quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ave, César!

Ao longo das últimas três décadas, os irmãos Joel Coen e Ethan Coen se estabeleceram como uma das forças criativas mais admiráveis do cenário cinematográfico, acumulando uma série obras memoráveis em sua filmografia e sendo vastamente reconhecidos por isso. Ave, César! mantém esse alto nível da dupla, e dessa vez é interessante ver realizadores como eles usando seu estilo para fazer um filme que retrata o próprio Cinema, mais especificamente a reta final da Era de Ouro de Hollywood durante a década de 1950.

Ave, César! acompanha um dia na rotina de Eddie Mannix (Josh Brolin). Ele trabalha no estúdio Capitol Pictures protegendo os interesses tanto de seus empregadores quanto dos atores contratados por eles, evitando que se estes metam em problemas que manchem a imagem que têm perante o público. Dessa vez, Eddie aparece tendo que cuidar do sumiço repentino de Baird Whitlock (George Clooney), astro de um grande épico bíblico do estúdio (o “Ave, César!” do título) e que é sequestrado por roteiristas comunistas. Como se não bastasse, ele também precisa ajudar a encobrir a gravidez de DeAnna Moran (Scarlett Johansson), uma das queridinhas da indústria, e lidar com a insatisfação do diretor Laurence Lorenz (Ralph Fiennes), que se vê obrigado a trabalhar com o limitado Hobie Doyle (Alden Ehrenreich), um astro do faroeste.

Organizando o roteiro ao redor desses elementos, os Coen praticamente estruturam o filme como uma série de esquetes e set pieces, desenvolvendo-os sem se esquecerem de fazer com que todos ajudem a levar para frente a história do dia-a-dia de Eddie, que é o grande conector da narrativa. Aqui, aliás, é preciso destacar o trabalho de montagem de Roderick Jaynes (pseudônimo dos diretores), que pula organicamente de uma subtrama a outra, sem quebrar o ritmo da narrativa. Em meio a isso, Ave, César! traz cenas que cumprem maravilhosamente seu objetivo de divertir, trazendo referências e brincadeiras envolvendo as peculiaridades da indústria hollywoodiana da época, sejam elas na frente ou atrás das câmeras, como o encontro de Mannix com representantes religiosos ou quando vemos Laurence Lorenz tentando fazer com que Hobie Doyle diga suas falas corretamente.

Na verdade, os Coen utilizam inteligentemente os mais variados aspectos para entreter o público, desde seus diálogos ágeis até o excelente desenho de som, que em determinados momentos insere efeitos que apontam detalhes divertidos sobre os personagens (os pontuais sons de águias são particularmente hilários). Isso tudo ocorre por os diretores abraçarem sem pudor algum o inusitado das situações que surgem na tela, mantendo-se fieis ao humor nonsense que marcou boa parte de sua filmografia. Mas o que faz a narrativa concebida por eles ser realmente encantadora é que tudo o que é apresentado ao longo da história serve a um único propósito: homenagear a Arte para a qual eles se dedicam. Assim, é interessante ver como Ave, César! traz uma miscelânea de gêneros cinematográficos, com os Coen desfilando naturalmente entre o épico, o noir, o musical (a sequência de sapateado protagonizada por Channing Tatum é excepcional) e o faroeste, de forma que a fotografia do mestre Roger Deakins merece créditos por modular muito bem entre cada proposta, além de trazer um aspecto caloroso ao filme com os tons de sépia que regem a maior parte da projeção.

Enquanto isso o elenco estelar, do tipo que só diretores do calibre dos Coen conseguem reunir, claramente se diverte interpretando as figuras excêntricas criadas por eles. De George Clooney a Ralph Fiennes, passando por Alden Ehrenreich (que rouba quase todas as cenas em que aparece), Channing Tatum, Scarlett Johansson, Jonah Hill, Tilda Swinton e Frances McDormand, todos conseguem se destacar, mesmo que alguns tenham meras participações especiais. Mas é inegável que Josh Brolin merece atenção especial, já que como Eddie Mannix ele é o único que ganha a chance de interpretar um personagem relativamente normal e com mais nuances, sendo um homem que sente o peso de seu trabalho e do que acaba sacrificando em nome disso, mas que não evita de sentir prazer nas coisas que precisa fazer.

Ave, César! entretém ao mostrar não só a magia ilusória do Cinema, mas também os possíveis empecilhos que ocorrem em sua realização e as pequenas imperfeições da vida real. É o filme que poderíamos esperar quando gênios como os irmãos Coen decidem falar sobre essa Arte, que pode ser subestimada por muitos, mas (como os próprios diretores parecem indicar na torre que surge antes dos créditos finais) merece ser vista com a mais profunda admiração.

Nota:

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