Ao longo das últimas três
décadas, os irmãos Joel Coen e Ethan Coen se estabeleceram como uma das forças
criativas mais admiráveis do cenário cinematográfico, acumulando uma série
obras memoráveis em sua filmografia e sendo vastamente reconhecidos por isso. Ave, César! mantém esse alto nível da
dupla, e dessa vez é interessante ver realizadores como eles usando seu estilo
para fazer um filme que retrata o próprio Cinema, mais especificamente a reta
final da Era de Ouro de Hollywood durante a década de 1950.
Ave, César! acompanha um dia na rotina de Eddie Mannix (Josh
Brolin). Ele trabalha no estúdio Capitol Pictures protegendo os interesses
tanto de seus empregadores quanto dos atores contratados por eles, evitando que
se estes metam em problemas que manchem a imagem que têm perante o público. Dessa
vez, Eddie aparece tendo que cuidar do sumiço repentino de Baird Whitlock
(George Clooney), astro de um grande épico bíblico do estúdio (o “Ave, César!”
do título) e que é sequestrado por roteiristas comunistas. Como se não
bastasse, ele também precisa ajudar a encobrir a gravidez de DeAnna Moran
(Scarlett Johansson), uma das queridinhas da indústria, e lidar com a
insatisfação do diretor Laurence Lorenz (Ralph Fiennes), que se vê obrigado a
trabalhar com o limitado Hobie Doyle (Alden Ehrenreich), um astro do faroeste.
Organizando o roteiro ao redor desses
elementos, os Coen praticamente estruturam o filme como uma série de esquetes e set pieces, desenvolvendo-os sem se esquecerem de fazer com que todos
ajudem a levar para frente a história do dia-a-dia de Eddie, que é o grande
conector da narrativa. Aqui, aliás, é preciso destacar o trabalho de montagem de
Roderick Jaynes (pseudônimo dos diretores), que pula organicamente de uma
subtrama a outra, sem quebrar o ritmo da narrativa. Em meio a isso, Ave, César! traz cenas que cumprem
maravilhosamente seu objetivo de divertir, trazendo referências e brincadeiras envolvendo
as peculiaridades da indústria hollywoodiana da época, sejam elas na frente ou
atrás das câmeras, como o encontro de Mannix com representantes religiosos ou quando
vemos Laurence Lorenz tentando fazer com que Hobie Doyle diga suas falas
corretamente.
Na verdade, os Coen utilizam
inteligentemente os mais variados aspectos para entreter o público, desde seus
diálogos ágeis até o excelente desenho de som, que em determinados momentos insere
efeitos que apontam detalhes divertidos sobre os personagens (os pontuais sons
de águias são particularmente hilários). Isso tudo ocorre por os diretores
abraçarem sem pudor algum o inusitado das situações que surgem na tela,
mantendo-se fieis ao humor nonsense
que marcou boa parte de sua filmografia. Mas o que faz a narrativa concebida por
eles ser realmente encantadora é que tudo o que é apresentado ao longo da
história serve a um único propósito: homenagear a Arte para a qual eles se
dedicam. Assim, é interessante ver como Ave,
César! traz uma miscelânea de gêneros cinematográficos, com os Coen desfilando
naturalmente entre o épico, o noir, o musical (a sequência de sapateado
protagonizada por Channing Tatum é excepcional) e o faroeste, de forma que a
fotografia do mestre Roger Deakins merece créditos por modular muito bem entre
cada proposta, além de trazer um aspecto caloroso ao filme com os tons de sépia
que regem a maior parte da projeção.
Enquanto isso o elenco estelar, do
tipo que só diretores do calibre dos Coen conseguem reunir, claramente se
diverte interpretando as figuras excêntricas criadas por eles. De George
Clooney a Ralph Fiennes, passando por Alden Ehrenreich (que rouba quase todas
as cenas em que aparece), Channing Tatum, Scarlett Johansson, Jonah Hill, Tilda
Swinton e Frances McDormand, todos conseguem se destacar, mesmo que alguns
tenham meras participações especiais. Mas é inegável que Josh Brolin merece
atenção especial, já que como Eddie Mannix ele é o único que ganha a chance de interpretar
um personagem relativamente normal e com mais nuances, sendo um homem que sente
o peso de seu trabalho e do que acaba sacrificando em nome disso, mas que não
evita de sentir prazer nas coisas que precisa fazer.
Ave, César! entretém ao mostrar não só a magia ilusória do Cinema,
mas também os possíveis empecilhos que ocorrem em sua realização e as pequenas
imperfeições da vida real. É o filme que poderíamos esperar quando gênios como
os irmãos Coen decidem falar sobre essa Arte, que pode ser subestimada por
muitos, mas (como os próprios diretores parecem indicar na torre que surge antes dos créditos
finais) merece ser vista com a mais profunda admiração.
Nota:
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