anomalisa
se revela tão humano quanto os longas de carne e osso que ele já concebeu. No
filme, feito a partir da técnica de stop-motion,
Kauffman cria personagens que se revelam tão expressivos quanto os atores que já
deram vida às histórias concebidas por ele. Tudo para contar a história de
Michael Stone (voz de David Thewlis), escritor de livros de autoajuda que chega
a Los Angeles para dar uma palestra sobre sua nova obra, encontrando no hotel
em que se hospeda a jovem Lisa (voz de Jennifer Jason Leigh), que surge como
uma possível luz para que ele escape da escuridão de sua solidão. Tecnicamente
impecável, o longa trata com sensibilidade a visão deprimente que o
protagonista tem do mundo e de como isso é capaz de criar um universo bastante
simplista, como se vê no fato de todas as pessoas pelas quais ele passa terem o
mesmo rosto e a mesma voz (com exceção de Lisa), sendo genial ver como esse
jeito do personagem afeta a própria idealização que ele tem sobre um novo amor.
É um filme típico de uma mente criativa como Charlie Kauffman, o que o torna imperdível.
No início da década passada, a
equipe Spotlight do The Boston Globe publicou artigos que trouxeram à tona uma
série de casos de pedofilia ocorridos na igreja católica. No cinema, tais casos
já haviam sido abordados em documentários excepcionais como Mea Maxima Culpa e Livrai-nos do Mal, mas é interessante ver o ponto de vista jornalístico
mostrado em Spotlight, que mostra a
instigante investigação feita pela equipe-titulo em Boston, e nisso o longa não
esconde sua inspiração na obra-prima Todos
os Homens do Presidente. Aliás, assim como o clássico de Alan J. Pakula,
este excelente trabalho de Tom McCarthy deveria ser exibido em todas as
faculdades de jornalismo, já que dá uma verdadeira aula sobre como exercer a
profissão, com os personagens exibindo um admirável compromisso com a verdade,
seguindo as pistas e apurando as informações com a integridade que se espera de
qualquer jornalista. E qualquer veículo de imprensa que prefere manipular
informações a fim de saciar os próprios interesses deveria assistir a um filme como
este para passar um pouco de vergonha.
6) Capitão
Fantástico (Captain Fantastic), de Matt Ross:
Em um dos grandes filmes que o
cinema independente americano produziu neste ano, Viggo Mortensen vive Ben Cash,
homem que cuida de seus filhos de maneira um tanto atípica, morando na floresta,
tendo mínimo contato com a sociedade e educando-os de maneira impressionante.
Com isso, o diretor Matt Ross desenvolve um filme que diverte naturalmente com
seus personagens, especialmente por conta da dinâmica que Mortensen (em uma
atuação excepcional) tem com seus jovens colegas de elenco, fazendo do núcleo
familiar de Ben e seus filhos algo absolutamente adorável, por mais perigoso
que pareça em determinados momentos. Mas muito do brilhantismo de Capitão Fantástico também vem da forma
como ele mostra a importância de sairmos um pouco de nossas bolhas, onde
residem nossas ideias, gostos e cotidianos, e termos contato com coisas
diferentes a fim de ganharmos novas vivências e nos tornarmos seres humanos um
pouco mais completos, algo tratado com uma sensibilidade ímpar pelo
diretor-roteirista Matt Ross. Como se não bastasse, o longa ainda tem uma das
melhores versões de “Sweet Child O’Mine”, que rende aqui uma das cenas mais bonitas
do ano.
Em seu oitavo filme, Quentin Tarantino
cria uma galeria de personagens desprezíveis, colocando todos eles em uma
cabana durante um inverno forte no Wyoming e obrigando-os a se relacionar uns
com os outros, algo que se revela praticamente impossível e resulta em uma
tensão constante. Desde o John Ruth interpretado por Kurt Russell até o general
Sandy Smithers vivido por Bruce Dern, os personagens que acompanhamos ao longo
do filme fazem questão de mostrar que são criaturas odiáveis, o que não os
torna menos memoráveis, sendo que os membros do elenco os encarnam com o grande
talento que sabemos possuírem (destaque especial para Jennifer Jason Leigh,
Samuel L. Jackson e o já citado Russell). E ao orquestrar um banho de sangue surpreendentemente
chocante a partir dessas figuras, Tarantino aproveita para fazer um comentário
muito pertinente sobre nossa mania de autodestruição, algo que contribui para a
riqueza do longa. A realização de Os
Oito Odiados foi uma incógnita por um tempo, depois que uma versão do
roteiro vazou na internet. Mas assistindo ao filme, é inevitável ficar feliz
com o fato de o diretor ter decidido levar o projeto adiante.
4) Boi
Neon, de Gabriel Mascaro:
Boi Neon é uma prova de que não é preciso uma trama bem definida,
com início, meio e fim, para termos um grande filme. Às vezes, o olhar aguçado
de um diretor talentoso é o que basta, algo que Gabriel Mascaro mostra ter de
sobra ao simplesmente acompanhar seus personagens. No filme, Iremar (Juliano
Cazarré) é um vaqueiro que viaja pelo Nordeste cuidando dos bois para os
rodeios enquanto sonha em ser estilista. Ele é transportado pela caminhoneira
Galega (Maeve Jinkings), que leva consigo a filha pequena, Cacá (Alyne Santana).
Mostrando a realidade dos personagens e seus sonhos de maneira intimista,
Mascaro faz com que nos importemos tanto com eles que, quando o filme chega ao final,
a vontade que fica é de continuar sendo espectador daquelas vidas, que rendem uma
narrativa subversiva e repleta de humanidade junto do enfoque dado pelo realizador.
3) O.J.:
Made in America, de Ezra Edelman:
“Nenhum filme bom é longo demais
e nenhum filme ruim é curto o bastante”, já diria o mestre Roger Ebert. O.J.: Made in America se encaixa como
uma luva na primeira parte desta frase. Produzido pela ESPN, o documentário de
Ezra Edelman usa suas sete horas e meia de duração (que passam voando!) para
contar a trajetória de O.J. Simpson, focando desde sua consagração como jogador
de futebol americano até sua eventual decadência a partir do momento em que foi
acusado de matar a ex-esposa, Nicole Brown, e o amigo dela, Ronald Goldman, em
um julgamento que sacudiu os Estados Unidos na metade década de 1990. A partir
dos depoimentos de uma série de pessoas (algumas inclusive próximas do
ex-jogador) e um trabalho impecável com imagens de arquivo, Edelman mostra a
vida de Simpson em detalhes, conseguindo com isso tocar em temas que vão desde
a realização do sonho americano até o culto à celebridade, além de fazer um
grande resgate histórico sobre o racismo nos Estados Unidos, uma questão que acabou
criando um contexto ainda mais inquietante envolta do julgamento. É um
documentário essencial, com uma narrativa clássica de ascensão, apogeu e queda,
e uma vitória no Oscar da categoria seria muito merecida.
O fato de Aquarius não ter sido escolhido como nosso representante no Oscar
(em uma provável retaliação política pelos protestos feitos por Kleber Mendonça
Filho e sua equipe em Cannes) é um troço que irrita profundamente,
principalmente porque o longa tinha grandes chances de receber uma indicação,
algo que seria mais do que merecido. Tendo em seu cerne o embate entre Clara
(Sônia Braga) e a construtora liderada por Diego (Humberto Carrão), que quer
comprar o apartamento dela a fim de demolir o edifício (o Aquarius do título) e
construir outro mais moderno, o filme é um conto poderoso não só sobre a
resistência contra o que é errado, mas também sobre a preservação de memórias,
representadas aqui por um bem material que ajuda a proporcioná-las, mostrando
que nem tudo pode ser comprado (por maior que seja a quantia). E se Kleber
Mendonça Filho volta a mostrar o talento que havia exibido em O Som ao Redor, criando uma narrativa
envolvente e sabendo divertir e inquietar o espectador quando precisa, Sônia
Braga surge numa atuação absolutamente fantástica, marcando a força de Clara em
cada frame em que aparece.
1) A Chegada (Arrival), de Denis Villeneuve:
Ao falar sobre a presença de Sicario no Top 10 do ano passado,
comentei que colocar um filme de Denis Villeneuve na lista de melhores do ano havia
se tornado um clichê. Pois A Chegada
não só mantém isso firme como ainda é mais um trabalho do diretor que coloco no
topo (O Homem Duplicado encabeçou a
lista de 2014). Isso até diz muito sobre a consistência do cineasta, que tem se
mostrado cada vez mais fascinante na condução de tramas ambiciosas e
inteligentes, conseguindo impor sempre o peso que elas precisam ter. Ao contar
a história do primeiro contato entre humanos e alienígenas, focando nos esforços
da equipe liderada pela linguista Louise Banks (Amy Adams, naquela que deve ser
a melhor atuação de sua carreira até agora) e pelo físico Ian Donnelly (o ótimo
Jeremy Renner) para decifrar os símbolos que os visitantes usam para se
comunicar, Villeneuve volta a exibir um apuro técnico admirável ao mesmo tempo
em que trata com sensibilidade as questões temáticas e emocionais abordadas
pelo roteiro. Assim, o filme consegue manter o espectador sempre instigado com
o desenvolvimento surpreendente da história e a maneira como organiza suas
peças, além de emocionar com a humanidade por trás das decisões dos personagens
e dos caminhos que eles veem diante de si próprios. É uma ficção científica
fantástica e que faz jus aos melhores filmes do gênero.
Outros 45 filmes que merecem menção honrosa (em ordem
alfabética):
A 13ª Emenda (13th), de Ava
DuVernay
O Abraço da Serpente (El
Abrazo de la Serpiente), de Ciro Guerra
Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to
Find Them), de David Yates
Ave, César! (Hail, Caesar!),
de Joel Coen e Ethan Coen
Big Jato, Cláudio Assis
Blue Jay, de Alex Lehmann
Brooklyn, de John Crowley
A Bruxa (The Witch), de Robert Eggers
Caça-Fantasmas
(Ghostbusters), de Paul Feig
Capitão América: Guerra Civil
(Captain America: Civil War), de Anthony Russo e Joe Russo
Carol, de Todd Haynes
Cegonhas: A História Que Não Te
Contaram (Storks), de Nicholas Stoller e Doug Sweetland
Cinco Graças (Mustang), de
Deniz Gamze Ergüven
Cinema Novo, de Eryk
Rocha
O Convite (The Invitation), de Karyn Kusama
Creed: Nascido Para Lutar (Creed), de Ryan Coogler
Deadpool, de Tim Miller
A Despedida, de Marcelo
Galvão
Dois Caras Legais (The Nice Guys), de Shane Black
Elle, de Paul
Verhoeven
Elvis & Nixon, de
Liza Johnson
Hardcore: Missão Extrema
(Hardcore Henry), de Ilya Naishuller
O Homem nas Trevas (Don’t
Breathe), de Fede Alvarez
Invasão Zumbi (Busanhaeng),
de Yeon Sang-ho
Invocação do Mal 2 (The
Conjuring 2), de James Wan
Janis: Little Girl Blue, de Amy Berg
Jogo do Dinheiro (Money
Monster), de Jodie Foster
Kubo e as Cordas Mágicas (Kubo and the Two Strings), de Travis
Knight
O Lamento (Goksung), de Na
Hong-jin
Mogli: O Menino
Lobo (The Jungle Book), de Jon Favreau
Para Minha Amada
Morta, Aly Muritiba
O Quarto de Jack
(Room), de Lenny Abrahamson
O Regresso (The Revenant),
de Alejandro González Iñárritu
Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One: A Star Wars Story), de
Gareth Edwards
Rua Cloverfield, 10 (10 Cloverfield Lane), de Dan Trachtenberg
Sete Homens e Um
Destino (The Magnificent Seven), de Antoine Fuqua
Snoopy & Charlie Brown: Peanuts – O Filme (The Peanuts Movie), de Steve
Martino
Snowden: Herói ou Traidor (Snowden), de Oliver Stone
Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek: Beyond), de Justin Lin
Steve Jobs, de Danny Boyle
Truman, de Cesc Gay
Vizinhos 2 (Neighbors 2: Sorority Rising), de Nicholas
Stoller
Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos (Warcraft), de Duncan Jones
Zoom, de Pedro Morelli
Zootopia: Essa Cidade é o Bicho
(Zootopia), de Byron Howard e Rich Moore
E é isso, meus caros. Desejo a todos um Feliz Ano Novo, torcendo desde já para que 2017 seja melhor que 2016.
Um grande abraço!
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